terça-feira, 13 de agosto de 2024

O padre II parte






Valerie olhou para o padre e sorriu ligeiramente. A vida dela melhorara ligeiramente desde que começou a frequentar a igreja. Já tinham passado seis meses desde que Steven a levara à igreja pela primeira vez e desde então esperava no carro enquanto ela assistia à missa sem reclamar do tempo que aguardava. Mentalmente agradecia ter aqueles momentos a sós. Fazia-lhe bem à alma estar ali e de certa forma falar com o velho sacerdote sobre trivialidades dava-lhe uma sensação de paz e normalidade. No regresso a casa sentia-se mais leve, mais conformada com o seu destino. Às vezes achava que ele andava menos controlador, menos ciumento. Um dia ele tinha sugerido que fosse comprar um vestido novo para um dos jantares da empresa mas ela ficara desconfiada e temendo uma cena de ciúmes quando chegasse o dia do jantar disse que não precisava de roupa, que tinha vestidos suficientes. Ele soltou uma gargalhada e dissera que ela era a primeira mulher que conhecia que não precisava de comprar roupa. 
Recordava ter olhado para ele tentando perceber se estava a ser irônico mas, se estava, o seu olhar não o demonstrava. 

- Caros irmãos. - A voz do sacerdote trouxe-a à realidade. - Volto a fazer o apelo para a família que neste momento está em apuros financeiros. Agradecemos toda e qualquer ajuda que possam e queiram dar. Na mesa à saída estão vários cartões com os nomes dos bens necessários. Estão à vossa disposição para levar ou consultar. Os bens serão entregues aqui na paroquia de modo a respeitar a privacidade da família. Desde já agradeço a ajuda de todos. 

Os sussurros começaram à medida que as pessoas iam passando e algumas iam retirando alguns cartões. Levantou-se e colocou um no bolso do casaco. Em casa iria ver com mais atenção.

- Vejo que continua a vir sozinha. 
- O meu marido prefere ficar lá fora. 
- Não estou a julgar! - O velho padre sentou-se e fez-lhe sinal para se sentar também - Este frio acaba com os meus ossos. Graças a Deus estou a dias da reforma.
- Vai-se embora?!
- Está na hora. Mas não a vou deixar sozinha, o meu substituto chega amanhã para se ir familiarizando com a paróquia. 
- Vou ter saudades suas.
- Sinto-me lisonjeado. Mas vai gostar do novo pároco. É mais novo, tem outras ideias. Ideias mais modernas. Pode ser que consiga aumentar a congregação.  
- Pensei que a igreja não corresse atrás das "modernices"
- Tudo se moderniza minha querida. Não sei se para bom ou para mau mas é assim. - O padre passou a mão pela batina e bateu com a mão nos joelhos - Não faça esperar em demasia o seu marido. Amanhã cá a espero para lhe dar a conhecer o seu novo confessor. 
- Cá estarei. 

Valerie mordeu o lábio e olhou para o padre que sorriu ligeiramente enquanto lhe abria a porta.

- Fé minha querida, ela move montanhas. 

Steven saiu do carro quando eles saíram da igreja. Valerie caminhou em direção ao marido mantendo as mãos nos bolsos e brincando com o cartão. 

- Não tarda está a chover. - Valerie entrou no carro perguntando-se se seria um bom momento para abordar o assunto com ele.
- Assim parece. Felizmente não precisamos sair de casa hoje.
- Graças a Deus nós temos casa.
- Esse comentário vem a respeito de quê?!
- De nada. Ás vezes não damos valor a que temos. 
- Sim... mas tenho a sensação que me estás a esconder algo.

Valerie tirou o cartão do bolso e ficou a olhar para o mesmo fixamente.

