sexta-feira, 28 de março de 2025

O padre VIII parte

 





- Estás muito calada.
- Estou preocupada. - Valerie mexeu-se inquieta no sofá- A minha mãe não atende o telefone.
- Certamente anda distraída com a gata. Sabes como ela é com o bicho. E depois não vejo razão para essa preocupação, não deixámos o solar à tantos dias assim.
- Talvez tenhas razão. Simplesmente não consigo deixar de pensar que mudar-se a meio das limpezas foi uma decisão um tanto ou quanto repentina!
- Não sei porque dizes isso. - Steven dobrou o jornal e olhou para o telemóvel que deu sinal de mensagem - Ela nunca escondeu que não pensava regressar à quinta. Eu ofereci-me para a vender, visto não querer viver lá, mas recusou.
- Sabes como ela é. - Valerie fez um sorriso forçado ao recordar a conversa com a mãe, certamente a sua cabeça estava cheia de tudo o que aquela mudança implicava mas não queria abordar esse assunto com Steven - A quinta era do meu pai, acho que ela a quererá manter. 
- Dado as perguntas que me fez não me parece. Só estou preocupado com a situação financeira dela, se não tiver cuidado vão aproveitar-se dela e irá perder muito dinheiro. A terra é boa e a área é enorme. Além disso tem um bom... - Steven calou-se quando chegou outra mensagem. - Desculpa. Tenho de ir. 
- Será que me podes deixar na igreja? 

 Quando Steven parou frente da igreja ainda se perguntava porque a mãe não quisera regressar à quinta como ela pensara. Não gostava nada de a ter deixado sozinha no solar. Tim passava lá boa parte do dia mas o que a preocupava era a noite. Na próxima visita tinha de conversar com ela sobre a hipótese de arranjar uma companhia. Certamente a mãe tinha alguma amiga que gostasse de viver ali. 
Ao entrar na igreja esse assunto foi colocado para segundo plano. Outro assunto mais delicado era a razão da sua ida ali. Durante os poucos dias que passaram desde que chegara do solar a imagem deles beijando-se invadia a sua mente e não lhe dava descanso. A sua ida ali residia na crença de que ao confessar o seu pecado a sensação de culpa iria desaparecer. 
Durante a sua confissão parecia que ia desmaiar de tanta vergonha que sentia mas se o seu deslize chocou o padre, este não o demonstrou. Certamente, durante as muitas confissões que ouvia, ouviria coisas mais escabrosas que o que ela tinha feito. 
Após ter aliviado a sua alma sentou-se no fundo da igreja e como sempre aguardou que o padre fosse ter com ela. Só esperava que a conversa não fosse sobre o seu deslize. Além de não ser próprio da parte dele, ela não pensava repetir. Se ao menos soubesse como aquele beijo acontecera!
Mas por muito que pensasse, e ela pensava muito nesse momento, não conseguia perceber quem beijou quem, nem quem deu o primeiro passo. A única coisa que ela tinha certeza era que, por mais agradável que tivesse sido aquele beijo, este lhe causava insónias! Deus! Como se arrependia de ter beijado Erick. Como podia ter sido tão infantil ao ponto de ceder ao impulso?! Mas se estava arrependida, se fora um simples impulso momentâneo, porque não conseguia esquecer aquele beijo, nem Erick?

- Ainda bem que pode esperar. - August sentou-se a seu lado - Peço desculpa pela demora.
- Não tem problema.
- Não a via à muito tempo. Temi o pior.
- Não estou a entender.
- Uma pessoa vê e ouve tanta coisa que fiquei preocupado com a sua ausência. Mas esqueça! - August segurou a mão dela - Vamos fazer um grupo de voluntários e pensei que poderia estar interessada.
- Nunca fiz voluntariado mas antes de aceitar terei que falar com o meu marido. 
- Compreendo. 

Valerie olhou para ele, parecia desapontado com a resposta dela mas que esperava? Ele sabia bem que espécie de casamento ela tinha. Steven não gostaria que ela tomasse qualquer decisão sem o consentimento dele. E depois não gostara da forma como o padre August falara. Ficara com a sensação que as palavras dele tinham um duplo sentido e isso deixou-a apreensiva.
Despediu-se do padre August e dirigiu-se para a rua fria. Chamou um taxi e pensou ir para casa mas a meio do caminho decidiu ir ao centro comercial. 
Steven não sabia a que horas regressaria e ela precisava arejar a cabeça, pensar um pouco nas últimas horas daquele dia. Ver as montras ia fazer-lhe bem. Mas apesar dos belos vestidos e das conversas ao seu redor não conseguia tirar da cabeça Erick e muito menos o beijo. Como fora idiota ao pensar que se fosse confessar o seu pequeno pecado iria conseguir esquecer! Tinha a sensação que falar no assunto avivara ainda mais esse momento. Precisava pensar noutra coisa... algo que não lhe colocasse o coração aos saltos. Obrigou-se a pensar em August e no seu convite mas foi por pouco tempo. O voluntariado depressa foi substituido por dúvidas relacionadas com a sua confissão. Apesar de ser padre e de ouvir muita coisa, o que pensaria realmente sobre a pequena indiscrição dela? Teria ficado com a ideia que era uma mulher leviana? Que costumava sair por aí beijando qualquer um que lhe desse um pouco de atenção?  Arrependeu-se de ter ido á igreja. Porque não tinha colocado uma pedra sobre o assunto? Era o que deveria ter feito! Certamente não seria a primeira mulher a esconder algo do marido e muito menos seria a última. Fora apenas um beijo, nada demais. Mas se era assim porque dava por si a pensar constantemente em Erick e no beijo? Aquele beijo que a fazia sorrir e lhe estremecia o corpo só de recordar. O beijo que lhe dava sonhos agitados onde Erick a beijava uma e outra vez com fervor. 
Um cão passou roçando as suas pernas tirando-a daqueles pensamentos. Envergonhou-se ao ver o sorriso maroto da velhota que olhava para ela mesmo a seu lado. 

Pedindo desculpa afastou-se da montra o mais depressa que pode. Descia as escadas rolantes quando no outro lado um casal sorridente lhe chamou a atenção. Uma mulher, que ela tinha a sensação de ter visto em algum lugar, segurava o braço de Steven. Certamente era uma colega de trabalho. Naquele momento Steven beijou a mulher, ainda que brevemente, nos lábios e esta corou ligeiramente. Podia ser colega de trabalho mas, tendo em conta aquele beijo, não era apenas isso. Recordou a conversa da mãe sobre os motivos que levam um homem a mudar de comportamento e decidiu segui-los. Manteve-se a uma distância que lhe permitia observar mas não ouvir o que diziam. Os gestos que trocavam indicavam que eram mais que amigos. Não tinha muita experiência com homens, aliás tinha pouquíssima, mas tudo indicava que eram amantes! Observou-o como Steven colocava o braço em redor da cintura da outra mulher e nesse momento, se alguma dúvida ainda lhe restava, essa desvaneceu-se quando o viu beijar apaixonadamente a sua acompanhante ao mesmo tempo que as portas do elevador se fechavam. Aquele não era o Steven que ela conhecia. Aquele não era o seu marido!
Sentiu-se ainda mais idiota que ao pensar na confissão. Como fora inocente! Durante os últimos dias andava martirizando a sua cabeça por um simples beijo e ele tinha uma amante! A sua mãe tinha razão, outra mulher era a causa da mudança dele. Possivelmente estivera com aquela mulher enquanto ela estava no solar. Teria estado com ela no apartamento?! Teriam dormido na sua cama?! Por alguma razão isso não a incomodou. Se essa mulher era o motivo da indiferença dele durantes as últimas semanas só lhe podia estar agradecida. Afinal graças a essa desconhecida ela podia ter finalmente um pouco de tranquilidade. 
O telemóvel dela tocou terminando as suas divagações. Olhou para o número. Não conhecia. Talvez do telemarketing. Atendia sempre pois tinha uma certa pena das pessoas que tinham que fazer aquele tipo de trabalho. 

- Sim?
- Que bom que atendeu menina. - A voz de Maria do outro lado da linha parecia nervosa. - A sua mãe pediu para não lhe dizer nada mas a menina precisa de vir.
- Aconteceu alguma coisa?
- A sua mãezinha caiu e partiu um pé. Não é nada de grave mas sabe como ela é teimosa. Por enquanto ainda está no hospital mas eu já não tenho idade para cuidar dela e a minha nora ainda não foi dispensada do serviço. Se ao menos o patrão dela fosse mais compreensivo.
- Não se preocupe. - Valerie olhou o relógio, ainda tinha tempo de apanhar o último comboio - Vou só fazer uma mala e estarei aí o mais breve possível. Obrigada por tudo.

Institivamente marcou o número de Steven. Dois toques do outro lado foram suficientes para achar a situação caricata. Ia desligar mas decidiu deixar tocar. Queria ver se, mesmo com a amante ao lado, ele ia atender. Enquanto o som de chamada se ouvia ia pensando no que lhe dizer de modo a não revelar o que descobrira ao mesmo tempo que o convencia a deixá-la ir. Mas porque raio estava a ligar de modo a obter aprovação para ir ver a sua mãe que estava no hospital? Tinha que tomar as rédeas da sua própria vida!

Sentindo uma leveza estranha saiu do centro comercial e chamou um táxi. Mentalmente foi fazendo a lista do que iria levar e o que escreveria no bilhete que deixaria a Steven. 

Sabia estar a fazer o correto mas mesmo assim não conseguia deixar de pensar na reação de Steven perante a sua inesperada partida. Mas que lhe importava o que ele pensava ou sentia? Ele agora tinha outros interesses que não ela. Apesar de ter isso em mente não conseguia evitar sentir-se apreensiva. 

