domingo, 21 de agosto de 2016

SOB A LUZ DA LUA 7ª PARTE




A chuva batia na janela, era mais um dia cinzento! O telemóvel tocou, deixou-se ficar a olhar o ecrã  até que este se apagou. Tapou a cabeça com o edredon e virou-se na cama. Estava tão triste como o dia. Não estava com vontade de sair, nem de ver ninguém. Queria desaparecer, sair sem destino e só voltar quando tivesse esquecido Steve. O telemóvel voltou a tocar, voltou-se para o outro lado, não estava disposta a sair da cama, os homens são todos iguais! E ele não era diferente, as mulheres deviam de... o telemóvel interrompeu a sua divagação!

- Que coisa! Não desistem?! - Saiu da cama contrariada, olhou o nome no ecrã. Sr. Jacinto! Esqueceu-se que tinha combinado ir com ele a um leilão! Olhou o relógio, ainda tinha tempo - Bom dia, Sr. Jacinto. Peço imensa desculpa, estava no banho.
- Bom dia menina. Começava a pensar que se tinha esquecido de mim.
- Estou apenas ligeiramente atrasada. Quinze minutos parece-lhe bem?!
- Apenas quinze minutos?! Se estiver pronta em quinze minutos, pago-lhe o almoço.
- Estarei à sua espera.

Ana chamou um táxi e vestiu as primeiras calças que encontrou. A camisola que tinha vestido ontem ainda estava em cima da cadeira, apanhou-a e saiu a correr vestindo o casaco.

Nas escadas quase derrubou Maria, que levava um cesto de roupa lavada.

- Desculpa, estou atrasada. Bom dia...
- Bom dia menina, gosto de a ver assim. Cheia de energia.

Ana entrou no táxi que já se encontrava à sua espera e com alguma dificuldade, devido à velocidade, colocou bâton e um pouco de cor nos olhos, em menos de dez minutos estava à porta do seu escritório. Ainda não eram nove horas e meia cidade ainda dormia, como tal conseguiu chegar à hora combinada. Agarrou a sua agenda e confirmou o que tinha que fazer nestes dias que antecedem o Natal. Não podia descuidar o seu negocio, por um homem! Lutou muito para chegar onde estava e não era uma desilusão que a ia fazer desleixar o que construíra. Podia ter de sorrir sem vontade, vir trabalhar de coração desfeito mas seguiria em frente, já o tinha feito uma vez! Esta vez não seria diferente!

O Sr. Jacinto chegou instantes depois, admirou-se por ela estar à sua espera e comentou que as mulheres, geralmente, demoram eternidades a arranjar-se.
Depressa se deixou envolver pela conversa despreocupada do Sr. Jacinto, o que ajudou a que o dia passa-se rapidamente. Estava feliz por ter ajudado um cliente a conseguir o que pretendia e sentia-se realizada por ter encontrado alguns artigos para expor.

Se o pai não lhe telefonasse ainda estaria a organizar os artigos que comprou. Estava tão empenhada,  que nem deu por a noite chegar. Desligou a luz e vestiu o casaco, como não chovia não chamou um táxi, preferiu ir a pé até à estação de metro, queria sentir o ar frio da noite. Talvez o ar gelado da noite a fizesse esquecer Steve. Uma loja antiga, com a montra cheia de quadros chamou a sua atenção. Estava fascinada, mas não conseguia dizer porquê, se eram as cores, se era a moldura antiga... aquele quadro com uns meninos a brincar tinha qualquer coisa... o seu raciocínio, foi interrompido pelo reflexo da lua, que se mostrava em todo o seu esplendor no vidro da montra.  Lembrou-se de quando viu a lua com Steve, as lágrimas começaram a cair. Limpou as lágrimas e apressou o passo.  As pessoas acotovelavam-se nas ruas, mas nenhuma olhou duas vezes para ela.

Agradeceu interiormente o facto do pai ter saído com uns amigos estes dias, não queria justificar o seu estado emocional. Deitou-se no sofá e deixou que as lágrimas caíssem livres, assim como a chuva molhava as ruas, assim elas iam molhando o seu peito. Acabou por passar a noite no sofá, o que lhe garantiu um mal estar geral. Subiu antes que Maria chegasse e visse que dormiu ali. Ao mesmo tempo que a água escorria pelo seu corpo dorido, percebeu que o seu coração estava vazio, desprovido de qualquer sentimento. Talvez porque chorou a maior parte da noite, talvez porque decidiu que tinha de enfrentar a situação!
Steve estava com outra mulher, restava-lhe aceitar. Ele não lhe prometera nada, e até aquele dia, ela mesma estava convencida que o que sentia por ele era apenas desejo, Mas a dor que sentiu ao ver aquela mulher vestida com a camisa dele, era bem mais forte que a que sentiu quando Toni a deixou.

