quarta-feira, 10 de agosto de 2016

SOB A LUZ DA LUA 4ª PARTE




  Um raio de sol entrou pela janela e acordou Ana. Olhou incrédula o raio de sol que agora batia na sua mão, deixou-se ficar na cama observando o sol que brilhava timidamente. Já fazia alguns dias que não via o sol! A chuva era uma constante, e quando não chovia o céu estava sempre nublado. Espreguiçou-se na ampla cama. Steve já devia de ter descido à muito. Acordava primeiro que ela e ia passear pela mata, mas voltava a tempo de fazer o pequeno almoço. Nestes últimos dias, depois de tomarem o pequeno almoço, passavam o resto do tempo a conversar e a ver televisão. Ele devia de ser das poucas pessoas que sabiam praticamente tudo sobre o trabalho dela. Mas da sua vida privada pouco lhe contou, falou da mãe que faleceu quando tinha oito anos, das recordações que tinha dela, dos tempos de escola e pouco mais. Embora não fosse segredo, havia partes da sua vida que preferia esquecer por uns dias. Queria aproveitar os poucos dias que faltavam antes de regressar. Gostava de estar com ele, de ser mimada! E falar da sua vida privada implicava falar de Mário e principalmente de Toni... e isso era doloroso, coisas que pertenciam ao passado mas que ainda lhe eram penosas! Abanou a cabeça, como se assim afasta-se os fantasmas que estavam adormecidos há alguns dias.
De repente sentou-se na cama. Lembrou-se que ele pensava que ela não sabia cozinhar! Ora aqui estava uma boa oportunidade para lhe provar o contrário! Vestiu-se rapidamente e desceu com cuidado, embora estivesse melhor, ainda lhe doía o pé se andasse muito depressa. Steve tinha-a avisado que se começa-se a abusar podia piorar. Por isso movia-se com cuidado.

 O sol iluminava a sala e a cozinha. Enrolou as mangas e começou a fazer o pequeno almoço. Pouco havia na despensa, mas algo devia de conseguir fazer! Em questão de minutos, tinha em cima da mesa ovos, farinha, leite, chocolate, manteiga, compota, pão... Que conseguia fazer com aquilo?! Fechou o olhos, em vez de uma receita só se lembrava de uma canção que a mãe costumava cantar quando cozinhava: The wind beneath in my wings da Bette Midler. Começou a trautear, pouco tempo depois estava a cozinhar. Fez churros com chocolate quente, Maria tinha-a ensinado, segundo ela, era costume na sua terra natal, torradas e ovos mexidos. Deixou tudo em cima do fogão para não esfriar e limpou a mesa. Estendeu uma toalha limpa e distribuiu de forma harmoniosa tudo o que tinha preparado. Enquanto esperava por ele começou a lavar a loiça, sorriu ao ver a quantidade de recipientes que usou! Como era possível sujar tanta coisa?! Olhou lá para fora, o sol brilhava com mais força, uma leve brisa começou a mexer a copa das árvores. Se Steve estivesse certo, a chuva não devia de tardar. Recomeçou a cantarolar enquanto lavava a loiça.

- Espero que cozinhes melhor do que cantas. - Ouviu-o dizer enquanto a abraçava pelas costas e a beijava no pescoço - Porque não ficas-te na cama?
- Não tinha sono.
- Isto não tem nada que ver com o facto de ter dito que não sabias cozinhar?!  - Voltou-a para lhe ver a cara - Ficas-te ofendida com o que disse?!
- Não, apenas quero começar a fazer algo. Estou aborrecida...
- E eu a pensar que te mantinha entretida. - Sorriu malicioso
- Estou a falar a serio! Estou cansada de estar em casa. Até tinha pensado em, se tu quisesses, que podíamos ir passear.

Ana, queria sair com ele, passear de mãos dadas pela mata, ter algo para recordar, além das noites na cama dele.