Olhou para as luzes do centro da cidade à medida que se afastava, sentia-se sufocar só de pensar em Steven. Ele já teria regressado ao apartamento? Já teria lido o pequeno bilhete que lhe deixara? Fora bastante parca nas palavras mas não lhe ocorrera nada mais. Escrevera num simples post-it: "A minha mãe está no hospital. Regressarei assim que puder" 

Simples e conciso. Apenas o essencial. Ele não agia sempre assim?! Informando-a ou dando ordens, e não pedindo opinião? Caso fosse necessário ela tinha uma atenuante, naquele momento tinha mais em que pensar do que no que Steven pensava, gostava ou podia querer. Não a podia criticar por isso, a sua mãe precisava dela. Obrigou-se a pensar noutras coisas enquanto esperava que o comboio iniciasse viagem. Aqueles momentos de espera eram uma agonia. E se, apesar de ter uma amante, ele chegasse á estação e a impedisse de ir? Teria forças para lhe fazer frente? Teria coragem de lhe dizer tudo o que realmente pensava? Que ele não tinha o direito de lhe ordenar nada pois ele quebrara os sagrados votos do matrimónio e como tal ela não lhe devia nada? Porque era assim! Apesar da forma como a tratava ela mantivera-se fiel. Ou não?! Negou-se a pensar em Erick e concentrou-se nas pessoas que saíam da estação.

Finalmente o comboio iniciou a viagem e ela pode respirar de alívio. Possivelmente Steven ainda estaria com a sua nova companheira. Companheira parecia-lhe melhor que amante. Era mais delicado!  Naquele momento percebeu porque em certas noites, apesar de chegar tardíssimo, na manhã seguinte estava de bom humor. Talvez essa fosse uma dessas noites e só visse o bilhete quando percebesse que ela não estava em casa.
Possivelmente a sua companheira iria exigir a atenção dele por mais algum tempo. A sua companheira... Aquela frase soava-lhe estranha mas ao mesmo tempo era como um bálsamo. Ainda não decidira o que ia fazer com aquela informação. Quando a sua mãe soubesse... Oh Deus! Como era egoísta! Ali estava ela a pensar em trivialidades enquanto a sua mãe estava cheia de dores numa cama de hospital. 
Fechou os olhos e deixou-se embalar pelo vaivém da carruagem. Quando abriu os olhos faltava pouco para a sua paragem. Procurou o telemóvel na mala e ligou a Tim. Não o queria incomodar mas, tirando Erick, não conhecia mais ninguém que a pudesse levar ao solar àquela hora. 

- Desculpe este incômodo tardio. Mas não tinha mais ninguém a quem recorrer. 
- É um gosto poder ajudar. - Tim agarrou a pequena mala dela - E conhecendo a minha mãe, ela não me  ia perdoar se a fizesse ir sozinha para o solar. Aqui para nós, acho que ainda a menina não tinha feito a mala já ela me estava a ligar para ficar atento ao telefone.
- Devia ter calculado que assim seria.
- Nem seria a minha mãe se assim não fosse. - Tim abriu a porta do carro para ela entrar - Chegamos num instante. Aposto que deve estar cheia de frio e fome. 
- Estou mais preocupada com a minha mãe. 
- Acredito mas neste momento não pode ir ao hospital. Amanhã bem cedo vou levá-la lá.
- Obrigada. 

A conversa com Tim ajudou-a a pensar noutras coisas que não na sua mãe e, já que igual um fantasma que aparecia inesperadamente, em Erick.

A noite foi agitada e povoada de sonhos estranhos. Quedas por parte da sua mãe, agressões verbais de Steven após a apanhar em flagrante com Erick e sonhos eróticos que ora acabavam em extasse ora acabavam com Erick a rir dela pela sua inexperiência, foram a causa do seu mau humor ao nascer o dia.

Como prometera Tim chegou pouco depois para a levar ao hospital e quando ele a deixou à porta do enorme edifico sorria. Finalmente, ainda que por pouco tempo, conseguiu pensar em algo que não em Erick. 
Ainda sorria quando chegou ao piso onde estava a sua mãe e quase teve um ataque cardíaco quando na sua frente apareceu Erick. Por instantes ficou estática olhando-o. Vestia umas calças de ganga escuras e uma camisola branca de gola alta e na mão pendia um casaco. Era uma indumentária muito diferente da roupa desportiva que geralmente usava sempre que o via. Não estava à espera de vê-lo ali e muito menos esperava que umas simples calças de ganga fizessem surgir na sua mente uma imagem tão sensual que levava o seu corpo a reagir perante tal visão.  

- Valerie! Está tudo bem?
- Sim. Não. - Sentiu as suas faces enrubescerem - Desculpa. A minha mãe caiu.
- Espero que nada grave.
- Ao que parece partiu um pé.
- Parece?! 
- Foi o que me disse a d. Maria.  Cheguei ontem à noite e ainda não consegui falar com os médicos.
- Estou a ver. - Erick olhou em redor - Estás sozinha?
- Sim. Steven ficou em casa.
- Não te quis acompanhar?!
- Não tive tempo de lhe dizer. -  Valerie mexeu na mala institivamente - De qualquer forma achei melhor vir o mais rápido possível. 
- Dadas as circunstâncias é compreensível. 

Valerie olhou por cima do ombro dele quando percebeu movimentos ali perto, uma enfermeira chegava ao balcão. Sorriu para ele em jeito de desculpa e dirigiu-se para o balcão, precisava perceber o estado da sua mãe.
Segundo a enfermeira era necessário operar assim que fosse possível mas a sua mãe estava relutante em fazer o pós operatório no hospital pois supostamente era-lhe completamente impossível. Conhecendo a sua mãe, e a aversão desta aos hospitais, sabia que ela iria arranjar uma desculpa. Mas até a pessoa mais teimosa teria que compreender que naquela situação não havia como escapar àquela situação.  

- Ouvi dizer que mal sejas operada queres regressar a casa.
- Valerie! Oh filha! - As lágrimas começaram a cair nos lençóis brancos - Vieste... 
- Claro que vim! - Valerie agarrou a mão da mãe enquanto esta olhava para a entrada do quarto - Podes ficar tranquila, ficarei contigo durante o tempo que for preciso.
- E Steven?!
- Deixei-lhe um bilhete. Mas isso agora não importa. Que ideia é essa de ires para casa?
- Não posso ficar aqui. Não agora. 
- Porque não? Acaso tens alguém escondido no solar?!
- Não digas parvoíces! Trash não pode ficar sozinha. Não neste momento.
- Não acredito no que ouço! Tens noção que estás a falar de uma gata?
- Claro que sim! Não estou senil! Mas não posso permitir que...

Naquele momento a sua mãe começou a chorar copiosamente, ao ver as lágrimas da mãe ela tomou consciência da importância que aquele animal tinha.

- Se o problema é esse podes descansar. Eu cuido dela. 
- A sério?
- Claro! - Tentando animar a mãe levantou-se e colocou a mão no peito em ar solene - Eu, Valerie Dow, prometo cuidar, amar e proporcionar...
- Tu não existes.
- Olha... eu que pensava existir.
- És tão pateta quanto o teu pai.
- As coisas que me diz. - Valerie apertou a mão à mãe e manteve um ar mais sério - Vais ver que não tarda estás de regresso ao solar e aos teus pequenos monstrinhos.
- Vou fingir que não ouvi isso.

Valerie não teve tempo de responder pois um médico entrara no quarto naquele momento.

- Bom dia doutor. A a minha filha, Valerie.
- Bom dia. Finalmente está bem disposta. - O médico manteve o olhar na pasta que trazia - Se soubesse que a presença da sua filha lhe daria tão bom humor já a teria chamado à mais tempo.
- Você nem sabia que tinha uma filha!
- Porque será?! - O médico piscou o olho a Valerie antes de voltar a olhar para a sua pasta - Já pensou no que lhe disse?
- Sim. Não me agrada mas se tenho que ficar por uns dias que seja.
- Muito bem. Dúvidas?!

Pedindo desculpa Valerie deixou a mãe tirar qualquer dúvida que tivesse com o médico e foi esperar no corredor. Olhou em redor procurando uma máquina para tirar um café mas não viu nenhuma, achou estranho pois geralmente existem máquinas daquelas por todos os pisos. Ao dirigir-se ao balcão para perguntar onde podia beber um café viu Erick sentado numa cadeira. Estava de olhos fechados com a cabeça apoiada na parede. Pareceu-lhe cansado. Uma pergunta surgiu na sua mente. O que estava a fazer ali? Teria algum familiar no hospital! Acaso era enfermeiro ou mesmo médico!? Isso explicava o seu ar cansado e abatido. Talvez tivesse saído do turno da noite. Nesse caso porque teria ficado? Seria por ela? O seu coração bateu apressado perante a ideia. 

- Erick?! - Valerie tocou no seu ombro levemente.
- Desculpa. - Erick passou a mão pelo cabelo -  Não pensei que estivesse tão cansado.
- Porque não foste para casa?
- Não me pareceu correto deixar-te sozinha. 
- Agradeço mas não quero ser a causa de negligência da tua parte.
- Negligência?! Acho que não chegaremos a tanto. - Erick sorriu e agarrou o casaco que tinha deixado na cadeira - Café?
- Sim. 

Caminharam em silêncio pelos corredores do hospital até que chegaram ao bar onde se misturaram com os restantes médicos e utentes do espaço. 

