- Não me peças que te compreenda! Embora minha mãe, és uma desconhecida para mim!
Foi parte da discussão que ouvi na pastelaria, antes da rapariga abandonar a mesa deixando a mãe em plena crise de nervos.
Aquela frase, fez eco no meu coração. Podias ser tu a dizer-me aquelas coisas! Embora falemos de tudo, à coisas que nunca te contei, coisas que fizeram de mim a mulher que sou hoje. E que me levaram a educar-te da forma que o fiz.
Felizmente falamos de tudo, sei que tens os teus segredos, assim como eu tenho os meus. Tentei aconselhar-te sem impor a minha vontade, dava a minha opinião é certo, mas a decisão final essa sempre foi tua. Deixei que batesses com a cabeça se era aí que te levava a tua decisão. Ainda me perguntas-te uma vez ou duas porque te deixei chegar ao fundo, sabendo que era ali que ia acabar, mas depois desististe de saber o porquê. Acho que sabias, pelo menos quero acreditar que assim era, que tinhas de errar para aprender. Só assim aprendemos, só assim damos valor ás lições que a vida nos ensina.
O motivo desta minha urgência?! Não sei, talvez porque cheguei à casa dos cinquenta... Talvez a solidão seja mais pesada agora, que o teu pai partiu. Não sei...
Uma coisa que tu sabes, e detestas, é que me perco em detalhes, gosto de tudo bem explicado. Por isso resolvi escrever em vez de te dizer pessoalmente, talvez por vergonha, não sei, mas prefiro pensar que assim posso reler o que escrevo e corrigir se não for isso o que tento dizer-te, pois as palavras, depois de as ter dito, não há volta atrás. Mas gostava de pensar que sabes tudo de mim, que a tua mãe não é uma estranha para ti. Não vou maçar-te com a historia da minha vida toda, apenas com aquilo que acho que me moldou, que me fez mulher. Como já deves de ter percebido, não sei por onde começar, nem sempre é fácil dizer o que pensamos, temo desiludir-te, acabar com a imagem que fizeste de mim... Mas cá vai...
Tinha os meus 13 anos, quando uma vizinha perguntou à tua avó, se sabia de alguém para cuidar da filha Clara, de 3 anos. A tua avó viu ali uma maneira de me ocupar, pois tinha deixado os estudos, não havia dinheiro para continuar a estudar, e eu adorava crianças. Cuidei da menina durante a primavera e o inicio do verão.
Quando terminou a época das aulas, o filho da vizinha, chamava-se Luís, veio para casa durante as férias. Durante as aulas estava em casa de uma tia. Posso dizer que nos primeiros dias, não liguei muito ao rapaz, mas tudo mudou numa manhã quando fui para cuidar da menina. Como tinha a chave de casa, entrava sem me fazer anunciar, esse dia, quando entrei ele estava na cozinha a estudar, lembro-me perfeitamente, ele vestia umas calças de ganga e uma t-shirt branca. A radio estava a tocar, as notas finais de Here I go agian- Whitesnake e começou a tocar Glenn Medeiros- Nothing`s gonna change my love for you . Quando me viu levantou-se e dirigiu-se a mim.
- Adoro esta musica. Vem dançar.
- Tenho de ir vestir a tua irmã.
- Ainda está a dormir. Ou tens medo de mim?!
Onde já se viu?! Um miúdo, tinha menos dois meses que eu, dizer-me que tinha medo dele?! Tinha de lhe provar que não tinha medo dele, apenas da tua avó, que me tinha prometido uma sova, se as vizinhas lhe fossem dizer, que eu estava sozinha com ele em casa. Mas não estava ninguém na rua quando entrei, e ela não estava ali...por isso aceitei dançar. E com os corpos bem juntos, e com ele cantando-me ao ouvido a letra toda, dançamos. Foi ali que começou a minha perdição. A essa musica seguiram-se outras, parecia que tínhamos combinado, aqueles minutos antes de Clara acordar eram nossos, em poucos dias começou a escrever-me cartas e a dar-me uma rosa que "roubava" à mãe. Soube mais tarde, que a mãe dele sabia do nosso segredo.
