quarta-feira, 26 de outubro de 2016

AS COISAS QUE NUNCA TE CONTEI 6ª PARTE



O calor que emanava do braço dele estendia-se pelas minhas costas, terminando na minha cintura semi coberta pela mão dele. Olhei a minha mão que repousava em cima do peito dele, podia sentir o bater do seu coração, instintivamente acaricie o peito largo, ouvi-o suspirar antes de me beijar os cabelos.

- Voltámos a fazer o mesmo.
- Voltámos?!
- Sim, começamos a falar, fazemos amor e acabamos sem dizer o que é essencial.
- Pois...

Voltou a beijar-me nos cabelos e depois na boca.

- É melhor vestirmos-nos. Não se consegue ter uma conversa decente quando as partes interessadas estão nuas. E ainda temos de voltar ao navio, vais apanhar as tuas coisas.
- As minhas coisas?!
- Sim, ficas comigo.
- Não posso, que dirão as pessoas?
- O que quiserem. Não podes viver, consoante o que os demais dizem ou pensam de ti.
- Para ti é fácil, não tens de os encarar no dia seguinte.
- Nem tu, e não vejo porque te importas com isso.
- Porque não gosto que falem de mim.
- Eles que se danem! Amo-te, e tu dizes que nunca deixas-te de me amar.
- Mas não somos mais adolescentes.
- Quando estou contigo acho que sou. Não consigo estar com outra mulher sem pensar em ti. Invadiste o meu coração e a minha mente. Amo-te, tanto ou mais que quando te conheci. Sim, tive outras mulheres, casei, mas nada me fez esquecer-te. E eu tentei.
- Se a ideia é tranquilizar-me, não estás a conseguir. O meu marido teve imensas amantes, das quais não se lembrava o nome, mas que o faziam sair praticamente todas as noites. Junta às mulheres a bebida e tens o casamento perfeito!
- Lamento que tenhas passado por isso. Porque não o deixas-te?! Devias, assim como devias de me ter procurado. Cuidaria da tua filha como se fosse minha.

Fiquei a olhá-lo, tentei ver nos seus olhos se estava a ser sincero, parou de vestir a camisa e sentou-se a meu lado no sofá. Agarrou as minhas mão e olhou-me nos olhos, como se percebe-se que eu precisava de ver a resposta espelhada neles.

- Trocava um dom Juan português por um italiano insaciável.
- Nunca traí a minha ex-mulher, e nunca te vou trair. És a única mulher que amo, quero passar o resto dos meus dias contigo. Apenas procurava companhia feminina ocasionalmente.
- Prostitutas?!
- Claro que não! Nunca paguei a uma mulher! Porque estamos a falar disto?! Tu tiveste homens, eu tive mulheres...
- Os únicos homens que tive foste tu e o meu marido.
- E espero que continue assim.

Por uns minutos fiquei a pensar nele e nas mulheres que teve, doía-me pensar que teve algumas, ocasionais ou não, dividiu a cama com elas!  Limpei uma lágrima traiçoeira, não queria chorar.

- Passou muito tempo, como podes ter a certeza que ainda me amas, que não é um capricho por te ter deixado?
- E tu como podes pedir-me que não duvide do teu amor?! Dizias que me amavas, mas não quiseste partir comigo, agora dizes que ainda me amas, mas não estás disposta a ficar!
- Agora tenho uma filha.
- Eu sei, e imagino que seja adulta, caso contrário não fazias esta viagem.
- Ela não vai aceitar, amava o pai. Não vai permitir que coloque outro no lugar dele.
- Não penso deixar-te ir, nem penso afastar-me. Amo-te demais. Depois de me conhecer...
- Desculpa, mas não lhe posso fazer isso...
- Certamente quer que sejas feliz. Não sabe como era o pai?
- Sabe algumas coisas.

Luca levantou-se, deixando-me sozinha no sofá. Observei-o enquanto acabou de vestir a camisa, ficando de costas para mim.