- Conseguiste falar com o médico?
- Sim. Vai ser operada esta tarde. 
- Vai correr tudo bem. O hospital tem bons profissionais.
- Conhecimento de causa?
- Antes de vir para cá fiz pesquisa e segundo as estatísticas é um dos melhores da região.  
- Acho que nunca me passaria pela cabeça ter em conta a qualidade da rede de saúde ao mudar de casa.
- Pois eu acho que é uma das principais prioridades.
- Uma... e quais se seguem?
- Segurança, boa vizinhança, bom clima...
- Clima?! Ainda não vi sol por dois dias seguidos.
- Fala a mulher que gosta de andar à chuva.

Os dois riram e continuaram a falar do que achavam prioritário numa mudança até que Valerie voltou para junto da mãe. Mas poucos minutos depois a sua mãe era levada para fazer exames e ela foi informada que talvez fosse melhor regressar a casa. A operação, apesar de simples, ia demorar um pouco e o mais provável era a sua mãe só regressar do recobro ao fim da tarde. Embora relutante acabou por deixar o hospital e saiu andando pelas ruas desconhecidas. No seu intimo tinha um certo receio por aquela operação, a sua mãe já tinha uma certa idade e apesar de ser apenas um pé às vezes as situações não tinham o desfecho esperado. Não sabia à quanto tempo andava pelas ruas mas a julgar pela dor que sentia nos pés deveria ser à imenso tempo. Quem a manda sair percorrendo as ruas de salto alto? O previsto era estar sentada numa cadeira do hospital e não fazendo caminhadas.
Olhou em redor procurando um lugar para descansar e ligar a Tim. Era consciente que o deveria ter feito mal saiu do hospital mas algo a levou a caminhar pelas ruas. Procurava se acalmar ou no seu subconsciente achava que iria encontrar Erick ao virar uma esquina qualquer?! Ela sabia a resposta àquela pergunta, tinha de admitir que olhava atentamente para todos os lados na esperança de o ver. Saber que Steven tinha uma amante deixava-a de coração mais leve ao pensar em Erick, era como se a traição do marido lhe desse o direito de procurar uma companhia que lhe dava alguma tranquilidade e ao mesmo tempo fazia o seu coração disparar. Ela merecia um pouco de alegria na sua vida! Steven não tinha o direito de lhe negar isso. Não neste momento! 

As cores do por do sol pintavam o céu acinzentado quando ela fechou mais uma revista. Perdera o conto às revista que folheara, aos programas que tentara ver. A cada cinco minutos olhava nervosa para o telemóvel mas isso não fazia com que este tocasse. Apesar de saber que a operação da mãe era rotineira não conseguia deixar de estar preocupada. Naquele momento nem a possibilidade de ver Erick no dia seguinte lhe mudava o pensamento. A mãe teria dado corretamente o nome da medicação que fazia? A mãe tinha alergia a alguma coisa? Não sabia mas e se era a alguma das imensas coisas que usam no bloco...

- Basta! - Valerie gritou para consigo mesma enquanto se levantava decidida - Tudo irá correr bem.  

Decidida a afastar aqueles pensamentos subiu até ao quarto onde calçou uns ténis e vestiu um fato de treino. O ar fresco iria acalmar a sua mente e o exercício dar-lhe o cansaço necessário para uma boa noite de sono. 
Inicialmente caminhou sem pressa, depois começou a correr até à vila. Trajeto que fez em sentido contrário pouco tempo depois. Sorriu ao sentir como o seu corpo dava sinais de cansaço.  Decididamente fora uma boa ideia, não que o exercício tivesse o efeito que ela pretendia pois a operação insistia em ocupar a sua mente mas, julgando o suor que lhe colava a t-shirt ao corpo, ao menos castigava o corpo pelos pensamentos mais pessimistas. 
Avistava a casa do lago quando o seu coração parou ao ver um vulto sentado no banco que ela considerava seu. Só podia ser Steven. Tinha a certeza que assim que desse pela sua ausência precisava de apenas algumas horas para resolver algo que estivesse pendente e iria buscá-la.  Respirou fundo. Não tinha pensado no que lhe ia dizer quando ele chegasse. Além do mais não estava com disposição para discutir e muito menos revelar o que descobrira à poucas horas atrás. Resignando-se acelerou o passo mas ao perceber que era Erick sentiu-se gelar. 

- Não é boa ideia saíres a esta hora e muito menos sozinha. 
- Boa tarde para ti também. - Valerie aproximou-se dele e percebeu que o olhar dele parecia nervoso, quase triste.
- Desculpa. Fiquei nervoso quando o jardineiro disse que tinhas ido correr.
- O jardineiro?! - Valerie esfregou os braços que começavam a esfriar pela paragem. - Estiveste com Tim.- Valerie estremeceu - É melhor entrar, está a ficar mais fresco.
- Tens razão. É melhor regressar a casa. Desculpa ter aparecido assim. Vemo-nos amanhã?
- Sim.
- Ótimo.

Erick começou a caminhar pelo carreiro de terra batida e ela dirigiu-se ao portão. Mas ao colocar a mão no portão olhou para trás. 

- Erick! - Valerie sentia o coração bater apressado ao dizer o seu nome. - Sei que não estou apresentável e no mínimo preciso de um banho mas se não te importares de esperar posso oferecer um café. 
- De certeza?
- A menos que tenhas outros planos. 
- Não gosto de fazer planos. A vida é melhor quando somos surpreendidos. 
- Nisso tens razão. -A imagem de Steven com outra mulher surgiu na sua mente - Não poderia estar mais de acordo. 
- Já soubeste notícias da tua mãe?
- Não e não imaginas como isso me está a enervar. Não sei porque demoram tanto.
- Apesar de simples estas operações demoram sempre. E são procedimentos muito delicados. Imagino que não queiras a tua mãe com um pé torto.
- Não, isso não. - Valerie olhou-o agradecida, ele como médico, ou enfermeiro, sabia melhor que ela.
- Não tarda está aqui a chamar por ti pedindo isto e aquilo.
- Antes disso ainda irá fazer a vida negra às enfermeiras durante o pós operatório. 
- Não acredito que ela seja assim tão difícil. 
- Dizes isso porque não a conheces.- Valerie abriu a porta da cozinha e acendeu a luz - E depois de aparecer Trash é que ela ficou irritadiça e teimosa. 
-Trash?!
- Já vais entender.  

Valerie atravessou a cozinha e dirigiu-se à sala sem dizer mais nada mas consciente que ele a seguia e achou um certa piada à situação. Pareciam duas crianças numa caça ao tesouro.  Acendeu a luz do pequeno candeeiro que estava junto ao sofá e olhou em redor.  Ali estava ela, bem aconchegada no seu cesto junto à lareira.

- Aqui está ela. Sua majestade Trash. 
- Uma gata?! - Erick aproximou-se do animal e para sua surpresa este deixou-se acariciar. Ao ver a mão dele percorrer o lombo de Trash perguntou-se como seria sentir aquela caricia na sua pele nua. Trash levantou a cabeça na direção dela e miou como se conseguisse ler os seus pensamentos. Sentiu-se nua perante o olhar de Trash o que a fez retroceder como se tivesse sido apanhada a espiar. Retrocedeu tão abruptamente que tropeçou na mesa onde estava o candeeiro atirando-a ao chão assustando o animal. 

- Bolas! - Valerie seguiu a fuga de Trash com o olhar - A porta da cozinha! 
- Ela não iria sair com este frio.
- Ela vivia na rua. - Valerie sentiu um nó formar-se na sua garganta, não sabia porquê mas estava a ponto de começar a chorar -  Uma noite fria não a assusta. 
- Valerie! - Erick agarrou-a pelos ombros - Calma. Tudo se resolve
- A minha mãe... 

Não teve tempo de terminar a frase pois viu-se envolta nos braços dele. A respiração entrecortada e agitada pelas lágrimas começou a ficar mais compassada. Fechou os olhos e rendeu-se ao calor reconfortante que o corpo dele emanava. Mas a calma que ele lhe transmitia deu lugar a uma sensação nova para ela. Não sabia se era devido ao cheiro dele se ao calor do corpo dele mas desejou poder ficar ali para sempre. 
Sentindo o coração na garganta afastou a cabeça do peito dele e olhou-o. O olhar dele encontrou-se com o dela e depois o olhar procurou os seus lábios. Involuntariamente ela passou a língua pelos mesmos e no segundo seguinte as duas bocas tocavam-se. Primeiro a medo depois avidamente, como se toda a vida estivessem esperando por aquele momento. Um gemido saiu da boca dela e Erick apertou o corpo contra o seu fazendo-a gemer novamente. De repente sentiu um ar fresco entrar nas suas costas, ar esse que foi substituido pelo calor da mão dele. As suas costas arquearam sem que ela o procurasse e um novo gemido foi ouvido. Sentiu os lábios de Erick descer pelo seu pescoço e podia jurar que o ouvira sussurrar o nome dela ao mesmo tempo que chegava ao seu peito que se mostrava pronto para ele. Toda ela estava pronta para ele.  De repente Erick parou e afastou-se. Olhou-o atônita sem entender o motivo da reação mas bastou olhar mais atentamente para perceber que ele estava tão frustrado como ela.

- O telemóvel. - Erick passou a mão pelo cabelo nervosamente. - Pode ser do hospital.

