segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

DE VOLTA AO PASSADO 7º PARTE




Leonor subiu a persiana da livraria, pela primeira vez sentia-se livre. Procurou o velho rádio que a filha lhe tinha oferecido quando abriu a livraria, e que tinha atirado para a pequena casa nas traseiras que usava como armazém, percorreu as emissoras, não ouvia rádio à tanto tempo... as vozes de Albano e Romina Power numa Felicitá lindíssima, inundaram o ar. Felicitá... seria um bom augúrio?! Assim esperava.
O telefone tocou, atendeu sem pensar duas vezes.

-Livraria Folhas de sonho, bom dia!
-Olá mãe- saudou uma voz cristalina do outro lado- Fiquei preocupada quando vi as tuas mensagens, mas estou a ver que estás bem.
-Oh querida, que bom ouvir a tua voz. Sim, estou bem. Sinto-me leve, com fé na vida. Estou feliz!
-Ainda bem... a que se deve essa felicidade. Livraste-te do pai?
-Quase, sai de casa ontem à noite- calou-se esperando a reacção da filha- Deixei tudo para trás, quero começar de novo. Ainda vou a tempo, não achas?
-Devias era de ter vindo comigo para Itália, o tio está sempre a dizer que se arranjava um lugar...
-E ser mais um fardo para o teu tio? Claro que não. E sabes que o teu pai iria atrás de nós sem pensar duas vezes. Sabes que ele tem dinheiro! E nunca me daria o divorcio! E não sei o que ele faria quando nos encontra-se, não podia arriscar-me... Não por mim, mas por ti!
-Posso supor que mudou algo nestes dias?
-O teu pai... ele veio procurar-me... foi tudo tão inesperado...não estava à espera mas a vida às vezes surpreende-nos.
- Não estou a perceber. O pai foi procurar-te e pediu o divorcio? Ele tem outra mulher?! Foi por isso que saíste ...
-Não! Claro que não! Ai desculpa. Queria dizer o teu verdadeiro pai, aquele...- calou-se, os gritos de Maria ecoavam pelo telefone
-Eu sabia! Eu disse não disse? Sabia que ele ia voltar...Que disse quando lhe falaste de mim? Ainda está giro como...
- Calma rapariga. Ele só me procurou.
-Ai! Não estou a perceber nada! Só te procurou?! Isso quer dizer o quê?! Não quer saber de mim é isso?! Podes dizer...
- Ele sabe que tenho uma filha, mas não sabe que é dele também. Deixa-me falar.- pediu-lhe antes que ela dispara-se mais uma data de perguntas- Não lhe disse nada pois não queria criar ilusões. Ele diz que me ama... que sempre me amou e quer que vá morar com ele. Sabe do teu pai. Quero dizer do meu marido!
-Eu sabia. Com aquela cara só podia ser um gentleman! E quando lhe vais falar de mim? Porque vais falar, certo?
-Claro que sim! Nem podia esconder-lhe uma coisa assim. Só espero que me perdoe.
-O pai, quero dizer o teu marido deve de ter ficado fulo quando saíste... Gostava de estar aí!- deu uma gargalhada- Só para ver a cara dele.
-Eu nem olhei para trás! Suponho que mais dia menos dia me apareça aqui. Mas isso resolvo depois, hoje vou encontrar-me com o teu pai e contar-lhe tudo. Depois logo se vê como correm as coisas.
- Vais ver que tudo se resolve pelo melhor, agora com o pai em cena as coisas não vão correr, vão deslizar.- Maria - alguém chamou do outro lado- O tio chama, tenho de ir. Beijinhos mãe adoro-te.
-Beijinhos linda, eu também te adoro. Muito.- já tinha desligado

 A resto da manhã passou rapidamente. Almoçou na pastelaria ao lado e aproveitou para passear um pouco pelas ruas vizinhas. Naquele momento via
as montras com outros olhos, tudo tinha mais cor. Quando regressou à livraria a moça da pastelaria disse-lhe que o marido esteve ali à procura dela. Ainda bem que não estava, não queria discutir novamente. Mas sabia que um dia tinha de o enfrentar. Tinha consciência disso. Mas esse dia ainda não tinha chegado.
Fechou mais cedo não fosse o marido aparecer para a apanhar, e aí, ia atrasar-se para o encontro com Afonso. Apanhou o metro, era mais rápido e quinze minutos depois estava junto à cascata na estufa fria. O lugar onde noutros tempos se encontravam.

-Sempre vieste, confesso que estava com medo.- a voz de Afonso estava rouca- Estás linda!
-Porque não viria? Como tu dizes não me posso esconder... e temos muito que falar. Há coisas que tenho de te contar.
-Concordo. Mas não aqui. A minha casa é perto daqui. Vamos?

Leonor viu-se a concordar sem pensar no assunto. Quando deu por si estavam a andar em plena capital de mãos dadas, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Não falavam apenas andavam, as mãos entrelaçadas a respiração agitada.

-Estás nervosa? -perguntou - Eu estou um pouco- disse sem esperar resposta. Como se ele também estivesse de volta ao passado.
-Eu tenho motivos para tal. Tu não sei.

Fizeram o resto do percurso em silêncio quando Afonso abriu a porta desviou-se para ela entrar.