- Não estou a esconder nada, simplesmente acho que não te interessa.
- Porque não me contas e me deixas decidir?
- Hoje fizeram um apelo. - Valerie mordeu o lábio antes de continuar. - Uma família precisa de ajuda.
- Que tipo de ajuda?
- Financeira. Mas pelo que percebi aceitam qualquer dos produtos deste cartão. 
- Maldita crise! Têm crianças?
- A julgar pelo pedido de fraldas penso que sim. 
- Amanhã entregas um cartão da empresa ao padre e pedes para entregar ao pai da criança.
- Vais ajudar?
- Achavas que não?! - Steven olhou-a por uns segundos - É essa a ideia que tens de mim?! Deus do céu! Eu sei que... - Steven calou-se por uns segundos - É assim que me vês? 

Valerie olhou para ele tentando perceber se estava genuinamente ofendido. Que queria que pensasse?! Nunca soube o que esperar dele e os últimos meses vieram confirmar que ele era inconstante. 

- É que não...
- Não interessa. - Steven interrompeu-a - Faço questão de ajudar. Já diz o proverbio chinês que se deres um peixe ao homem ele se alimentará por um dia mas se o ensinares a pescar ele se alimentará por toda a vida.
- Uma grande verdade.

Durante o regresso a casa o tema de conversa foi a crise que o país atravessava. Por uns momentos parecia terem voltado ao tempo de namoro e deu a sua opinião como não fazia à imenso tempo. 

Assim que chegou a casa, com aprovação do marido, fez uma lista de coisas que iria comprar no dia seguinte e Steven colocou alguns cartões junto às chaves do carro antes de se concentrar nas notícias. Um misto de emoções reinava no seu peito quando se deitou. Tentou ler mas a sua mente tentava decifrar aquele homem que estava na sala. Aquele não era o homem com que tinha vivido os últimos anos. Pensando bem não importava quem era o novo Steven, o importante era poder ajudar aquela família. Com esse pensamento adormeceu com um sorriso nos lábios.

Chovia copiosamente quando entraram no centro comercial para fazer as compras. Olhou para o marido que empurrava o carrinho pelos corredores do supermercado colocando artigos dentro do mesmo com toda a segurança do mundo como se fizesse aquilo com regularidade e percebeu que nunca tinham ido juntos ao supermercado. 

- Acho que exagerámos. - Valerie olhou para ele enquanto colocava os produtos no tapete da caixa.
- Não te preocupes.

Valerie olhava as compras sentindo-se feliz por aliviar as preocupações daquela família por algum tempo. E esse pensamento acompanhou-a durante a homilia dessa manhã. Tinha a certeza que nada podia tirar-lhe aquele sentimento de bem estar. 

- Hoje o seu olhar brilha. - O velho sacerdote sentou-se no banco que geralmente ocupavam no final da igreja. - Gosto de a ver assim. 
- Trouxemos uma pequena ajuda para a família. - Valerie tirou o cartão da empresa do bolso - O meu marido pediu para fazer chegar o cartão ao pai pedindo-lhe que vá à empresa. 
- Isso é maravilhoso. 
- Sr. Padre! - Uma senhora de cabelo grisalho e rosto afogueado entrou na igreja - Venha ver. Rápido! Não vai acreditar!
- Oh mulher de Deus tenha calma. - O velho padre levantou a mão em direção ao altar enquanto se levantava. - Vou ver o que se passa lá fora. Entretanto deixo-a com o padre August. August, Valerie. O membro mais novo do nosso rebanho.

Valerie olhou para o homem que estava à sua frente. Devia ter uns trinta anos, olhos castanhos escuros, cabelo preto, bem constituído fisicamente e bastante alto.

- Valerie... ouvi falar muito de si. - August sorriu - Espero merecer a mesma confiança que depositou no meu antecessor. Assim com espero que continue a vir à missa frequentemente.
- Certamente virei. 

Valerie sorriu e encaminhou-se para a porta seguida por August. O seu coração bateu agitado ao pensar no que diria o marido ao ver o padre novo. Mas este parecia demasiado ocupado em colocar os sacos na carrinha da paróquia. Steven sorriu para ela, tinha o rosto rosado e o olhar brilhava de satisfação. O coração dela tranquilizou-se ao ver como Steven parecia não dar importância ao novo padre. Realmente ele estava mudado e ela só podia agradecer por isso. Finalmente sentia que uma luz brilhava no fundo do túnel que era o seu casamento. 