- Estás outra vez a fazer o mesmo.
- Estou a fazer o quê?!
- A pensar em algo, que nada tem que ver com o que estás a fazer no momento!
- Como sabes?! Posso estar a pensar em como fazer estes churros com recheio!
- Não é nada assim tão básico.
- Então diz lá, o que achas que estava a pensar?
- Aposto que estavas a pensar no que vais dizer ao teu pai quando voltares. Se lhe deves de contar que foste para a cama com um desconhecido... Que afinal não ficas-te na cabana que alugas-te... Enfim, acho que estás a ver chegar o dia de voltares e ainda não sabes se vais contar a verdade, ou se vais fingir que nada aconteceu.
- E tu, vais fingir ou contar a verdade?
- Não tenho que admitir nem fingir nada. Ninguém tem nada que ver com o que faço!
- E quem te disse que eu tenho de me justificar perante alguém?! - Ana, sentiu-se ofendida e respondeu bruscamente. - Acaso, o facto de ser mulher, me obriga a justificar-me perante um homem?!
- Tanta agressividade!  Isso vem provar que tenho razão, mas não me parece que seja pelo teu pai. Talvez um namorado?!

Ana preferiu não responder, não queria falar de Mário, mas parecia-lhe que ultimamente as conversas, acabavam todas por rondar o assunto! Ou era a consciência dela que se sentia pesada?!

- Já terminas-te?! Queria ir passear um pouco. Porque posso ir, não?

Steve agarrou-lhe a mão para a olhar nos olhos antes de responder, ela não desviou a vista, mas sentiu que ele queria descobrir os seus pensamentos mais profundos.

- Claro, desde que acompanhada, e que vás com calma.
- Então, estou com a companhia ideal. Quem melhor para me acompanhar que um médico?!
- Estás a comparar-te com uma criança?!
- Com a quantidade de vezes que me levas-te ao colo, quase que me convenci que era uma.
- Gosto de te levar ao colo... - Puxou-a até si - Tu não?!
- Isso agora é irrelevante. - Ana tentou fugir, mas ele apertou-a mais - Ou estás a pensar em levar-me ao colo pela mata?
- Conheço um sítio onde posso levar-te ao colo e muito mais...

Ana sentiu a pele arrepiar-se à medida que ele sussurrava ao seu ouvido. Fechou os olhos e mordeu o lábio, quando sentiu a respiração dele no pescoço. Steve beijou-a e Ana não conseguiu resistir, com mãos desejosas começou a tirar-lhe a camisola e gemeu quando ele fez o mesmo com a sua. Sentou-a em cima da mesa da cozinha e desviou uma alça do soutien. Enterrou a cabeça entre os seios dela e começou a viagem pelo corpo nu...
De repente ele afastou-se dela e deu-lhe a roupa ao mesmo tempo que apanhava a dele e começava a vestir-se indo em direcção à porta da rua.

Que se tinha passado?! Disse algo?! Não! Ela nem tinha proferido uma palavra depois do beijo no pescoço!  Então que diabo tinha acontecido?! Um tiro bem forte ouviu-se, ela encolheu-se,depois começou a rir.  Não se lembrava que era dia de Jil vir entregar o pão! Bem que podia ter deixado o pão na entrada e ir embora!

Steve entrou nesse instante. Com o saco na mão.

- Jil deixou os bons dias e votos de boas melhoras. Queria entrar para ver-te mas acabei por dizer que estavas a dormir. - Ela olhava para ele sem perceber porque o tinha feito - Não sabia se estavas vestida. Jil, é um bom tipo, mas se te visse meio despida... bem, achei que não ias gostar!

Ana apenas assentiu com a cabeça, embora não quisesse que Jil a visse meio despida, teve a sensação que ele não queria, que se soubesse que dormiam juntos! Talvez ele tivesse alguém na sua vida, talvez tivessem discutido e tinha ido até ali para dar um tempo! Ela não estava ali por isso mesmo?! Mas não gostou da pontada que sentiu no seu coração, quando o imaginou com outra mulher!