- Se soubesse que quando ficasses sozinha ias desaparecer... Porque não vieste?!
- Tive medo, não sabia absolutamente nada de ti.
- Sabias que te amava. Não te bastava?
- Quando estava contigo sim, mas quando estava sozinha tinha dúvidas e deixei instalar o medo. Tinha a mala pronta para partir contigo, era o que mais queria, mas nessa semana, uma rapariga que conhecia, regressou para casa dos pais, foi espancada pelo marido. Ela andou comigo à escola, e ele cresceu ali, na mesma rua que eu! Aquela situação fez-me pensar, se não consegui ver o que estava à minha frente, como podia ter a certeza que tu eras o homem que eu imaginava? Eu não te conhecia, e se não fosses o que aparentavas?! Que fazia, numa terra onde não conheço ninguém?! Depois de sair de casa, os meus pais não me aceitariam de volta.
- Não sei o que me doí mais,  pensares que te podia maltratar, ou o facto de não me conheceres?
- Desculpa.
- Ainda pensas assim?
- Não, claro que não. Não passou um dia sem me arrepender de não ter vindo contigo. - Baixei a cabeça e fechei os olhos, afastando as lágrimas, antes de continuar - Abandonei a escola depois da tua partida, e fui para Lisboa, onde moro até hoje. Os anos passaram, os meus pais estavam a ficar velhos, e começou a ficar muito difícil arranjar emprego. Falei com a minha mãe, coloquei a hipótese de voltar, ela não disse que não me queria de volta, apenas que estava na idade de casar. Disse-lhe que não estava apaixonada, ao que respondeu que deixa-se de ser criança, e de sonhar com o príncipe encantado, o amor chegaria depois, que quando se têm comida na mesa e um tecto, o amor acaba por chegar, que a segurança de um lar é a única coisa que conta. Convenci-me disso, e casei anos depois, nunca fui feliz, esperava um dia olhar para ele e sentir algo mais que carinho. Mas com as amantes, o carinho que lhe tinha foi-se gastando ao longo dos anos, restou apenas a indiferença. Muitas vezes pensei desistir de tudo, mas tinha a minha filha, ela veio dar-me alento para seguir em frente. Fui ficando, por ela, ali estava tudo controlado, tinha a segurança necessária, mas a segurança acabou por se transformar numa espécie de prisão e o amor esse nunca chegou. Como podia chegar?  Para se amar é preciso coração, e eu já te tinha entregue o meu.
- Cara mia. Te amo cosi tanto, ma tantissimo.

Abraçamos-nos, e por uns instantes voltei ao tempo, em que corria para a pastelaria sem pensar em mais nada. Naquele tempo ele sussurrava-me palavras em italiano, que depois me traduzia entre beijos. Estava perdida em recordações nos braços dele, mas ele me afastou depois de um breve beijo.

- Estava num barco no porto quando te vi andar na praia, pensei que era mais uma partida da minha mente. Mas estava hipnotizado, continuei a olhar para ti, vi como conversavas com o velho Luigi, tinha dúvidas, já não tinhas o cabelo comprido que eu tanto adorava, mas algo me era familiar, o que me fez manter a esperança. Esperei anos que voltasses a Positano, e agora estavas ali?!  Não podia ser. Estaria o destino a brincar comigo?  Apanhei os binóculos e observei-te, vi-te subir a escadaria, quando tiras-te os óculos de sol e olhas-te o céu, e vi os teus olhos percebi que só podias ser tu! O destino não estava a brincar comigo, tinha-te trazido até mim. Vi que ficas-te surpreendida ao ver-me.
- Não esperava encontrar-te aqui. Pensei que morasses em Positano.
- Sim, mudei-me para cá quando me separei.

Vi-o andar na sala por uns instantes em silêncio. Apanhou um copo e serviu-se de uma bebida que bebeu de um gole.

