quarta-feira, 18 de junho de 2025

O Padre X parte




Os dias seguintes foram marcados pela chuva torrencial o que impossibilitou as suas caminhadas. E como tal não pode comentar com Erick sobre o divórcio. O simples facto de não ver Erick deixava-a demasiado apreensiva e nervosa. Nervosismo que não passou despercebido à sua mãe.

- Tens a certeza que Steven não vai voltar a trás com o divórcio? - Lana sentou-se na cadeira e fez sinal à filha para se sentar junto a ela - Pareceu tudo tão calmo. 
- Ainda bem que assim foi! E sim. Neste momento ele tem mais interesse que eu no divórcio. Afinal está perdido de amores por Rita.
- E tu não estás? 
- Não a conheço para poder perder-me de amores. - Valerie fingiu não perceber a mãe.
- Engraçada a menina... - Lana revirou a vista - Vou fingir que não sabes do que falo. Mas agora que falas nela, não tens curiosidade?
- Sobre Rita?! Talvez, não sei. Gostava de a conhecer mas se tal não acontecer não vou perder o sono por isso.
- Mas algo te anda a tirar o sono.
- Só estou preocupada contigo. Já consegues andar de canadianas mas o solar tem imensas escadas. 
- Cada coisa a seu tempo. - Lana levantou-se e caminhou lentamente até à cama - Acho que vou descansar um pouco. 
- Já percebi. - Valerie beijou o rosto da mãe - Eu volto amanhã.
- Obrigada filha. 

Conforme ia percorrendo os corredores do hospital ia despedindo-se das enfermeiras e ao mesmo tempo olhando para todos os quartos cuja porta estivesse aberta na esperança de ver Erick. 
Mas à medida que se aproximava da saída do hospital a sensação de vazio ia aumentando. E a ausência dele era o que lhe tirava o sono. Apesar de não ter muita experiência ela tinha percebido o desconforto dele sempre que tiveram um contacto mais próximo, e ela compreendia o motivo mas visto Steven concordar com o divórcio esse mesmo motivo deixava de existir. E ela estava desejosa de lhe dizer que finalmente era uma mulher livre. Bem, ainda não era mas seria brevemente. E dias depois ela constatou que tinha razão quando Steven telefonou para lhe dizer que um advogado iria ao solar levar os papéis do divórcio. A excitação era notória na voz dele, sinal que estava feliz e realmente apaixonado por Rita.  
Ela por seu lado não podia ter uma vida mais monótona. Sem ter notícias de Erick tentava manter-se ocupada como podia. O que significava fazer de Trash a sua ocupação diária. O que muitas vezes lhe dava imensas dores de cabeça pois o animal não perdia uma oportunidade para fugir e desaparecer por horas a fio. E essa noite não era excepção. Trash saíra mal ela chegara do hospital e ainda não tinha regressado. Já tinha ido ao jardim chamar por ela e abanara a caixa dos snacks que ela tanto gostava mas sem qualquer resultado.
Se não fosse pela enorme tempestade ela não se preocuparia com a gata mas não faltava muito para nascerem as crias e a sua mãe nunca lhe iria perdoar se estas nascessem em algum lugar sujo e frio. Sabendo que seria a primeira coisa que a sua mãe iria perguntar mal ela entrasse no quarto e sabendo que não lhe conseguiria esconder a verdade decidiu sair debaixo de chuva. O vento fustigava o seu corpo dificultando o seu andamento enquanto a chuva parecia querer entrar por todas as aberturas possíveis da sua capa. 

- Pronto... admito! Gosto da chuva mas podias ter um pouco de calma!? - Valerie olhou o céu cada vez mais escuro - Ao menos deixa-me encontrar aquela bendita gata! É pedir muito?!
- Sabia que este dia iria chegar.

Ao ouvir aquela voz estremeceu. Não podia ser verdade! Ele não podia estar ali! Não quando ela estava enxarcada até ao ossos por causa da gata!
Olhou para ele para confirmar que não era um produto da sua imaginação. Não era! Estava realmente ali! Estava ali, diante dela vestindo uma capa preta que achou pequena para ele. Porque escolhera justamente aquela noite chuvosa para a procurar se ele nem gostava de chuva?! Podia ter esperado pelo amanhecer! Percebeu que ele mantinha o olhar no seu rosto, sentiu-se corar e baixou a cabeça enquanto fechava os olhos obrigando-se a pensar no comentário dele.

- Desculpa?!
- Sabia que andar à chuva iria mexer com a tua sanidade mental. Já falas sozinha.
- Não estava a falar sozinha! Estava a exteriorizar as minhas preocupações.
- Com a tua mãe?
- Com aquela gata teimosa! Fugiu novamente!
- E achaste boa ideia sair com esta chuva.
- Não fui a única.
- Em minha defesa tenho a dizer que quando saí não chovia assim tanto.
- Quando saí também não. - Valerie ajeitou a capa ao corpo - E fazia menos vento!
- Certamente deve ter algum lugar que goste. 
- Ah?!
- Trash. Onde a encontraste? Os animais tendem a ter as crias onde se sentem seguros.
- Uma sala quente não é segura o suficiente?! - Valerie dirigiu-se às traseiras do solar - Foi Tim que a encontrou no barracão.
- Acho que deverias aguardar. Certamente não tarda em regressar mas se ficas mais tranquila não custa ir verificar. Se ela voltou para lá é porque se sente mais segura ali. Por isso, se lá estiver, o mais certo é preferir ter lá a ninhada. 
- Como sabes tanto de animais?
- Simples curiosidade. - Erick empurrou o portão do barracão - Quando era criança tínhamos gatos e quando as crias estavam para nascer algumas gatas fugiam e só regressavam quando as crias já comiam sozinhas.
- Porquê?
- Instinto de sobrevivência. - Erick espreitou por entre as latas e tábuas - Não me parece que esteja aqui.
- A sério! Esta gata acaba com a minha paciência! 
- Mas não te preocupes. Quando terminar de chover ela regressa. 
- Se tu o dizes... - Valerie estremeceu quando um novo relâmpago iluminou o interior do barracão- Acho melhor voltar para casa. 
- Também acho. 

Valerie seguiu Erick até à entrada da cozinha sob a chuva que teimava em cair. Ao chegar à entrada olharam-se como se fosse a primeira que vez que estavam sozinhos. Quando ela pensou que aquele breve silêncio estava pesado demais um miado fez-se ouvir. Olharam os dois ao mesmo tempo para a porta da cozinha e ali estava Trash, olhando para eles como se os achasse loucos por estarem ali à chuva. 

- Eu não disse?
- Disseste que ela regressava quando deixasse de chover.
- Detalhes sem importância!
- Pois sim... - Valerie sorriu- Vou fazer café para nós.
- Nós?!
- Acho melhor ficares até deixar de chover. - Valerie entrou em casa sentindo as faces ficarem vermelhas pois era plenamente consciente até onde aquele convite poderia levar- Dado o meu histórico não quero que me acuses de te causar uma pneumonia. E queria falar contigo.
- Pela tua voz parece algo sério.
- Importante.

Valerie sentia os olhos dele nas suas costas enquanto colocou a máquina a fazer o café. Tentando fugir aquela pressão visual dirigiu-se à sala onde, depois de acariciar a cabeça de Trash, encheu-lhe o prato com comida. Quando agarrou uns paus para colocar na lareira ele segurou a mão dela. 

- Vai mudar de roupa enquanto eu faço isso. 

Valerie olhou para ele perguntando-se como era possível que o simples toque da mão dele lhe transmitisse tanto calor e segurança ao mesmo tempo que lhe despertava alguns pensamentos menos próprios. Recordou a última vez que ali estiveram numa situação semelhante e estremeceu novamente. Institivamente aproximou-se dele e podia sentir o calor do corpo dele através da roupa molhada. Naquele momento Erick afastou-se e começou a avivar a lareira. As palavras do seu velho amigo ecoaram na sua mente. O facto de ela estar casada podia ser o motivo que levava Erick a evitá-la. Mas como abordar o assunto?! 

- Vou buscar o café. 

