sexta-feira, 30 de setembro de 2016

DESTINOS CRUZADOS 9ª PARTE




O registo de nascimento de Caterine foi um problema, Su não queria dizer o nome do pai, e assim não queriam registar a menina. Com a ajuda preciosa do Dr Ree, e de um amigo juiz, que se ofereceu para fazer o registo pessoalmente, conseguiu registar a filha, mantendo o nome do pai, no máximo anonimato possível.

Caterine tinha herdado os olhos negros do pai e os traços fortes, o temperamento esse era dela, bem, uma mistura. O seu humor variava imenso, ora estava feliz ora começava a chorar. Mas a boca era parecida com a dela.
Ela, que alimentara a ideia de esquecer Michel depois do nascimento da filha, percebeu que bastava a filha sorrir, para as recordações estarem mais vivas que nunca. Restava-lhe a esperança, que o tempo faria doces essas recordações, recordações que não lhe davam descanso durante as noites.

Su continuava a trabalhar como tradutora, embora sentisse saudades do seu anterior trabalho. Mas queria cuidar de Caterine até fazer pelo menos um ano e meio, e tinha apenas oito meses. Contava com a ajuda de Rita, e nos dias seguintes ia ser uma ajuda preciosa, tinha de viajar e não podia levar Caterine.

Pensar que dentro de dias ia se ausentar por dois dias, deixava-a nervosa. Nunca se tinha afastado da filha. Mas a secretária do Dr Ree estava doente e ele precisava de ajuda em Madrid, seriam apenas dois dias...

Depois de explicar tudo pela milésima vez, subiu para o táxi, as lágrimas brilhavam nos seus olhos verdes. No avião começou a rever a agenda e encontrou tempo para traduzir uns documentos. O Dr. Ree adormecera mal o avião levantou voo. Soube depois que ele tomava uns comprimidos para dormir, pois tinha pavor de voar.

Aterraram no aeroporto de Barajas, pelo caminho até ao hotel passaram pela Puerta de Alcalá, mas ficou fascinada pela arquitectura do Palácio de Cibeles que serve de sede do ayuntamiento, o mesmo que a câmara municipal.
Passaram o resto da manhã e parte da tarde em reuniões, mas depois consegui ter algum tempo para ver o Museu do Prado, ali encontrou arte italiana, flamenga e espanhola. Declinando o convite do Dr Ree para jantar preferiu passear na calle de Alcalá e terminou na praça de Espanha, onde foi ao cinema e comprou recordações para Rita.

Durante a viagem de regresso adormeceu também, acordou com o abanar do avião ao descer. Já no táxi,não parou de falar das imensas saudades que tinha da filha, da vontade que tinha de a abraçar e beijar. O Dr Ree apenas sorria, ela perguntava-se se ele não teria filhos, ou netos algures!

Caterine dormia e Rita esperava por ela, tinha chegado uma carta de Itália, a alegria que estava estampada no seu rosto desapareceu. Não tinha remetente, apenas o seu nome... Hesitou em abri-la, e se fosse dele?! Que queria dela?! Teria descoberto que tinha uma filha?! Com mãos trémulas abriu o envelope, pouco a pouco o sorriso voltou ao seu rosto. A carta era de Michel e Nina, queriam saber da bebé. O filho tinha feito chegar até eles a carta que ela lhe enviou, juntamente com uma fotografia de Caterine ainda na maternidade, e juntaram um bilhete de avião, para os visitar em Nápoles, Itália. Ainda faltavam três semanas. Seria uma viagem divertida para fazer com Caterine. Mas corria o risco de se cruzar com Michel, e isso não podia acontecer. Escreveu a Nina a agradecer a amabilidade, e a comunicar que se pudesse iria.

Os dias iam passando e Caterine, com apenas dez meses começou a andar, e já balbuciava umas palavras sem sentido. O cabelo, embora ondulado como o dela, era negro como o dele. Era impossível olhar para a filha e não ver que estava cada dia mais parecida com o pai, e magoava-a saber que o tinha privado, de acompanhar o desenvolvimento da filha. Mas que alternativa lhe restava? Nunca se perdoaria se fosse a causa do fim de um casamento! E dos sonhos de Lia!

