domingo, 30 de outubro de 2016

AS COISAS QUE NUNCA TE CONTEI 8ª PARTE



O barco atracou no cais, aproveitei a confusão e saí sem me despedir do capitão. Estava mais triste agora que quando embarquei, anteriormente alimentei a esperança durante anos, mas agora tudo tinha terminado, e para sempre. A vida reserva-nos muitas surpresas,  nem sempre agradáveis. Estava destinada a sofrer, e a fazer sofrer as pessoas que amava e me amavam. Assim como eu, Luca, ainda que involuntariamente, sofria para não magoar a minha filha. A vida não era justa. Se lhe tivesse falado de Luca talvez ela entendesse. Mas como lhe dizer sem que ela pense o pior de mim?! O que diria ela se soubesse que a mãe, à muitos anos se perdeu de amores por um desconhecido? E que ainda hoje está apaixonada por ele?! Pior que isso, que por causa dele, nunca amei o pai?  Existem coisas que devem continuar em segredo, e esta é uma delas. Foi bom sonhar, mas agora tenho de voltar à realidade, já não tenho idade de sair atrás de uma paixão, por mais antiga, e verdadeira que ela seja.

- Dia 16- Depois de uns dias fabulosos cheguei a Portugal. Mais uma vez o meu coração ficou em Itália. Possivelmente só voltarei a escrever aqui no Verão, quando a minha filha regressar.  Bem, talvez escreva algo bonito pelo Natal.

Guardei o diário na gaveta e desfiz a mala. Tudo me cheirava a mar, a Itália. Guardei um lenço na gaveta sem o lavar, queria guardar esse cheiro por mais alguns dias. Fazer durar a felicidade por mais uns dias.
Mas não foi assim, esse lenço passou a ser a minha companhia durante as noites, e chorava agarrada a ele até adormecer, dias depois o cheiro dissipou-se. Mas a tristeza estava mais forte, a felicidade tinha-me sido negada novamente.
O bip de aviso soou. Esta era a única alegria, que me permitia viver.

- Olá mãe. Ainda estás com o efeito melancólico da viagem ou já estás de volta à vidinha do costume?
- Olá filha. Sim, voltou tudo ao que sempre foi.
- Está tudo bem?!
- Sim.
- Pareces mais apagada que ontem. Estás doente?
- Não, apenas cansada.
- Foste ao médico?
- A qual?
- Ao que quiseres. Não queres voltar para Itália? Lá tinhas melhor cara.

Não me consegui controlar, comecei a chorar.

- Desculpa. Tenho de...

Desliguei o computador, estava triste desde que deixei Luca. Tive a infeliz ideia que, depois tudo voltaria ao normal. Mas não foi assim, continuava a amar um homem que estava no outro lado do mundo. E embora o amor fosse correspondido, o destino ditou que não seria possível. Durante as noites ainda sonhava, que um dia, podia voltar a ser feliz, que tudo podia ser diferente, mas a luz do dia trazia a fria realidade, já não era a adolescente de outrora, era uma mulher com quase cinquenta anos, e com uma filha, que ainda hoje amava o pai.

Dias depois, chegou uma carta para ir ao médico, sorri, mesmo longe aquela rapariga não descansa. Estava marcada para uns dias antes do natal, e no dia seguinte ao meu aniversário. Bem, sempre me dava tempo de comprar as prendas, e metê-las no correio. Como sempre, este ano também não viriam a casa no Natal.

Recebi uma carta da minha filha, falava sobre a minha ida ao médico e em como estava preocupada com a minha saúde, disse que não podia falar por uns meses, estaria fora em trabalho, mas ia escrever todas as semanas. Fico desolada pensar, que foi para Londres porque queria ter uma vida mais descansada! Não parava um segundo. Guardei a carta com as demais, ultimamente eram poucas, desde que aprendi a trabalhar no computador, deixou de escrever.

Acordei cedo, mas fiquei na cama a olhar o sol envergonhado lá fora, levantei-me a custo, cada dia me custava mais sair e estar com as pessoas, queria estar em casa, sem ver ninguém. Independentemente do local que escolhia para passear, só via pessoas abraçadas e aos beijos, todo o mundo parecia estar mergulhado numa felicidade plena. Todos menos eu! Encontrei uma amiga e acabei por ir ao cinema com ela, não me apetecia, mas ela é daquelas amigas que fala e não deixa lugar a resposta. Vi-me arrastada para o cinema, para ver um filme, que me deixou mais triste ainda! Sob o sol da Toscana!

Cheguei a casa completamente arrasada. Estava quase a fazer cinquenta anos, estava sozinha e imensamente triste! Não volto a sair de casa sem passar o natal! Bolas, até a porcaria da porta estava contra mim!