Enquanto preparava o tabuleiro sentia o corpo tremer de nervosismo. Gostaria de ter mais experiência ou então não se sentir atraída por Erick! Por um lado sentia uma certa culpa por ele despertar certos sentimentos nela. Sentimentos que nunca sentira pelo marido mas dado o casamento deles era normal. Às vezes pensava que até aparecer Erick sempre lhe fora fiel. Qualquer outra no seu lugar não pensaria duas vezes em pagar da mesma moeda. Mas já não tinha a pressão do casamento. Pelo menos isso não iria pesar na sua consciência nem lhe tirar o sono. Era finalmente uma mulher livre. Um relâmpago iluminou o céu e o som do trovão fez-se ouvir segundos depois o que indicava que a tempestade estava muito perto. Respirou fundo e dirigiu-se à sala. Só iria acontecer o que Deus quisesse! 

- Trouxe umas fatias de bolo caso tivesses fome.
- Obrigado mas o café é suficiente.

Ao dar-lhe a chávena os seus dedos tocaram-se e ela olhou a mão dele em silêncio. Preparou-se mentalmente para deixar de sentir aquele calor reconfortante quando ele agarrou a sua mão com a mão que tinha livre e devolveu a chávena do café ao tabuleiro sem dizer uma palavra. Valerie sentia o coração acelerar a cada segundo que passava e quando ele levou a mão ao seu rosto ela fechou os olhos institivamente. Cada toque dele era como uma carícia que ela queria fazer durar o máximo possível. 

- Erick! - Valerie mantinha o olhos fechados temendo que aquele momento terminasse - Eu...
- Eu sei. - Erick aproximou o corpo do dela - Também tenho lutado contra isto.
- Tens?! 

Valerie abriu os olhos quando sentiu a respiração dele junto aos seus lábios. Mas voltou a fechá-los quando os lábios de Erick tocaram suavemente nos seus provocando uma avalanche de sensações que ela nunca tinha sentido. Quando as mãos dele procuraram a sua pele por debaixo da blusa molhada percebeu que certas parte do seu corpo reagiam ao toque com pequenos choques elétricos. Deliciosos choques... Murmurou um protesto quando ele se afastou para lhe tirar a blusa o que o fez sorrir. A cada peça de roupa que lhe retirava ela estremecia mas de prazer perante o toque e os beijos que ele depositava no seu corpo que pouco a pouco estava nu, assim como o dele, deitado no tapete em frente à lareira. A tempestade lá fora continuava mas ela apenas estava consciente dos beijos que Erick depositava no seu pescoço, nos seus seios, no seu ventre... ao chegar aí o seu corpo arqueou de prazer e um calor avassalador apoderou-se do seu interior. Erick afastou-se ligeiramente mas ela colocou os braços no pescoço dele impedindo que se afastasse. Queria mais! Precisava de mais! Erick voltou a tentar afastar-se dela o que a fez congelar. Ele queria afastar-se dela?! Como se lesse os pensamentos dela, Erick beijou os lábios dela desta vez com mais ímpeto ao mesmo tempo que se colocava entre as pernas dela. O seu corpo reagiu ao dele e começou a movimentar-se ao ritmo dele como se de uma dança se tratasse. Inicialmente com calma mas pouco depois os gemidos dela obrigaram Erick a aumentar os movimentos e algum tempo depois os dois corpos cederam à paixão e renderam-se ao clímax. 

Valerie olhava as chamas da lareira sentindo o corpo nu de Erick colado ao seu. Sentia que deveria dizer alguma coisa mas não queria interromper aquele momento especial. Erick despertara-lhe sensações sobre as quais apenas lera e sonhara um dia sentir. Sensações que ao casar pensara que eram apenas fantasia, mitos que se inventam para fazer as raparigas sonhar com o príncipe encantado! Mas Erick provara que não eram mito, que ela podia sentir tudo aquilo que sonhara e ainda mais. 
 
- Estás muito calada.
- É suposto dizer algo?
- Estás arrependida? - Erick levantou-se e começou a vestir-se - Não penses que foi planeado porque não foi. Como disse anteriormente também tenho lutado pois a última coisa que queria arranjar mais problemas mas não sou de ferro! E não podes dizer que fui o único a querer!
- Isso vem a que proposito?! - Valerie olhou-o incrédula - Sei muito bem que são precisos dois para dançar o tango! Se te preocupa que te vá pedir responsabilidades estás...

Valerie viu-se novamente nos braços dele e o beijo que se seguiu mostrava bem a paixão que ambos sentiam.

- Desculpa! - Erick afastou-se dela ligeiramente - Não era minha intenção insinuar o que fosse. Simplesmente tenho a cabeça cheia de problemas mas isso não é justificação para descarregar em ti.
- Depende de como quiseres descarregar. - Valerie sentiu-se atrevida e beijou-o - É tudo questão de perspectiva.
- E na tua perspectiva até onde posso descarregar?

Valerie não respondeu pois a boca de Erick procurava a dela novamente com a mesma sede da primeira vez. E não tardou muito até se entregarem novamente ao desejo que os corroía por dentro. 
Repousava a cabeça no peito de Erick quando este se sentou rapidamente.  

- Veste-te. Ouvi um carro. 
- Um carro?! - Apesar de achar estranho pois ela não ouvira nada obedeceu e passou as mãos nos cabelos - Tens a certeza? Não ouvi nada. 

Mas a sua pergunta foi respondida pelo toque da campainha. Respirou fundo e foi até à porta principal.  Ao aproximar-se conseguia ouvir vozes que ela já conhecia. Tim e a sua mãe.  

Maria entrou mal ela abriu a porta. 

- Desculpe menina mas a minha mãe insistiu em...
- Vê-se mesmo que és homem! Olha só como ela está nervosa. Eu sabia que uma noite como esta iria deixá-la assustada. 
- Está uma noite terrível mesmo. - Valerie não sabia bem como reagir- Mas não havia necessidade de virem até aqui com este temporal. 
-Tolices! Se a sua mãe soubesse que estava sozinha nunca me iria perdoar. 

 Maria caminhou em direção à sala e ela estremeceu. Que diria quando visse Erick?!

- Maria. - Valerie chamou-a na esperança de travar o passo acelerado desta - A sério. Estou bem. Não é preciso tanta preocupação. 
- Mais uma vez peço desculpa menina.  - Tim seguiu Valerie enquanto falava em surdina - Eu bem lhe disse que a menina podia não gostar de ter visitas a esta hora, que podia ter outros planos...

Valerie deixou de o ouvir ao entrar na sala e deparar-se com Maria colocando uma toalha na pequena mesa. Olhou em redor mas não havia sinal de Erick. Apesar de agradecer a ausência dele não conseguiu deixar de se perguntar porque ele evitava que os vissem juntos. Mais uma vez teve que se esforçar para dar a devida atenção aos "convidados" pois a sua cabeça só conseguia pensar nos possíveis motivos que teria Erick para a evitar.  



quarta-feira, 2 de abril de 2025

O Padre IX parte





No dia seguinte acordou com dor de cabeça de tanto pensar o que levara Erick a deixá-la após o beijo. Nunca iria imaginar que ele fugiria, porque fugira, sem dizer uma única palavra. Por mais que pensasse não compreendia porque ele agira assim. Não eram mais crianças! Até ela, que tinha apenas Steven como referência, sabia bem onde aquele beijo os poderia levar. Olhou o relógio quando o despertador tocou, ainda tinha tempo de ir correr antes de Tim chegar para a levar ao hospital. Apesar da confusão que ia na sua cabeça o seu coração bateu mais depressa perante a possibilidade de encontrar Erick.

Após percorrer o carreiro até à aldeia, sem o encontrar, sentiu a tristeza apoderar-se do seu coração. Onde estaria?! Tinham combinado encontrar-se para caminhar. Ou não?! A sua cabeça estava uma confusão tão grande que já não tinha a certeza de nada. Lembrou-se que ele trabalhava no hospital. Talvez tivesse surgido alguma emergência e ele fosse chamado. Regressou ao solar mais triste e confusa do que quando saíra. E ainda enumerava os possíveis motivos para a ausência de Erick quando Tim a chamou.

