domingo, 28 de agosto de 2016

SOB A LUZ DA LUA 10ª PARTE



Ana permanecia de braços estendidos junto ao corpo, agarrada ao saco do pão como se o saco lhe pudesse dar a força que precisava.

- Não me convidas a entrar? - Steve manteve-se no mesmo local, notava-se o cansaço no rosto dele.
- Porque vieste?! Anette não te disse que...
- Disse muita coisa, - Ele interrompeu-a - Neste momento apenas quero esclarecer o mais urgente, descansar e beijar-te. Não necessariamente por esta ordem.
- Nem penses que te vou deixar...

Steve atirou para o chão a mochila que trazia, e puxou-a para bem perto dele. A sua cara ficou perto da dela, os olhos desafiavam-na a manter-se firme no propósito de não ceder, mas a sua boca chamava por ela. Instintivamente os seus lábios entreabriram-se prontos para o beijo, mas ele sorriu e afastou-a.

- Acho que temos de falar antes de seguir em frente.

Steve apanhou a mochila do chão e entrou em casa, deixando uma Ana confusa na entrada da cabana.  Se não a ia beijar para que eram aqueles jogos?! Queria ver até onde ela era capaz de resistir?! Se assim era, ela tinha falhado na primeira prova! Quando se recuperou da surpresa, entrou em casa furiosa. Não tinha o direito de aparecer e destabilizar o seu mundo! Quem é que ele pensava que era?!

- Se bem me lembro não te convidei a entrar. Podes dizer ao que vieste, para que possa seguir com o que estava a fazer?!
- Pensei que já tinhas aprendido, que certas coisas não precisam de ser ditas. Mas se bem te lembras, eu disse ao que vim!
- Se é isso, deixa-me dizer-te que fizeste a viagem em vão. Não quero nada contigo, disse à tua mulher isso mesmo. Resolvam-se como quiserem, mas não me...

Desta vez não se limitou a ficar perto da boca dela, tomou-a de assalto, segundos depois Ana respirava com dificuldade.

- À coisas que não mudam - Steve falava entre beijos - Continuas a falar demais, terei de me acostumar, se bem que me dá prazer calar-te. - Beijou-a mais demoradamente, Ana sentiu a mão dele no seu pescoço e arrepiou-se - E não sou casado, mas isso é uma coisa que pretendo mudar.

Ana tentava assimilar a informação, o que se tornava mais complicado, visto ele insistir em manter-se colado à sua boca e ao seu corpo. Tinha de o afastar, precisava entender tudo. Ela tinha visto a aliança na mão de Anette, os beijos carinhosos dele, os segredos entre eles, a casa, os planos para ter filhos... Arranjou forças e afastou-o.

- Como não és casado?! Eu vi a aliança de Anette! E a casa?!
- Anette sim é casada, bem, era, agora já não é. Graças a Deus! Podemos falar depois de me lavar? Cheguei hoje mesmo, mal cheguei a casa Anette contou-me essa historia que inventaste e te convenceste que era verdade.

Interpretou o silêncio como consentimento e subiu levando a suja mochila com ele. Ana foi até à cozinha, meteu a chaleira ao lume e fez café! As palavras dele não lhe saiam da cabeça. "Não sou casado... tu inventaste... "  Sentou-se e reviu tudo o que se passou, por muito que tentasse, não conseguia recordar nada que lhe indica-se que estava a imaginar o casamento entre eles! Tudo apontava para a existência de uma mulher! Se bem que, havia outras coisas que precisavam de resposta. Como a indignação dele quando lhe disse que não tinha consciência, o facto de evitar falar sobre o seu trabalho, o súbito desaparecimento dele, quando Mário foi até lá! Tanta coisa que ela precisava saber, aqueles meses pareciam um enorme puzzle, para o qual lhe faltavam imensas peças!

- Aprendeste a fazer um café decente ou ainda fazes essa coisa descafeinada? - Steve parecia outro, Ana tinha se esquecido de como ele ficava lindo de barba aparada e como o cheiro do seu afher shave a deixava louca de desejo! - Queres falar aqui ou na sala?
- Onde quiseres. E é café.

