O dia da festa de beneficência da Art for you estava a chegar, mas não conseguia tirar Steve da cabeça. Na pretensão de ocupar a mente com outras coisas que não as recordações daqueles dias, delegou menos tarefas a Clara. Mas nem assim deixava de pensar nele! O dia de Natal avizinhava-se e ela sentia-se cada vez mais só! As saudades eram maiores... A culpa era desta época, de paz e amor. Onde quer que fosse via casais abraçados! Que raiva!
- Tens a certeza que não queres que vá ao centro?
Clara notava a tristeza da amiga, mas cada vez que tentava falar com ela, esta desviava a conversa e deitava as culpas no ritmo alucinante do trabalho.
- Obrigada, mas preciso de tratar de umas coisas.
- Coisas?! Sei... - Clara olhou desconfiada para ela.
- Não me olhes assim! - Ana meteu a agenda na mala. - Tu lembras-te das calças pretas que me ofereces-te, aquelas que eu adoro? - Clara anuiu com a cabeça - Pois, fui vesti-las e não me servem!
Clara não estava a perceber, o que tinham as calças a ver com o ar melancólico da amiga!
- E?! Desculpa mas não consigo acompanhar o teu raciocínio.
- Como as calças não me serviam, lembrei-me de experimentar o vestido que pensei usar no jantar. Resumindo, se não quero ir nua ao jantar depois de amanhã, tenho de comprar um vestido novo! O azul que comprei em Milão não me serve, fica-me larguíssimo!
- Eu disse-te lembras-te? Se tivesse ouvido aqui a amiga, tinhas comprado o outro, o verde de corte mais amplo. Mas não, quiseste dar uma de Audrey Hepburn! Esse tipo de vestido fica bem se ficar agarrado ao corpo, se engordas fica mal se emagreces também! Mas não me parece que tenhas emagrecido assim tanto.
- Pois não, mas é o suficiente para que o vestido faça uma bolsa no meu rabo! Não posso ir assim, sou a anfitriã! Nunca pensei que estivesse mais magra! Realmente tenho trabalhado muito.
- E um certo homem moreno, não tem nada a ver com a tua recente perda de peso?!
- Ultimamente nem penso nele! - Ana evitou olhar a amiga, sabia que se a olha-se ela percebia que estava a mentir - É o trabalho, mas vai compensar. E depois do jantar temos o Natal e Ano novo... Depressa recupero o peso. Bem, vou ver de um vestido! Precisas de algo?
- Se por acaso te cruzares com determinado moreno, aproveita e...
- Até logo Clara. Também te adoro!
Ana sabia que Clara tinha razão, as saudades dele estavam a mexer com ela. Talvez deve-se procurá-lo. Beber um chá...não, um café, Steve não gosta de chá! Apreciar as estrelas...
O centro estava cheio de gente, já se esquecera de como era confuso ir ás compras a esta hora! As pessoas tendem a deixar para o fim do dia as compras de Natal e de preferência para as vésperas! Como faltava uma semana, ela contava encontrar o centro mais vazio. Dirigiu-se à empresa que ia tratar do catering da festa, deixou os cartões que fez para as mesas e passou na florista a escolher as flores. Abriu a agenda e verificou o que lhe restava fazer antes de comprar o vestido. As prendas dos funcionários! Por sorte tinha poucos, a cada ano que passava, tornava-se mais difícil escolher a mais adequada. Depois de deambular por mais de uma hora, decidiu-se por uns lenços de seda para as raparigas e uns botões de punho para os homens. Para Clara comprou o livro que a amiga andava à procura à imenso tempo e um perfume.
Escolher o vestido para ela estava mais complicado, não gostava de nenhum em particular. Já tinha decidido levar o azul, mas quem manda emagrecer numa altura destas?! Tinha de se decidir por um qualquer, acabou por comprar um preto comprido, com ombros a descoberto. O gerente da loja insistiu em que leva-se um lenço de seda muito fina, quase transparente para usar com o vestido. Aceitou a opinião e acabou por concordar, que lhe ficava muito bem. Olhou a sua silhueta no espelho, a sua figura sempre fora esbelta, mas nada que ver com as modelos, Mário, que preferia as mulheres mais magras, chegou a dizer que precisava de perder algum peso. Nunca quis, sentia-se bem, gostava das suas curvas, mas agora ao ver-se com aquele vestido tinha de concordar, estava mais sensual.
A cabeça parecia que ia rebentar, era o resultado de noites seguidas mal dormidas! Um café, era isso o que lhe estava a fazer falta! Um café bem forte, e conhecia o sítio ideal!