Durante a viagem agradeceu por Tim falar por ambos. Muitas vezes nem esperava que ela participasse na conversa. Era uma espécie de monologo. Um monologo bastante divertido onde o tema de conversa conseguia sair do que ela considerava ser expectável. 

Preocupada com a ausência de Erick caminhou pelos corredores do hospital sem o encontrar. Decidida a saber algo dele dirigiu-se ao balcão das enfermeiras para obter alguma informação mas recordou que apenas sabia o nome próprio. Suspeitava que ele era médico ou enfermeiro mas não tinha a certeza e tendo em conta a sorte que tinha ainda iria virar a chacota do hospital se confundisse o cargo. Temendo isso apenas perguntou se podia ver a sua mãe.  
Antes de entrar no quarto fechou os olhos e respirou fundo. Precisava esconder a confusão que lhe ia na alma.

- Vieste cedo.
- Pensei que ias gostar de ter companhia. - Valerie tirou o casaco e aproximou-se da cama - Como estás?
- Bem. - Lana beijou o rosto da filha - Como está Trash?
- Melhor que tu e que eu.
- Acredito. - Lana mexeu-se na cama inquieta - Estiveste a chorar?
- Claro que não.
- A julgar a tua cara e esses olhos húmidos não sei se acredite. Steven?!
- Quer acredites quer não, não sei dele desde que cheguei.
- Então que se passa?
- Nada. É apenas cansaço. - Valerie dirigiu-se à janela - Tens uma vista bonita.
- Queres falar sobre a vista?
- Porque não?
- Porque não podemos fugir das coisas para sempre. E sou tua mãe. Sei que aconteceu algo que mexeu contigo. 

Valerie olhou para a mãe. A perna envolta em ligaduras deva-lhe um ar ainda mais frágil. Não era boa altura para falar da sua quase traição ou da traição confirmada de Steven. Era um assunto para quando a mãe se sentisse melhor.

- Só estou preocupada contigo. Nada mais.
- Pois sim... Olha. Gosto de te ter aqui mas acho que precisas de ocupar essa cabeça. Por isso preferia que ficasses com Trash. Não deve demorar a ter as crias. 
- Ela sabe o que tem que fazer melhor que eu.
- Isso é evidente. Mas tu prometeste ficar para cuidar dela. Só assim consenti ficar aqui.
- Estás a expulsar-me?
- Apenas estou a recordar-te a tua promessa. Não há necessidade de ficares aqui o dia todo. Já basta uma prisioneira. E depois, as drogas que me dão são boas.
- Drogas?!
- A medicação para as dores. 
- Oh mãe!
- Promete que vais resolver isso que te incomoda antes de ires ver de Trash. Afinal só temos uma vida e tu já perdeste muito da tua com quem te faz sofrer. 
- O que queres dizer com isso?
- Que está na hora de virares a mesa. Ou como diria o teu pai, está na hora de seres tu a dar as cartas. Vá! O que esperas?! Sou velha mas não parva e se a tua felicidade não está ao lado de Steven já é altura de cortar as amarras! 
- Acho que as drogas estão a afetar o teu discernimento. Sempre foste contra o divórcio! - Valerie sentia o coração bater apressado - E se bem te lembras não tenho trabalho nem bens dos quais viver. Resumindo, não tenho nada nem ninguém!
- Eu não sou ninguém? 

Valerie olhou para a mãe admirada pela brusquidão com que disse aquela frase. E não foi a única pois no minuto seguinte entrou uma enfermeira que estava de passagem no corredor. 

- Está tudo bem? - A enfermeira olhou para as duas - Hoje estamos um pouco agitadas. 

Valerie observou atentamente a enfermeira enquanto esta mediu a pressão arterial e depois de lhe devolver o olhar tocou a campainha. 

- Há algum problema?
- Não se preocupe, o médico vem já.  Pode aguardar lá fora uns instantes?


Embora contrariada saiu do quarto. Que teria acontecido? Estariam a esconder-lhe algo? A apreensão aumentou quando um médico entrou no quarto. Não era o mesmo do dia anterior. Sentiu as pernas fraquejar e procurou a cadeira mais próxima. Onde estava Erick agora que precisava de um ombro amigo?! Ele tinha prometido estar com ela! Porque faltara ao que dissera?! Se algo acontecesse não teria forças...

- Menina Dow?!
- Sim?! - Valerie olhou o médico consciente que tinha os olhos cheios de lágrimas.
- Não precisa ficar nervosa. - O médico voltou-se para a enfermeira que saía do quarto. - Traga um copo de água com açúcar se faz favor. Estou a ver que o nervosismo é hereditário. 
- A minha mãe?
- Ela está bem, apenas um pouco nervosa. Dada a medicação que está a fazer não deveria ter a pressão arterial tão elevada. Tenho a certeza que foi um pico devido à agitação.  A ideia das visitas é acalmar os doentes não o oposto. 
- Peço desculpa, não era minha intenção. Estávamos a falar e depois ela...
- Não se preocupe mais com isso. - O médico voltou-se para a enfermeira que regressava com o copo pedido - Obrigado. Beba isto, ordens médicas. 
- Obrigada. - Embora contrariada Valerie bebeu o liquido de uma vez - Estava a dizer?
- Estava a dizer que lhe dei um leve sedativo. Nada de mais. A preocupação da sua mãe tem que ver com alguém chamado Trash.
- A gata...

O olhar divertido do médico demonstrava que achava aquela preocupação tão idiota como ela. 

- É normal nestas idades direcionar os sentimentos. Os filhos casam, vão para longe e nem sempre é fácil.
- Quer dizer que o doutor acha normal?
- Bom, não sou psicólogo mas não me parece que seja algo que mereça preocupação.  A si só lhe posso dar um conselho. Vá para casa e cuide de Trash. A sua mãe irá ficar mais tranquila e neste momento é o que importa.
- Sim. - Valerie levantou-se e estendeu a mão ao médico - Obrigada por tudo.


Cuidar de Trash! Ela tinha ido para cuidar da sua mãe não de uma gata prenha! Quem diria que aquele ser sujo e assustadiço iria ter um lugar tão importante na vida da sua mãe?! Ela tinha percebido que a mãe ficara muito abalada quando viu a gata mas nunca iria imaginar que essa preocupação atingiria aquelas proporções. Mas que fazer?! Se até o médico achava que naquele momento era o melhor a fazer. 


- Menina?! 
- Sim? - A voz de Tim tirou-a dos pensamentos.
- Queria pedir-lhe um favor. - Tim apertou o velho chapéu em sinal de nervosismo - Gostaria de sair mais cedo hoje. Preciso comprar umas coisas que a minha esposa pediu. Sabe... o meu filho faz anos hoje e nós até pensámos em convidá-la mas imagino que neste momento não tenha vontade de festas. É que está a atravessar um momento menos bom e compreendemos que não tenha a mínima vontade mas se quiser ir teremos todo o gosto em recebê-la. A minha esposa até contratou um mágico. Imagine!
- Porque não disse?! - Valerie sorriu e levantou a mão ao ver que ele ia começar a falar novamente - Em primeiro lugar os meus parabéns! Em segundo nem deveria ter vindo trabalhar. Vá já para casa. Não quero discussão. Vamos!
- Obrigado menina. 
- Até amanhã Tim. 


O filho de Tim fazia anos... Precisava comprar algo ao menino. Ainda não sabia o quê mas no centro comercial não faltavam opções. Pensar no centro comercial recordou-lhe a última vez que lá esteve. Steven não tinha dado sinais de vida desde então. Teria desistido dela? Esperava que sim. Assim como esperava que ele concordasse com o divórcio.

Esperava?! Não tinha que esperar, tinha que lutar! E independentemente do que Steven queria a vontade dela também era para ser levada em conta. E a sua mãe tinha razão. Estava na hora de agir, de virar a mesa. E para isso precisava de falar com ele, colocar todas as cartas na mesa e decidir o que iriam fazer dali para a frente. Sentiu um frio na barriga. E se ele não aceitasse o divórcio? Se ele negasse tudo o que ela vira e sabia ser verdade? Que faria? Iria lutar pela sua independência? E se após ser confrontado com a inegável verdade, Steven lhe cedesse o divórcio do que viveria? Não podia viver à sombra da sua mãe. Oh Deus! Deus... Ele iria ajudá-la ou iria castigá-la pelos beijos e pelos pensamentos menos próprios que tinha sempre que pensava em Erick?

