As palavras faziam eco na cabeça de Catarina, enquanto via a página de classificados no jornal. Começava a ficar desesperada, já tinham passado 15 dias e tudo continuava igual!
Viúva à pouco mais de dois anos e com uma filha de 12 anos não via o futuro muito risonho. O subsidio de desemprego era uma miséria, mesmo juntando a pensão do marido não dava para as despesas!
Distribuiu currículos nas empresas que se lembrou, perguntou às pessoas amigas, mas não obteve nenhum resultado. Não se importava com o que ia fazer, desde que mete-se comida na mesa à filha... Ao longo de 22 anos cuidou dos filhos dos até então patrões. E antes destes cuidara de outros. Cuidava de crianças desde que se lembrava. Começou por ser um emprego de verão para uns turistas, mas gostava tanto de crianças que deixou o curso de engenharia na prateleira e dedicou-se a eles. Com 19 anos começou na casa que até à pouco tempo era o seu posto de trabalho, tinha a menina 1 mês e meio. Mas, nem nos seus piores sonhos, lhe passou pela cabeça que seria dispensada assim!
- Hoje estás muito abatida. - Filipa, amiga de longa data e empregada na padaria estranhava a amiga, geralmente era bem disposta, agora estava sempre alheia a tudo,mas a situação não era fácil. - Vais ver que aparece algo.
- Começo a perder a esperança! Já passou quase um mês e não consigo encontrar nada. Nem a lavar escadas! Bolas!
- Não podes ficar assim, tens de pensar na tua filha.
- É por pensar nela que me desespero! - A conversa acabou quando duas mulheres entraram numa conversa despreocupada, como se estivessem sozinhas.
- Pois é como te digo. Já está gente no chalé! Ontem mesmo chegou um carro com um senhor de idade e uma rapariga jovem. Já não há decência. Onde já se viu, um velho daqueles com uma menina nova.
- Este mundo está perdido. É o que é! Não concorda menina?!- A outra mulher voltou-se para Catarina - Diga lá se não é uma vergonha?!
Mas Catarina não teve tempo de responder, elas pagaram e saíram porta fora. As duas amigas começaram a rir.
- Olha que isto! - Catarina achou aquilo muito caricato - O teu patrão não precisa de uma nova empregada? Dava-me jeito um emprego assim. Cheio de animação!
- Isto não é nada! Devias de ver quando se encontram duas vizinhas que não se falam. Aí sim!
Quando deixou a padaria estava mais animada. Passou mais uma vez no centro de emprego, mas não teve sorte.
Falou um pouco com a empregada da limpeza, simpatizava com ela... Sabe-se lá porque! As visitas ao centro acabavam sempre na conversa com ela. Desejou-lhe uma boa tarde e dirigiu-se para casa.
Tinha de passar na escola a apanhar a filha, e ir ao supermercado. Precisava comprar leite e pouco mais. Se as coisas continuassem assim não tardaria a ficar sem dinheiro!
Parou o carro num descampado e deixou-se ficar ali, olhando o infinito. Julgava que se ia desfazer em lágrimas, mas apenas sentiu um aperto enorme no peito.
Respirou fundo e retomou caminho, amanhã tinha de ir pintar uma casa.
Catarina meteu-se no chuveiro, estava exausta. Depois de uma semana a pintar, finalmente terminou. Estava contente por terminar, mas ao mesmo tempo triste. Com o fim das pinturas acabava-se novamente a fonte de rendimentos .
Quando saiu do chuveiro o telefone tocava.
- Sim. - Disse apressada, ainda foi a tempo - Boa tarde. - Retribuiu à voz do outro lado.
- Estou a ligar do centro de emprego. Pode vir agora? - A voz começou a ficar mais sumida. - Tente vir agora, por favor.
- Pode ser daqui a meia hora?! É que estava no banho...
- Quando chegar pergunte por mim, Graça Matias.