De repente o centro ficou vazio, pelo menos a ela assim lhe pareceu. Na escada rolante do lado oposto, Steve subia! Porque era ele, não era uma partida da sua cabeça! Abriu a boca para o chamar, mas voltou a fechá-la. E se não fosse ele?! Se fosse apenas alguém parecido?!
No caminho para casa não conseguia deixar de pensar nele. Nem falou com Maria que estava na sala, subiu e deitou-se. Se era ele, devia de estar a trabalhar em algum hospital, ou numa clínica. Lembrou-se que ele serviu nos médicos sem fronteiras, o mais provável era estar num hospital. Não podia continuar assim, tinha de falar com ele, acabar com a obsessão louca que tinha por ele. Saiu da cama e meteu-se no duche. Tinha de o encontrar!
As batidas conhecidas de Clara fizeram-se ouvir no quarto, e a cabeça da amiga apareceu entre a porta meio aberta.
- Está tudo bem?! Não apareces-te, fiquei preocupada. - Clara sentou-se na beira da cama e esperou que a amiga levanta-se a vista do computador, sabia que ela detestava ser interrompida.
- Hoje vi-o.
- Viste quem?!
- Quem achas que foi?! O pai Natal não foi com certeza, se bem que a surpresa não seria maior!
- Steve?! - Clara perguntou embora já soubesse a resposta - Viste o teu Steve!
- Sim. E não é meu. É apenas uma paixão parva, que tenho de resolver antes que dê em doida. Ele não me sai da cabeça, durmo a pensar nele, acordo com ele na cabeça... assim que falar com ele e perceber que o desejo daqueles dias já não existe, tudo voltará ao normal.
- Tens a certeza que é assim?
- Claro que tenho! Que mais poderia ser?!
- Sendo assim, temos de o procurar, diz-me o que queres que faça.
- Nada, já eliminei as clínicas. Comecei por aí, por serem menos. Estou a fazer a ronda nos hospitais, vou no quinto. - Ana voltou o computador na direcção da amiga. Várias páginas de hospitais apareciam no ecrã!
- E já tentas-te por especialidade? Ele deve de ser especialista em alguma coisa? Não te disse?!
- Não!!! - Ana bateu com a mão na cabeça, como não tinha pensado nisso?! - Pediatria.
- O quê?! Pediatra?!
- Qual o espanto? Um homem não pode ser pediatra?! - Ana parecia ofendida - Fica sabendo que ele...
- Peço desculpa, não queria insinuar nada. Mas tens de concordar, não é normal um homem ser pediatra. Bem, deixa-me ligar o tablet e já te ajudo na busca.
A noite caiu e os hospitais juntaram-se à lista de clínicas. Nem sinal de Steve. Ana atirou-se para cima da cama e chorou. Clara abraçou a amiga e deixou-se ficar até que esta finalmente adormeceu de cansaço.
Na manhã seguinte, Ana acordou com Clara a chamá-la.
- Vamos lá, acorda. Queres ou não ver o teu homem?
- O meu homem?!- Ana estava sonolenta, sentia-se cansada. Queria dormir mais um pouco... que história era aquela de homem?! De repente abriu muito os olhos - Steve?! Ele está cá?!
- Não. - Ana voltou a meter-se entre os lençóis - Mas sei onde está!
- Sabes?! - Ana saltou da cama.
- Sim. Depois de te deixares dormir, fiquei a pensar, se ele era novo no hospital, com as festas natalícias e estas coisas todas...
- Podes desenvolver mais depressa?! - Ana estava impaciente.
- Como estava a dizer, lembrei-me que talvez não tivessem tempo de actualizar a página do hospital, e que nem todos os médicos gostam de tirar fotografias para as páginas. Assim que, liguei para os hospitais todos!
- Ligas-te?!
- Sim. - Ana reparou então que a amiga ainda tinha a roupa do dia anterior.
- Tu ficas-te aqui toda a noite?!
- Para que servem as amigas, se não podemos contar com elas nas alturas loucas da vida?!
Ana abraçou a amiga com tal entusiasmo que caíram as duas na cama, primeiro ficaram a olhar uma para a outra e depois começaram a rir. As gargalhadas cessaram para dar lugar ao rosto preocupado de Ana.
- E se ele não me quiser ver?
- Se não quiser azar o dele. Se assim for, já tens um motivo para acabar com essa obsessão, como tu lhe chamas.