Sentindo que sufocava decidiu dar um passeio. Caminhar sozinha reforçava a sensação que mais que nunca sentia falta de Erick e das conversas que tinham. Ele tinha o condão de a levar a esquecer tudo o que a rodeava. Quando estava com ele as suas preocupações dissipavam-se como se nunca tivessem existido. Ele fazia-a sentir segura. Naquele momento parou como se estivesse colada ao chão. Tudo aquilo que ela estava a sentir, toda aquela avalanche de sentimentos lhe diziam que estava apaixonada. Como era possível?! Que sabia dele?! O nome e que trabalhava no hospital. Nem tinha a certeza se era médico ou enfermeiro! Onde ele vivia ou o número de telemóvel era-lhe completamente desconhecido. E mais importante, os sentimentos eram recíprocos ou ele sentia apenas uma atracção física? Recordou uma frase do seu pai. " Tudo acontece exactamente quando tem que acontecer. Nem antes, nem depois"
Talvez Erick não fosse o "tal" mas apenas tivesse aparecido na sua vida para lhe mostrar que podia amar e que tinha o poder de desencadear desejo numa outra pessoa. Naquele momento sentiu-se livre. 
 Estava na hora de colocar um ponto final no seu casamento. Não queria viver ao lado de um homem que o único sentimento que a fazia sentir era medo e insegurança. Iria lutar pela sua liberdade, iria ser dona da sua vida. Nem que para sobreviver tivesse que varrer ruas. 

Depois veria onde a levava a sua amizade com Erick. Não sabia o que ele sentia por ela mas ela estava decidida a desfrutar daquela paixão enquanto pudesse.
E para isso precisava de se libertar de Steven. Se bem que o facto de ele ter arranjado uma amante libertava-a de qualquer obrigação moral que pudesse ter. Afinal se ele podia quebrar os votos do matrimónio ela também tinha esse direito. Ou o facto de ser mulher era uma condicionante? Perante a sociedade sim. As mulheres sempre foram prejudicadas nesse...

O som de uma mensagem interrompeu aquelas divagações.  Era a sua mãe a pedir para levar roupa interior.  Ao colocar o telemóvel no bolso percebeu que estava em frente ao moinho. 
Aquele lugar tinha algo de mágico e sentia uma espécie de satisfação ao saber que aquele lugar pertencia à família. Talvez o pudesse recuperar e fazer dele uma pousada ou algo do gênero. Não se importava de viver ali...  
Um fio de fumo branco saía da chaminé do moinho. Ficou feliz por a associação ter decidido alugar o espaço. Era uma pena esconder aquela beleza do mundo. 
Não querendo incomodar o inquilino deu a volta ao moinho e foi até à queda de água. Sentou-se numa pedra junto à margem e apertou o casaco. O vento fustigava o seu rosto como se a quisesse castigar pelas decisões que tomara. O padre August dizia que Deus arranja sempre forma de nos dizer o que devemos ou não fazer. Mas muitas vezes não percebemos a mensagem ou então interpretamos de forma errónea. Ou como nos dá mais jeito.  
Deus arranjaria forma de a castigar por se divorciar? Não. Deus não seria tão cruel com ela. Melhor que ninguém Ele sabia o que ela tinha passado com Steven. 


Enquanto aguardava um táxi olhou o céu da cidade. As nuvens cinzentas passeavam calmamente como se esperassem que as pessoas que corriam apressadas pela cidade resolvessem abrigar-se do frio e chuva que elas anunciavam.  
Apertando o cinto da parka entrou no táxi.  Sentia uma certa apreensão em ir a casa, talvez pelo medo do que pudesse encontrar, por isso combinara com Steven na pastelaria do centro comercial. Tinha ficado surpreendida por ele ter concordado sem colocar qualquer obstáculo. Um encontro num lugar público dava-lhe uma certa segurança mas a determinação que a tinha invadido no dia anterior parecia diminuir a cada minuto que passava. 
Olhou o relógio, tinha chegado antes da hora combinada. Era melhor assim, pelo menos teria tempo para se acalmar.
Embora não tivesse tomado o pequeno almoço pediu apenas um café pois sentia o estômago às voltas. 
Agradecia à rapariga quando o avistou. Caminhava confiante, determinado, mas não lhe parecia irritado. Diria até que ele estava calmo. Demasiado calmo. O que não lhe inspirava muita confiança.

- Chegaste cedo. - Steven depositou um beijo no rosto dela agindo como se não estivessem à tanto tempo sem se falar- A tua mãe está melhor?
- Sim. Obrigada. 
- Só vais beber café?
- Sim.  - Valerie olhou para ele sentindo o corpo tremer. Como abordar o assunto que a levara ali?
- Ainda bem que ligaste. -  Steven fez sinal à empregada e sorriu- Deveria ser eu a ligar, seria o mais correto. 
- Não importa quem o fez. 
- Para mim importa! - Steven calou-se quando a empregada se aproximou - Esta conversa deveria ter tido lugar à mais tempo.  Rita está constantemente a recordar-me que não posso adiar mais. E tem toda a razão. 
- Rita?! 
- Acho melhor começar pelo princípio. Pelos motivos que me levaram a casar contigo.  

 Steven levou a mão ao bolso e tirou uma fotografia que lhe estendeu. Ao agarrar a fotografia percebeu que as mãos dele tremiam mais que as suas. Olhou-a e ficou admirada com a semelhança entre ela própria e a mulher da fotografia. Podiam ser irmãs! Olhou para ele sem entender. 


- Essa mulher foi o meu primeiro amor. Até conhecer Rita nunca imaginei que pudesse amar alguém com tanta intensidade. Estava completamente apaixonado e para mim não era concebível a vida sem ela. Assim como eu, ela gostava de festas, de conviver com os amigos e viajar.  Poucos meses depois de nos conhecermos ela aceitou o meu pedido de casamento. Não podia acreditar na minha sorte. Não podia ser mais feliz e acreditava que ela também o era. - Steven fechou as mãos nervosamente - Um dia ela disse que precisava de fazer uma viagem com o pai, coisa que era recorrente. Eu como qualquer apaixonado, e na minha ingenuidade, decidi fazer-lhe uma surpresa. Paguei a um dos empregados do barco para me colocar no camarote do lado de modo a surpreendê-la. Idiota como era comprei as flores mais caras que encontrei, pedi champanhe e preparei um jantar romântico no meu camarote. Quando ouvi vozes no outro lado pensei que ia explodir de felicidade. Ela chegara...
Tinha colocado a mão na porta quando percebi que não estava sozinha. O meu coração parecia querer sair pela boca de tanto nervosismo. Tentei acalmar-me, podia ser apenas um amigo. Estava quase a entrar quando percebi que estavam ofegantes, e por entre os gemidos ouvi a voz do homem perguntar se o noivo dela sabia daquelas escapadinhas. 
- Steven eu...
- Deixa-me terminar! Preciso que compreendas. Não imaginas o que senti quando ela lhe disse que o casamento não era impedimento para tal. Afinal o seu futuro marido estava tão apaixonado que nunca iria suspeitar que as suas viagens eram apenas um pretexto para aqueles encontros. Ouvi quando fizeram um brinde e depois... Bom, não é preciso dizer o que ouvi. Naquele momento jurei a mim mesmo que nunca mais iriam fazer de mim palhaço. Quando, nesse mesmo ano, te conheci não queria acreditar. Eras igualzinha a ela! Por muito que tu dissesses nunca me irias convencer que eras diferente. Ao ver o entusiasmo da tua mãe fiquei ainda mais convencido que eras como ela. Que apenas vos interessava o meu dinheiro. A cada dia que passava mais certo estava que para vocês o mais importante era a posição social. Por isso decidi fazer-te pagar por tudo o que eu passei e por tudo o que achava que irias fazer. 
- Casaste comigo para te vingares de outra mulher?! - Valerie olhou em redor pois tinha a noção que falara mais alto do que queria  -Tens noção do quanto isso é cruel? Cruel e infantil! Deus do céu! Não vias como era infeliz? Que apesar da forma como me tratavas era incapaz de fazer tal coisa?
- Não há desculpa para nada do que fiz. Mas tenta compreender... 

