Afonso acompanhou Leonor até ao quarto que ela alugara e deixou-a relutante, pois não via mais motivo para estarem separados. Parecia-lhe que estava a cometer o mesmo erro do passado, estava a dar-lhe o espaço e o tempo que ela pedia... como o tinha feito anteriormente! E Afonso não se perdoava! Devia de ter insistido, tinha a certeza do que sentia por ela. Mas a respeito dos sentimentos dela duvidava... Pensou que tinha tempo depois de terminar o curso... devia de ter telefonado, ver como estava. Mas ela pedira um tempo e ele respeitava isso, não queria que ela se sentisse sufocar com a insistência dele e muito menos se sentisse obrigada a estar com ele. Quando voltou passados 6 meses ela casara, pensou que ele era apenas uma distracção antes de casar. Como se ele fosse a despedida de solteira dela. Numa conversa com a sua ex-mulher, esta disse-lhe que não se consegue ir em frente sem arrumar o passado! E arrumar o passado significava procurar Leonor. E assim fez, contratou um detective, mas este não deu com ela...hoje percebia que seria difícil encontrar alguém quando se dá um nome errado e se manda procurar no norte o que está no sul! Felizmente o destino dera-lhe uma segunda oportunidade e encontrara Leonor, agora tudo se resolveria. E tinha uma filha! Nunca sonhara que teriam uma filha...adormeceu com estes pensamentos.
Leonor acordou cedo, queria passar em casa antes de Rui sair. Se queria seguir em frente tinha de resolver as coisas com ele. Além de que precisava de alguma roupa.
O carro dele estava na rua, pensou em tocar à campainha mas resolveu usar as chaves. Se ele estivesse de mau humor daria espectáculo na rua e ela não gostava disso!
Entrou e chamou por ele. Não respondeu. Subiu e ouviu a água do duche! Aproveitou e colocou algumas roupas dentro de uma sacola. Estava a guardar a roupa interior quando ele apareceu.
-Voltaste! Já entraste em razão?- olhou a sacola no chão- Parece que não.
-Sabias que um dia isto acabaria por acontecer...o modo como me tratavas...
-Como te tratava?-disse com sarcasmo- Tratava-te como merecias.
-Pensei que podíamos falar, mas pelos vistos não. Vou ser directa, quero o divorcio.
-Queres? Não to dou...Achas que podes deixar-me assim? Como se fosse um qualquer?!
-Quer queiras quer não, vou pedir o divorcio...
-Claro, imagino que queiras uma boa pensão de alimentos
-Estás enganado, não quero nada teu...
-Não parece, a julgar pelas sacolas.
-Levo apenas o que é meu, a minha roupa e nada mais. Roupa essa que tu insististe em que eu compra-se com o meu dinheiro. Tu não governas oportunistas. Lembraste?
Rui olhou-a e calou-se por uns instantes
-A Maria? Já sabe desta loucura? Eu quero vê-la.
-Isso é com ela. Caso tenhas esquecido, ela é maior de idade e decide o que fazer da vida.
-Tens razão! Quero dizer em tudo... vejo que se calhar não te tratei da melhor forma. Mas se....
Leonor não se conteve e soltou uma gargalhada.
-Se calhar?! Ainda duvidas? Não Rui. Não podemos, acabou. Terás noticias do meu advogado.
Começou a descer as escadas e Rui gritou do cima das escadas.
-Isto não vai ficar assim! Podes escrever o que te digo. Se não...
O resto da frase foi abafada pelo bater da porta.
Leonor subiu para o táxi e foi ao tribunal.Tinha de arranjar um advogado, no tribunal deviam de lhe explicar que fazer.
Almoçou com Afonso, que se mostrou apreensivo com rumo da conversa dela com Rui. Não o conhecia, mas aquilo cheirava-lhe a ameaça. E tinha de fazer algo. Não podia deixar que Leonor fizesse tudo sozinha.
-Amanhã eu falo com um amigo meu...
-Não! Por favor. -pediu ela- deixa-me fazer isto sozinha.
- Eu podia ajudar-te...
-Eu sei, mas não quero que te envolvas. Ele ladra mas não morde. Não te preocupes.
-Preferia que me deixasses ajudar.
-Hoje passa "O mordomo" no cinema monumental, gostava de ver.- disse dando assim o assunto por terminado.
-Se quiseres vamos.
-Podíamos jantar antes, ali perto era bom.
- E a que horas tem de estar em casa a menina?- disse tentando afastar os maus pensamentos
- Não sei...como não tenho horas para me levantar.-estava mais descontraída- Mas tu trabalhas. Se calhar não te dá jeito.
-E tu achas que eu ia deixar passar a oportunidade de estar contigo? Quem sabe as surpresas que a noite nos trás!-olhou-a ternamente- E para terminar em beleza podias dormir lá em casa.