- Durante uns anos ainda fui a Portugal, duas vezes por ano. Apenas pensava em encontrar-te. Até que um dia percebi,  insistia em viver num tempo que já não existia. Quando me mentalizei que nunca mais te teria, comecei a sair com uma ex-namorada. Completava-me sexualmente. Para mim bastava, se não podia casar com a mulher que amava, era preferível estar com uma que me acalmava o desejo, que andar saltando de cama em cama. Mas até nisso o destino brincou comigo, meses depois e desejo acabou, passava o tempo a pensar em ti, não me sentia completo. Concordámos com o divorcio.
- Foste tu ou ela?
- Eu comecei a falar nisso, mas acho que ela também pensou o mesmo. Não era justo o que lhe estava a fazer, estava a usa-la para te esquecer e não conseguia. Somos amigos desde a faculdade, era melhor acabar enquanto existia alguma amizade.
- E continuaram amigos?
- Gostava de pensar que sim, mas algo mudou. Não a condeno, eu não gostaria que me usassem. Bem, isso pertence ao passado. Vamos jantar? Lembras-te de te falar da Pasta da Paola?
- Sim.
- É um bom sítio para começar a noite.
- Mas depois tenho de voltar... - Luca beijou-me, deixando-me sem ar.
- Responde-me, amas-me?
- Sim.
- Queres estar comigo? E não penses no que os demais querem ou dizem, que queres tu?
- Quero estar aqui, contigo.
- Óptimo. Vamos.

Levou-me até ao porto e aguardou no carro enquanto eu ia falar com o capitão, e arrumar as minhas coisas.

- Eu não lhe disse que se não tivesse cuidado, um italiano ia roubar esse olhar?

Sorri-lhe e entrei na cabine. Arrumei as poucas roupas, antes de sair tinha de escrever no meu diário de viagem, li o que tinha escrito essa manhã.

Dia 10 - Vamos descer, regressarei com coisas novas para contar.
 Estou de volta, quando desci esta manhã esperava surpresas, mas nunca uma que me fizesse tão feliz e ao mesmo tempo me deixa-se tão apreensiva, encontrei Luca, tudo o que sentia voltou, como se nunca nos tivéssemos separado. Ele quer que fique, e eu quero ficar, mas que direi à minha filha?

Uma batida na porta interrompeu o meu relato.

- Sim?!
- Desculpe, mas deixou-me preocupado. Principalmente depois da nossa conversa desta manhã. Fiquei com a ideia que não era como as demais mulheres...
- Era mais fácil se fosse direito ao assunto.

O capitão olhou lá para fora, antes de falar.

- Vai de livre vontade? Não está a ser obrigada? Se está a ser coagida de alguma...
- Obrigada pela preocupação. Estou a ir de livre vontade, não se vai livrar de mim com facilidade, apenas vou ficar com um amigo por uns dias, espero juntar-me a vocês no último porto e voltar convosco.
- Então, é apenas o reencontro de dois amigos.
- Sim, um reencontro inesperado.
- Sendo assim, fico feliz por ter ajudado a que se encontrassem.

O capitão acompanhou-me até à escada e acenou para Luca que esperava fora do carro.

- Então até daqui a dez dias.
- Até então. Obrigada.

Desci a escada e juntei-me a Luca.

- Se demorasses mais ia buscar-te.
- Prometi que regressava a casa com eles. - Disse-o rapidamente antes que muda-se de ideias.
- Porque disseste isso?

Travou o carro abruptamente, o que fez com que eu bate-se com a cabeça no vidro.

- Porque tenho uma filha. Nunca disse que ia ficar para sempre, vou ficar estes dias depois vou regressar a casa.
- E nós?! Vais desistir de nós novamente?
- Não estou a desistir. Amo-te a pontos de enlouquecer, mas amo muito mais a minha filha, ela está em primeiro lugar. Por favor, não me faças escolher! Vamos aproveitar estes dez dias, que o destino tão gentilmente nos ofereceu.
- Dez dias! Apenas dez dias...

Ouvi-o murmurar algo em italiano, continuou a viagem e não voltou a falar no assunto.

Depois de comer a melhor pasta do mundo, levou-me a passear pela praia sob o céu estrelado. Ao longe ouvia-se o som de música, Luca fez uma vénia e agarrou-me a mão antes de me envolver nos seus braços e guiar-me ao som da música, nunca tinha dançado na praia. Luca cantava ao meu ouvido a melodia que se ouvia ao longe, aproveitando as pausas para me beijar o pescoço, os ombros, o cabelo, quando a melodia terminou os seus lábios cobriram os meus. Desejei ficar ali para sempre.

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