Quando ele falou em compreender ela deixou de o ouvir. Compreender?! Como ousava pedir-lhe para compreender?! E a ela, quem a compreendia? Durante toda a sua vida todos esperavam algo da sua parte. O seu pai, a sua mãe, Steven, até o padre August!  Só Erick lhe dissera que tinha de pensar em si mesma. Recordar Erick fê-la estremecer. Como podia criticá-lo ou julgá-lo se ela também não tinha agido da forma mais correcta? Pensando no que a tinha levada marcar o encontro obrigou-se a prestar atenção. 

-... o divórcio?
- Desculpa? 
- Sei que é repentino mas...
- Tens razão. - Valerie interrompeu-o temendo que ele voltasse atrás -É o melhor para os dois. 
- Acredita que não estava nos meus planos apaixonar-me. Acho que foi um sinal por começar a acreditar que não eras como eu imaginava. Isso e que merecias alguém melhor que eu. 
- Onde a conheceste? 
- Por irónico que pareça foi enquanto esperava que terminasse a missa. 

Steven sorriu e ela percebeu que o semblante dele mudara. Estava genuinamente feliz. Após ter ficado combinado que a partir dali seriam os advogados de Steven a tratar de tudo despediram-se e ao vê-lo afastar-se perguntou-se se não deveria ter falado em Erick. Mas que havia para contar? Que beijara outro homem estando casada com ele? Talvez, apesar de estar apaixonado por Rita, ele não visse...

- Valerie?! 

Valerie olhou na direção da voz. Embora não tivesse vestido a batina era impossível não reconhecer o seu anterior pároco. 

- Padre Brow! 
- Que faz por aqui? 
- Preciso comprar um presente e não há lugar melhor para isso que o centro comercial. 
- Que coincidência. Eu também preciso de um presente para o meu sobrinho e sinceramente não tenho ideia do que comprar.
- Eu também estou um pouco perdida no que comprar mas certamente iremos arranjar algo.
- Não duvido. 

Enquanto percorriam os corredores da loja de brinquedos Valerie, que tinha imensa facilidade em desabafar com o velho pároco, falou sobre a queda da sua mãe, sobre a sortuda Trash e sobre as suas dúvidas sobre Erick. Perante o silêncio dele Valerie pensou que o tinha desiludido e sentiu-se na obrigação de explicar com mais detalhe.

- Não foi planeado. Simplesmente aconteceu. - Valerie agarrou um enorme camião - O meu pai dizia que nada acontece por acaso.
- E tinha toda a razão. - O padre Brow olhou para o camião e sorriu antes de o retirar das mãos de Valerie - Obrigado! É ideal para o meu sobrinho.
- Nesse caso é melhor apanhar outro.
- Quanto ao seu amigo. Já pensou que talvez ele se sinta na obrigação de se afastar porque está casada?
- Acha? Não tinha pensado nisso.
- Geralmente os homens não pensam nisso quando querem estar com uma mulher. Mas esse seu amigo pode ser um caso raro. 


Quando entrou no comboio ainda pensava no que dissera o padre Brow. Como não tinha pensado nisso? Erick sempre mostrara respeito por ela, nunca a pressionara e quando se beijaram tinha sido por iniciativa de ambos. Talvez achasse que ela se culparia por estar com ele estando casada.  Mas agora era uma mulher livre. Não no papel mas sim moralmente e isso para ela tinha tanta importância, ou mais, que a parte legal. 

















sexta-feira, 28 de março de 2025

O padre VIII parte

 





- Estás muito calada.
- Estou preocupada. - Valerie mexeu-se inquieta no sofá- A minha mãe não atende o telefone.
- Certamente anda distraída com a gata. Sabes como ela é com o bicho. E depois não vejo razão para essa preocupação, não deixámos o solar à tantos dias assim.
- Talvez tenhas razão. Simplesmente não consigo deixar de pensar que mudar-se a meio das limpezas foi uma decisão um tanto ou quanto repentina!
- Não sei porque dizes isso. - Steven dobrou o jornal e olhou para o telemóvel que deu sinal de mensagem - Ela nunca escondeu que não pensava regressar à quinta. Eu ofereci-me para a vender, visto não querer viver lá, mas recusou.
- Sabes como ela é. - Valerie fez um sorriso forçado ao recordar a conversa com a mãe, certamente a sua cabeça estava cheia de tudo o que aquela mudança implicava mas não queria abordar esse assunto com Steven - A quinta era do meu pai, acho que ela a quererá manter. 
- Dado as perguntas que me fez não me parece. Só estou preocupado com a situação financeira dela, se não tiver cuidado vão aproveitar-se dela e irá perder muito dinheiro. A terra é boa e a área é enorme. Além disso tem um bom... - Steven calou-se quando chegou outra mensagem. - Desculpa. Tenho de ir. 
- Será que me podes deixar na igreja? 

 Quando Steven parou frente da igreja ainda se perguntava porque a mãe não quisera regressar à quinta como ela pensara. Não gostava nada de a ter deixado sozinha no solar. Tim passava lá boa parte do dia mas o que a preocupava era a noite. Na próxima visita tinha de conversar com ela sobre a hipótese de arranjar uma companhia. Certamente a mãe tinha alguma amiga que gostasse de viver ali. 
Ao entrar na igreja esse assunto foi colocado para segundo plano. Outro assunto mais delicado era a razão da sua ida ali. Durante os poucos dias que passaram desde que chegara do solar a imagem deles beijando-se invadia a sua mente e não lhe dava descanso. A sua ida ali residia na crença de que ao confessar o seu pecado a sensação de culpa iria desaparecer. 
Durante a sua confissão parecia que ia desmaiar de tanta vergonha que sentia mas se o seu deslize chocou o padre, este não o demonstrou. Certamente, durante as muitas confissões que ouvia, ouviria coisas mais escabrosas que o que ela tinha feito. 
Após ter aliviado a sua alma sentou-se no fundo da igreja e como sempre aguardou que o padre fosse ter com ela. Só esperava que a conversa não fosse sobre o seu deslize. Além de não ser próprio da parte dele, ela não pensava repetir. Se ao menos soubesse como aquele beijo acontecera!
Mas por muito que pensasse, e ela pensava muito nesse momento, não conseguia perceber quem beijou quem, nem quem deu o primeiro passo. A única coisa que ela tinha certeza era que, por mais agradável que tivesse sido aquele beijo, este lhe causava insónias! Deus! Como se arrependia de ter beijado Erick. Como podia ter sido tão infantil ao ponto de ceder ao impulso?! Mas se estava arrependida, se fora um simples impulso momentâneo, porque não conseguia esquecer aquele beijo, nem Erick?

- Ainda bem que pode esperar. - August sentou-se a seu lado - Peço desculpa pela demora.
- Não tem problema.
- Não a via à muito tempo. Temi o pior.
- Não estou a entender.
- Uma pessoa vê e ouve tanta coisa que fiquei preocupado com a sua ausência. Mas esqueça! - August segurou a mão dela - Vamos fazer um grupo de voluntários e pensei que poderia estar interessada.
- Nunca fiz voluntariado mas antes de aceitar terei que falar com o meu marido. 
- Compreendo. 