Sem hesitar agarrou o telemóvel. Era do hospital. A operação correra bem e dentro de pouco tempo a sua mãe iria subir para o quarto. Não demorou mais que dois minutos ao telemóvel com a enfermeira mas quando desligou Erick já tinha saído da sala. Correu para a cozinha na esperança de o encontrar mas na cozinha apenas Trash esperava por ela. 













quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

O padre VII parte




- Já me perguntava onde andavas? 
- Fui dar um passeio.
- E foste ver Trash?
- Trash?!
- A gata. Achei que era um bom nome.
- Dado as circunstâncias é apropriado.
- Também achei. 
- Dei-lhe comida antes de sair.
- Ainda bem. Já tomaste o pequeno almoço?
- Comi na vila. - Valerie meteu mais um madeiro na lareira tentando esconder o rubor que começou a sentir - E tu?
- Sim.
- Hoje não dá para fazer nada no jardim.
- Pois não.
- Pode ser que amanhã não chova.

Lana olhou a filha e soltou uma gargalhada nervosa.

- Que vou fazer contigo?!
- Comigo?!
- Sim. Ás vezes és tão parecida com o teu pai. Principalmente quando fugia das conversas.
- Acaso não estamos a conversar?
- De coisas fúteis e sem nexo. Estás a evitar o inevitável. - Lana atirou com a revista para o cesto - Não penses que me esqueci. Não estou assim tão velha.
- Não sei ao que te referes.
- Então vou avivar a tua memória. Ontem fiz-te uma pergunta à qual tu fugiste habilmente. 
- Não me lembro.
- Nesse caso, volto a perguntar. És feliz com Steven? E não divagues nem dês meias respostas. 
- Se bem me lembro respondi.
- Não. Deste uma resposta educada, automática. Sou tua mãe!
- Que queres que te diga?
- A verdade!

A verdade... como lhe podia pedir a verdade se nem ela mesma sabia qual era?! Não na totalidade. Não sabia porque Steven estava diferente. Nem que problemas a empresa tinha. Era suposto dizer o quê? Que estava tudo bem ou que era infeliz? Porque essa a única coisa que ela sabia ser verdade. Isso e o facto da mãe achar que o lugar dela era junto do marido. Por isso, independentemente do infeliz que fosse, o seu lugar era ao lado de Steven. E de que adiantava falar disso se sabia qual era a opinião da mãe? 

- A verdade é que não sei.
- Como não sabes?

A voz fria da mãe causou-lhe um arrepio e sentiu uma pontada no peito como se fosse picada por mil alfinetes.

- Não é fácil abrir o coração a uma pessoa que não conhecemos. - Valerie sentiu as lágrimas encherem o seu olhar e esforçou-se por as conter - És minha mãe e apesar disso não sei nada sobre a tua infância. Os motivos que te levaram a fugir desta casa ou como eram os meus avós. A menos que tenha vindo aqui em bebé só me lembro de ver a avó durante uma breve visita e depois quando o pai esteve doente. Depois disso não me foi permitido vê-la. E sempre que perguntava sobre eles mudavas de assunto.

Sabia que aos olhos da sua mãe estava a pisar terreno perigoso. O semblante carregado dela confirmava isso mesmo mas estava cansada de ter tantas perguntas a assombrar a sua mente.

 Para sua surpresa Lana levantou-se e dirigiu-se à cozinha. Valerie ficou a olhar a porta por onde a mãe tinha saído perguntando-se onde tinha conseguido coragem para perguntar sobre os seus avós. Estava certa que quando a mãe regressasse da cozinha, apesar de ter sido ela a originar aquela conversa, viria com um sorriso e começaria a falar de qualquer coisa como o tempo ou os filhos das suas amigas, que já tinham dado netos e ela ainda não os tinha. Tudo era válido desde que evitasse aquele tipo de conversa. Mas quando a sua mãe regressou trazia, além de um tabuleiro com chá e bolachas, o olhar triste e húmido o que provava que estivera a chorar.  Naquele momento arrependeu-se do que tinha dito. Independentemente dos segredos, e das opiniões que a mãe tivesse, esta sempre lhe proporcionara o que era necessário.

- Certas conversas requerem uma bebida reconfortante.
- Desculpa. Não sei o que me deu. - E era verdade, não sabia. As palavras simplesmente saíram. - Eu não te pretendia forçar a falar em certos assuntos. Assuntos que sempre evitaste.
- Algum dia teria que ser. - Lana estendeu uma chávena á filha e ficou a olhar a dela por uns segundos antes de começar a falar - Desde que me lembro de ser gente nunca ouvi um não da parte dos teus avós, sempre e quando fizesse o que o teu avô queria. - Lana encolheu os ombros - Um homem à antiga! Era um homem com um coração enorme mas tinha muitos ciúmes da tua avó. O que levou a controlar cada passo que ela dava e trabalhar em casa significava controlar a tua avó vinte e quatro horas por dia. A tua avó nunca falava no assunto mas ao ficar mais velha ia ouvindo as conversas de alguns criados. Os homens diziam que dado a diferença de idades eram ciúmes justificados, que a tua avó ser uma mulher muito bonita não facilitava a confiança. Mas não havia motivos para ciúmes e muito menos para aquelas conversas. Apesar da diferença de idades a minha mãe estava profundamente apaixonada e nunca olhou para outro homem. Como tal não se importava de fazer apenas o que ele queria. Raramente saía daqui e quando o fazia era com ele. As pessoas da vila diziam que era uma princesa presa na sua bela torre de marfim. A maioria da mulheres talvez fugisse na primeira oportunidade mas a tua avó era feliz assim. Muitas das terras em redor do solar pertenciam à família o que dava um amplo espaço de lazer. Atualmente temos apenas alguns terrenos e um velho moinho que o teu avó deixou à disposição da sociedade histórica enquanto esta assim o entender.
- Um moinho?! - Valerie olhou a mãe esperando alguma reação mas esta permaneceu olhando a chávena.
- Sim. Fica lá no meio da mata, que por sinal também é da família.- Lana serviu mais chá - Como estava a dizer, quando a minha mãe ficou grávida, o meu pai já tinha vendido alguns terrenos, oferecido o castelo à freguesia e as casas onde residiam alguns dos empregados do solar foram oferecidas aos mesmos. Como podes imaginar, dado a generosidade dele, as pessoas da aldeia olhavam para ele como um benfeitor. E as poucas que achavam estranho a atitude dele para com a minha mãe o que poderiam fazer se ela era feliz assim?! Qualquer pessoa que os visse juntos percebia que se amavam. Eu cresci assim, numa espécie de gaiola dourada. Lembro-me de passear com ela pela mata com Maria e irmos à vila ver as peças de teatro que a sociedade preparava por ocasiões especiais mas apesar de ter tudo o que o dinheiro possa comprar sempre me senti presa. Por isso quando conheci o teu pai e surgiu a oportunidade de sair daqui não hesitei. O teu pai era atencioso, generoso e olhava para mim de um jeito, de uma forma tão linda. Era como se não existisse mais ninguém no mundo. Por isso não foi preciso insistir para fugir com ele, não queria a minha vida controlada pelo meu pai. Casámos na igreja da vila onde o teu pai vivia e fomos viver para a quinta. Os primeiros dias foi tudo como um sonho, o teu pai levava o pequeno almoço à cama, trazia flores constantemente e conversávamos imenso durante a noite. Mas um dia, após uma das visitas dele á única tia que tinha, voltou diferente e no dia seguinte despediu a rapariga que trabalhava lá em casa e começou a tratar-me de modo diferente. As atenções foram trocadas por ordens e imposições. Nesse dia o sonho desvaneceu. Como deves compreender não foi fácil, nunca tinha trabalhado na minha vida. Havia dias em que as minhas mãos sangravam de tanto trabalhar, além da lida da casa ainda tinha que ajudar na terra. Um dia estava tão cansada que não fui ajudar na lavoura. Decidi tirar um dia para mim. Também merecia descansar! Mas o teu pai não achou e quando entrou em casa e me viu sentada com um livro na mão parecia outra pessoa. Arrancou-me o livro das mãos e disse que havia muita coisa a fazer na terra, que até os animais da quinta ganham o alimento que comem. Se queria ter vida de princesa não devia ter casado. Senti o sangue gelar, afinal tinha casado com uma cópia do meu pai. Depois desse dia, e seguindo os conselhos de Arlene, deves lembra-te dela, acordava ainda o galo não tinha cantado e preparava o pequeno almoço. Quando o teu pai acordava já eu tinha tratado das galinhas, do cão e esperava por ele para irmos juntos para o campo. Para ter algum tempo para mim comecei a ir á igreja. Sentia uma certa paz quando lá estava o que me levava a ir constantemente á missa. Por estranho que parecesse o teu pai achou que me faria bem ouvir a palavra de Deus. Pouco tempo depois percebi que estava grávida. Temi por aquele bebé. Deus do céu! Aquela criança iria nascer numa casa onde imperava a vontade de um só ser. Onde a liberdade de expressão não existia! - Lana respirou fundo - Não podia consentir tal coisa. Estar prisioneira era uma coisa, outra era aprisionar um filho ainda antes deste nascer. Como o teu pai costumava ir um dia por semana à cidade e só voltava à noite decidi aproveitar a oportunidade. Decidida a colocar um fim naquele casamento preparei tudo mentalmente para a minha fuga mas não correu como eu esperava.
- O pai voltou atrás? - Valerie sentou-se junto à mãe sentindo o coração apertar de tanta dor .
- Não. - Lana olhou a filha com os olhos cheios de lágrimas - Inocentemente procurei a minha mãe mas o meu pai nem me deixou vê-la. Quando ele me viu no portão da entrada expulsou-me do solar dizendo que não tinha filha nenhuma. Apesar de implorar para ver a minha mãe ele não o permitiu. Chorei todo o caminho de volta e deixei a raiva instalar-se em mim. Se não tinham filha, eu não tinha pais. Jurei que a partir daquele dia iria viver para ti, e só para ti. Que aguentaria tudo até tu seres independente e que tudo faria para não viveres o que eu vivi. O primeiro passo a dar seria dar a noticia ao teu pai. E acredita que tinha muito medo da reação dele. Nunca falara em ter filhos. Como iria reagir? Iria ficar feliz? Sei que havia e há mulheres que passam mais do que aquilo que eu passei, nunca me agrediu fisicamente mas o que me dizia, a forma e as pancadas na mesa enquanto falava dava-me pavor. Mas que alternativa tinha? Eu mesma tinha escolhido aquele caminho.
 Tentando dar um ar de felicidade que não sentia fiz um jantar especial, coloquei a nossa melhor louça na mesa e esperei pelo teu pai. Enquanto esperava pensei na minha vida e soltei uma gargalhada ao perceber como Deus nos dá lições, nos prepara surpresas. Não amava o teu pai, casei apenas porque queria fugir do meu. E ali estava eu, renegada pelos meus pais e sendo forçada a viver com um homem que não amava porque não tinha mais ninguém.  Ainda recordo o olhar dele quando lhe disse que estava grávida. Abraçou-me e chorou como eu nunca tinha visto chorar um homem. Pediu desculpas por tudo o que tinha feito e dito, que apenas agira por ciúmes. Que fizera mal em dar ouvidos á tia quando esta lhe dissera que eu iria embora na primeira oportunidade. Segundo ela eu não iria aguentar aquela vida simples. Eu estava acostumada a um nível de vida elevado e ele só tinha aquela quinta e um negócio que iniciara à pouco e ainda mal lucrava. Ele ficara tão furioso com a tia que só a visitou quando tu nasceste mas acho que mesmo assim a pobre partiu deste mundo sem que o teu pai a perdoasse totalmente. Segundo ele, tinha perdido tempo precioso comigo porque a tia lhe tinha incutido a dúvida sobre os meus sentimentos. Ele tinha medo que sem a vida de luxo que eu estava acostumada o deixasse e ele amava-me tanto que preferia morrer a viver sem mim. Por isso me obrigava a trabalhar, se estivesse cansada não pensaria em fugir. Chorei e jurei que nunca o iria deixar. Afinal ainda havia esperança numa convivência pacífica. Naquele momento percebi porque muitas mulheres suportam maus tratos. Medo e falta de opção! Eu estava nesse patamar. Tinha que me agarrar a qualquer coisa pois não tinha para onde ir nem como me sustentar. Para minha surpresa depois daquele dia tudo mudou. A rapariga que tinha despedido meses atrás voltou a trabalhar na casa e algum tempo depois contratou um rapaz para ajudar na quinta para que ele me pudesse, como ele dizia, "apaparicar" e com o avançar da gravidez nem queria que eu fosse ao pátio sozinha. Quando tu nasceste a felicidade estava espelhada no rosto dele e eu não podia ser mais feliz. Não o amava mas tínhamos uma vida confortável e eu era a dona da casa. Tinha o poder de decidir o que queria fazer e, sempre que podia, o teu pai satisfazia todos os meus caprichos. Mas Deus ainda tinha outra surpresa para mim. Um dia estava sentada na varanda enquanto tu brincavas no chão. Como era costume o teu pai chamou-te mal te viu e tu soltaste o teu gritinho, aquele gritinho que eu tanto amava sempre que o ouvias, ao mesmo tempo que corrias para ele. Naquele dia um dos cães assustou-se com o teu grito e correu para ti. Não sei como o teu pai conseguiu correr tanto pois eu fiquei petrificada mas a verdade é que conseguiu levantar-te a tempo de evitar que fosses mordida mas não a tempo de evitar que o animal o mordesse a ele. Naquele instante senti que o meu coração se dilacerava. Nunca tinha sentido uma dor assim. E ao ver a dor no rosto do teu pai ao entregar-te nos meus braços, enquanto se dirigia a casa coxeando, percebi que o amava. Foi preciso ele sofrer para eu perceber que o amava. Só isso explicava que sentisse a dor dele como se ela fosse minha também. Hoje posso dizer que fui feliz com o teu pai, não pelo nível de vida que alcançou mas pelo homem que foi. Que o amei com todo o meu ser e sem ele tudo parece frio e vazio.