Ana viu-o sorrir e servir-se de uma chávena de café, depois conduziu-a até à sala. Sentou-se junto a ela no sofá e bebeu um pouco de café.

- Isto sim é café! Nunca pensei ter saudades dessa água que bebias, mas olha que tive! - Deu outro sorvo na chávena. - Nem sei por onde começar.

Ana viu-o levantar-se e andar um pouco na sala. Para depois voltar a sentar-se. Não conseguia disfarçar o nervosismo.

- Quando os meus pais faleceram tinha três anos, como não tinha mais ninguém acabei num convento. A primeira pessoa que veio ter comigo foi Anette. Lembro-me que chorei muitas noites e ela, embora se arrisca-se a ser castigada, vinha sempre dormir comigo. Voltava para a sua cama antes das irmãs começarem a chamar-nos. Com o tempo aprendi que a vida não é fácil, Anette defendeu-me muitas vezes, até que aprendi a fazê-lo. Quando me adoptaram fiquei muito triste, queria que ela fosse também! Anos depois percebi porque ela, apesar de mais velha, ia ficando. As pessoas querem um bebé, ou uma criança pequena, não um adolescente! Eu tive muita sorte, tinha quase sete anos quando fui adoptado - Ana apertou-lhe a mão, não se arriscava a olhá-lo nos olhos, sabia que se o fizesse começava a chorar. - Soube que alguns anos depois ela abandonou o convento, estava na idade de sair! Mantivemos contacto por carta durante alguns anos, mas depois perdi o contacto. Voltámos a encontrar-nos numa das minhas viagens e contou-me que tinha casado. Trocámos números de telemóvel e desde então mantivemos sempre contacto. Naquela altura lembro-me que fiquei feliz por ela. Tinha alguém que a amasse!
- Então Anette é...
- Para mim, é a única família que tenho! Seria incapaz de a abandonar!
- Compreendo.
- Quando me formei, e devido aos poucos anos que vivi no orfanato, decidir ir para pediatria, queria ajudar outras crianças. E é isso que faço quando não estou no hospital. Muitas vezes tiro dias para ajudar quem precisa. - Olhou-a nos olhos - Embora não precise de exercer para ganhar a vida, gosto de o fazer.
- Os teus pais nunca se opuseram?
- Não. Acho que o meu pai também teria gostado de sair mundo fora! Bem, ele saiu, mas assim como eu te encontrei, ele encontrou a minha mãe e acabou por criar raízes.
- Não estou a compreender!
- O meu pai era emigrante e casou com a minha mãe no Canadá, onde me adoptaram. Alguns anos depois o meu pai adoeceu e quis voltar para a sua terra natal. Vendeu a empresa e regressaram. E viveram felizes até ao fim dos seus dias na casa que viste.
- Aquela casa?!
- Sim, era dos meus pais, descuidei-a porque ando sempre de um lado para o outro. Mas voltemos um pouco atrás. Quando volto de uma viagem, como esta que acabei agora, ou quando as coisas não correm muito bem, preciso de recuperar. Nada melhor que longe de tudo e todos. Antes de vir para cá, quando te encontrei - Deu-lhe um breve beijo - Estava a passar por uma fase menos boa.

Steve voltou a levantar-se mas desta vez não andou, ficou imóvel, de costas para ela.