Ajudou Maria com os preparativos da noite da consoada. Apesar do clima de festa e dos olhares dissimulados de Maria conseguiu passar o dia sem derramar uma só lágrima. As decorações da casa mantiveram a sua mente ocupada, como a Art for you estava fechada nestas festas precisava de algo para se ocupar, o pai regressava nas vésperas da noite de Natal.
Desde pequena que adorava esta época, mas este ano sentia-se apática. E foi isso mesmo que a sua amiga lhe disse durante o jantar de Natal.

- Estava a ver que estes homens não iam fumar! - Clara sentou-se junto da amiga - Estás muito abatida, tu adoras esta noite.
- As pessoas mudam, hoje gostamos de uma coisa, amanhã já foi substituída!
- Porque tenho a sensação que não te estás a referir à noite em questão?! - Clara tirou o copo de champanhe das mãos da amiga -  Ainda não me contas-te como foram as coisas na cabana. Pela tua cara imagino que não foram como esperavas.
- Eu não descreveria melhor, não foram não!
- Não o viste?!
- Não! - Preferiu não contar à amiga, não porque quisesse fazer segredo, apenas não estava preparada para contar o sucedido sem chorar e esta noite era de alegria, de festa.
- Tenho pena, mas vais ver que vão acabar por se encontrar.
- Sim.
- E isso deixa-te triste... é compreensível.
- Vamos mudar de assunto! - Ana levantou-se e foi para a janela - Estava a pensar em expandir o negócio. - Ela precisava de algo novo, de um desafio que lhe absorve-se o tempo todo!
- Expandir?! Mas que queres fazer agora? - Clara não percebia que mais a amiga podia decorar - Já decoramos casas particulares, espaços comerciais, vendemos peças exclusivas na loja e ultimamente dedicas metade do tempo a perseguir relíquias para os clientes mais preguiçosos.  Não me olhes assim, para mim não passam de preguiçosos, não custa assim tanto ir a um leilão comprar determinada peça!
- Mas tens de concordar que ganhamos bom dinheiro com isso!
- Isso é verdade, mas trabalho é coisa que não falta. Que mais te falta decorar? Monumentos?!
- Casamentos e baptizados.
- Como assim?!
- Podíamos ter um leque de decorações, em catalogo logicamente, para ver se os clientes aderem à ideia, decorar o espaço da cerimonia, assim como onde se realiza o banquete. Que te parece?
- Três coisas. Primeiro ponto, já existem empresas especializadas nisso. Segundo ponto, para isso precisas de mais gente. Terceiro e último mas não menos importante, nem a tua cabeça nem o teu corpo vão aguentar tanta coisa, isso implica mais viagens e mais trabalho, muito mais trabalho! Tens consciência disso.
- Plena consciência! Por isso a minha sócia não pode baixar os braços, terá de trabalhar tanto quanto eu.
- Ainda não a conheço e já tenho pena dela.
- Se te aguentas-te até agora acho que um pouco mais de trabalho, devidamente remunerado, não será problema para ti.
- Para mim?! Isso quer dizer...
- Sim. Se estiveres interessada.
- Serio?! Estás a falar a sério?! Claro que estou. Sabes que não tenho medo de trabalhar e adoro um bom desafio.
- Então, tudo vai dar certo.

O ano novo entrou e Ana não parava de trabalhar, passava boa parte da noite a tomar nota das ideias para os catálogos e o dia era para as viagens com o fotografo, para fotografar sítios específicos. O catálogo tinha de estar terminado no início da primavera. Nas negociações com Clara, que se negou a aceitar que dividissem a sociedade em partes iguais, ficou estabelecido que as viagens e os leilões eram domínio de Ana assim como a escolha de novos clientes. Clara ficou com a parte "fixa", da sociedade, o trabalho de escritório e o encomenda de materiais e peças. Embora tomassem as decisões em conjunto a palavra final era dela. Só havia uma excepção, quando Ana estivesse ausente as decisões seriam de Clara!