Lana calou-se olhando a chávena cujo chá tinha arrefecido sem que ela lhe tocasse e as lágrimas fluíam aumentando a quantidade de líquido que a mesma continha. 

- O pai sabia?
- O quê?
- Que quando casaram não o amavas.
- Se sabia nunca o disse. O importante é que depois de um período muito conturbado fomos felizes.
- Daí insistires num neto.
- Não sou tonta. Posso ver que algo se passa. - Lana agarrou o rosto molhado da filha - Quando Steven está transpiras irritabilidade, inquietação. Por isso pergunto novamente. És feliz?
- Não.

Valerie, apesar de ocultar algumas partes da sua convivência com Steven, contou como a sua vida era triste. De como ele a controlava, a intimidava e via maldade em tudo o que ela fazia. Embora nos últimos meses andassem melhor ela temia sempre que um dia o velho Steven regressasse. Mas de uma coisa ela tinha a certeza. Não amava Steven e acreditava que um filho não iria mudar isso.
Lana não disse nada, apenas segurava a mão da filha, enquanto esta chorava. Valerie levantou-se e sorriu tristemente enquanto olhava a figura da mãe sentada no sofá. 

- Como podes ver ambas seguimos os mesmos passos. - Tentando aliviar a tensão disse a primeira coisa que lhe veio á cabeça - É como uma maldição familiar.
- Deus do céu! Acreditas nisso?
- Claro que não. Estava a brincar. 
- Com essas coisas não se brinca. - Lana olhou a filha e as lágrimas voltaram a inundar o seu olhar - Oh meu Deus! Foi tudo culpa minha. Queria que tivesses uma vida desafogada, que fosses feliz e acabei por te empurrar para um casamento infeliz.
- A culpa não é tua. Podia ter dito que não. - Valerie olhou a mãe e tomou consciência que assim era. Podia ter dito que não queria mas a vontade de agradar ao pai foi maior que tudo o resto - Agora não importa. Mesmo sem filhos estamos a começar a nos entender. Acredito que, assim como tu, eu também irei amar Steven.
- Achas que sim? 
- Claro. - Valerie voltou para junto da mãe - Está a parar de chover. E se fossemos ver a gatinha?
- Trash. Ela tem nome.
- Muito bem, vamos ver Trash.


Nessa noite Valerie mal dormiu. Agora percebia porque a mãe se mantivera afastada do solar e da sua família. Porque o seu olhar ficara triste ao perceber que Trash estava prestes a ter crias. Sentia-se na obrigação de abrigar aquele ser que estava assustada e só no mundo. Revelar a sua vida deixara-a mais leve psicologicamente. Talvez ela também encontrasse a felicidade junto do marido. Por algum motivo a vida deles tinha mudado. Ele tratava-a com mais amabilidade e talvez os problemas da empresa viessem resolver os problemas entre eles. 
Desceu sem fazer barulho e deixou um bilhete junto á máquina do café avisando que tinha dado o pequeno almoço a Trash e que ia passear. Não tinha combinado encontrar-se com Erick mas precisava pensar em tudo o que tinham falado. 
A manhã, apesar de fria prometia ser solarenga. Talvez o sol lhes desse o prazer da sua companhia e isso fizesse Trash sair do esconderijo. Tinha curiosidade em ver de que raça era. 
Embrenhou-se na mata enquanto pensava que talvez Steven a deixasse trabalhar quando voltassem para casa. Ou lhe permitisse retomar o curso que iniciara quando se casaram e depois abandonara. 
Caminhou sem rumo pensando no que faria quando regressasse a casa. Pensar em regressar causou-lhe um arrepio. O regresso implicava nunca mais ver Erick e por alguma razão isso incomodava-a e causava-lhe uma tristeza enorme. Limpou uma lágrima e tomou a caminho do solar. Não queria pensar em Erick nem em coisas que a entristecessem. Mas era mais fácil pensar que fazer. 

Durante o dia manteve o semblante sombrio e nem o facto da mãe lhe mostrar os álbuns, que tanta curiosidade lhe causaram quando chegou, lhe deu mais ânimo.  

- Talvez seja melhor deixar isto para outro dia. - Lana fechou o álbum - Pareces um pouco alheia.
- Desculpa. Estava a pensar em Steven - Valerie evitou olhar a mãe, não queria que ela visse que estava a mentir. Naquele momento só conseguia pensar em Erick e no facto de nunca mais o ver. - Nele e no regresso a casa.
- Ele disse quando ia voltar?
- Assim que pudesse. Surgiu um problema.
- Desculpa por perguntar isto mas ontem disseste ele estava diferente. Em que sentido?
- Porque perguntas?
- Sabes, ontem quando me deitei pensei muito na nossa conversa. Se pudesse voltar atrás voltava mas infelizmente não é possível. Nunca te teria convencido a casar nem teria dito as coisas que te disse. Agora percebo que na minha ânsia de querer o que eu achava melhor para ti me esqueci que o tu querias era o mais importante.
- Isso agora não importa.
- Importa sim. Privei-te da tua juventude, das loucuras que uma jovem faz. - Lana passou a mão nas calças de veludo - Pensar naqueles dias levou-me a recordar uma conversa que tive com Arlene. Só há duas coisas que faz um homem mudar. Dinheiro e outra mulher. 
- Com os ciúmes que Steven têm não me parece que seja outra mulher. Tenho é quase a certeza que são problemas na empresa. Agora resta saber de que gênero. 
- Talvez tenhas razão. Ele sempre foi grande apreciador da boa vida. 
- Por isso acho que o problema é dinheiro. Imaginas ter que deixar os restaurantes luxuosos e os fatos feitos por medida? Seria desastroso para o seu ego.

