Durante uma semana não fui à pastelaria, nem a qualquer sítio onde estivemos juntos, queria recompor-me, mentalizar-me que nunca mais o veria.
Já me tinha decidido, não queria estar com outro homem, viveria da recordação daquela noite, passaria a viver num mundo só meu, um mundo que apenas eu sabia que existia.
Uma tarde depois do trabalho, fui com uma colega beber café à pastelaria, a Dona Rosa tinha uma carta para mim. Fiquei olhando o envelope, apenas tinha o meu nome, não era preciso nada mais, sabia que era dele. Guardei-a na mala, se demora-se muito Laura podia fazer perguntas, para às quais eu não queria responder. Beberiquei o meu café e tentei, em vão, prestar atenção a Laura. Comecei a ficar agitada, não via a hora de sair dali, queria saber o que me escrevera. Finalmente Laura quis deixar a pastelaria, depois de me despedir dela fui para casa e fechei-me no meu quarto. Não abri a carta imediatamente. Fiquei sentada na cama com a carta ao lado, não sei bem o que senti. Finalmente abri-a, confesso que tive de a recomeçar vezes sem fim. As lágrimas toldavam-me a vista. E li-a tantas vezes ao longo dos anos, até que se desfez de tão húmida que estava. Mas se fechar os olhos ainda a vejo à minha frente, como se ainda existisse...
Cara mia
Não sabes a tristeza que me invadiu ao chegar ao quarto e ver que tinhas partido esta manhã. Procurei-te na pastelaria, a Dona Rosa desconhece onde moras, quero acreditar que não me enganou. Como tenho de voltar, resta-me escrever-te. Para o mês que vem volto a Portugal, e espero que nessa altura me acompanhes na viagem de volta.
Não vou desistir de ti, assim como não desisti à três anos atrás.
Recordo a primeira vez que te vi, estavas com um homem alto, magro, junto à entrada da escola, fiquei rendido aos teus olhos e à cascata castanha que caia sobre os teus ombros.
Pensei que fosses professora recém formada, as poucas vezes que te vi, estavas sempre acompanhada por pessoas mais velhas, se soubesse que tinhas apenas 15 anos, não me tinha aproximado. Espero que acredites nisso. Se soubesse antes, tinha regressado a casa mais cedo, ficaria afastado esperando, pois mesmo antes de te beijar, já estava apaixonado, que podia fazer naquela altura?!
Eu que não acreditava em amor à primeira vista, estava perdidamente apaixonado por ti. Quando me disseste a tua idade, senti-me cair num abismo. Pela primeira vez, fiquei sem saber que fazer!
Vi em ti uma mulher, não uma adolescente! Nunca me senti tão velho, como naquele dia. Não penses que fugi, apenas quis dar-te tempo para que crescesses, e para que percebesses se me amavas como eu. Não parti por seres mais nova, parti porque tive medo, medo que para ti eu fosse apenas uma paixoneta de adolescente.
Tu estavas a crescer, e não tinha a certeza se me amavas. Nestes anos afastado de ti, nunca deixei de te amar. Continuas-te a invadir os meus sonhos. Pensar que me podias amar, deu-me força para me manter afastado até chegar a hora de voltar, e nem nos meus melhores sonhos imaginei que quando nos reencontrássemos, passarias a noite nos meus braços. Agora sei, embora não o ouvisse da tua boca, sei que me amas. Tenho tanta coisa para te dizer. Mas isso fica para quando nos voltar-mos a encontrar
Como te disse, volto para o mês que vem, simplesmente para te levar comigo.
Espero por ti, no mesmo sítio.
Aquele que te irá amar toda a vida.
Luca
Quando terminei, as lágrimas caíam em cascata. Que fazia?! Ia com ele?! Abandonava a minha família?! Tinha um mês para pensar, mas pensar o quê?! Nessa hora percebi que tinha tomado a minha decisão. Amava-o, e se ele me amava, que importava o resto? Sem pensar mais, coloquei umas roupas numa mala e escondi-a no fundo do roupeiro. Quando chega-se a hora estava pronta, bastava anunciar que estava de partida e saía porta fora, assim a tua avó não me podia impedir. Engraçado como mesmo já adulta ela tinha poder sobre mim! Sabia que não tinha forças para a enfrentar, restava-me fugir e ser feliz. Vivi nessa ilusão por uns dias.