À muito que visitava a campa dos pais de Timy, quando ia visitar a da avó. Geralmente, quando regressava a casa levava sempre um nó no peito. Mas nesse dia era diferente, talvez pela viagem que ia fazer no dia seguinte, ao aperto insistente que começou ao inicio do dia e se prolongou por todo o dia,  juntou-se o latejar da enxaqueca. O ar fresco do inicio da noite, não conseguiu aliviar a dor, entrou na capela e colocou os ramos de flores no banco e deixou-se ficar, de olhos fechados por uns instantes. Uma rajada de vento fez bater a janela meio aberta, abriu os olhos, estava a demorar-se. apanhou as flores e dirigiu-se à campa dos pais de Timy, em cima da pedra estavam umas flores frescas!
De repente olhou a data. Fazia dois anos que o amigo tinha falecido! Michel estava de volta! As flores caíram das suas mãos, apanhou-as com cuidado e depositou-as junto às outras. Pouco depois estava de volta a casa. Precisava de saber se ele estava de volta. E quem melhor que Rita, para a esclarecer?! O que os ricos e famosos faziam, onde iam, com quem estavam, era o passatempo preferido dela.
Mas não precisou de perguntar, ele próprio estivera ali, na sua casa.

- Ele... ele viu-a?! - O rosto de Su ficou branco.
- Não, estava a dormir. Mas perguntou por ti.
- Que queria? - As mãos tremiam, a sua cabeça parecia rebentar, e o seu coração parecia querer sair do peito.
- Não disse, mas ficou por uns minutos sentado no carro. Acho que desconfiou.
- De quê? Que lhe disseste?
- Que não estavas, que te tinhas mudado e que não sabia de ti.
- Mas porquê?!
- Ai! Mau! Queres afasta-lo ou não?! Já não te percebo!
- Sim quero, mas não...  Deixa. Tens razão. Ainda bem que amanhã vou para Itália. Se ele está cá, lá é o melhor lugar do mundo para estar.

Nessa noite, demorou mais que o habitual para adormecer. Não conseguia afastar, a imagem dele da sua cabeça. Abraçou a almofada e deixou-se ficar a olhar a escuridão da noite. Chorara tantas noites por ele, que achava que tinha esgotado as lágrimas. Mas sentia uma dor tão profunda, que parecia que o coração estava partido em mil pedaços. Tinha regressado, para prestar homenagem ao amigo, mas porque a tinha procurado?! Continuava sem compreender as atitudes dele.

Acordou com o choro da filha, Caterine estava com fome. Desde que aprendeu a andar, comia muito mais. Algumas crianças ainda gatinham por uns meses, outros alternam o gatinhar com o andar, mas ela não, assim que deu os primeiros passos não sossegou. Ainda caia algumas vezes, mas mal se sentava no chão, agarrava-se ao que estivesse mais perto e levantava-se para seguir até onde queria chegar. A teimosia era a sua característica mais marcante. A madrinha dizia que não era teimosia, era perseverança.
Depois de dar banho e Caterine deixou-a com Rita e foi vestir-se e acabar as malas. A amiga ia deixá-las no aeroporto, estava ansiosa, era a sua primeira viagem a Itália. Michel e Nina estariam à sua espera no aeroporto de Nápoles.

A viagem foi rapidíssima, Caterine dormiu praticamente todo o percurso. Uma das hospedeiras ajudou-a a levar a mala de mão. Felizmente Nina e Michel estavam já à sua espera. Michel deixou-as a adorar a pequena Caterine e foi recolher as malas dela. Caterine fez a viagem até casa deles ao colo de Nina, que sentia saudades do tempo em que os netos eram assim pequeninos.

A casa de Nina e Michel era uma vivenda antiga mas bem conservada, soube que era dos pais de Nina que a tinham herdado também, já estava na família à várias gerações, entraram pelo jardim, que estava bem cuidado, as flores misturavam-se, nas mais variadas cores e variedades. A vivenda de um só piso era enorme, Nina tinha duas empregadas mas gostava de ser ela a cuidar da comida e de fazer jardinagem, actividade que partilhava com Michel desde que este se reformara.  Descasaram o resto do dia, Caterine parecia conhecer Nina e Michel desde sempre, adorava passear com Michel, e este estava sempre disponível para andar com ela pelo jardim. Nina gostava de lhe dar banho e vesti-la. Já tinha prometido comprar-lhe um vestido lindo, com um laço enorme e com borboletas.
Nos dias seguintes visitaram o Castelo Sant´Elmo,  adorou conhecer a antiga fortaleza, pode ver que dali tinha vista privilegiada sobre a cidade e o Vesúvio. A capela Sansevero, um dos mais importantes museus da cidade, onde  pode apreciar a beleza do escultura de Giuseppe Sanmartino , Cristo Velato.
O teatro San Carlo era simplesmente fabuloso, na praça do Plesbicito pode ver a basílica real San Francesco de Paola, mas ela perdia-se na Lungomare, uma das mais belas avenidas que ela já tinha visto. Passeava ali todos os fins de tarde com Nina e Caterine para verem o por do sol.