Nesse momento tocou o telemóvel, sorriu sem jeito quando viu o número do marido. 

- Nem a propósito. - Valerie olhou lá para fora pensando que ele estivesse ao portão - Sim?
- Está tudo bem?
- Sim. E por aí?
- Parece que o pior já passou.
- Ainda bem. Estás a caminho?
- Não. Mas saio amanhã bem cedo. Por isso arruma as tuas coisas que tenho que regressar no mesmo dia.
- Se tens que...
- Não! Estou aí amanhã bem cedo. 
- Claro.  

Valerie sentiu o coração disparar. Parecia que o velho Steven estava de regresso. Olhou a mãe e pareceu-lhe tão frágil que forçou-se a sorrir.

- Steven chega amanhã.
- Quantos dias fica?
- Nenhum.
- Graças a Deus!
- Mas eu vou com ele.
- Como?!
- Está aqui bem cedo para irmos para casa.


Pensando no regresso a casa e no facto de Steven parecer o mesmo de outros tempos não conseguia estar em casa. Parecia que esta a sufocava. Pensar que nunca mais iria passear pela mata deixava-a deprimida. Sem pensar duas vezes dirigiu-se à mata. Não queria saber que a noite estava quase a chegar nem que os trovões se ouvissem ao longe ameaçando uma noite chuvosa. Precisava sentir-se livre uma vez mais antes de se ir enclausurar na masmorra que era a sua casa. Pois o tom de voz de Steven isso prometia. Sentindo o corpo tremer sentou-se no banco em frente à casa do lago. Se tivesse coragem poderia deixar Steven. Podia viver no solar com a sua mãe ou alugar uma casinha na vila. Se ele lhe tivesse permitido trabalhar era financeiramente independente e podia viajar, conhecer novas pessoas ao invés de estar ali dependente dele para tudo. Até para comprar um simples par de meias. Podia pedir ajuda à sua mãe. Parecia mais compreensiva mas não lhe contara tudo. Deveria tê-lo feito? Teria feito mal em querer poupá-la das situações mais dolorosas? Mas a sua mãe já se sentia mal sem saber tudo o que Steven a fizera passar, e certamente iria repetir brevemente, se soubesse então iria martirizar-se. E ela não iria conseguir viver com o facto de lhe provocar tamanha dor. Naquele momento começou a chorar compulsivamente e no mesmo instante umas gotas caíram na sua cabeça. Olhou o céu e fechou os olhos deixando as lágrimas misturarem-se com as gotas de chuva. Naquele instante sentiu uma mão no seu ombro e deu um salto enquanto o seu coração batia apressado.

- Esta tua obsessão pela chuva vai arranjar-te problemas.
- Erick! - Valerie abraçou-o sem conseguir conter a alegria de o ver - Pensei que nunca mais te iria ver.
- Está tudo bem? - Erick afastou-se ligeiramente e olhou-a fixamente - Deus do céu! Que aconteceu?
- Volto para casa amanhã.

Nesse instante a chuva aumentou de intensidade e Valerie não hesitou em segurar a mão dele enquanto caminhava em direção à casa do lago. Não podia regressar a casa assim sem mais. Queria falar com ele uma última vez. Fingir que era uma mulher normal a conversar com um amigo. 

Entraram em casa a correr e apesar de fecharem a porta o frio entrava pelas janelas partidas. O cabelo de Valerie tinha ficado colado ao seu rosto pela chuva, ia retirá-lo mas Erick foi mais rápido e ao sentir o toque dele fechou os olhos. Era um toque tão suave, tão reconfortante. Sentiu como os dedos dele roçavam a sua pele até chegarem à sua orelha onde deixaram o cabelo. Valerie sentiu uma rebeldia invadir o seu interior e colou o seu corpo ao dele levantando o rosto na direção do dele. Por instantes pensou que ele a fosse afastar mas só teve tempo da ideia se formar na sua mente antes de ele a beijar. Primeiro com alguma reserva mas depois o beijo aumentou de intensidade e ela sentiu que o mundo girava num carrossel de mil e uma cor. Um formigueiro estranho começou a nascer no seu íntimo seguido de um calor  que parecia queimar todo o seu ser. Quando ele deixou de beijar os seus lábios e começou a percorrer o seu pescoço um gemido involuntário saiu da sua boca.
Nesse instante Erick afastou-se e parecia tão surpreendido como ela. Quando ela ia abrir a boca ele fez sinal para se calar. No lado de fora uma luz trémula via-se não muito longe dali. Parecia-lhe ser na estrada que levava ao solar. 

- Menina Dow! - A voz de Tim chegou até eles entre um trovão e outro - Menina! Menina Dow!
- É melhor ires. 
- Sim. 






quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

O Padre VI parte


 



Ao abrir o portão Valerie respirou profundamente.  O carro de Steven estava em frente à porta principal mas não havia sinal dele.  O seu coração batia agitado e nem a voz de Tim, que cantava na estufa, a fez abrandar o passo enquanto se dirigia às traseiras da casa. Preferira entrar pela cozinha pois talvez desse a ideia que estava em casa à mais tempo e assim evitasse qualquer tipo de perguntas que Steven pudesse fazer. Tentando agir com uma naturalidade que não sentia tirou uma chávena do armário e encheu-a de café. Respirando fundo dirigiu-se à sala onde a voz alterada de Steven se fazia ouvir.

- Mas porque é tão teimosa?
- Teimosa?! Se na tua perspectiva sou teimosa por não querer a tua ajuda financeira então sou.
- Não sabia que tinhas chegado. - Valerie fingiu não perceber o ar carregado que existia entre a mãe e o marido enquanto se dirigia a este para lhe beijar o rosto - Fizeste boa viagem?
- Sim. - Steven olhou-a fixamente - Estás doente? Pareces acalorada.
- Retomou as caminhadas. - Lana não deixou a filha responder - Sinceramente não percebo porque depois de casar deixou de as fazer.
- Eu também não percebo muita coisa.

A forma como Steven olhou para ela indicava que estava, no mínimo, irritado. Por isso quando ele disse que precisava de falar com ela, e começou a caminhar em direção à biblioteca, seguiu-o sem dizer uma palavra. Ela conhecia-o bem demais para saber que era exatamente isso que ele esperava. Obediência cega!
 Apesar do curto trajeto o medo instalou-se e as perguntas começaram a "bailar" na sua cabeça. Porque não esperava até estarem na privacidade do quarto para falar com ela? Porque estava tão exasperado com a sua mãe? Porque lhe parecia mais nervoso que quando partiu? Alguém a teria visto com Erick e o teria alertado para esse facto? Não fazia nada de mal mas sabia que o marido não via a situação assim.

- Fecha a porta. 

 Steven caminhou até à janela e ficou de costas para ela o que aumentou o seu nervosismo.

- Está tudo bem? - Valerie tentou transmitir uma calma que não sentia - Pareces preocupado.
- Sim e não.
- Não entendi.
- Está tudo bem comigo mas a situação é mais complicada do que eu pensava. - Steven voltou-se e olhou-a fixamente - Na verdade a situação complicou-se nestes últimos dois dias. Sinceramente pensei que conseguia resolver tudo rapidamente mas não contava com este percalço. E do modo como as coisas estão não me posso ausentar da cidade.
- Se a tua presença é indispensável entendo que não possas regressar. - Ao perceber que o nervosismo dele tinha outro motivo que não ela sentiu-se à vontade para conversar normalmente - Sei que te preocupas mas não estamos sozinhas.
- Queria ajudar, compensar a tua mãe de alguma forma mas ela insiste em manter-me afastado.
- Depois da última conversa que tiveram era de esperar. Mas, compensar?! Não entendo porque...
- Não interessa. - Steven não a deixou continuar - Como a situação se alterou não me pareceu correto avisar por telefone e muito menos por mensagem!
- Isso quer dizer que vou ficar?
- Parece-me o mais correto.  Afinal a tua mãe não é mais nenhuma jovem.
- Claro. 

Valerie não sabia que pensar. Havia algo que lhe escapava. O Steven que ela conhecia não iria permitir que ela ficasse onde ele não a pudesse controlar e no entanto ali estava ele anunciando que iria ficar mais uns dias na cidade ao passo que ela ficava ali. Não estava sozinha, estava com a sua mãe mas algo de muito grave tinha acontecido na empresa para ele permitir tal coisa. Estariam com problemas financeiros e seriam estes tão graves a ponto de terem de mudar o seu estilo de vida e em virtude disso ele estava uma pilha de nervos? Pensaria ele que se ficassem pobres ela teria coragem de o deixar? Não... ele sabia que ela tinha medo dele. Teria que ser outro motivo. Ele só podia ter medo de não poder mais usufruir de tudo o que estava acostumado. Seria isso?! Por muitas perguntas que ela tivesse sabia que não adiantava perguntar, o marido jamais lhe responderia. Não com uma resposta franca. Naquele momento sentiu saudades do padre August e dos seus sábios conselhos.

Steven partiu depois do almoço e mal o carro desapareceu por entre as árvores ela só conseguia pensar que podia continuar as caminhadas com Erick. Pensar nas caminhadas e nas longas conversas com Erick deixava-a mais animada. O que lhe indicava o quanto precisava de um amigo, de alguém com quem conversar. 