Quando a ART for YOU abriu as portas depois das festas, toda uma nova selecção de artigos e materiais estavam ao dispor dos clientes. Duas semanas depois chegou a primeira noiva, algo confusa em relação à decoração adequada. Ana prontificou-se a visitar algumas capelas com ela para lhe poder dar uma ideia do que fariam, deixando Clara sozinha. Muitas capelas depois e de muitas ideias recusadas, conseguiram chegar a um consenso em relação às decorações! Despediu-se da noiva na praça quando a noite começava cair sobre a cidade! Finalmente o dia estava a chegar ao fim, se todas as noivas fossem assim, os pés dela não resistiriam muito tempo!

Lucy, estava na secretária de Clara, o que deixou Ana perplexa. Clara não saia daquela secretária por nada!

- Está tudo bem?

 Lucy levantou -se e sorriu timidamente ao ouvir a voz da patroa, sorriso que Ana devolveu.

- A Dona Clara, pediu-me para ficar uns minutos aqui. Chegou um casal, e foram ver uns artigos.
- Oh, ainda bem. Quando voltar, podes dizer-lhe que já cheguei? Obrigada.

Ana tirou os sapatos de salto assim que se sentou à secretária. Massajou os pés, estavam mais que doridos. Se todas as noivas fossem assim, teria de considerar usar sapatilhas! E segundo a sua agenda ainda lhe restavam uns quantos dias na companhia dela!
Uma conversa animada chegou até ela, ia jurar que conhecia aquela voz! Mas não era possível! Voltou a concentrar-se na agenda que tinha à sua frente, precisava de fazer uma lista...
Clara entrou num estado de enorme agitação.

- Consegui! Vão ficar connosco!
- Vão?! Não sabia que estávamos para adopção. - Ana brincou com a situação mas mudou de atitude ao ver a cara séria da amiga - Estou a brincar, parabéns! Vais sair-te muito bem!
- Oh não, são para ti. Lembras-te?! Eu fico aqui, tu andas pelas ruas! Se bem que por este eu até fazia um esforço. - Ana riu-se perante a cara corada da amiga - Oh meus Deus! Tira o fôlego a qualquer mulher!
- Imagino.
- Não precisas de imaginar, vais vê-lo com os teus olhos. Eles querem que sejas tu a decorar o ninho de amor - Clara fez um olhar apaixonado e suspirou - E estão à espera que os recebas.
- Então é casado...
- Pois... uma pena!

Clara saiu deixando a porta entreaberta. Ana sorria, Clara apenas teve um namorado e a relação não durou. Não costumava ficar encantada com os homens! De carácter tímido, tinha alguma dificuldade em relacionar-se com o sexo oposto.

- Façam favor. - Clara abriu a porta totalmente para ceder passagem aos novos clientes.

Ao ouvir a voz de Clara, calçou rapidamente os sapatos e colocou o seu melhor sorriso, sorriso que morreu nos seus lábios ao ver quem era o casal.

- Ana, a Anette e... desculpe mas não me disse o seu nome! - Clara falou directamente para o homem que olhava fixamente Ana.

As pernas de Ana ameaçaram ceder. A sua cabeça começou a latejar. Como podia ir até ali procurar os serviços dela?! E olhá-la daquela maneira!? Agia como... como se não se tivesse passado nada entre eles! Era preciso desplante apresentar-se ali com a esposa!

- Steve! - A voz de Ana juntou-se à dele.
- Já nos conhecemos. - Steve continuou. - Tens praticado o teu desporto favorito?!

Ana sabia que ele estava a referir-se à sua queda. Sentiu as suas faces ficarem vermelhas ao recordar, mas depressa se recompôs. Afinal a esposa dele estava ali e não merecia tal falta de respeito!