- Bem, podemos ir passear?
- Já que fomos interrompidos...

Steve foi à cozinha e voltou com uma mochila. Ajeitou-lhe o casaco e vestiu o dele antes de saírem. O sol ainda brilhava, mas o céu começava a ficar salpicado de nuvens cinzentas. Um vento mais forte fez-se sentir, ela agarrou-se à mão dele quando começaram a descer um dos caminhos insinuantes junto ao riacho. Steve foi descrevendo os tipos de árvores e os poucos animais que iam encontrando.

- Ainda falta muito para chegar?!

Ana sentiu um desconforto no pé mas não disse nada. Não queria atrasar o passo dele, que por causa dela já era vagaroso o suficiente.

- Não, estás a ver aquele lago? É ali. - De repente parou e ficou a olhá-la - Doí-te o pé?
- Não, apenas me incomoda um pouco, deve de ser de estar sem andar há vários dias.
- Devias de me ter dito. Doí-te à muito tempo?
- Não. Como descobriste este lago? - Ana desviou a conversa - No folheto sobre as cabanas não falam dele...
- Acho que pertence à reserva. Está numa área protegida, a sociedade protectora dos animais não ficava muito contente se o espaço fosse invadido por curiosos.  Ali em cima - Steve apontou para um pinheiro enorme -  vive uma família de cegonhas pretas. Encontrei-as no ano passado.
- Queres dizer que já as viste?
- Sim, são magnificas. Se ficarmos o tempo suficiente, tu também as podes ver. Se não te importares de esperar numa caverna...
- Claro que não.

Steve ajudou-a a subir para a pedra que dava acesso à caverna, uma vez lá dentro ela sentiu um certo desconforto pela brisa húmida que chegava até ela, o interior era mais quente do que ela esperava. Sentaram-se perto da entrada, e esperaram.
Ana observou a mata e o lago, devia de viver ali muitos animais desconhecidos para ela. Seriam perigosos?! Esperava que não, não queria ser atacada por um leão feroz! Instintivamente chegou-se para junto dele e agarrou-lhe o braço.

- Podes falar, desde que seja baixo. - Steve quase que sussurrava - As cegonhas ainda demoram um pouco, e como o vento sopra suave e não está a chover o seu regresso é imprevisível.
- E não corremos o risco de sermos atacados?

Steve conteve uma gargalhada. Mas não o impediu de sorrir.

- E estás à espera de ser atacada por?!
- Sei lá, um leão - Ela imitava o sussurro dele - Não há aqui nada que nos posso saltar em cima e atacar-nos?
- A única que corre perigo és tu... posso decidir "atacar-te" a qualquer momento.
- Parvo! - Ana deu-lhe um beliscão no braço. - Não te cansas de te rir ás minhas custas?
- Nunca me canso de ti.

Ana sentiu um arrepio correr a espinha quando ele disse aquilo, mais pela forma como a olhava, que pelas palavras em si. Nesse instante uma ave enorme cruzou os céus. Ana desviou a vista dele, estava encantada com o porte do animal. As patas compridas, que pareciam grandes demais para o corpo, eram de cor vermelha e preta. A plumagem preta com tons esverdeados que variavam de tonalidade consoante a luminosidade, e um bico vermelho longo. Nunca tinha imaginado uma ave assim, para ela, as aves, pelo menos as voadoras, eram sinonimo de animais pequenos.

Quando se voltou para Steve, reparou que ele olhava fixamente para ela, não para a cegonha.

- São lindas! Nunca tinha visto uma de perto. Bem, nem ao longe. - Ela continuava a sussurrar - E nunca imaginei que fossem tão grandes. Sei que há maiores, como as avestruzes, mas não voam! E achava que as aves grandes não voavam, que andavam na terra...