- O seu marido continua a esperar lá fora? 

 August, assim como o seu antecessor, tinha sempre uns minutos para falar com ela. Inicialmente sentiu um pouco de vergonha de falar dos seus problemas com alguém tão jovem mas depois percebeu que August não a julgava, aliás, chegara a comentar que conhecia muitos casamentos parecidos, casamentos que duraram apenas por vergonha do que os demais iriam dizer.  

- Sim. E eu agradeço por estes minutos a sós.
- Imagino. - August colocou a mão sobre a dela - Sei que o seu casamento não tem sido fácil mas as coisas melhoraram. A intenção de se divorciar já não se coloca?
- Sinceramente não sei. - Valerie retirou a mão e rodou a aliança no dedo - Tenho medo, não vou negar. Neste momento está mais calmo mas não sei se posso respirar de alivio. Um alivio definitivo, entende? Acho que nunca irei deixar de sentir esta pressão no peito sempre que ele se atrasa ou está mais nervoso.
- É normal mas tenho a certeza que quando casou, casou por amor. Esse amor está aí guardado esperando que o deixe sair. O amor verdadeiro não desaparece à primeira dificuldade. Quer uma sugestão?  - August não esperou que ela respondesse - Porque não faz uma surpresa ao seu marido?
- Surpresa?! Como assim?
- Às vezes basta um gesto simples como um convite inesperado para um café, um almoço para que tudo volte ao que era. Porque não aparece inesperadamente no escritório? 
- O problema é que o meu casamento nunca foi esse tipo de casamento.
- Mas não diz que o seu marido está diferente?! Então porque não tentar? Não tem nada a perder.
- Tem razão. 

Valerie saiu da igreja sentindo a esperança de uma vida mais calma renascer dentro dela. Realmente não tinha nada a perder. 

- Não te aborreces de esperar?
- Hoje não esperei. - Steven embrenhou-se no trânsito - Aproveitei para beber um café e confirmar umas reuniões. Não faz muito sentido estar ali olhando para a porta numa praça deserta. 
- Ah... Pois...Está muito frio.
- Está mesmo. 

Aquela revelação deixou-a sem saber que pensar. Sempre imaginara que ele ficava ali fora como um cão de guarda. Saber que o marido lhe dava um pouco de liberdade reforçava a ideia que estava realmente mudado.

Steven, apesar de algumas noites chegar mais tarde a casa, parecia mais descontraído. Semanalmente levava-lhe uma rosa ou uma tulipa e continuava a levá-la à igreja todos os dias. A presença dos amigos deles fora reduzida a um jantar ocasionalmente assim como as saídas com Laís. Talvez fosse isso que o casamento deles precisava, uns ajustes nas rotinas de cada um. Ele reduzira os encontros com os amigos e ela as saídas com Laís. Ele aumentara as noites do escritório e ela começara a ir à missa. Foram pequenos ajustes mas que fizeram a diferença. 
À noite dava por si a olhar para ele e a pensar que era fácil apaixonar-se por ele. Percebeu que não fugia para o quarto depois de jantar preferindo ficar na sala a ler enquanto ele via televisão. E deu por si a gostar de ouvir a chave na porta quando chegava o fim do dia. 

- Não consigo perceber o fascínio por esses livros enormes.
- Não são assim tão grandes.
- Não?! - Steven puxou o livro das mãos dela - 645 páginas... pouca coisa.
- Eu gosto.
- Já tinha percebido. - Steven atendeu o telemóvel quando este tocou - Sim?

Valerie ficou a olhar o marido por uns instantes enquanto este ia soletrando palavras isoladas. Voltou a concentrar-se no livro mas por pouco tempo.
 
 - Preciso voltar ao escritório. - Steven agarrou as chaves do carro e voltou-se para Valerie - Não demoro mas não precisas esperar por mim.
- Está bem.