- Surpresa!
- Mas...
- Bela recepção, sim senhora! Chega uma pessoa para fazer surpresa, e é surpreendida por uma casa vazia!
- Mas...
- Oh mãe, pára de chorar.
- É de felicidade, oh filha, que surpresa boa.
- Pois não parece, sogrinha.
- Oh. Enganaram-me.
- Se não fosse assim, não era surpresa.
- E se me desse uma coisa má?!
- Deixa-te de coisas, o teu coração está perfeitamente.
- Com surpresas destas duvido que dure assim continue! Mas digam-me, quantos dias ficam.
- Partimos no ano novo. Achavas que íamos deixar-te passar o teu aniversário sozinha?!
- Fico feliz por estarem aqui, mas eu não ligo a essas coisas.
- Cinquenta anos é um marco importante, sogrinha. Temos de comemorar em grande, e temos uma surpresa. Ai!
- Para que estás bater-lhe?! Coitado.
- Está a ver como ela me trata?! Sou um escravo nas mãos dela.
- Sim, até parece.

Começaram a abraçar-se e a beijar-se, como se eu não estivesse ali.

- Ei, estou aqui. Beijos e outras coisas lá no quarto se faz favor.
- Vou levar as malas para o quarto, vê se convences a tua mãe a ir arranjar-se.
- Estou a ouvir.
- Eu sei...
- Este rapaz não muda.
- Ainda bem, gosto dele assim. Mãe?!
- Sim?!
- Quem é Luca?

Fiquei sem saber que dizer, como é que ela sabia de Luca?! E se sabia, como?! E que sabia?! Quem lhe tinha falado nele?! As perguntas rodopiavam na minha mente.

- Luca?!
- Sim mãe, Luca. Esta carta estava no correio. E não me digas que é uma amiga, sei que é nome de homem, pelo menos em Itália.
- Agora dás em revistar o meu correio?!
- Mãe!? Não desvies a conversa, Luca, quem é?
- Ninguém importante, vou vestir-me. Dás-me a carta por favor?
- Ninguém importante, sim... pois, se o dizes!
-  Luca é um amigo de à muitos anos, perdi o contacto com ele, tinha eu  20, 21 anos, algo por aí e encontrei-o em Itália nesta viagem. Satisfeita?
- Talvez.
- Vou arranjar-me. Dás-me a carta por favor?!

Abri a carta antes de fechar a porta do quarto, escreveu como tinha prometido.

Cara mia

Não consegui dizer-te adeus, queria estreitar-te nos meus braços e beijar-te até te dissuadir de me deixares. Mas sei que se o fizesse, nunca me perdoarias por te afastar da tua filha. Irias odiar-me e eu não conseguiria viver com o teu ódio. Por isso mais uma vez tive de me afastar, o destino é irónico, trás-te até mim para depois, te arrebatar dos meus braços. Como te disse, não desisto de nós, apenas me afasto temporariamente. Sou imensamente paciente. Sei que fazes anos por estes dias, não sei o dia ao certo, irónico não?! Mais uma coisa que não sei. Penso em ti todos os dias...

- Mãe?! Estás demorada?! Estamos com fome.
- Vou já.

A carta teria de ficar para mais tarde, quando estivesse sozinha. Arranjei-me o mais rapidamente que consegui e fomos jantar.

- Podem dizer-me que se passou para estarem aqui?!
- Não nos quer cá?! Oh sogra do coração, nem por ser a sogra que eu mais gosto.
- Não digas disparates, como se tivesses outra!

Mas aquilo foi o suficiente para me fazer sorrir.

- Bem, acho que podemos dar a notícia à tua mãe, afinal já comemos a sobremesa.
- Notícia?!
- Estamos grávidos.
- Grávidos?!
- Bem, eu estou grávida, ele e por simpatia.
- Simpatia nada, quero fazer parte de tudo.
- Estou para ver quando chegar a hora das dores...

A minha menina estava grávida! Eu ia ser avó! Eles voltariam para Londres, e lá nasceria o meu neto... que apenas veria uma vez por ano.

- Mãe?! Porque choras?! Não estás feliz?!
- Sim, é que... estão lá tão longe... queria ver crescer o meu neto..
- Vês?! A tua mãe também acha...
- Oh, sabes ser tão inconveniente... Oh mãe, por isso viemos. Assim que a empresa abrir a sucursal em Espanha vamos para lá. Sempre é mais perto, queríamos que fosses morar connosco, mas sei que gostas demais do teu espaço.
- Mas será sempre bem vinda.
- É verdade?! Vêem para Espanha? Assim posso viajar de carro, vou pedir umas aulas de condução.
- Sogrinha, lamento informá-la mas uma carta não se tira assim.
- Para tua informação querido genro, tenho carta, simplesmente detesto conduzir em Lisboa. Mas pelo meu neto, ou neta, vou dar uma refrescada na minha condução.
- Boa, já temos quem vá levar a criança ao infantário.
- Oh meu Deus, dá-me paciência para aturar este homem...