- Numa das consultas que dou no hospital, uma das mães deixou-me intrigado. Usava camisas compridas em pleno verão, nunca tirava os óculos de sol dentro do consultório, estava sempre afastada das outras mães... reconheci os sinais. Depois de algum tempo consegui que desabafa-se, era vitima de violencia domestica! Tentei que levasse o caso às autoridades. Negou-se sempre, falei com um amigo e pedi conselho. Ela não era minha doente, como tal não podia apresentar queixa. O filho,o meu paciente, tinha apenas 4 meses! Que justificação tinha eu para fazer queixa?! O meu amigo prontificou-se a notificar as autoridades, caso ela quisesse!
Depois de falar com ela, pediu-me por tudo que não comenta-se nada, que ela já tinha falado com o marido, que ele lhe tinha pedido desculpas, que agora estava tudo bem. Concordei, e deixei-lhe o meu número de telemóvel para me ligar caso precisasse... - Deixou cair a cabeça desanimado - Matou-se depois de o marido a ter espancado novamente!
- Que horror! Oh meu Deus... por isso ficas-te furioso quando disse que não tinhas consciência!
- Era tudo tão recente! Devia de ter insistido com ela. Não podia ter-me dado por vencido, tenho obrigação de conhecer as desculpas mais usadas.
- Não podias adivinhar o que ela ia fazer.
- Mas devia! - Notava-se que ainda se sentia culpado - Depois de tudo isto, como podia voltar as costas a Anette sabendo que o marido a maltrata?!
- Não sabia... Não, não podias! Por isso mandas-te arranjar a casa. Para ela ter um refugio...
- No inicio a ideia era essa, encontrar um sitio onde ela pudesse sarar as feridas e pudesse seguir em frente.
- Ao principio?! Isso quer dizer que agora já não lhe dás a casa?
- Nunca pensei dar-lhe a casa. Mas ao contrário de lhe dar um lar temporário, comprei-lhe um apartamento. A casa é para nós, para criar-mos os nosso filhos
- Nossos filhos?!
- Amo-te! - Ajoelhou-se entre as pernas dela - Desejei-te desde o momento em que te peguei ao colo, toda suja de lama e chamando-me nomes! - Ela sorriu - Mesmo suja, conseguias fazer com que os meus pensamentos não fossem os mais adequados à situação! E olha que lutei contra esse desejo! Mas tive de me render, estavas tão sensual com a minha camisa. Na primeira noite não consegui dormir, sempre ás voltas, imaginando como seria beijar-te. Quando o fiz decidi que serias minha. Mesmo com a certeza que tinhas alguém à tua espera, tinha de tentar. Estavas ali comigo, não com ele.
- E como sabias que tinha alguém?
- Porque tinhas a marca da aliança no dedo.
- Podia ser um anel.
- Se fosse um anel não o tinhas tirado! Mas convenci-me que talvez tivessem discutido e se soubesse usar as cartas que tinha, podia fazer-te apaixonares-te por mim como eu estava por ti.
- Usar as cartas?!
- Acho que foi o entorse com mais complicações da historia!
- Não acredito! Tu...
- Apenas exagerei um pouco. Não podia correr o risco de te perder.
- Ou seja, podia apoiar o pé.
- Sim, um pouco... mas era a desculpa perfeita para ter-te nos meus braços. E tu também gostavas, eu sei. Existem...
- Sim, existem coisas que não precisam ser ditas!

Steve agarrou-lhe as mãos e beijou-as, antes de continuar.

- Na noite que ficámos a ver a lua, tinha a certeza que me amavas, podia vê-lo nos teus olhos. Depois apareceu aquele tipo, com vontade de te aquecer! Tive vontade de lhe partir a cara! Mas o pior estava para chegar,  achei que ia enlouquecer quando o ouvi dizer que ias casar com ele. - Olhou-a nos olhos e ela pode perceber que o tinha magoado de verdade - Voltei para a cabana e depois de muito pensar, e de me chamar muitos nomes, resolvi voltar e desejar-te felicidades. Como não estavas, deixei-te um bilhete.
- Eu fui à tua cabana. - A voz dela tremia, se lhe tivesse contado tinha evitado tanto sofrimento. - Não estavas e não tinhas o carro estacionado.
- Depois de deixar o bilhete parti, desta vez sem destino. Precisava pensar.

Ana manteve-se em silencio a olhar as mãos dele entrelaçadas nas dela, chegara a sua vez de arrumar o passado de uma vez por todas.

- Queres mais café?! - Ana agarrou as duas chávenas - Sem açúcar para ti. - Ele sorriu.
- Ainda te lembras.


 Demorou-se um pouco, precisava de pensar em como começar. Saber que a amava tornava as coisas mais simples. E o que tinha a dizer não interferiria com a felicidade deles, mas precisava acabar com todos os segredos que existiam.
Quando voltou à sala Steve dormia recostado no sofá. O coração dela encheu-se de amor ao vê-lo ali. O que tinha a contar podia esperar para o dia seguinte. Só um grande amor coloca o outro à frente de si mesmo e ele tinha-a colocado à frente do descanso que tanto precisava.

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