- Um chocolate pelo motivo desse sorriso.
- Hum?!
- Estás no mundo da lua. 
- No mundo da lua?! - Valerie olhou para a mãe perguntando-se se estaria a sorrir - Acho que estar aqui está a afetar o seu raciocínio.
- Pois sim... - Lana agarrou a mão da filha e olhou-a seriamente - És feliz com Steven?
- Que pergunta é essa?
- Uma pergunta como outra qualquer. Não posso mostrar interesse pela vida da minha filha?
- Claro que sim!
- Então?! És feliz.
- Tanto como uma mulher pode ser. 
- Menina. - a voz e Tim chegou até elas desde a cozinha - Menina...
- Estamos na sala. 
- Desculpe incomodar mas achei que gostaria de ver uma coisa. 
- Que aconteceu? - Lana levantou-se rapidamente - Espero que não sejam mais problemas.
- Depende do que considera um problema.

Mal terminou da falar Tim voltou costas às duas mulheres não lhes deixando outra alternativa a não ser ir atrás dele. A mente de Valerie divagava tentando perceber o que seria de tão urgente mas por muita imaginação que tivesse não estava preparada para o que as esperava. 

- Ali naquele canto. Conseguem ver?!
- Não estou a ver nada de mais. - Lana aproximou-se mais do local que Tim indicava - São apenas latas velhas.
- No meio das latas... - Tim olhou para Valerie - Acho que está ferido.
- Ferido?! - Valerie aproximou-se das latas e ouviu um bufo que lhe causou arrepios. - Que é?
- Um gato.
- Um gato?! - Lana olhou para Tim - Está ferido?
- Ferido ou assustado. 
- Acho melhor irmos embora para não o irritar ainda mais
- Oh Deus Valerie... - Lana soltou uma gargalhada - É apenas um gato assustado não um leão. Vai buscar algo que ele possa comer. 

Valerie correu em direção à cozinha para regressar com fiambre e frango cozido. Para sua surpresa o animal não se aproximou quando colocou a carne perto dele preferindo eriçar o pêlo e arquear as costas. Naquele momento foi notória a enorme barriga do animal dando a perceber que era uma gata e a julgar a barriga estava quase a ter as crias. 

- Pobre criatura... O medo é maior que a fome. - Lana agarrou no braço da filha - Vamos deixá-la à vontade. - Olhou para Tim - O barracão pode esperar mais uns dias. 
- Claro. Vou começar no...
- Vamos dar o dia por terminado.  - Lana interrompeu Tim - Amanhã é outro dia.

Tim agradeceu a tarde livre e elas regressaram a casa. A mãe sentou-se junto à lareira e retomou a leitura. Valerie sorriu ligeiramente ao ver que a revista estava de cabeça para baixo. Abriu a boca para dizer algo mas o olhar perdido da mãe fê-la optar por a deixar só. Algo naquela gata afetou a sua mãe. Sem dizer o que fosse saiu da sala e foi até ao quarto apanhar uma das suas camisolas para servir de cama ao pobre animal.
O fim de tarde anunciava chuva e ela não conseguiu deixar de ir confirmar se a gata teria aceite a nova "cama". Sentiu pena daquele ser que apesar de esfomeado e cheio de frio não consentia que se aproximassem. Mas iria insistir, não iria desistir assim tão facilmente. 

Mal dormiu essa noite pensando no quão frio estava lá fora e assim que o dia nasceu vestiu o fato de treino e agarrando um pedaço de bacon dirigiu-se ao barracão. A pouca luminosidade não lhe permitiu ver a gata mas o frango que tinha deixado no dia anterior tinha desaparecido o que era bom sinal. Deixou o bacon sobre o prato e sentiu-se tonta por, com voz calma, anunciar que o pequeno almoço estava servido. 

Ainda sorria quando avistou Erick. Sentindo um calor reconfortante no peito levantou o braço.

- Fico feliz por teres vindo. - Erick sorriu para ela.
- Eu também. - Valerie olhou-o tristemente - Mas dentro de dias tenho que regressar a casa. 
- O segredo da vida é aproveitar o presente. - Erick estendeu-lhe a mão - Vamos?
- Claro. 

Aceitar a mão dele parecia a coisa mais natural do mundo e, querendo ser sincera, gostava da sensação de conforto que o calor dele lhe transmitia mas pouco depois, com a mesma naturalidade com que lhe deu a mão, assim a soltou, o que lhe causou um vazio.
Tentando não pensar no motivo de tal ato nem querendo aprofundar o motivo de tal vazio falou-lhe do animal assustado e das suas incertezas quanto ao melhor modo de ganhar a confiança dele. Segundo Erick persistência e paciência eram suficientes. E ele estava certo que ela era teimosa o suficiente. Falar em teimosia recordou-lhe Steven, ele dizia que esse era um dos muitos defeitos que ela tinha. Temendo entregar-se aos pensamentos negativos que a invadia sempre que pensava no marido entregou-se à curiosidade.

- Onde vamos?
- É surpresa.
- Espero que seja boa.
- Acho que vais gostar. Ontem, depois de me deixares, estive a conversar com um dos guias turísticos e falou-me neste lugar. Depois da descrição dele percebi que não me iria perdoar se fosses embora sem o ver.

Algo na voz dele a fez sentir um nó na garganta e esquecer Steven. Parecia haver dor nas palavras dele... 

- Lamento imenso ter-te deixado sozinho. 
- Sabias que este carreiro fazia parte do itinerário dos turistas mas que foi retirado para preservar a natureza? - Erick fez uma careta e continuou como se ela não tivesse dito nada - Os turistas começaram a deixar a sua "marca" e não restou outra alternativa.
- A sua marca?!
- Plásticos, pontas de cigarros, lenços, sacos de papel e tudo o mais que o ser humano engloba. 
- Que horror!
- O guia explicou-me que tiveram que refazer os folhetos de modo a ocultar este trajeto e camuflar os caminhos com arbustos e árvores velhas para impedir a passagem do homem.
- E como conseguiste que te falasse nele? 
- Duas garrafas de gin e a promessa que não ia falar dele a ninguém fizeram o trabalho.
- Estou a ver... - Valerie sorriu - És muito bom a guardar segredos.
- Há quem os guarde melhor que eu.

Valerie notou que a voz dele ficara diferente e ficou em silêncio. Os passos na terra batida pareciam ecoar na sua cabeça. Ele estava aborrecido. Estaria a referir-se a ela? Afinal não lhe falara de Steven.  Sabia que era casada, infeliz era certo, mas casada e não tinha costume de falar dos seus problemas. Não falara no assunto nem à sua mãe porque deveria desabafar com ele? Na verdade pensara em falar com ele mas não queria "manchar" a amizade deles com um assunto tão desagradável. 

- Chegámos.
- Aqui?! 
- Um pouco de paciência mulher. 

 Erick desviou um ramo que pendia de uma árvore deixando a descoberto um outro carreiro e voltou a colocar o ramo da mesma forma que o encontrou.

- Uma promessa é uma promessa. Não devemos ser os únicos curiosos na vila.
- Certamente não seremos mas julgando as nuvens duvido que alguém se lembre de sair a passear.
- Nós estamos aqui.
- Verdade...
- Imagina que por casualidade um admirador da natureza passa aqui perto e vê o caminho? Lá se vai a minha promessa.
- Já não está aqui quem falou.
- Não?! Onde andará?!
- Tens muita piada. - Valerie sorriu ao perceber que ele tinha recuperado o bom humor.
- Uma das minhas muitas qualidades.
- E modesto!
- Olha. 

Valerie olhou na direção que ele indicava e não acreditava no que via. Como era possível, que ali no meio da densa mata, ainda se mantivesse de pé um moinho?! Estava velho, notava-se pela pintura e na madeira por tratar mas pelo lento rodar da velas, que estavam rasgadas, parecia funcionar. 

- Que lindo!
- Vamos entrar?
- Podemos?!
- Não há sinalização em contrário. - Erick tirou uma chave do bolso - O que uma boa conversa não faz. 
- A conversa ou a garrafa?
- Talvez as duas. Mas seria meio passeio se não entrássemos. E aposto que vais gostar do que está para lá do moinho.

Sem perceber porquê deu-lhe uma pancadinha no braço com fazia com os seus amigos de infância.

- Não é justo! Já aqui estiveste.
- Eu? Claro que não.
- Então como sabes o que está no outro lado?
- O guia. Lembraste?
- Pois sim...

Naquele momento umas gotas caíram no rosto dela e ela sorriu. Recordou as vezes que brincava à chuva quando era criança e fechando os olhos virou o rosto para o céu. Como ela gostava de andar à chuva...

- É melhor corrermos ou acabamos por nos molhar!
- Não importa.
- Não?! 

Durante uns segundos olharam-se mutuamente enquanto as gotas de chuva molhavam os seus rostos. Valerie sentiu um arrepio ao perceber que podia perder-se nos olhos dele.

- Estás com frio. 

Sem esperar resposta Erick despiu o casaco e colocou-o sobre os ombros dela. Ela seguiu as suas mãos durante os breves segundos que durou aquele gesto e podia jurar que o mundo tinha parado naquele instante. Arriscou-se a levantar o rosto e pode sentir o calor da respiração dele nos seus lábios.  
Sentiu a mão dele no seu rosto e institivamente entreabriu os lábios. Um novo trovão tirou-a do torpor que sentia e Erick dirigiu-se a passos largos em direção à porta, que demorou um pouco a abrir. Mal entrou tossiu ligeiramente devido ao ar bafiento. Ela seguiu-o envergonhada por ter reagido como uma adolescente a um gesto inocente.