Esperei que eles se deitassem, queria estar só para ler a carta.

Penso em ti todos os dias, desta vez, torna-se mais difícil apagar as lembranças, dos dias que passei junto a ti. Estar nos mesmos locais por onde passámos, é como uma faca no meu coração. Nem a brisa do mar, que tanto adoro, me consegue animar, porque me recorda aquela noite que dançámos junto ao mar. Devias de ter ficado, tal como, devias de ter partido comigo à muitos anos. Mas mais uma vez, a decisão foi tua. E decidiste ficar com a tua filha, e eu compreendo, assim como espero que tu compreendas a minha decisão.

Amo-te
Luca


As lágrimas molhavam a almofada, que queria ele dizer com, a decisão dele?!  Combinámos, falar e escrever com frequência. Mas agora já não tenho a certeza. E a culpa é minha, mais uma vez deixei que o medo me afasta-se dele. A vida é feita de escolhas, e eu escolhi não magoar a minha filha. Levantei-me da cama e agarrei na carta e no que me fazia lembrar Itália e meti numa caixa no fundo do roupeiro. Tal como à muitos anos atrás, tinha de esconder o que me recordava Luca, assim tornava-se mais fácil enfrentar as consequências da minha decisão. Tudo pareceria melhor pela manhã.

Com a noticia da gravidez começamos a sair para ver coisas para bebé, não comprávamos nada apenas víamos.

- Devíamos voltar para casa. Deves descansar.
- Não estou cansada, mas sim, temos de voltar. Falta fazer a árvore de Natal. Aliás, já devia de estar feita.
- Ultimamente nem me lembro de tal.
- Não me digas que não tens feito árvore de Natal.
- Ás vezes faço.
- Ai mãe, ás vezes pareces tão complicada... Vamos lá.

Os dias passavam rapidamente, dentro de dois dias era o meu aniversário, e não podia esquecer a consulta. Coloquei um papel na porta do frigorífico, que a minha filha retirou a sorrir e colocou um alerta no telemóvel.

- Quando voltar, vou ensinar-te a fazeres alertas.
- Quando voltares?! Onde vais?
- À rua.
- Vou contigo.
- Não. Ficas aqui,eu vou tratar da tua prenda. Não vais querer estragar a surpresa.
- Já tive a melhor prenda que podia receber.
- Oh mãe...quando começas a pensar em ti?!

No dia seguinte acordei com dor de cabeça o que me impediu de sair, dormi mal, com calor e estava irritada. Esta maldita menopausa... Tinha de falar ao médico disto, ia pedir-lhe algo.

- Não devias de a deixar sair sozinha.
- E ouvi-la, porque a deixei aqui sozinha?! Não, prefiro arriscar ouvi-la a si.
- Está assim tão mal humorada?!
- Se está... agora foi tratar da sua prenda.
- Outra vez?! Mas que está essa rapariga a comprar?! O torre de Belém?
- Sabe-se lá...nem a mim me disse nada.

Algo se passava de estranho, a minha filha passava o dia a cantar, e quando perguntava o que se passava, o meu genro fazia-se desentendido. Já estava a imaginar a cena, mais uma vez, iam comprar algo que eles achavam que me fazia imensa falta. Mas agora tinham de pensar na chegada do bebé!

- Logo vamos jantar fora?! É o aniversário da tua mãe.
- Não sei, que dizes mãe.
- Por mim ficava em casa. Posso fazer algo rápido. Ainda dá tempo.
- Algo rápido?! Fazes anos. Tem de ser algo especial...
- Especial... Um salmão fumado, ou camarão tigre grelhado, uma lagosta suada...
- Ena, a tua mãe anda a comer bem.
- Não vês que está a ser sarcástica.
- Comemos aqui e não se fala mais nisso.
- Claro que não, nem vou admitir, que a minha sogra cozinhe no dia do seu aniversário.
- Então cozinhas tu.

A campainha interrompeu a discussão.

- Só espero que não seja o vizinho de cima a dar os parabéns, que chato.
- O vizinho tem uma paixão pela minha mãe.
- Ele cozinha?!
- Sê um querido, e vai ver quem é.
- Se for alguém que não conheço, que digo? Convido para o jantar? Ou despacho?
- Já estás a dizer parvoíces. Oh mãe, é melhor ires tu.
- Ai meu Deus que paciência... eu vou. Nem sei porque ainda me incomodo.


O meu sorriso desapareceu, ao mesmo tempo que os meus olhos ficaram inundados de lágrimas.

- Luca?!

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