Calou-se ao ver que ele estava a prestes a rir.

- Não vais rir-te de mim outra vez! Tu sabes tudo, acho até que nasceste com uma enciclopédia debaixo do...

Steve calou-a da única forma que conhecia. Mal sentiu a boca dele colada na sua, entrelaçou os dedos no cabelo negro dele. Segundos depois estavam encostados à pedra fria da gruta, lutando contra a vontade de se entregarem um ao outro ali mesmo, no meio do nada. Um trovão fez-se ouvir, e eles separaram-se com alguma relutância.

- Devíamos voltar. Não tarda está a chover. - Steve, falava com a cabeça encostada à dela. - Mas se está perto não temos tempo de chegar, é melhor aguardar-mos que passe.
- Se achas melhor... - Ela mal se ouvia, ainda estava atordoada com a facilidade com que ele a desorientava.
- Mas não podemos passar aqui a noite. E se escurece é mais difícil regressar.
- Podemos arriscar...afinal as trovoadas não costumam ser passageiras?
- Geralmente.

Mas aquela não era passageira, choveu nos vinte minutos seguintes, a cada trovão Ana apertava a mão dele com mais força, as pernas ameaçavam ceder a qualquer instante. O peso das botas encharcadas, aliado ao peso do casaco enorme atrasavam a caminhada. Por algumas vezes sentiu as lágrimas chegarem-lhe aos olhos, mas lutou contra elas, ele estava ali, nada de mal lhe iria acontecer. Num passo mal dado, escorregou e arrastou-o com ela, ficando os dois sentados no chão encharcado, olhando um para o outro, de repente começaram a rir, pareciam duas crianças a brincar na lama. Steve beijou a boca molhada dela, o calor que o beijo lhe transmitiu foi o suficiente para ganhar forças para seguir em frente, a chuva que caía parecia não ter mais importância.  Ajudou-a a levantar-se e depois de se certificar que ela não se tinha magoado retomaram a caminhada, mas desta vez mais devagar, indiferentes à chuva aproveitaram a situação envolvendo-se num abraço.

 Ana achou que chegaram depressa demais a casa. Ele deixou-a tomar duche primeiro, e ela sentiu-se desiludida, chegara a pensar que tomariam duche juntos. Depois do beijo debaixo de chuva e do passeio, achava que tinham criado um laço especial, mas devia de ser imaginação dela, ele apenas queria certificar-se que ela estava com forças para seguir em frente. Depois de vestir roupa limpa desceu e foi fazer o almoço enquanto ele tomava duche.

Nessa tarde, Ana pediu-lhe um bloco para anotar umas ideias que tinha para a sua loja. Quando terminou olhou para a janela, estava a escurecer. Pensou que seria rápido, mas mais uma vez, acabou por se envolver. Esqueceu tudo e todos. Onde estava ele?! Não estava na sala, à quanto tempo a tinha deixado sozinha?! Foi procurá-lo, encontrou-o na cozinha com o olhar perdido no mundo lá fora. Que estaria a pensar?

- Desculpa, não pensei levar tanto tempo a colocar as ideias no papel.

Por uns instantes pensou que ele não a tinha ouvido.

- Não tem importância.
- Claro que tem, devias de me ter alertado para o facto de estar à imenso tempo a tomar notas. Devia de estar a ajudar-te.
- Como te disse, não tem importância. Anotas-te tudo o que te fazia falta?
- Sim, estou desejosa de chegar para começar este novo projecto. Precisava de algo novo, algo que... Desculpa, estou outra vez a maçar-te. Deves de estar desejoso que volte para a minha cabana, isto se a encontrar. Bem, tenho de a encontrar, o meu pai mata-me se não voltar com o jipe! E as minhas coisas, estão lá todas, o meu computador...

