quarta-feira, 6 de julho de 2016

ACASO DO DESTINO 11ª PARTE


Fernando acariciava um cavalo preto, um homem forte, segurava outro, de cor castanha, pela trela, calculou que fosse o tratador deles. Aguardou junto ao carro, quando o homem se afastou com os animais ela aproximou-se de Fernando.
- Preciso de falar contigo. - Queria dar a impressão que estava segura de si, mas a voz tremia-lhe.
- Não temos nada para dizer um ao outro. Vitor entrará em contacto contigo para rescindires o contrato.
Fernando voltou-lhe costas, na tentativa de o fazer parar, agarrou-lhe o braço.  Ao sentir a mão dela, olhou para a mão pousada no seu braço, o olhar dele estava frio, desprovido de qualquer sentimento. Um misto de angustia e tristeza apoderou-se do seu interior, sentiu um vazio tão grande, que tudo ao seu redor começou a girar e o mundo foi absorvido por uma imensa escuridão.

Doía-lhe a cabeça, estava um pouco confusa. Ali perto, Fernando falava ao telefone, exigia rapidez em algo. Olhou em redor, estava na salinha da avó dele! Mas estava praticamente vazia. Restavam apenas as estantes e o sofá onde estava deitada. Tentou levantar-se, mas sentiu a sala girar. Levou a mão à cabeça, tinha um alto! Que tinha acontecido?! De repente lembrou-se, tinha desmaiado! Nunca desmaiou na sua vida. Tinha de ir até ele, tentar explicar...
- Já acordas-te. Estás melhor? - Parecia preocupado, embora a voz estivesse fria
- Acho que sim.
- Achas?! - Não se aproximou dela, manteve-se no outro extremo da sala. - O médico vem a caminho.
- O médico?! Não quero um médico, quero falar contigo.
- Vais ter de te contentar com o médico.
- Não nos faças isto.
- Nos faça?! Essa é boa! - A sua voz mostrava raiva, mas uma raiva controlada, que podia explodir em qualquer altura - Desde quando somos nós?! Sempre fui eu, e lá ao longe, tu, nunca fomos nós! Nunca nos levas-te a sério! Por isso evitas-te contar a Ana! - Deu um soco na parede, ela encolheu-se, não conhecia aquele lado dele - Também vais dizer, que tiveste de procurar outro porque estou muito tempo fora?! Que passo muito tempo a trabalhar?! - Soltou uma gargalhada irónica - Realmente, é preciso ser muito idiota. Pensar que eras diferente. - Olhou de lado para ela - Muito bem. Queres falar?!  Vamos falar. Desde quando me andas a fazer de idiota?
- Não digas isso. - Doía-lhe ouvi-lo falar assim.
- Porque não?! Se é verdade. Fizeste o mesmo que Ju...- Calou-se uns instantes.- Realmente, vocês são todas iguais! Umas mentirosas interesseiras- Colocou-se em frente a ela -Ao menos o que sentes por Rita é verdadeiro ou também é fingido?!
- Nunca fingi qualquer sentimento. E isso inclui o que sinto por ti.
Sentiu o braço ser apertado com toda a força, pelas mãos que até há pouco dias a acariciavam.
- Não sejas hipócrita! Eu vi, esqueceste-te?
- Não, não esqueci. - Tentou, em vão, retirar o braço -É o meu cunhado. Apenas isso.
- Teu cunhado?! Agora caem do céu?! Nunca me falas-te num cunhado.
- Tu melhor que ninguém devias de saber que há coisas que preferível esquecer, ou mesmo apagar do  passado.
- Isso não justifica o que vi. E pensar que te amei, que por ti, daria a vida se fosse preciso. Em troca de quê?!
- Amo-te! - As palavras foram ditas a medo. Ele afrouxou a pressão no braço e olhou nos olhos dela, como se quisesse ver mais além, como se quisesse entrar dentro da sua alma.
- E queres que acredite nisso?! Sabes o quanto esperei ouvir isso?! De cada vez que te beijava, cada vez que dormis-te nos meus braços - As lágrimas começaram a cair, como compreendia o que ele sentia, não o podia julgar. - Como queres que acredite, depois do que vi. Porque desta vez, eu vi! Tu nos braços de outro!
- Do meu cunhado. É irmão do meu marido. - As palavras saiam atropeladas pelas lágrimas. - Tens de acreditar, amo-te, nunca te trairia.

Umas batidas urgentes fizeram-se ouvir. Ele foi abrir.
- Por aqui. Não, está no sofá. - Fernando vinha seguido de um homem de meia idade, que apesar do frio vinha muito afogueado - Aqui está a paciente.
- Ora bem, vamos lá a ver. Do que se queixa a menina?
- De nada.
- Nada?! Segundo me disseram, desmaiou.
- Sim, mas porque não comi esta manhã. Possivelmente desceu o nível de açúcar.
- Deixe-me julgar isso a mim. Preciso de a auscultar. - Voltou-se para Fernando - Importa-se de sair?

Ele ainda abriu a boca, mas voltou a fechá-la e saiu da sala. O dr. auscultou-a, mediu-lhe a tensão, viu o nível de açúcar, fez-lhe umas perguntas. Depois guardou os aparelhos na sua mala.

- Bem, esta foi a urgência mais agradável que tive. Deixe-me ser o primeiro a felicitá-la.
- Felicitar-me?!
- Está grávida. Ainda de poucas semanas, é certo, mas os sintomas são inconfundíveis.
- Não posso estar grávida! Já passei dos 40.
- Não é a primeira, é mais comum do que parece. É a sua primeira gravidez?
- Não, mas...
- Então, como estava a dizer, os meus parabéns. E não se preocupe. - Inclinou a cabeça a jeito de despedida e saiu - Cuide-se.