- Tens razão. Vou vestir-me e ir ter com ele. Podes cuidar de tudo?
- Claro.
- Obrigada, nem sei como te agradecer.
- Eu sei! Abriu um restaurante na avenida...
- Combinado! - Ana já tinha entrado na casa de banho.
Uma hora depois, Ana entrava pela porta do hospital. Estava nervosa, as mãos estavam frias e o seu coração batia tanto que parecia ter terminado a maratona. Parou em frente ao balcão de informação. A mulher de meia idade que estava atrás do balcão esperou que ela dissesse algo. Mas as palavras não saíam.
- A menina está bem?! Precisa de ajuda?!
- Oh sim, desculpe. - Ana afastou uma madeixa de cabelo da cara - Estou um pouco atordoada, levantei-me à pouco, sabe, é que não durmo há dias, e o trabalho... nem sei porque estou a dizer isto! Procuro o Dr. Mendonça. Acho que ele dá consultas aqui.
- Sim dá. Mas deve de haver algum engano. O Dr. foi passar o Natal na cabana que tem na serra. E mesmo que estivesse aqui, se a consulta não for para uma criança duvido que a pudesse ajudar. É que ele é pediatra.
- Oh! - Ana sentiu-se uma idiota - Peço desculpa...Eu apenas... - Ana calou-se, não precisava de se justificar. Já sabia onde estava! - Peço imensas desculpas. Muito obrigada.
- Não se preocupe. Um Feliz Natal menina.
- Obrigada, igualmente para si.
Quando contou a Clara esta riu-se do embaraço da amiga.
- Não vejo onde está a piada!
- Vê a coisa pelo lado positivo, pelo menos não ficou com a ideia que querias saltar para a cama dele!
- Pois, do mal o menos!
- E vais hoje para as cabanas?
- Pensei em ir, mas não é justo para ti. O jantar é amanhã e não posso deixar-te sozinha com o trabalho todo. Vou depois, mais um dia não fará diferença.
O jantar correu lindamente, Ana e Clara estavam felizes com o resultado. Conseguiram angariar mais dinheiro que no ano anterior. Talvez tivesse que ver com a causa em questão. Nestas alturas do ano todos se sentem muito solidários e generosos.
Na manhã seguinte Ana despediu-se de Clara. Desta vez foi no seu carro, a viagem tornava-se mais confortável. Parou no mesmo café da outra vez, a rapariga reconheceu-a e meteu conversa com ela. Quando voltou para o carro, levava num saco duas fatias de tarte, estavam a ser servidas para ver se eram bem aceites pelos clientes. Deixou o saco no banco e olhou o céu. contrariamente ao que seria de esperar o sol brilhava, estava frio, mas não havia nuvens no céu.
Ana chegou com facilidade à cabana de Steve, o carro dele estava estacionado na entrada como da outra vez. O fumo saía da chaminé. Lembrou-se que, quando viu o fumo daquela chaminé pela primeira vez, estava nos braços dele.
Bateu à porta e ainda sorria quando abriram a porta, mas o sorriso morreu nos seus lábios. Uma morena alta, parcialmente molhada, de lábios carnudos e olhos verdes sorria para ela, vestia apenas uma camisa dele.
- Desculpe, acho que me enganei. - Uma voz no interior, desejou que fosse realmente assim, e que aquela camisa fosse igual à que ela tinha vestido uma vez. - Procuro o Dr. Mendonça.
- Olá. Não se enganou, ele está no duche. Vou chamá-lo.
Ana não esperou que a morena volta-se, meteu-se no carro e desapareceu na estrada empoeirada. As lágrimas impediam que visse com claridade, a sua cabeça ameaçou explodir de dor. Numa tentativa vã de se acalmar, respirou fundo e aumentou o som da musica.
De repente travou e saiu do carro, começou a andar de um lado para o outro na estrada deserta. Ao seu redor apenas se viam árvores, as mesmas árvores que tinham sido testemunhas da sua felicidade à dias atrás. Ela que tinha jurado nunca mais entregar o seu coração...
- Idiota! És uma grandessíssima idiota, quem te manda apaixonares-te por um Dom Juan?! - Ana gritou para os céus, agora tinha a certeza, estava apaixonada! - Oh meu Deus...
As lágrimas silenciosas, deram lugar ao choro descontrolado, que por sua vez, foi substituído por uma calma forçada.