Desligou. Catarina, ficou um pouco intrigada com o telefonema. Tanta urgência... Esperava que vale-se a viagem de 20 km, para mais ,depois de uma manhã de duro trabalho.
Vestiu-se à pressa e meteu-se no carro. Passou a viagem a pensar no que queriam eles!
Quando chegou ao centro perguntou pela Dra Graça, foi informada que não era Dra! Como se tivesse cometido a maior gafe! Seria bem pior se fosse e a tratasse pelo nome! Lá lhe disseram onde estava a Graça Matias.
- Olá Dona Catarina. Falámos ao telefone - Graça sorria para ela e indicou-lhe uma cadeira - Desculpe a urgência. Mas não queria colocar no sistema esta vaga sem falar consigo.
- Apareceu algo?!- Estava incrédula - Faço qualquer coisa, seja o que for.
- Bem, isso terá de tratar na entrevista, pretendem uma pessoa com gosto por crianças e que possa gerir a casa. Está interessada?
- Se estou?! Claro que sim!
Graça Matias deu-lhe a direcção e um número de telefone. Agradeceu e saiu. Na porta estava a senhora da limpeza.
- Hoje está mais animada - Ela sorria para Catarina- Boas noticias?
- Óptimas! A Graça é um amor.
- É sim, e olhe que não digo por ser minha filha.
- É sua filha?! Não sabia.
- Lá em casa falamos muitas vezes em si. Ela só não a ajudava se não pudesse.
- Oh! Obrigada, agradeça-lhe por mim. - Antes de se ir embora, abraçou a senhora com lágrimas nos olhos. Tinha dado dois ou três passos quando se voltou - Desculpe, mas como é mesmo o seu nome?
- Maria da Graça. - Ela sorria, um sorriso que lhe chegava ao olhar.
- Maria da Graça...é um prazer conhece-la.
Sentou-se no carro e telefonou para o numero que lhe deram, uma voz feminina atendeu.
- Boa tarde.
- Boa tarde.
- Desculpe estar a ligar assim em cima da hora mas disseram-me no centro...
- É por causa do anúncio? - A voz interrompeu-a - Fernando! É para ti.
E deixou-a esperando, ouviu uns saltos a afastarem-se, e algum tempo depois uns passos a aproximarem-se do telefone.
- Boa tarde.
- Boa tarde, no centro...
- Já?! São rápidos. Quando pode começar?
- Bem, eu posso começar amanhã mas...
- Pode ou não? - Ele interrompeu-a
- Desculpe. Eu posso começar mas não sei que vou fazer, nem o horário...
- Ou seja não sabe de nada!
- Por isso estou a telefonar, para ver se posso ir...
- Se pode vir agora?
Não era longe, mas demorou o suficiente para pensar em como a vida é engraçada. Quem lhe havia de dizer que conversar com a senhora da limpeza lhe abria as portas para um emprego?!
Podiam dizer o que quisessem, a ela ninguém a demoviam da ideia de que a Graça, a filha, só teve uma atenção especial para com ela, por causa da mãe! Se ficasse com o emprego tinha de lhes agradecer.
Tinha chegado à herdade, parou junto ao portão que estava aberto. Olhou a ver se havia alguma campainha. Na ausência desta segui em frente. A maior parte do terreno, estava plantada com árvores de fruto, e algumas vinhas, mas poucas. Uma casa imponente avistava-se alguns metros à frente. Era de dois pisos, tinha o telhado preto e pintada de amarelo claro. As janelas eram de madeira, embora antigas, via-se que estavam bem cuidadas. A porta essa era nova. Ao lado um edifício de construção nova. Dois carros estavam estacionados na entrada.
Respirou fundo antes de tocar à campainha.
Uma mulher jovem veio à porta.
- Olá. Já aqui está?! Não teve dificuldade em dar com isto?
- Não. Cheguei com facilidade.
- Ainda bem. Entre. Eu perdi-me. Tive de ligar a pedir ajuda! - Catarina olhava desconcertada para ela, parecia-lhe um pouco louca.- Eu levo-a até ele. Desculpe estas caixas... - deu um encontrão numa - Ainda falta tanta coisa por arrumar e não se consegue pessoal de confiança. É aqui.