Valerie olhou para ele, parecia desapontado com a resposta dela mas que esperava? Ele sabia bem que espécie de casamento ela tinha. Steven não gostaria que ela tomasse qualquer decisão sem o consentimento dele. E depois não gostara da forma como o padre August falara. Ficara com a sensação que as palavras dele tinham um duplo sentido e isso deixou-a apreensiva.
Despediu-se do padre August e dirigiu-se para a rua fria. Chamou um taxi e pensou ir para casa mas a meio do caminho decidiu ir ao centro comercial. 
Steven não sabia a que horas regressaria e ela precisava arejar a cabeça, pensar um pouco nas últimas horas daquele dia. Ver as montras ia fazer-lhe bem. Mas apesar dos belos vestidos e das conversas ao seu redor não conseguia tirar da cabeça Erick e muito menos o beijo. Como fora idiota ao pensar que se fosse confessar o seu pequeno pecado iria conseguir esquecer! Tinha a sensação que falar no assunto avivara ainda mais esse momento. Precisava pensar noutra coisa... algo que não lhe colocasse o coração aos saltos. Obrigou-se a pensar em August e no seu convite mas foi por pouco tempo. O voluntariado depressa foi substituido por dúvidas relacionadas com a sua confissão. Apesar de ser padre e de ouvir muita coisa, o que pensaria realmente sobre a pequena indiscrição dela? Teria ficado com a ideia que era uma mulher leviana? Que costumava sair por aí beijando qualquer um que lhe desse um pouco de atenção?  Arrependeu-se de ter ido á igreja. Porque não tinha colocado uma pedra sobre o assunto? Era o que deveria ter feito! Certamente não seria a primeira mulher a esconder algo do marido e muito menos seria a última. Fora apenas um beijo, nada demais. Mas se era assim porque dava por si a pensar constantemente em Erick e no beijo? Aquele beijo que a fazia sorrir e lhe estremecia o corpo só de recordar. O beijo que lhe dava sonhos agitados onde Erick a beijava uma e outra vez com fervor. 
Um cão passou roçando as suas pernas tirando-a daqueles pensamentos. Envergonhou-se ao ver o sorriso maroto da velhota que olhava para ela mesmo a seu lado. 

Pedindo desculpa afastou-se da montra o mais depressa que pode. Descia as escadas rolantes quando no outro lado um casal sorridente lhe chamou a atenção. Uma mulher, que ela tinha a sensação de ter visto em algum lugar, segurava o braço de Steven. Certamente era uma colega de trabalho. Naquele momento Steven beijou a mulher, ainda que brevemente, nos lábios e esta corou ligeiramente. Podia ser colega de trabalho mas, tendo em conta aquele beijo, não era apenas isso. Recordou a conversa da mãe sobre os motivos que levam um homem a mudar de comportamento e decidiu segui-los. Manteve-se a uma distância que lhe permitia observar mas não ouvir o que diziam. Os gestos que trocavam indicavam que eram mais que amigos. Não tinha muita experiência com homens, aliás tinha pouquíssima, mas tudo indicava que eram amantes! Observou-o como Steven colocava o braço em redor da cintura da outra mulher e nesse momento, se alguma dúvida ainda lhe restava, essa desvaneceu-se quando o viu beijar apaixonadamente a sua acompanhante ao mesmo tempo que as portas do elevador se fechavam. Aquele não era o Steven que ela conhecia. Aquele não era o seu marido!
Sentiu-se ainda mais idiota que ao pensar na confissão. Como fora inocente! Durante os últimos dias andava martirizando a sua cabeça por um simples beijo e ele tinha uma amante! A sua mãe tinha razão, outra mulher era a causa da mudança dele. Possivelmente estivera com aquela mulher enquanto ela estava no solar. Teria estado com ela no apartamento?! Teriam dormido na sua cama?! Por alguma razão isso não a incomodou. Se essa mulher era o motivo da indiferença dele durantes as últimas semanas só lhe podia estar agradecida. Afinal graças a essa desconhecida ela podia ter finalmente um pouco de tranquilidade. 
O telemóvel dela tocou terminando as suas divagações. Olhou para o número. Não conhecia. Talvez do telemarketing. Atendia sempre pois tinha uma certa pena das pessoas que tinham que fazer aquele tipo de trabalho. 

- Sim?
- Que bom que atendeu menina. - A voz de Maria do outro lado da linha parecia nervosa. - A sua mãe pediu para não lhe dizer nada mas a menina precisa de vir.
- Aconteceu alguma coisa?
- A sua mãezinha caiu e partiu um pé. Não é nada de grave mas sabe como ela é teimosa. Por enquanto ainda está no hospital mas eu já não tenho idade para cuidar dela e a minha nora ainda não foi dispensada do serviço. Se ao menos o patrão dela fosse mais compreensivo.
- Não se preocupe. - Valerie olhou o relógio, ainda tinha tempo de apanhar o último comboio - Vou só fazer uma mala e estarei aí o mais breve possível. Obrigada por tudo.

Institivamente marcou o número de Steven. Dois toques do outro lado foram suficientes para achar a situação caricata. Ia desligar mas decidiu deixar tocar. Queria ver se, mesmo com a amante ao lado, ele ia atender. Enquanto o som de chamada se ouvia ia pensando no que lhe dizer de modo a não revelar o que descobrira ao mesmo tempo que o convencia a deixá-la ir. Mas porque raio estava a ligar de modo a obter aprovação para ir ver a sua mãe que estava no hospital? Tinha que tomar as rédeas da sua própria vida!

Sentindo uma leveza estranha saiu do centro comercial e chamou um táxi. Mentalmente foi fazendo a lista do que iria levar e o que escreveria no bilhete que deixaria a Steven. 

Sabia estar a fazer o correto mas mesmo assim não conseguia deixar de pensar na reação de Steven perante a sua inesperada partida. Mas que lhe importava o que ele pensava ou sentia? Ele agora tinha outros interesses que não ela. Apesar de ter isso em mente não conseguia evitar sentir-se apreensiva. 

Olhou para as luzes do centro da cidade à medida que se afastava, sentia-se sufocar só de pensar em Steven. Ele já teria regressado ao apartamento? Já teria lido o pequeno bilhete que lhe deixara? Fora bastante parca nas palavras mas não lhe ocorrera nada mais. Escrevera num simples post-it: "A minha mãe está no hospital. Regressarei assim que puder" 

Simples e conciso. Apenas o essencial. Ele não agia sempre assim?! Informando-a ou dando ordens, e não pedindo opinião? Caso fosse necessário ela tinha uma atenuante, naquele momento tinha mais em que pensar do que no que Steven pensava, gostava ou podia querer. Não a podia criticar por isso, a sua mãe precisava dela. Obrigou-se a pensar noutras coisas enquanto esperava que o comboio iniciasse viagem. Aqueles momentos de espera eram uma agonia. E se, apesar de ter uma amante, ele chegasse á estação e a impedisse de ir? Teria forças para lhe fazer frente? Teria coragem de lhe dizer tudo o que realmente pensava? Que ele não tinha o direito de lhe ordenar nada pois ele quebrara os sagrados votos do matrimónio e como tal ela não lhe devia nada? Porque era assim! Apesar da forma como a tratava ela mantivera-se fiel. Ou não?! Negou-se a pensar em Erick e concentrou-se nas pessoas que saíam da estação.

Finalmente o comboio iniciou a viagem e ela pode respirar de alívio. Possivelmente Steven ainda estaria com a sua nova companheira. Companheira parecia-lhe melhor que amante. Era mais delicado!  Naquele momento percebeu porque em certas noites, apesar de chegar tardíssimo, na manhã seguinte estava de bom humor. Talvez essa fosse uma dessas noites e só visse o bilhete quando percebesse que ela não estava em casa.
Possivelmente a sua companheira iria exigir a atenção dele por mais algum tempo. A sua companheira... Aquela frase soava-lhe estranha mas ao mesmo tempo era como um bálsamo. Ainda não decidira o que ia fazer com aquela informação. Quando a sua mãe soubesse... Oh Deus! Como era egoísta! Ali estava ela a pensar em trivialidades enquanto a sua mãe estava cheia de dores numa cama de hospital. 
Fechou os olhos e deixou-se embalar pelo vaivém da carruagem. Quando abriu os olhos faltava pouco para a sua paragem. Procurou o telemóvel na mala e ligou a Tim. Não o queria incomodar mas, tirando Erick, não conhecia mais ninguém que a pudesse levar ao solar àquela hora. 