Mais uma vez se viu calada pelos beijos dele, desta vez não estendeu os beijos ao resto do seu corpo, apenas rodeou a sua cintura com o braço com a pressão suficiente para que ela não se afasta-se. Steve terminou o beijo, entrelaçou os dedos no longo cabelo dela e acariciou-lhe a nuca.

- Jil encontrou a tua cabana.

Ficou a olhá-lo sem saber que dizer. Tinha encontrado?! Isso queria dizer que tinha de partir. Um nó formou-se na sua garganta. Que se passava com ela?! Porque lhe custava tanto saber que tinha de deixá-lo?! Fechou os olhos, numa tentativa de lutar contra a vontade de chorar. Sabia que este dia chegaria. Apenas chegou sem avisar.

- Oh, ainda bem não?! - Olhou para ele, mas ele nada disse, apenas olhava para ela - Porque não me disseste mais cedo?! Amanhã mesmo vou embora, assim podes aproveitar as tuas férias.
- Estou a aproveitar! E esqueci-me completamente. Com a ideia de te mostrar as cegonhas...
- Sim. - Ana voltou a sentir o nó na garganta, precisava de estar sozinha. - Eu vou... desculpa.

Subiu o mais rápido que o seu pé permitiu. Na solidão do quarto deixou as lágrimas fluírem. Porque a afectava tanto aquele estranho?! Porque lhe doía tudo só de pensar em ir embora?! Porque preferia ficar ali naquela mata em vez de ir para o conforto da sua casa?! As perguntas giravam dentro da sua cabeça, mas não conseguia encontrar uma resposta para elas. Lavou a cara e olhou-se no espelho.

- És uma idiota. Tudo se resume a desejo! - Ana falava para si mesma - Nunca desejas-te um homem?! Pois, já estava na hora de desejares um!

Resumiu tudo o que sentia a isso, um desejo enorme. Só isso explicava a montanha russa de emoções que sentia quando estava com ele. Olhou-se novamente, certificou-se que não se notava que esteve a chorar e desceu. Ele estava na sala com o computador, foi para a cozinha. Não tinha fome mas mesmo assim abriu uma embalagem de lasanha congelada e colocou-a no forno.

Um pouco de ar fresco iria fazer-lhe bem, passou por ele e foi sentar-se no varandim, a chuva tinha cessado e as estrelas brilhavam no céu escuro.


A explicação que tinha encontrado, para o que sentia começou a suscitar duvidas! Sim, podia ser desejo, afinal desejava estar com ele. Só de pensar nele já queria beijá-lo, abraçá-lo... Isto nos seus pensamentos mais inocentes! Mesmo compreendendo o que sentia, não compreendia porque agia assim quando estava com ele. Geralmente era ponderada nas suas decisões, mas desde que Steve entrou na sua vida, virou tudo de pernas para o ar! E o único homem que virou a sua vida de pernas para o ar, deixou-a num total estado de desespero!  Toni foi o seu primeiro amor e a sua primeira desilusão. Quando ele partiu sem lhe dar qualquer explicação, jurou que nunca daria a um homem o poder de a fazer sofrer. Por isso escolheu Mário, de carácter brando, que exercia advocacia no escritório da procuradoria, que pertencia ao tribunal onde trabalhava o seu pai.  Durante muito tempo, depois de Toni, ela apenas queria ficar no seu cantinho, tornar-se invisível, esquecer que os homens existem. Mas Mário apareceu e insistia em sair com ela. Assim que percebeu que ele, não constituía um perigo emocional para ela, cedeu, em poucos meses as saídas aumentaram, ela sentia-se segura com ele, e depressa marcaram a data do casamento. Mas agora, depois destes dias com Steve, percebeu que não seria feliz com Mário...

- Está frio. - Steve colocou-lhe nos ombros uma manta - É melhor ficares com ela se vais ficar aqui fora.
-  Obrigada. - Olhou disfarçadamente, enquanto ele se sentava junto a ela no degrau.- Não precisas de ficar aqui comigo.
- E tu não precisas de dar indirectas, se não queres a minha companhia, basta dizeres.