Valerie voltou à leitura e quando terminou o capitulo que estava a ler percebeu que tinha passado quase uma hora sem que Steven tivesse regressado. Há muito tempo que Steven não saía de casa depois de jantar. Temendo o regresso dele deitou-se inquieta mas, quando o sol entrou no quarto acordando-a, e percebeu que Steven dormia a seu lado, ficou admirada por ter dormido profundamente. Podia não ter ouvido quando ele entrou em casa mas quando se deitou a seu lado deveria ter dado por isso! Estava tão tranquila quanto ao relacionamento deles que já adormecia sem preocupações?! Independentemente do motivo ela agradecia por a relação deles estar a navegar em águas mais calmas. 
Tentando não o acordar foi tomar duche e preparar o pequeno almoço. 


- Bom dia. - Steven entrou na cozinha ainda de pijama. 
- Bom dia. Não vais ao escritório? 
- Vou um pouco mais tarde. - Steven dirigiu-se a ela e depositou um beijo na testa dela. - Estava a pensar em fazer algo diferente.
- Queres dizer não ir à missa?
- Sim... Afinal hoje é um dia especial.
- É verdade. - Valerie tinha esquecido que faziam anos de casados - Mais um.
- É mesmo. Mais um. 

Valerie olhou para ele fixamente. Tinha a sensação que ele ia dizer algo mais mas Steven apenas sorriu e dirigiu-se ao quarto. 
Steven saiu para o trabalho pouco depois e ela ficou a pensar em como ele estava estranho essa manhã. A meio da manhã ligou a avisar que não ia almoçar, que tinham reserva para jantar mas que vestisse algo prático.
Algo prático... o que ele considerava algo prático?! Um fato de treino?! Um vestido simples mas elegante?! Uns jeans?! Sem saber o que ele queria dizer levou a tarde a experimentar roupa de modo a se sentir "prática" mas sem quebrar as regras dele. Finalmente optou por um clássico. Uns jeans pretos, uma camisa branca e um blazer preto. As suas botas pretas, uns brincos e um colar comprido dariam ao conjunto um ar elegante. E se tinha algumas dúvidas as mesmas desapareceram quando se viu ao espelho. As calças não marcavam a sua silhueta em demasia e a camisa dava o toque elegante que ela queria transmitir. 

- Não era isso que tinha em mente mas tenho que admitir que te fica bem.
- Se preferes...
- Não. Estás linda. - Steven sorriu - Hoje não dormimos em casa.
- Onde vamos?
- Logo vês.
 
Aquela resposta direta, sem qualquer conversa que a antecedesse, disparou uma espécie de alarme na sua cabeça. Teria feito bem em decidir o que ia vestir sem o consultar?! Geralmente ele é que escolhia o que ela deveria usar sempre que socializavam. Os seus temores aumentavam à medida que os sons que vinham da casa de banho se sucediam antecipando o momento em que ele se juntava a ela. 
Aguardou a reação dele ao sair do chuveiro mas apenas recebeu elogios dele, o que originou ainda mais desconfiança. Sentindo o coração bater apressado, viu-o abrir o roupeiro e retirar umas calças e uma camisa que vestiu num ápice. Colocou um cinto e os sapatos e só depois escolheu o casaco. Abriu uma porta e retirou uma mala pequena que colocou em cima da cama. 

- O teu pijama?
- Não dormirmos em casa!?
- Pensei que o tinha mencionado.
- Sim.
- Então apanha um pijama. 

Olhou-o enquanto abria uma gaveta e agarrou o primeiro pijama que viu. Lutando contra o tremor que sentia interiormente meteu-o na mala e fechou-a encarando-o.

- Pronto. 
- Então vamos.