- Desculpe este incômodo tardio. Mas não tinha mais ninguém a quem recorrer. 
- É um gosto poder ajudar. - Tim agarrou a pequena mala dela - E conhecendo a minha mãe, ela não me  ia perdoar se a fizesse ir sozinha para o solar. Aqui para nós, acho que ainda a menina não tinha feito a mala já ela me estava a ligar para ficar atento ao telefone.
- Devia ter calculado que assim seria.
- Nem seria a minha mãe se assim não fosse. - Tim abriu a porta do carro para ela entrar - Chegamos num instante. Aposto que deve estar cheia de frio e fome. 
- Estou mais preocupada com a minha mãe. 
- Acredito mas neste momento não pode ir ao hospital. Amanhã bem cedo vou levá-la lá.
- Obrigada. 

A conversa com Tim ajudou-a a pensar noutras coisas que não na sua mãe e, já que igual um fantasma que aparecia inesperadamente, em Erick.

A noite foi agitada e povoada de sonhos estranhos. Quedas por parte da sua mãe, agressões verbais de Steven após a apanhar em flagrante com Erick e sonhos eróticos que ora acabavam em extasse ora acabavam com Erick a rir dela pela sua inexperiência, foram a causa do seu mau humor ao nascer o dia.

Como prometera Tim chegou pouco depois para a levar ao hospital e quando ele a deixou à porta do enorme edifico sorria. Finalmente, ainda que por pouco tempo, conseguiu pensar em algo que não em Erick. 
Ainda sorria quando chegou ao piso onde estava a sua mãe e quase teve um ataque cardíaco quando na sua frente apareceu Erick. Por instantes ficou estática olhando-o. Vestia umas calças de ganga escuras e uma camisola branca de gola alta e na mão pendia um casaco. Era uma indumentária muito diferente da roupa desportiva que geralmente usava sempre que o via. Não estava à espera de vê-lo ali e muito menos esperava que umas simples calças de ganga fizessem surgir na sua mente uma imagem tão sensual que levava o seu corpo a reagir perante tal visão.  

- Valerie! Está tudo bem?
- Sim. Não. - Sentiu as suas faces enrubescerem - Desculpa. A minha mãe caiu.
- Espero que nada grave.
- Ao que parece partiu um pé.
- Parece?! 
- Foi o que me disse a d. Maria.  Cheguei ontem à noite e ainda não consegui falar com os médicos.
- Estou a ver. - Erick olhou em redor - Estás sozinha?
- Sim. Steven ficou em casa.
- Não te quis acompanhar?!
- Não tive tempo de lhe dizer. -  Valerie mexeu na mala institivamente - De qualquer forma achei melhor vir o mais rápido possível. 
- Dadas as circunstâncias é compreensível. 

Valerie olhou por cima do ombro dele quando percebeu movimentos ali perto, uma enfermeira chegava ao balcão. Sorriu para ele em jeito de desculpa e dirigiu-se para o balcão, precisava perceber o estado da sua mãe.
Segundo a enfermeira era necessário operar assim que fosse possível mas a sua mãe estava relutante em fazer o pós operatório no hospital pois supostamente era-lhe completamente impossível. Conhecendo a sua mãe, e a aversão desta aos hospitais, sabia que ela iria arranjar uma desculpa. Mas até a pessoa mais teimosa teria que compreender que naquela situação não havia como escapar àquela situação.  

- Ouvi dizer que mal sejas operada queres regressar a casa.
- Valerie! Oh filha! - As lágrimas começaram a cair nos lençóis brancos - Vieste... 
- Claro que vim! - Valerie agarrou a mão da mãe enquanto esta olhava para a entrada do quarto - Podes ficar tranquila, ficarei contigo durante o tempo que for preciso.
- E Steven?!
- Deixei-lhe um bilhete. Mas isso agora não importa. Que ideia é essa de ires para casa?
- Não posso ficar aqui. Não agora. 
- Porque não? Acaso tens alguém escondido no solar?!
- Não digas parvoíces! Trash não pode ficar sozinha. Não neste momento.
- Não acredito no que ouço! Tens noção que estás a falar de uma gata?
- Claro que sim! Não estou senil! Mas não posso permitir que...

Naquele momento a sua mãe começou a chorar copiosamente, ao ver as lágrimas da mãe ela tomou consciência da importância que aquele animal tinha.

- Se o problema é esse podes descansar. Eu cuido dela. 
- A sério?
- Claro! - Tentando animar a mãe levantou-se e colocou a mão no peito em ar solene - Eu, Valerie Dow, prometo cuidar, amar e proporcionar...
- Tu não existes.
- Olha... eu que pensava existir.
- És tão pateta quanto o teu pai.
- As coisas que me diz. - Valerie apertou a mão à mãe e manteve um ar mais sério - Vais ver que não tarda estás de regresso ao solar e aos teus pequenos monstrinhos.
- Vou fingir que não ouvi isso.

Valerie não teve tempo de responder pois um médico entrara no quarto naquele momento.

- Bom dia doutor. A a minha filha, Valerie.
- Bom dia. Finalmente está bem disposta. - O médico manteve o olhar na pasta que trazia - Se soubesse que a presença da sua filha lhe daria tão bom humor já a teria chamado à mais tempo.
- Você nem sabia que tinha uma filha!
- Porque será?! - O médico piscou o olho a Valerie antes de voltar a olhar para a sua pasta - Já pensou no que lhe disse?
- Sim. Não me agrada mas se tenho que ficar por uns dias que seja.
- Muito bem. Dúvidas?!

Pedindo desculpa Valerie deixou a mãe tirar qualquer dúvida que tivesse com o médico e foi esperar no corredor. Olhou em redor procurando uma máquina para tirar um café mas não viu nenhuma, achou estranho pois geralmente existem máquinas daquelas por todos os pisos. Ao dirigir-se ao balcão para perguntar onde podia beber um café viu Erick sentado numa cadeira. Estava de olhos fechados com a cabeça apoiada na parede. Pareceu-lhe cansado. Uma pergunta surgiu na sua mente. O que estava a fazer ali? Teria algum familiar no hospital! Acaso era enfermeiro ou mesmo médico!? Isso explicava o seu ar cansado e abatido. Talvez tivesse saído do turno da noite. Nesse caso porque teria ficado? Seria por ela? O seu coração bateu apressado perante a ideia. 

- Erick?! - Valerie tocou no seu ombro levemente.
- Desculpa. - Erick passou a mão pelo cabelo -  Não pensei que estivesse tão cansado.
- Porque não foste para casa?
- Não me pareceu correto deixar-te sozinha. 
- Agradeço mas não quero ser a causa de negligência da tua parte.
- Negligência?! Acho que não chegaremos a tanto. - Erick sorriu e agarrou o casaco que tinha deixado na cadeira - Café?
- Sim. 

Caminharam em silêncio pelos corredores do hospital até que chegaram ao bar onde se misturaram com os restantes médicos e utentes do espaço. 

- Conseguiste falar com o médico?
- Sim. Vai ser operada esta tarde. 
- Vai correr tudo bem. O hospital tem bons profissionais.
- Conhecimento de causa?
- Antes de vir para cá fiz pesquisa e segundo as estatísticas é um dos melhores da região.  
- Acho que nunca me passaria pela cabeça ter em conta a qualidade da rede de saúde ao mudar de casa.
- Pois eu acho que é uma das principais prioridades.
- Uma... e quais se seguem?
- Segurança, boa vizinhança, bom clima...
- Clima?! Ainda não vi sol por dois dias seguidos.
- Fala a mulher que gosta de andar à chuva.

Os dois riram e continuaram a falar do que achavam prioritário numa mudança até que Valerie voltou para junto da mãe. Mas poucos minutos depois a sua mãe era levada para fazer exames e ela foi informada que talvez fosse melhor regressar a casa. A operação, apesar de simples, ia demorar um pouco e o mais provável era a sua mãe só regressar do recobro ao fim da tarde. Embora relutante acabou por deixar o hospital e saiu andando pelas ruas desconhecidas. No seu intimo tinha um certo receio por aquela operação, a sua mãe já tinha uma certa idade e apesar de ser apenas um pé às vezes as situações não tinham o desfecho esperado. Não sabia à quanto tempo andava pelas ruas mas a julgar pela dor que sentia nos pés deveria ser à imenso tempo. Quem a manda sair percorrendo as ruas de salto alto? O previsto era estar sentada numa cadeira do hospital e não fazendo caminhadas.
Olhou em redor procurando um lugar para descansar e ligar a Tim. Era consciente que o deveria ter feito mal saiu do hospital mas algo a levou a caminhar pelas ruas. Procurava se acalmar ou no seu subconsciente achava que iria encontrar Erick ao virar uma esquina qualquer?! Ela sabia a resposta àquela pergunta, tinha de admitir que olhava atentamente para todos os lados na esperança de o ver. Saber que Steven tinha uma amante deixava-a de coração mais leve ao pensar em Erick, era como se a traição do marido lhe desse o direito de procurar uma companhia que lhe dava alguma tranquilidade e ao mesmo tempo fazia o seu coração disparar. Ela merecia um pouco de alegria na sua vida! Steven não tinha o direito de lhe negar isso. Não neste momento! 