Viu-o levantar-se e subir o único degrau que existia. Estava a ser idiota, ele foi um querido em levar-lhe a manta e ela praticamente o expulsa da sua própria casa.

- Desculpa, não era isso que queria dizer. Gosto da tua companhia, apenas pensei que ficavas por educação.
- Pensei que tínhamos ultrapassado essa fase. Vou buscar café, queres?
- Sim, obrigada.

Uma estrela cadente cruzou os céus nesse instante. Fechou os olhos e pediu um desejo. Depois sorriu, como podia acreditar que uma estrela tinha o poder de resolver a sua vida?! A sua mãe acreditava que sim. E ela acreditava que neste instante a sua mãe era mais uma estrela a velar por ela. Aquele pensamento deixou-lhe um sentimento de conforto e um sorriso nos lábios.

- Seja o que for, ainda bem que aconteceu. Estás a sorrir. - Ele tinha voltado com o café, sentou-se junto a ela a olhar o céu - Ás vezes desejava não ter de voltar, é tudo mais pacifico aqui.
- É, respira-se calma. Até o céu parece mais bonito. Na cidade raramente se vêem as estrelas.
- Conheces alguma?
- Apenas a ursa maior e menor. Nunca dei muita atenção a isso.
- Vou ensinar-te.

Deu-lhe a chávena dele e voltou a entrar em casa. Saiu instantes depois, trazia uma almofada e outra manta. Estendeu a manta no varandim e ajeitou a almofada.

- Anda, vem deitar-te aqui.
- Agora?! Mas...
- Queres ou não conhecer as estrelas?
- Sim mas...

Perante o olhar dele desistiu de acabar a frase, deixou as chávenas no chão e foi sentar-se na manta.

- Deita-te, consegues ver melhor. - Ela assim fez - Estás a ver aquela ali?
- Essa eu conheço, é a ursa maior e ali a menor.
- E aquela?
- Essa não sei...
- É Orion. Sabias que só se consegue ver no inverno? Se olhares bem, parece um homem. Diz a lenda que Orion gabava-se de conseguir matar qualquer animal. E um dia, entrou num feroz combate com Escorpião, o que levou os Deuses a separá-los, estando a constelação de Escorpião na região oposta da esfera celeste. Por isso nunca se consegue ver as duas constelações ao mesmo tempo.
- Nunca pensei que as estrelas tivessem uma historia por detrás.
- Se vires bem - Ele continuou - Olha ali, no meio estão três estrelas seguidas, vês?! Elas dão a ideia de um cinto, e dá pelo nome de Cinturão de orion. Vês aquelas três que parece que estão a cair? É a espada. Se prolongares essa linha imaginária através da estrela central do cinturão e passares pelas três estrelas da cabeça, lá no cimo tens a estrela polar.

Ana estava fascinada, mesmo depois de ele terminar deixaram-se estar deitados no chão a olhar as estrelas. Sabia que nunca mais iria olhar as estrelas da mesma maneira. A lua escondeu-se parcialmente na copa de uma árvore. Até essa, que nunca lhe suscitou qualquer tipo de interesse hoje parecia mágica. Iria ter saudades daquele lugar. Uma lágrima deslizou na sua cara.

- Sou assim tão mau professor?

Ela pensou ter conseguido esconder a pequena lágrima.

- É tudo tão lindo aqui... Gostava de não ter de voltar, que tudo fosse diferente, que... - Calou-se, as lágrimas afloraram em grande força impedindo-a de falar.

- E eu a pensar que era o único a conseguir calar-te. - Steve abraçou-a - Não tens porque ir, se não quiseres.
- Não quero, mas tenho de ir.

Deixaram-se ficar abraçados, em silencio olhando as estrelas no céu que parecia ter afastado as nuvens só para eles.


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