-Não é grande coisa mas para mim chega. Em tudo nesta vida, aquilo que sobra só atrapalha. Queres um café? Um chá?
-Não te incomodes...
-Vou fazer café.

Afonso deixou Leonor sozinha na pequena habitação. Era tudo muito simples. Os móveis de linha direita não tinham muita coisa, apenas uns livros e uma moldura com uma fotografia deles. Acariciou a fotografia com os olhos cheios de lágrimas...

-O tempo passa rápido.- disse ele nas suas costas
-É mesmo. Pena não se conseguir voltar atrás.

Afonso estendeu-lhe uma chávena fumegante e foi colocar-se junto à janela olhando lá para fora. Ficaram calados por uns instantes que pareceram uma eternidade a Leonor. Optou por sentar-se num sofá quando as suas pernas começaram a tremer, o encontro não estava a correr como pensava. Não tinha pensado nada em concreto, mas se ele a beijasse podia ter uma ideia do que ele sentia...

-Fala-me da Maria.- pediu repentinamente interrompendo os pensamentos dela
-A Maria?! Não podíamos começar por outro...
- Quando pensavas dizer-me?
- Dizer-te?- perguntou nervosa
-Sim! Sei fazer contas. Não é preciso ser um génio a matemática para perceber que Maria é minha filha.-voltou-se. Ela estava de olhos postos no chão e as lágrimas começavam a cair.
-Não entendes...como podes entender? Olhando para trás nem eu mesma percebo! Naquela altura achei que era o melhor a fazer.-Leonor começou a andar de um lado para o outro nervosa -Estava sozinha, tu tinhas partido e não voltaste... esperei dois meses e teria esperado mais, se a barriga não se começasse a notar... senti-me abandonada !A minha mãe não me aceitaria em casa sendo mãe solteira... E depois, eu é que pedi um tempo! Como podia exigir algo de ti? Eu sou mais velha. São apenas quatro anos e qualquer coisa, mas sou e isso é que era importante! Todos pensavam que me tinha aproveitado de ti... da tua juventude. E assim que se soubesse da gravidez seria bem pior...Achei que casando resolvia tudo...e os bebés de 7 meses não são assim tão raros. Não precisei mentir, ninguém perguntou nada e eu simplesmente deixei que acreditassem que ela era filha do Rui. Que querias que fizesse? Sim, podia...

Afonso calou-a com um beijo. As suas bocas saciaram-se uma da outra. Quando se aperceberam estavam respirando com dificuldade devido ao desejo que se apoderava deles.

-Não te estou a cobrar nada.- disse afastando-a um pouco, o suficiente para conseguirem falar sem deixar de a tocar- Culpei-me estes anos todos. Aceitei quando me pediste um tempo. Precisavas de tempo para aceitar a decisão de enfrentares os teus pais. Precisavas de tempo para perceberes o que realmente querias fazer. Eu tinha decidido concentrar-me no curso, queria casar-me contigo assim que pudesse. Fiquei a dormir na faculdade pois quando estava contigo não estudava, eras uma distracção muito grande. Mas tu pensaste que estava farto de ti, e nem me deixaste explicar. Fui para casa a pensar em dar-te um tempo. Mas tive um acidente de carro e fiquei no hospital por quatro meses.- Leonor ficou branca- Não foi nada de mais, apenas um braço e uma perna partida.- disse aligeirando a situação- Quando voltei e vi que estavas casada pensei que talvez tivesse construído castelos no ar. Voltei para casa e casei. Não fui feliz, nem a fiz feliz a ela. Contei-lhe tudo anos depois e ela concordou com o divorcio e foi a primeira a dar-me força para te procurar. É uma grande amiga.-  agarrou-a pelos ombros a sentou-a numa cadeira, deixando ficar a sua mão entrelaçada na dela- Mas fala-me da nossa filha...como é?

"nossa" filha...aquilo soou bem a Leonor.

-Linda! E a cada ano que passa é mais parecida contigo. Por isso está em Itália.Temi por ela... nunca me importei com o que me dizia ou fazia...
-Mas importo-me eu!- rematou bruscamente- Se lhe meto as mãos em cima...
-Agora não importa. Hoje falei com Maria, quer conhecer-te.
-Ela sabe quem sou?
-Claro que sim! Nunca pensei guardar segredo para sempre, mas também não lhe contei assim que começou a andar... as circunstâncias assim o ditaram, tive de lho dizer quando percebeu que não se parecia a ninguém da família.- Leonor calou-se uns instantes-Tem uma fotografia tua. A única que eu tinha dei-lha quando lhe contei.-Leonor apanhou a sua mala e tirou a carteira- Esta já tem um ano- estendeu-lhe a fotografia da filha.

Afonso encolheu-se como se lhe tivessem dado um murro no estômago, as semelhanças eram impressionantes...deixou-se cair no sofá agarrado à fotografia.

-É linda! Tem os teus cabelos...
-É o único que tem meu...
-Parece-se com a minha mãe... Como deixamos isto acontecer?- perguntou mas desta vez não esperava resposta alguma.
Leonor sentou-se junto a ele e por instantes ficaram e silêncio olhando a filha que Deus lhe tinha dado como prova do amor que os unia.
Afonso queria que Leonor ficasse com ele, mas ela não aceitou. Queria resolver tudo primeiro com o marido. Depois, teriam todo o tempo do mundo.


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