Desviou-se para ela passar. Catarina conteve um sorriso, com uns calções minúsculos de cor verde e um top branco com um enorme urso a mulher era uma figura caricata! Com uma patroa assim a coisa prometia ser melhor que na padaria da sua amiga.
- Obrigada.
Catarina teve dificuldade em vislumbrar o homem que estava a abrir uma caixa junto à janela. O sol batia-lhe nas costas o que dificultava a visibilidade.
- Desculpe esta confusão. - A voz era rouca, e parecia ser mais centrado que a esposa. - Bem... - ele indicou-lhe uma cadeira - Diga-me que sabe ao certo do que se pretende de si.
- Muito pouco. Apenas que precisa de alguém que goste de crianças e que possa orientar a casa.
- Não é gostar. É educar. Não quero a minha filha mimada. Se gosta de crianças melhor ainda. - ele olhou-a atento - E a casa como pode ver é grande.
- Não tenho medo de trabalhar, e sempre cuidei de crianças. Não devo de ter dificuldade...
- Óptimo. - Ele interrompeu-a indo directo ao assunto- Aqui tem um rascunho do contrato, se concordar começa amanhã.
Catarina voltou atrás no que tinha pensado dele. Centrado?! Apressado e sem educação! Educar a filha! Isso era função da mãe! Fechou os olhos e concentrou-se. Tinha prometido nunca mais se deixar envolver pelos filhos dos demais. Acabava por gostar deles como se fossem seus!
Leu o contrato. Eles não queriam uma empregada,queriam uma escrava. A única coisa que estava definida era a hora de entrada. Saía quando ele chega-se a casa. Não tinha dia certo de folga, excepto o Domingo! Se não precisassem dela! As compras da casa também lhe cabiam a ela. Geria a casa como bem entende-se, mas a sua prioridade era Rita, a filha do casal. A mãe da pobre que fazia o dia todo?! Devia de ser daquelas que adoram dormir até ao meio dia e depois é só manicura e spa... Abriu a boca para dizer que aquilo era um disparate quando viu o valor do ordenado! Não estava a ver bem! Era um erro com toda a certeza! O valor, era três vezes mais do que ganhava no último emprego. E já ganhava mais do que a média!
- Desculpe. Mas deve de haver aqui um erro...
- Não há erro algum, e penso que está tudo bem explicito. Terá de arranjar alguém de sua confiança para trabalhar consigo. - Ele voltou a interrompe-la - As tarefas domésticas serão do domínio dessa pessoa, a si cabe-lhe apenas contratá-la e orientá-la. Não quero ser incomodado com essas coisas. E uma cozinheira.
Ela olhava para ele e para o papel. Aquele absurdo de ordenado para cuidar de uma menina e mandar nos outros?! Deviam de estar a brincar com ela.
- Quando disse que devia de haver um erro estava a referir-me ao ordenado.
- Acho que para começar está bem, depois será aumentada consoante o seu desempenho. - Ele olhava-a com o sobrolho franzido - Não concorda?
Ele ainda achava pouco?! Em que mundo aquela gente vivia?! Ou seria ela que vivia num mundo à parte?!
Releu-o novamente, era muito dinheiro. Dinheiro que lhe fazia falta! Queria lá saber se a mãe da criança passava o dia na cama ou no spa!
- Sim. Parece-me perfeito. - Mais que perfeito,acrescentou mentalmente -Nesse caso, começo amanhã.
- Amanhã, peço ao meu advogado para redigir o contrato, depois de assinar fica com uma cópia. - Guardou o rascunho e calou-se - Como é mesmo o seu nome?
- Catarina. Catarina Lopes.
- Fernando Pires. - Estendeu-lhe a mão, era um aperto forte - Aguardo por si amanhã às nove, nessa altura irei entregar-lhe uma chave.
- Até amanhã então.
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