domingo, 9 de novembro de 2014

DIVAGAÇÕES DE UMA QUARENTONA








A vida dela era uma seca, uma monotonia enorme. Como sempre a vida dela era casa, trabalho, trabalho, casa! Nunca acontecia nada de novo.
Mas um dia... sim, tinha a certeza, um dia algo iria acontecer algo que faria estremecer seu coração. Algo que a faria sonhar e sorrir. Nunca conhecera o amor. Algumas vezes culpava Deus outras a si própria, principalmente nas noites frias de inverno! Raios!
É que nem um mero gato se afeiçoava a ela! Não tinha paciência para as conversas das amigas (as poucas que lhe restaram da infância) conversas sobre homens! Se calhar era por isso mesmo que lhe faltava a paciência... HOMENS como não tinha nenhum!
Olhava-se ao espelho e não se achava assim tão horrorosa para que nenhum homem sentisse interesse por ela. Era culta, educada, independente economicamente, não tinha vícios.
A psicóloga aconselhou-a a mudar de ares, conhecer novas pessoas... mas onde iria? Não tinha família.

O trabalho esse corria bem por isso não podia dar-se ao luxo de o deixar por uma aventura. Nunca se sentira sozinha antes, a culpa era da crise dos 40! Era só esperar que passasse esta fase e tudo voltaria ao normal. Sim, tinha a certeza, tudo passaria.
A tarde estava fria mas mesmo assim decidiu ir correr um pouco a ver se o ar fresco lhe tirava essas ideias do sentido. Estava um pouco mais animada no regresso, no chuveiro ouviu o telefone a tocar. Bolas! Porque será que ligavam sempre quando estava no banho?! De toalha enrolada ao corpo correu para o telefone mas já não foi a tempo, tinham desligado!
Jantou no sofá, sozinha como sempre, em frente ao televisor. Mas nada a conseguia tirar daquela tristeza que sentia. O melhor era dormir. Muitas vezes desejava que no outro dia as coisas estivessem diferentes, que tivesse uma outra vida... Mas o despertar nada de novo trazia. Tudo seguia exactamente na mesma. Ligou a televisão, não nas noticias pois só comentam sobre coisas horrorosas, mas no canal infantil, sempre se distraia enquanto tomava o pequeno almoço. Nesse instante o prédio ganhou vida e as vozes dos moradores fez-se ouvir... A vizinha de cima começou a gritar com os filhos que estavam atrasados para a escola. A porta do apartamento da frente bateu com toda a força ao mesmo tempo que se ouvia uma namorada furiosa pois o namorado não tinha dormido em casa. Algures uma mulher dizia que o marido em nada ajudava... Uns gritos de desespero soaram no meio desta confusão matinal que ela tão bem conhecia.
Dona Chica tinha perdido o seu gato companheiro de toda uma vida... 
Afinal a vida continuava a mesma para todo o mundo, não apenas para ela. Pensando bem, era melhor estar sozinha, sem marido a quem gritar... filhos a quem ralhar...sem gato para desaparecer ou pior, morrer...sem namorado que a possa trair...
Pois... graças a Deus a vida continuava a mesma seca de sempre.

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