- Que cheiro a mofo! - Valerie tentou quebrar o silêncio que reinava entre eles - Deve estar fechado à imenso tempo. 
- Possivelmente. 

 Erick abriu as portadas das janelas a fraca luz do dia iluminou o interior. Uma mesa de madeira estava no centro e uns cadeirões estavam colocados junto à lareira. Um cesto de vime, ainda com madeira, estava num dos lados da mesma. Um candeeiro pendia do alto teto e umas cortinas, de pesado tecido, substituíam as portas. Recordou que a sua mãe lhe tinha dito que antigamente as pessoas não tinham portas dentro de casa. Não conteve a curiosidade e desviou o sujo tecido descobrindo assim o espaço dedicado à privacidade do casal.
O quarto tinha uma cama de madeira castanha e duas mesas redondas que foram improvisadas com o que outrora fora um tronco de árvore. Uns candeeiros de metal amarelo e uma vela, acompanhada por uma caixa de fósforos, completava o conjunto. Numa das paredes um enorme armário de duas portas e na parede em frente à cama duas cadeiras pintadas de branco e um baú castanho foram colocados estrategicamente de modo a deixar entrar a luz do dia pela janela, que lhe pareceu enorme para um quarto mas que ao mesmo tempo lhe dava um encanto especial. A sua mente romântica levou-a a passar a mão sobre a velha colcha e a deitar-se na cama. Dali via-se as árvores bailando ao sabor do vento e as gotas de chuva que batiam na vidraça. Devia ser lindo acordar ali e ter aquela vista. Um som ali perto fê-la saltar da cama como se esta tivesse picos e dirigiu-se á casa de entrada. 

Não viu Erick e levantou o outro tecido abrindo assim a "porta" da cozinha. No centro do espaço uma mesa redonda, rodeada por cadeiras, com um cesto vazio em cima davam as boas vindas aos comensais.
Pratos e copos estavam colocados num móvel com portas de vidro. Uma pia de pedra junto à janela da cozinha onde uma aranha fizera o seu lar. Algumas caixas empilhadas e uma cesta enorme numa das paredes. Tudo ali dava a sensação que os donos iriam entrar a qualquer momento.

- As janelas lá de cima deram um pouco de trabalho mas consegui abrir.
- Têm outro andar?
- Sim, dois quartos com casa de banho e uma salinha.
- Parece que pensaram em tudo.
- Era para ser um alojamento turístico mas desistiram. 
- É pena mas julgando o que fizeram no carreiro não é de admirar. 
- Não me parece que seja para muito tempo.
- Então?
- Achas que a nova geração irá pensar primeiro na natureza que no lucro?
- Depende da educação que...

Naquele momento um rato correu pela cozinha e Valerie soltou um grito ao mesmo tempo que agarrou o braço dele.

- É apenas um rato.
- Assustou-me. - Temendo repetir a situação constrangedora anterior afastou-se dele - Não estava à espera. 
- Vamos ver lá atrás? 
- Ainda está a chover. É melhor devolver-te o teu casaco.

Valerie começou a puxar o fecho mas ele segurou a mão dela o que provocou um novo arrepio pelo seu corpo. 

- Não chove assim tanto. 

Desta vez Valerie permitiu-se sentir o calor dele e não se afastou quando ele se aproximou de tal forma que podia sentir o calor mas Erick voltou a afastar-se dela. O que a deixou desconcertada. Não tanto pelo gesto dele mas porque não entendia porque ele a afetava tanto. Gostava da companhia dele, só de pensar que estaria com ele era suficiente para sorrir. 

- Vens?
- Estava só... 

Pensou melhor e preferiu não dizer mais nada. Não tinha porque justificar os seus silêncios e muito menos dizer o que lhe ia na cabeça durante os mesmos.
Se até àquele ponto gostava do moinho passou a gostar ainda mais ao descobrir o lago que se estendia por uns bons metros nas traseiras do mesmo. Não muito longe podia ouvir-se uma queda de água. 

- Este lugar é mágico. Realmente seria uma pena estragar toda esta flora. 
- Sabia que ias gostar. 

Valerie começou a caminhar em direção ao lago mas escorregou e agarrou-se ao braço dele.

- É melhor voltarmos outro dia. Um dia que não esteja tanto frio nem chuva.
- Pode estar a chover.
- Que doidice é essa com a chuva?
- Achas que sou doida por gostar de chuva?
- Não foi isso que quis dizer mas não encontrei palavra melhor.

Os dois riram e depois de fechar o moinho tomaram o caminho da vila. A conversa com ele era tão fácil que achou o percurso curto demais. 

- Café ou chocolate quente?
- Café.

Falavam de trivialidades quando se começou a ouvir uma voz irritada. Os poucos ocupantes da pastelaria calaram-se e fixaram a atenção na mesa do fundo da pastelaria. Ela sentiu o corpo gelar quando o homem puxou violentamente o braço da companheira enquanto gritava que não ia tolerar aquilo, se ele dizia que iam embora era isso que fariam. Baixou o olhar quando Erick se levantou e se dirigiu à mesa deles. O som de cadeiras a cair fê-la estremecer e temer por Erick. Mas ele não se afastara muito dela pois o casal saíra pela porta lateral e fora a abrupta saída que dera lugar à queda das cadeiras. Ainda tremia quando Erick regressou á mesa seguido pela dona do local que pediu desculpas pela situação e ofereceu os cafés.

- Não percebo porque certas mulheres aguentam estas coisas.
- Às vezes não é tão fácil como parece.
- Claro que é. Basta dizer não e depois cada um vai para seu lado. Para isso existe o divórcio. Não me entendas mal, não sou a favor. Aliás, acho que o casamento é sagrado. Mas tudo tem limite e certas coisas são inadmissíveis. Acho que até Deus seria compreensivo com isso. Chega um momento em que há que deixar ir, deixar para trás. Não há nada que justifique uma convivência assim, tóxica. Muitas vezes não acaba bem.

Ao ouvir aquelas palavras não conseguiu conter as lágrimas e Erick agarrou a mão dela o que originou um aumento do choro. 

- Estás bem? Nunca iria imaginar que uma cena destas te iria afetar de tal forma. Não é...
- Sou vitima de violência domestica. 

Valerie olhou para ele ao perceber que tinha dito aquilo em voz alta. O rosto dele mostrava surpresa, incredulidade até. 

- Como?!
- Não é fácil de explicar. E nem sempre se pode deixar para trás. Principalmente quando há outras pessoas envolvidas.
- Tens filhos?
- Filhos?! Não! Nunca quis. 
- Então...
- Estava a falar dos meus pais. 

Rodando a chávena vazia abriu o seu coração como nunca o fizera. Algo na expressão dele recordou-lhe o padre August, o seu confidente e amigo. E por isso acabou por lhe contar tudo. Como se ele pudesse fazer uma espécie de milagre no seu desastroso casamento.
E quando terminou, apesar da calma que o seu rosto reflectia, ele parecia incrédulo e uma sombra pairava no seu olhar. 

- Deves de o amar muito.
- Amar? Acho que nunca o amei.
- A ver se percebo, não o amavas mas mesmo assim aceitaste casar. 
- Já te disse, pelos meus pais. Nunca tive interesse por ninguém e a minha mãe...
- A tua mãe... ela deveria ser a primeira a dizer-te que não eras um bicho raro por nunca teres interesse em rapazes. Tudo acontece no momento certo e não somos robôs pré-programados.
- Pois. Percebi isso tarde demais. 
- Nunca é tarde demais. - Erick fez sinal para trazerem outro café - Acho que está na hora de pensares em ti e por ti.
- Não posso.
- Como não? Passaste a vida a fazer o que os outros querem. O que esperam de ti.
- Não foi bem assim.
- Pois eu acho que foi. Casaste porque os teus pais queriam e deixaste de fazer coisas que gostas pelo teu marido. É normal durante a infância para formar e manter amizades. Até na juventude, e por algum tempo, é normal obedecer aos pais mas não achas que está na hora de virar a mesa?
- Não entendes. Acho que é melhor regressar. - Valerie levantou-se - A minha mãe deve estar preocupada.
- Terreno proibido. Pronto, não está cá quem falou.

Aquela frase alusiva aos momentos vividos anteriormente foi suficiente para aliviar o clima entre eles. 

- Ainda bem.
- Gostava de te acompanhar a casa mas não quero arranjar-te problemas.
- Steven não está.

Ele tinha razão. Se Steven chegasse a saber podia arranjar-lhe problemas mas naquele momento não queria estar sozinha. O  silêncio permaneceu entre eles por uns instantes. Era como se já não soubessem agir naturalmente. Naquele momento umas gotas envergonhadas começaram a cair e ela sorriu. 

- Chuva...
- Ela lava a nossa alma. Sempre que ando à chuva sinto-me leve, como se esta deixasse algo novo em mim.
- Uma gripe ou pneumonia conta?!
- Que drástico.

Os dois riram e apressaram o passo até ao solar. Despediu-se de Erick no portão e entrando pela cozinha correu até ao quarto. Precisava de um duche. Não tanto para aquecer o corpo gelado mas para colocar as ideias em ordem. Ainda não tinha assimilado o fato de ter revelado a Erick o que nunca contara nem à sua mãe. Esfregou o corpo vigorosamente e vestiu umas calças de ganga e uma camisola de gola alta. Olhou pela janela, a chuva que iniciara envergonhada começara a cair copiosamente. Enquanto descia as escadas deu por si a perguntar-se se Erick teria chegado a casa sem se molhar demasiado. O que a levou a pensar numa outra coisa. Não sabia onde ele vivia. Viveria longe dali?