Na segunda semana Michel trouxe uma novidade, estavam convidados para uma festa. Su prontificou-se em ficar com Caterine em casa mas Nina não consentiu. A anfitriã sabia que eles tinham visitas e o convite incluía-as a elas.
Depois do jantar Nina trouxe a Su um vestido, que era da nora, era comprido todo preto, tipo cai-cai. O tecido de seda caía fluido sobre as suas pernas. Su gostou do toque na sua pele, lembrou-lhe o toque de Michel naquela noite... As lágrimas que ela pensava estarem esgotadas afloraram...

- Oh minha querida. Não precisas de ficar assim.
- Desculpe... não sei...
- Mas eu sei. É muito difícil cuidar de uma criança, e muito mais... - Nina abraçou-a e beijou-lhe as faces -  Agora sou eu que peço desculpas, estou a intrometer-me.
- Não, têm sido tão bons para mim. E no entanto... nunca lhe contei...
- Isso não interessa - Fez sinal para que se cala-se -  Vejo que ainda te doí, quando estiveres preparada, e se quiseres contarás. Olha, que dizes?! - Nina mostrou-lhe um vestido branco com um laço enorme e umas borboletas bordadas - Caterine ficará uma linda nele, não achas?

A tristeza acabou por abandonar os olhos de Su, que se entregou à conversa sobre a festa, estavam tão absorvidas na conversa que não deram pelas horas passar.

A noite da festa tinha chegado, Su apanhou o cabelo ao alto e vestiu o vestido. Era lindíssimo, e ficava-lhe muito bem. Caterine estava linda no seu vestido novo, o cabelo caído aos cachos emoldurava o doce rosto da filha. Nina usava um conjunto de saia e casaco em castanho e uma camisa branca com um enorme laço atado ao pescoço. Michel estava muito elegante no seu fato azul marinho com gravata azul às riscas.

- Sinto-me um vagabundo no meio de tanta beleza. - Michel deu um beijo na face de Nina - Vamos, senhoras?!

Quando chegaram à festa, Su sentiu-se um pato fora de água. Mulheres elegantemente vestidas, acompanhadas por homens igualmente bem vestidos. Nina notou a sua incerteza e deu-lhe o braço.

- Não mostres que te sentes inferior. Porque não és! És uma jovem linda. Não deixes que te digam o contrário. - Nina sorriu-lhe -Não te conhecem, até podes dizer que és filha de um milionário.
- E de que país?!
- Ora do que quiseres! Que te parece Timbuktu?

Aquela ideia fez sorrir Su, para sua surpresa os homens olhavam para ela quando passava, alguns até sorriam.  Andou pela sala com Nina e Michel, que não largava Caterine. De repente Nina parou...

- Aqui está ela, a minha menina. - A mulher voltou-se ao ouvir a voz de Nina, Su não queria acreditar, era Lia!
- Suzane?! - A expressão de Lia não deixava transparecer o que sentia.
- Já se conhecem?! - Nina olhava ora para Lia ora para ela.
- Cruzamos-nos brevemente. Como estás?! - Lia olhava para Caterine no colo de Michel.
-Bem, obrigada. - Tentou parecer o mais natural possível, embora o seu coração estivesse descontrolado, e se ela reconhece-se as parecenças em Caterine?!
- Estás a dever-me uma visita. - Lia voltou-se para Nina, parecia não notar as semelhanças - Não voltas-te para me ver.
- Desculpa, mas sabes como é, com o marido em casa...
- Isso, deitem as culpas no homem. Vês isto Caterine?! - Michel colocou a menina no chão - Anda, vamos ver os patos, ali ninguém deita a culpa em nós!

 Michel deu a mão a Caterine e com a paciência que só um avó tem, foram dando pequenos passos por entre as pessoas. Su ficou a vê-los sair em direcção ao jardim, desejando ir com eles. Mas não tinha como fugir.  Agora, restava enfrentar Lia.
 Que lhe diria?! E ela?! Que desculpa daria para a sua súbita partida?!

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