Levantou-se, e olhou o pátio. Fernando foi acompanhar o médico até ao carro. O céu estava de um cinzento carregado, esta a condizer com a sua alma, uma chuva miúdinha começava a cair.  Grávida! Esperava um filho dele. Como dizer-lhe que aquele filho era dele, quando estava certo que ela o tinha traído?! Sentiu uma nova tontura. Ai que isto começava bem! Nunca teve um enjoo, ou qualquer outro inconveniente durante toda a gravidez de Ana! Ouviu-o entrar na sala, não queria olhar para ele. O médico possivelmente tinha-lhe contado, não teria forças para o enfrentar, se ele a volta-se a acusar.
- Que te disse o médico? - A voz dele parecia diferente.
- Nada de preocupante, não te disse nada? - Tentou perceber o que ele sabia - Pensei que tinha obrigação, como foste tu que o chamas-te.
- Não, apenas disse que está tudo bem e que vai passar rápido. Não devias de sair sem comer.
- Olha quem fala! - Ele sorriu. Assim como ela, sabia que se estava a referir ao dia em que foi ter com ela à cabana.
- Antes do médico chegar estavas a dizer, que aquele é o teu cunhado. - Embora mantivesse a distância, a sua voz era mais suave. - Nunca me falaste num cunhado.
- Não pensava voltar a vê-lo - Se queria que ele acredita-se nela tinha de lhe contar tudo - Não gosto de recordar esse assunto. Mas se é a única forma de que acredites em mim...
- Quero acreditar em ti. Mais que outra coisa qualquer.
- Acho melhor que te sentes.

Contou-lhe sobre o cunhado, e sobre a armadilha que o sogro lhe armou. Das coisas horríveis que o sogro lhe disse. De como tentou agradar a uma família que não a aceitava, das dificuldades que teve depois do marido falecer. E no fim contou-lhe das fotografias. E de como o cunhado queria que ela o perdoa-se por tudo o que lhe tinha feito, e que gostaria de ter um contacto mais directo com elas. E que os tinha convidado a irem visitá-los a casa dele, para conhecer os sobrinhos que nunca vira. Quando terminou ele continuava sentado a olhar para ela. Mas como se ela fosse invisível.

- E essas fotografias, são tudo o que te liga ao passado. - Ela acenou - E dizes que as tens no carro?
- Sim. - Se ele as quisesse ver tinha de lhas mostrar, era a única prova que tinha de que estava a falar a verdade.

- Importas-te de as ir apanhar?

Deixou-o na sala sentado, ele não se mexeu desde que começou a contar-lhe a sua vida, mantinha uma expressão insondável. Não sabia o que pensar da atitude dele. Se tinha chegado até ali, podia suportar a humilhação dele ver as fotos. Se fosse esse o preço a pagar para ficar com ele, seria um preço muito baixo. A chuva que caía começou a cair com mais força. Molhou-se ligeiramente, mas isso não a incomodou. Voltou para casa, ele ainda estava na mesma posição. Quando a viu levantou-se.
- Estás molhada. Vais constipar-te. - Vestiu-lhe o casaco dele - As fotografias estão aqui?! -Agarrou o envelope.
- Sim.
Ele dirigiu-se à lareira e atirou com o envelope lá para dentro. Voltou para junto dela e abraçou-a.

- Está na hora de seguir em frente, e enterrar o passado definitivamente.
- Não as viste!
- Não preciso, acredito em ti. Não te sujeitarias à humilhação de mostrar as fotografias se não fosse verdade.- Afastou-a um pouco para a olhar nos olhos - A única coisa que importa é que estás aqui. Bem junto a mim. Isso e saber que me amas é tudo o que preciso.

Beijaram-se como se fosse a primeira vez, ao sentir o calor dos beijos dele, respirou fundo, finalmente tudo estava esclarecido. Estava feliz, queria rir, mas grossas lágrimas caiam pelo rosto dela.

- Tens de parar de chorar assim. Sabes que me assustas-te da primeira vez?!
- Não o consigo evitar. Desculpa
- Desde que sejam lágrimas de felicidade.
- Sim, sim...

Voltou a beijá-la, o casaco caiu ao chão e ela arrepiou-se.

- É melhor voltar-mos para casa, temos de viver lá até que esta fique pronta. Tal como eu, sei que vais gostar de viver aqui.
- Sempre adorei esta casa.
- Terás de te entender com Rosa, ela quer decorar o solar. Nunca fui capaz de lhe dizer que não. Mas tu tens um jeitinho especial para lidar com crianças.
- A tua irmã não é uma criança! - Fingiu-se de ofendida - Queres é que a enfrente por ti.
- Eu tenho outra guerra que travar.
- Guerra?! Que guerra?
- Ana, tenho de me preparar para o pior, mas tenho a certeza que Ana me vai aceitar, assim como Rita te aceitou. - Beijou-a levemente- Já lhe comprei os cavalos, o castanho para Rita e o preto para ela.
- Não acredito! Queres comprar a minha filha com um cavalo?!
- E achas que vou conseguir? - Deu-lhe um beijo no nariz.
- Acho que está garantido, mas não o devias de fazer. Vais acostumá-la mal.
- De que serve ter dinheiro se não posso mimar as pessoas que amo?  Vou cuidar de que tenham tudo o que merecem e muito mais! Elas vão adorar! Além dos cavalos, que já chegaram, terão uma sala de jogos, uma piscina...
- E um mano, ou mana.

Sem comentários:

Enviar um comentário