- Não, digamos que não gostei da experiência. - Se ele podia mostrar que estava à vontade ela também! - Precisam dos meus serviços?! - Deu a conversa por terminada e tentou ser o mais profissional que os seus nervos deixavam.
- Ana é a melhor decoradora. - Falava para a esposa que olhava divertida para ela, Ana não percebia como podia estar tão calma diante da que foi amante do marido! Talvez não se importa-se, talvez o dinheiro justifica-se qualquer sacrifício!
- Tenho de concordar, sou uma das melhores! - Precisava de dizer algo, sentia-se nervosa - Têm algo em mente?! Ou querem ajuda?
- Tenho uma casa já à algum tempo, não está abandonada, apenas um pouco descuidada. Já tratei dessa parte. - Disse rapidamente perante o olhar inquiridor dela - Mas Anette está indecisa quanto à decoração.
- Estou um pouco, mas Steve diz que posso confiar em si. E Clara, não é?! - Olhou para ela esperando a confirmação - Clara mostrou-me fotografias dos seus trabalhos. Gostei muito do que vi. - Anette fez uma pausa antes de se sentar numa das cadeiras em frente dela - Ultimamente as coisas estão... - Fez uma nova pausa, rodou a aliança no dedo ao mesmo tempo que Steve lhe agarrava a mão - um pouco complicadas, não disponho de muito tempo e Steve pensou em contratá-la. Clara disse que estava disponível, gostaria muito de contar consigo para a decoração da casa.
- Se Clara já disse que sim... -Ia mata-la! Tinha logo de aceitar trabalhar para ele?! Decorar a casa onde ele iria beijar e abraçar outra mulher?! Afastou aqueles pensamentos - Podemos marcar para... deixe verificar. - Abriu a agenda - Tenho duas horas livres no sábado de manhã, pode ser?!
- Sábado?! -Anette olhou para Steve que se mantinha em silêncio - Tu não estás de serviço?
- Sim. Mas Ana vai ajudar-te. Não vais?! - Ela sentiu que a pergunta tinha dois significados, embora não percebe-se qual era o outro.
- Claro, é para isso que me pagam! - Tinha de deixar bem claro que o seu envolvimento era apenas profissional e nada mais além disso! - Preciso que preencham a ficha de cliente, Clara pode tratar disso. Ou já preencheram?
- Não. Vamos fazer isso. Obrigada, vemos-nos no sábado.
- Até sábado então. - Ana aceitou a mão que Anette lhe estendia, pode constatar que tinha as mãos ásperas, como se trabalhasse com elas. Aquilo deixou-a desconcertada! Não estava à espera que a mulher dele tivesse as mãos ásperas.

Steve colocou o braço por cima do ombro de Anette e segredou-lhe algo ao ouvido ao mesmo tempo que lhe dava um beijo na face. Aquele gesto deixou-a cheia de ciumes, o carinho que tinham era palpável. Algo que ela nunca iria ter na vida. Arrependeu-se de ter dormido com ele, estava nos olhos deles que se amavam!
Quando a porta se fechou atrás deles, deixou-se cair na cadeira. Estava exausta física e psicologicamente! O esforço que fez para manter a compostura foi enorme e ter de estar com eles vários dias, até terminar o trabalho ia ser esgotante! Tinha de ser forte, os ciumes deram lugar a um sentimento menos nobre!

Como estava de olhos fechados, quando ouviu a porta abrir-se e fechar-se imediatamente, pensou ser Clara, mas deu um salto quando a voz dele se fez ouvir.

- Tens algum problema em trabalhar para mim?
- Claro que não! Porque haveria de ter? - Ana tentou mostrar indiferença.
- Não sei. - Steve aproximou-se lentamente de olhos semicerrados, como se quisesse ler os seus pensamentos - Talvez por causa do que se passou entre nós.
- Dizes bem. Passou, é passado. - Ana fingiu estar a procurar algo para não o olhar nos olhos, estava perto, demasiado perto.
- Isso quer dizer que se te tocar assim - A mão dele roçou levemente o pescoço dela, instintivamente ela fechou os olhos e mordeu o lábio - ou assim - A mão subiu até à sua nuca - não sentes nada?!
- Não! - Mas a sua voz soou tremida, até a ela lhe soou falsa.
- Sei... acho que vou averiguar isso. - E beijou-a sem lhe dar tempo de reagir.

A sua boca reconheceu a dele e abriu-se ligeiramente para o receber. Os seus braços ganharam vida e enroscaram-se no pescoço dele. Quando sentiu a língua dele na sua boca, os sinais de alarme dispararam. Que estava a fazer?! A esposa dele estava ali ao lado?! Como podia permitir que a beijasse?! Como podiam fazer aquilo à esposa?! Com estes pensamentos a povoarem-lhe a cabeça afastou-o!

- Pára! Estás louco?! Como podes...
- Beijar-te?!
- Sim!
- Não parecias muito incomodada no...

Clara entrou nesse momento interrompendo a discussão deles.

- Desculpem. - Clara olhou para Ana e depois para Steve  - Anette queria falar contigo sobre um quadro que está no catalogo.
- Claro, vou já.

Ana saiu seguida de Clara. Não olhou para trás a confirmar se ele as seguia, apenas queria que a sua face não estivesse vermelha de vergonha! Anette olhava encantada a imagem do quadro que Ana comprou na loja de antiguidades, um dia depois de descobrir que ele estava com outra mulher, que estava precisamente com ela! Ana reservou o quadro para eles. Doeu-lhe perceber que Anette tinha os mesmos gostos que ela. E não apenas no que dizia respeito ao quadro!

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