Fez o caminho até casa de forma automática. Ouviu Maria chamar por ela mas não respondeu, subiu e meteu-se na cama tapando a cabeça com o edredon. Descobrir que estava apaixonada deixou-a assustada. Ela tinha jurado não voltar a amar, depois de Toni ela tinha prometido que nenhum homem a fazia de idiota, nem choraria por nenhum! E tinha os seus motivos...
Tinha acabado a faculdade, estava à espera que a chamassem para fazer um estágio relacionado com o curso de artes que estava a fazer. Numa saída com uma colega conheceu Toni, foi amor à primeira vista. Ele era seis anos mais velho que ela, de cabelo loiro e olhos azuis.
Nunca chegou a compreender, mas ele exercia um certo poder sobre as mulheres, as raparigas não o largavam e quando ele mostrou interesse nela sentiu-se lisonjeada. Adorava a atenção que ele lhe dava, a forma como a surpreendia com flores e chocolates. Os passeios e os "raptos" de mota para fazer piqueniques no parque! O namoro não tardou e poucos meses depois, Toni convidou-a a morar com ele. Afinal amavam-se e ela sempre podia estar mais perto da empresa onde ia estagiar. Não pensou duas vezes, mudou-se para casa de Toni. O seu pai alertou-a para os verdadeiros interesses dele mas ela não quis saber, estava apaixonada, tão apaixonada como uma rapariga aos 18 anos pode ser! O pai na esperança que ela o deixa-se, ameaçou com cortar a mesada, mas nem assim. Enfrentou o pai, deixou de lhe falar e começou a trabalhar numa florista. Toni apoiou-a quando lhe disse que o pai não aceitava o namoro, "afinal era filha única e um dia ele tinha de perceber que a filha era feliz". Tudo corria bem, excepto quando Toni insistia para ela pedir dinheiro ao pai. Como ele estava a terminar os estudos não podia trabalhar. Ao passo que ela podia conciliar o estágio com o trabalho. Se por ventura tivesse de abandonar o estágio, podia sempre recomeçar o curso mais tarde, pois a idade jogava a seu favor, enquanto que ele estava a ver passar os anos e não conseguia terminar porque tinha sempre preocupações, geralmente financeiras. Com o tempo ela deixou de ver as amigas, pois tinha de trabalhar para custear os estudos dele. Ele dizia que a amava, a ela isso bastava-lhe. Quanto mais ele insistia em que pedisse dinheiro ao seu pai mais ela trabalhava. Deixou o estágio e juntou ao primeiro emprego outro, de ajudante num bar, começava ao fim de tarde e terminava à meia noite. Toni escolhia os amigos com que saíam, os filmes que iriam ver e as roupas que ela podia vestir. Pensou que era por causa dos ciumes, o que era normal se a amava.
Passados dois anos, devido ao ritmo do trabalho mal via Toni, apenas os bilhetes que ele deixava espalhados pela casa, jurando o seu amor e agradecendo o que ela estava a fazer por ele, e pedindo para lhe deixar uma determinada quantia que lhe fazia falta para pagar isto ou aquilo, que teve de pedir a um colega... as desculpas eram imensas e ela acreditou em todas! Nesta altura já tinha vinte anos, mas estava tão empenhada nesse amor, que não achava mal algum no relacionamento deles! Até que um dia, os bilhetes jurando amor eterno acabaram-se e Toni desapareceu. Sem deixar um bilhete a dar a razão da partida. Chorou amargamente, mas seguiu em frente. Orgulhosa como era, não podia pedir ajuda ao pai. Ficou por uns tempos na casa que dividiu com Toni, já que pagava a renda, e manteve o trabalho até que abriu a Art for you! Alguns dias depois soube por uns amigos que Toni a tinha deixado por uma mulher rica, com idade para ser mãe dele. Nunca imaginou ser enganada deste modo! Percebeu então o tipo de amor que ele lhe tinha, sentiu-se uma completa idiota! Jurou que nunca mais deixaria que um homem lhe disse-se que fazer. Nem lhe iria entregar o seu coração! A partir de agora era ela! Se tivesse um namorado, seria um que obedece-se aos caprichos dela! Pouco tempo depois de inaugurar o seu pequeno negocio, procurou o pai. Este não fez perguntas apenas ouviu o que ela quis dizer, abraçou-a e levou-a para casa nesse mesmo dia. Ana estava feliz por ter recuperado a única família que lhe restava. Aprendera a lição, nunca mais ia dar a um homem o poder de a magoar.
Mas não contava encontrar um moreno de olhos castanhos, que a beijava como ninguém! A quem o seu coração se entregou sem pedir autorização.
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