As nuvens não deixavam ver o sol esconder-se no horizonte à medida que eles se embrenhavam no trânsito. Ela não conseguia deixar de analisar a situação... Apesar da forma como a tratava nesse dia Steven fazia questão que fossem jantar e depois beber café numa esplanada. Não entendia porque ele insistia em festejar pois estavam longe de ser um casal normal. Ele, devido aos ciúmes, não confiava nela e ela, por esses mesmos ciúmes, tinha medo dele. Geralmente jantavam em silêncio e ela pedia mentalmente a Deus que ele não fizesse uma cena por alguma insignificância. 
 Mas naquela noite não sabia que pensar daquele secretismo todo. Precisava pensar no quão ele estava mudado, porque estava. Os últimos meses eram provam disso e segundo o padre August, era nisso que se tinha de focar. Tentou pensar no quão amável ele tinha sido, na "liberdade" que lhe dera... Estavam a recomeçar! Queria acreditar nisso. Aliás, para bem da sua sanidade mental, ela precisava acreditar que assim era.
Mas na sua mente surgiam nova pergunta...se estavam a recomeçar, a percorrer um novo caminho, sem tanto espinho, porque não conseguia desfrutar daqueles momentos? Ela sabia porquê. Não era fácil pensar apenas no dia de hoje quando ela sabia que ele podia explodir a qualquer momento. Ela sabia bem que ele era mestre em colocar uma máscara e só a retirar quando lhe convinha. Existia tanta nuvem cinzenta e negra na vida deles em comum como as que corriam pelo céu nublado naquele fim de tarde. A história deles era de temor, de sentimentos e palavras reprimidas. Não, ela não conseguia confiar a cem por cento no novo Steven.  
Esses pensamentos acompanharam-na durante todo o jantar e, apesar da conversa fácil dele, não conseguiu aproveitar a noite e muito menos o café numa esplanada junto ao cais. Era como se o passar do tempo lhe recordasse que estava mais perto de ficar a sós com ele. Onde?! Só Deus sabia.

- Estás muito calada.
- Ainda tento adivinhar onde vamos. - Valerie olhou diretamente para ele - Não posso saber?
- Se te dissesse não seria surpresa. 
- Surpresa... Não gosto de surpresas!
- Não?! Se bem me lembro gostavas imenso.
- As pessoas mudam.
- E ainda bem que o fazem. Já imaginaste se...

 Deixou de o ouvir quando percebeu que tinham deixado a cidade. Na sua mente surgiu uma cabana no meio de nenhures, sem qualquer casa por perto. E certamente sem rede móvel ou acesso à civilização. Oh, Deus! Para onde ele a levava?! Seria ela mais uma da vitimas de violência doméstica?! Teria ele escondido uma arma?! Ou teria organizado um plano para parecer um acidente?! Seria essa a urgência da noite anterior?! Organizar um plano para se desfazer dela ou, na melhor da hipóteses pois continuaria viva, dar-lhe uma lição?! Nunca imaginou que faria parte da enorme lista de mulheres que sofrem às mãos dos companheiros.

- Valerie?! 
- Ah?!
- Estava a perguntar se tens frio. Estás a tremer.

Estava?! Olhou para as suas mãos e realmente tremiam. Tal como as suas pernas. 

- Sim, um pouco. - Mentiu evitando o olhar dele. Era melhor concordar com ele.
- No banco de trás está uma manta. Tenta dormir um pouco, ainda vamos demorar.
- Está bem.

Agarrou a manta mecanicamente e enrolou-se nela fechando os olhos. A sua intenção era fingir que dormia mas percebeu que tinha adormecido realmente quando uma leve dor na cabeça a acordou. O seu primeiro pensamento fora que ele a estava a agredir mas uma reclamação contida fê-la perceber que ele ainda conduzia.

- Desculpa, não imaginei que a estrada tivesse tantos buracos.
- Onde estamos?
- A chegar. 

Valerie olhou em redor tentando perceber onde estava. A luz dos faróis revelavam um caminho de terra batida ladeado por árvores bastante altas. Tinha a sensação de conhecer o lugar mas na escuridão da noite não conseguia perceber onde estava. A visão de um portão alto de ferro semiaberto foi como um choque elétrico que a tirou da torpeza em que se encontrava . Estavam no solar! 

- O solar...
- Sim. Falei com a tua mãe e ela disse que fazia muito tempo que não vinhas cá, que ela estava a pensar em regressar ... - Steven fez uma pausa - Sabes como é a tua mãe. Resumindo. Achei boa ideia virmos até cá ver como estão as coisas e aliviar a tua mãe dessa tarefa. Que dizes?
- Nem sei que diga. Tens noção que aqui não existem as comodidades do apartamento?
- Uma noite não faz mal a ninguém. E depois, nem sempre dormi numa boa cama.
- Não?
- Não. 