Começamos a namorar ás escondidas, a tua avó tinha metido a vizinhança à espreita. Se me demorava mais um pouco era um Deus nos acuda! Um dia os teus avós foram a um casamento e essa noite não vinham dormir a casa. Quando se fez noite escura, uma pedra bateu na minha janela, e qual não é o meu espanto quando o vejo ali nas traseiras da casa a cantar-me a nossa musica?! Confesso que adorei. Que rapariga não gostava?!
Mas o nosso amor durou pouco, a tua avó desconfiou e mandou-me para casa de uns amigos passar uns dias. Sabia que devia de me ter negado, mas naquele tempo não tínhamos querer, os pais mandavam e nós apenas obedecíamos. Um dia saí para dar uma volta com os filhos dos amigos da tua avó, e ali estava ele, na mesma pastelaria! Não escondeu a alegria ao ver-me nem eu escondi a minha.
- Bem diz a minha mãe, se estiver destinado tudo se vai resolver.
- A tua mãe?!
- Nem todas são como a tua. A minha gosta muito de ti, e fazia gosto em que fosses minha namorada.
- Fazia?!
- E faz, mas a tua chegou lá com conversas que não sou digno de ti, que ainda tenho de crescer... Eu sei que sou mais novo que tu.
- Apenas dois meses!
- Para a tua mãe parecem anos. Mas sei o que é o amor, deito-me a pensar em ti, acordo a pensar em ti. O meu coração bate rápido só de pensar em te ver.
Ali, quiz dar-lhe a mão, tentar mostrar-lhe que sabia o que ele estava a sentir, mas os filhos dos amigos da tua avó estavam de olhos cravados em nós.
- A minha mãe foi falar com a tua, talvez ela mude de ideias.
- Falar não é bem o termo, foi mais gritar. A minha passou-se e meteu-a na rua. Se o filho dela não é digno da filha dela, ela não é digna de pisar o chão da casa dela. Com os gritos e como tu não estavas, resolvi vir passar uns dias com a minha tia.
- Desculpa. Sabias que eu...
- Não sabia que estavas cá. Amanhã podemos encontrar-nos?! Quero pedir-te uma coisa, mas quando não tiveres companhia. Consegues sair sozinha?!
- Acho que sim.
No dia seguinte lá estava ele à minha espera, junto à fonte. Cantarolava a nossa musica, e tinha uma caixa na mão. Era uma prenda para mim, fiquei sem jeito, ele deu-me um beijo na face. Senti que ficava vermelha. Abri a caixa, era uma pulseira, com um coração a dizer I love you.
- Não posso aceitar. E se a minha mãe...
- Não penses nela agora. Aceita. Faz-me essa vontade. Assim não me vais esquecer.
- Não preciso de uma pulseira para isso.
- Juras?!
- Claro. Mas vou usar, prometo.
E usei, mas por pouco tempo. Dois dias depois a tua avó percebeu que ele não estava em casa da mãe e mandou-me buscar.
E ali estava eu, de volta a casa sem o amor da minha vida. Quando entrei em casa e vi a tua avó soube que algo corria mal.
- Podes explicar que cartas são estas?!
Ela tinha as minhas cartas! As MINHAS cartas!!!
- Sabes que não tens idade para namoros, e muito menos com um rapaz mais novo. Que sabem vocês da vida?! Nada!
E ali mesmo começou a rasgar as minhas cartas, e deitou no lixo as rosas, que eu tinha guardado numa caixa depois de secas. Senti uma dor tão grande no meu peito que comecei a chorar.
Fiquei proibida de falar com ele e de ir a casa da vizinha sozinha. Chorei imenso. A tua avó apenas dizia que tudo passava, que era amor de criança.
Talvez, mas a tristeza tomou conta de mim, o mundo parecia acabar, ali naquele momento. Mas não acabou, pelo menos naquela altura, a vida encarregou-se de mo mostrar.
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