Foram apenas dias, porque dias depois uma vizinha, que tinha casado à uns meses, voltou cheia de nódoas negras. Ficámos todos admirados, o rapaz era conhecido da família, crescera ali no bairro! Como era possível tal coisa? A tua bisavó rezou toda a tarde. Quando acabámos de jantar, ela disse com ar muito solene.
- Nunca conhecemos um homem verdadeiramente até dividir-mos a mesma cama.
Fiquei a pensar naquilo, conhecia a Bia e o Zé desde sempre, como era possível ele esconder as tendências violentas dele?! Namoraram-se por quatro anos e nunca se comentou a mínima coisa sobre eles.
Nessa noite tive pesadelos, e se Luca fosse assim?! Não sabia absolutamente nada dele. Se Zé, que morava ali ao lado, conseguiu esconder isso de tanta gente, para Luca isso seria bem mais fácil. O medo começou a instalar-se na minha cabeça e no meu coração.
Na manhã seguinte desfiz a mala e guardei a carta na última página de um livro. Todos os dias, desse mês, li a carta e várias vezes comecei a fazer a mala, mas acabei sempre por a desfazer.
Escusado será dizer que não fui. No dia que ele voltou a portugal eu saí da cidade. Fiz a viagem até à capital sempre a chorar, podia estar a cometer um erro, mas se ele não era como eu o imaginava, o que faria num país onde não tinha ninguém?! Lá estaria longe de toda a minha família.
Com medo, nem sei de quê, aceitei um emprego em Lisboa e só voltei à terra meses depois, e por poucos dias.
Quando cheguei fui ao nosso sítio, este estava mudado, tinham abatido algumas árvores para fazerem a estrada até ao supermercado. O lugar perdeu a magia que eu lhe via até ali, fui visitar a Dona Rosa, sempre foi uma pessoa muito querida comigo. A pastelaria estava praticamente vazia, tirou dois cafés e sentou-se comigo numa mesa.
- Esteve aqui.
- Quem?!
- Luca. Esperou por ti até que fechei a pastelaria.
Fiquei sem saber que dizer, ele esperou todo o dia! Devia de ter ficado, dizer-lhe que não ia, era melhor que partir sem dar uma explicação.
- Sim?!
- Combinaram encontrar-se aqui?
- Não.
- Estranho. Fiquei com essa sensação. Eu vi o vosso amor crescer, tinha esperança...
Dona Rosa calou-se e sorriu antes de se levantar. Deixei a pastelaria com um enorme peso no coração, tinha pensado o pior dele, e nem lhe dera o beneficio da dúvida. Ele tinha-me tratado como uma mulher quando tinha dezassete anos e eu aos vinte agira como uma criança. No fundo do meu coração sabia que ele seria incapaz de me magoar, mas preferi deixar o medo dominar-me. Permiti que se intromete-se na nossa felicidade. Se era infeliz a culpa era apenas minha. Se se pudesse morrer de arrependimento, à muito que não existia. Não passa um dia sequer em que eu não pense nele, foi e será sempre o amor da minha vida. Não o maior, porque esse és tu.
Quando fiz vinte cinco anos conheci o teu pai, e dois anos depois casámos. Ele dava-me a segurança que eu precisava, não fui feliz ao seu lado, nem infeliz, fui vivendo dia a dia. Depois de nasceres conheci o maior amor que existe, foi por ti que voltei a sorrir. Vivi a tua felicidade como se fosse a minha. Não quero iludir-te e dizer que amava o teu pai, não, mas respeitava-o. Mesmo quando ele procurava outras mulheres. Eu via isso como forma de me castigar, por não ter coragem de seguir o meu coração. Por não ter coragem de seguir um sonho.
Não me iludo, não há um dia em que não pense em Luca. Agora que as noites são mais compridas e a solidão se abate sobre mim, dou por mim a pensar, e se...
Por isso é que te eduquei assim, dando-te livre arbítrio para escolheres o teu caminho. Encorajei-te a lutar por aquilo que querias, sem que a opinião de terceiros pesasse na tua decisão. Não queria que olhasses para trás e visses o mesmo que eu, um passado cheio de ses...
Ouve quem te ama, mas decide tu aquilo que queres, para que um dia ao olhares para o teu passado, não sintas que alguém te impediu de viver, ou que por medo não fizeste o que querias.
Porque, mais triste que não viver porque não te deixaram, é não viver porque tiveste medo de te magoar.
Esta que sempre te amará
Tua mãe
Sem comentários:
Enviar um comentário