Leonor sentiu-se corar. Passar a noite com ele. Queria estar com ele, mas e se ele ainda sonhava com a Leonor que deixara no passado? De corpo bem tornado,com os seios firmes... Tinha uma filha e o seu corpo sofrera transformações...Afastou aqueles pensamentos, estava a deixar-se levar pelo medo.
-Quem sabe.- acabou dizendo
A noite ia alta quando entraram no apartamento de Afonso. Sentia-se um pouco envergonhada.
-Estás nervosa?
-Um pouco, sinto que ainda estou casada...-Afonso interrompeu o comentário com um beijo que a deixou sem ar.
-Dizias?- perguntou afastando-a para ele próprio apanhar ar, como ela não respondia ele continuou antes de colar a sua boca novamente à dela- Continuas doce como o mel...
As bocas voltaram a fundir-se num beijo apaixonado. Quando a ajudou a tirar a blusa ela cruzou os braços sobre os peitos e pediu que fecha-se a luz. Fez exactamente o oposto, pegou-a em braços e levou-a para a cama onde a luz parecia brincar com o tom da sua pele semi nua.
-Minha doce Leonor. -murmurou entre beijos e caricias- Quantas saudades.
A pouca roupa que restava acabou junta no chão. Afonso beijou cada centímetro da sua pele morena. Deixando-a à beira da loucura. Cada vez que ela pensava que ele ia saciar o seu desejo ele descobria um novo pedaço de corpo para beijar e acariciar até ela suspirar de desejo. A cada novo toque ela pensava que ia enlouquecer. O desejo ameaçava acabar com a última réstia de bom senso que lhe restava. Quando ele voltou a atacar a sua boca ela enrolou as pernas em volta do seu corpo mantendo-o aprisionado entre as suas pernas e com voz rouca pediu: -Por favor Afonso.
E Afonso fez-lhe a vontade e apagou a chama que os consumia.
Deixaram-se ficar abraçados enquanto recuperavam o fôlego, até que finalmente adormeceram.
Leonor acordou com a voz de Afonso ao telefone, falava em espanhol. Não percebeu o que dizia mas notava que ele estava preocupado.
-Algum problema?- perguntou
-Claro que não. Estás aqui, o sol brilha lá fora... tudo está bem.- e deu-lhe um beijo apaixonado
-Ontem à noite...-começou por dizer- eu gostava de falar disso.
- Ontem à noite foi maravilhoso. Não tens do que te envergonhar. Continuas linda e eu desejo-te como sempre te desejei.
- Já não tenho o corpo...
- Perdeste-o? -tentou brincar, mas ela estava a levar aquilo muito a sério -O teu corpo está fantástico.
Não és a mesma, eu também não. Caso não tenhas reparado os anos também passaram por mim. A prova está aqui- e apontou para a sua cabeça onde os cabelos brancos se misturavam com os negros-E aqui...- apontou a barriga que começava a despontar -Todos mudámos, mas o importante está igual. -e apontou para o coração- Este aqui está exactamente no mesmo sítio, e mantém a mesma paixão. E agora, por muito que gostasse de ficar aqui, tenho de ir trabalhar.
Leonor sorriu, os seus medos começavam a dissipar-se. Era feliz.
Nunca mais tivera notícias de Rui e ainda bem! A advogada que o tribunal lhe dera estava a tratar de tudo o mais rapidamente possível. E depressa seria uma mulher livre e desimpedida.
Já vivia com Afonso à 3 semanas e tinham decidido ir ver a revista no Parque Mayer. Ela adorava a revista e ele sabia. Afonso fazia de tudo para a fazer feliz. A noite estava serena e resolveram ir a pé até à praça e ali apanhavam o táxi.
Ao passarem junto a uma rua escura Afonso sentiu que Leonor lhe era arrancada dos braços e atirado para o chão.
Um homem agarrava Leonor por trás e apontava-lhe uma arma à cabeça. Afonso gelou, olhou em todas as direcções procurando ajuda, mas não se avistava viva alma.
-Cheira bem a madame- disse o homem enfiando o nariz no cabelo dela.
Ela estremeceu e as lágrimas chegaram aos seus olhos.
-É dinheiro que quer?- perguntou Afonso pondo-se de pé
-Dinheiro? Para que quero dinheiro se tenho aqui um tesouro?
Afonso avançou para ele.
-Acho melhor não. Ou queres ver os miolos da tua mulherzinha espalhados pelo beco?-Afonso recuou.- Bem me pareceu. -Disse voltando a enterrar a cara no cabelo de Leonor.
Ao ver o desespero dela Afonso avançou. Estavam perdidos de qualquer dos modos. Mais valia tentar salvar Leonor.
Ao ver-se enfrentado, o homem apontou a arma para Afonso, dois tiros ecoaram no beco. Leonor apenas viu o olhar de Afonso cheio de pânico e sangue escorrendo da sua cabeça. Um grito de profunda dor saiu da sua garganta antes do seu corpo cair inerte no chão sujo do beco.
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