Steven saiu do carro dando a conversa por terminada. Valerie ficou a olhar para ele enquanto ele empurrou o portão com alguma facilidade. Nunca poderia imaginar que o seu destino seria a casa da sua avó. Tinha ido ali uma ou duas vezes. Não se recordava muito bem da avó. Aliás, não se recordava da família da sua mãe.

- A tua mãe chega amanhã. - Steven entrou no carro para sair logo a seguir - Negou-se a vir conosco, usando as palavras dela " não quero interromper nada"
- Típico dela.
- Nem que estivéssemos em lua de mel! 

Steven soltou uma gargalhada e ela sentiu as faces ficarem vermelhas. Ele tinha o poder de a fazer sentir envergonhada com coisas tão simples e básicas como a relação carnal entre um homem e uma mulher. 


- A tua mãe ligou enquanto dormias, diz que chega antes de almoço. - Steven agarrou a mala que ela tinha na mão e dirigiu-se à entrada - Entramos?
- A casa deve estar um gelo.

Mas para sua surpresa a casa tinha uma temperatura amena e no ar um leve aroma a pinho. Olhou em redor, num canto uma cadeira tinha uma boa quantidade panos brancos dobrados e percebia-se que alguém limpara aquela divisão. A lareira estava acessa e na frente desta um enorme sofá, que já tinha visto melhores dias, e uma pequena mesa de apoio.

- Acho que a tua mãe falou com alguém. 

Valerie olhou na direção dele. Estava junto a uma mesa e segurava um papel.

- Queres dizer que está alguém cá em casa?
- Não me parece. 

Valerie agarrou o papel que ele lhe estendia e leu-o rapidamente. 


" Boa noite.
Cara senhora Dow. Conforme nos foi pedido deixámos a lareira acessa e dois quartos limpos e prontos a usar. Pedimos desculpas por não esperar mais tempo mas temos um filho pequeno e não nos foi possível aguardar mais tempo.
Tem o meu número caso seja preciso algo mais não hesite em ligar. 
Na cozinha à café fresco e um bolo que a minha esposa fez.

Desejo uma boa noite
Atenciosamente
Tim "


- Engraçado. - Steven sentou-se no sofá olhando em redor - Lembro-me de ela ter falado, ainda que vagamente, no solar mas não tinha ficado com a ideia que era tão grande. Parece um castelo.
- Já se passaram muitos anos, talvez quase vinte, desde a última vez que cá estive mas de uma coisa tenho a certeza. Não é um castelo. - Valerie baixou o olhar ao perceber que ele sorria - Bom, talvez se pareça um pouco. É enorme, tem portões de ferro, está rodeado por uma mata... 
- Deve ser fantástico viver aqui.
- Sim. Se bem que na idade da minha mãe não sei. 
- Hoje em dia apesar das distâncias está tudo relativamente perto. E ela terá as suas razões.
- Fizeram café e bolo para nós. Queres?
- Seria de má educação não aceitar.


Valerie dirigiu-se à cozinha e para sua surpresa a máquina do café ainda coava o café. Sorriu ao recordar que a sua mãe também fazia café naquelas cafeteiras. Abriu os armários até encontrar uns pratos e serviu uma fatia de bolo para cada um e uma boa chávena de café .


- Aqui está. Não deve ser do teu agrado. Este café tende a ser mais fraco.
- A esta hora não convém nada de muito forte.

Enquanto bebiam o café a conversa fluiu naturalmente e, após ele falar das viagens que fez durante a sua infância e juventude, ela deu por si a partilhar também algumas partes da sua infância. Não se comparavam com as viagens dele ao redor do mundo mas ele parecia realmente interessado nas pequenas aventuras dela. Contrariamente ao que pensou o resto da noite foi bastante agradável e deu por si a pensar se aquele seria o verdadeiro Steven. 












 

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