As cores do por do sol pintavam o céu acinzentado quando ela fechou mais uma revista. Perdera o conto às revista que folheara, aos programas que tentara ver. A cada cinco minutos olhava nervosa para o telemóvel mas isso não fazia com que este tocasse. Apesar de saber que a operação da mãe era rotineira não conseguia deixar de estar preocupada. Naquele momento nem a possibilidade de ver Erick no dia seguinte lhe mudava o pensamento. A mãe teria dado corretamente o nome da medicação que fazia? A mãe tinha alergia a alguma coisa? Não sabia mas e se era a alguma das imensas coisas que usam no bloco...

- Basta! - Valerie gritou para consigo mesma enquanto se levantava decidida - Tudo irá correr bem.  

Decidida a afastar aqueles pensamentos subiu até ao quarto onde calçou uns ténis e vestiu um fato de treino. O ar fresco iria acalmar a sua mente e o exercício dar-lhe o cansaço necessário para uma boa noite de sono. 
Inicialmente caminhou sem pressa, depois começou a correr até à vila. Trajeto que fez em sentido contrário pouco tempo depois. Sorriu ao sentir como o seu corpo dava sinais de cansaço.  Decididamente fora uma boa ideia, não que o exercício tivesse o efeito que ela pretendia pois a operação insistia em ocupar a sua mente mas, julgando o suor que lhe colava a t-shirt ao corpo, ao menos castigava o corpo pelos pensamentos mais pessimistas. 
Avistava a casa do lago quando o seu coração parou ao ver um vulto sentado no banco que ela considerava seu. Só podia ser Steven. Tinha a certeza que assim que desse pela sua ausência precisava de apenas algumas horas para resolver algo que estivesse pendente e iria buscá-la.  Respirou fundo. Não tinha pensado no que lhe ia dizer quando ele chegasse. Além do mais não estava com disposição para discutir e muito menos revelar o que descobrira à poucas horas atrás. Resignando-se acelerou o passo mas ao perceber que era Erick sentiu-se gelar. 

- Não é boa ideia saíres a esta hora e muito menos sozinha. 
- Boa tarde para ti também. - Valerie aproximou-se dele e percebeu que o olhar dele parecia nervoso, quase triste.
- Desculpa. Fiquei nervoso quando o jardineiro disse que tinhas ido correr.
- O jardineiro?! - Valerie esfregou os braços que começavam a esfriar pela paragem. - Estiveste com Tim.- Valerie estremeceu - É melhor entrar, está a ficar mais fresco.
- Tens razão. É melhor regressar a casa. Desculpa ter aparecido assim. Vemo-nos amanhã?
- Sim.
- Ótimo.

Erick começou a caminhar pelo carreiro de terra batida e ela dirigiu-se ao portão. Mas ao colocar a mão no portão olhou para trás. 

- Erick! - Valerie sentia o coração bater apressado ao dizer o seu nome. - Sei que não estou apresentável e no mínimo preciso de um banho mas se não te importares de esperar posso oferecer um café. 
- De certeza?
- A menos que tenhas outros planos. 
- Não gosto de fazer planos. A vida é melhor quando somos surpreendidos. 
- Nisso tens razão. -A imagem de Steven com outra mulher surgiu na sua mente - Não poderia estar mais de acordo. 
- Já soubeste notícias da tua mãe?
- Não e não imaginas como isso me está a enervar. Não sei porque demoram tanto.
- Apesar de simples estas operações demoram sempre. E são procedimentos muito delicados. Imagino que não queiras a tua mãe com um pé torto.
- Não, isso não. - Valerie olhou-o agradecida, ele como médico, ou enfermeiro, sabia melhor que ela.
- Não tarda está aqui a chamar por ti pedindo isto e aquilo.
- Antes disso ainda irá fazer a vida negra às enfermeiras durante o pós operatório. 
- Não acredito que ela seja assim tão difícil. 
- Dizes isso porque não a conheces.- Valerie abriu a porta da cozinha e acendeu a luz - E depois de aparecer Trash é que ela ficou irritadiça e teimosa. 
-Trash?!
- Já vais entender.  

Valerie atravessou a cozinha e dirigiu-se à sala sem dizer mais nada mas consciente que ele a seguia e achou um certa piada à situação. Pareciam duas crianças numa caça ao tesouro.  Acendeu a luz do pequeno candeeiro que estava junto ao sofá e olhou em redor.  Ali estava ela, bem aconchegada no seu cesto junto à lareira.

- Aqui está ela. Sua majestade Trash. 
- Uma gata?! - Erick aproximou-se do animal e para sua surpresa este deixou-se acariciar. Ao ver a mão dele percorrer o lombo de Trash perguntou-se como seria sentir aquela caricia na sua pele nua. Trash levantou a cabeça na direção dela e miou como se conseguisse ler os seus pensamentos. Sentiu-se nua perante o olhar de Trash o que a fez retroceder como se tivesse sido apanhada a espiar. Retrocedeu tão abruptamente que tropeçou na mesa onde estava o candeeiro atirando-a ao chão assustando o animal. 

- Bolas! - Valerie seguiu a fuga de Trash com o olhar - A porta da cozinha! 
- Ela não iria sair com este frio.
- Ela vivia na rua. - Valerie sentiu um nó formar-se na sua garganta, não sabia porquê mas estava a ponto de começar a chorar -  Uma noite fria não a assusta. 
- Valerie! - Erick agarrou-a pelos ombros - Calma. Tudo se resolve
- A minha mãe... 

Não teve tempo de terminar a frase pois viu-se envolta nos braços dele. A respiração entrecortada e agitada pelas lágrimas começou a ficar mais compassada. Fechou os olhos e rendeu-se ao calor reconfortante que o corpo dele emanava. Mas a calma que ele lhe transmitia deu lugar a uma sensação nova para ela. Não sabia se era devido ao cheiro dele se ao calor do corpo dele mas desejou poder ficar ali para sempre. 
Sentindo o coração na garganta afastou a cabeça do peito dele e olhou-o. O olhar dele encontrou-se com o dela e depois o olhar procurou os seus lábios. Involuntariamente ela passou a língua pelos mesmos e no segundo seguinte as duas bocas tocavam-se. Primeiro a medo depois avidamente, como se toda a vida estivessem esperando por aquele momento. Um gemido saiu da boca dela e Erick apertou o corpo contra o seu fazendo-a gemer novamente. De repente sentiu um ar fresco entrar nas suas costas, ar esse que foi substituido pelo calor da mão dele. As suas costas arquearam sem que ela o procurasse e um novo gemido foi ouvido. Sentiu os lábios de Erick descer pelo seu pescoço e podia jurar que o ouvira sussurrar o nome dela ao mesmo tempo que chegava ao seu peito que se mostrava pronto para ele. Toda ela estava pronta para ele.  De repente Erick parou e afastou-se. Olhou-o atônita sem entender o motivo da reação mas bastou olhar mais atentamente para perceber que ele estava tão frustrado como ela.

- O telemóvel. - Erick passou a mão pelo cabelo nervosamente. - Pode ser do hospital.

Sem hesitar agarrou o telemóvel. Era do hospital. A operação correra bem e dentro de pouco tempo a sua mãe iria subir para o quarto. Não demorou mais que dois minutos ao telemóvel com a enfermeira mas quando desligou Erick já tinha saído da sala. Correu para a cozinha na esperança de o encontrar mas na cozinha apenas Trash esperava por ela.