O despertador acordou-a de um sono agitado. Tomou um duche rápido, vestiu umas calças de ganga e uma camisola. Matheus não tardaria com a filha de uma amiga para cuidar de Leo, enquanto iam ver de um espaço para o negócio dela. Essa tarde tinha umas entrevistas por causa do anúncio a pedir uma empregada. Se tudo corresse como planeado podia vir a precisar de duas. Por agora ficava com o jardineiro que Matheus lhe sugerira, a empregada nova e a ama de Leo. Esperava que a anterior ama não demorasse. Gostava dela, sabia que podia confiar-lhe o filho de olhos fechados, mas deixá-lo com esta rapariga deixava-a inquieta.
À hora combinada Matheus tocou à campainha, vinha acompanhado de uma rapariga ainda jovem, mas não tão jovem como ela esperava. Depois de lhe mostrar onde estavam as coisas de Leo e o que comia, deixou o número de telemóvel com a indicação que telefonasse se tivesse qualquer duvida, por muito pequena que fosse.
Matheus praticamente teve de a arrastar de casa.
- Estamos de volta antes do almoço. - Matheus tentava tranquilizá-la - E podes confiar plenamente em Rice, ela é ama à muito tempo.
- Se tu o dizes.
- Já pensaste no tipo de espaço que pretendes?!
- Mais ou menos, depende do valor que peçam pelo aluguer.
- Se quiseres posso tratar da parte burocrática.
- Se quero?! Estava a contar com isso.
- Então basta escolheres o local e deixa o resto comigo.
Horas depois encontrou um local que gostou, espaçoso, com um escritório de janelas altas, um pequeno armazém e uma área comercial grande, tudo isto dentro do centro comercial junto ao parque que ela tanto adorava. O dono do espaço continuava a falar com Matheus e ela estava perdida entre anotações e medidas para idealizar a decoração. Olhou para o relógio, a manhã estava quase a terminar, olhou para Matheus, ainda mexia em papéis com o dono do espaço. Fez sinal a Matheus que ia embora e saiu à procura de um táxi.
Durante o percurso percebeu que não estava totalmente tranquila por deixar o filho com Rice, tinha de ver se ele estendia os bracinhos para ela, se sorria ao vê-la. Tamborilava com os dedos na agenda em sinal de impaciência. Mal pagou ao taxista saiu apressada.
Quando abriu a porta Rice estava junto à porta da sala, o seu rosto mostrava que algo não estava bem.
- Desculpe senhora. - Rice estava nervosa - Eu não sabia.
- Onde está Leo?! - A dor que sentiu naqueles segundos era tão forte que pensou enlouquecer.
- Aqui. - A voz de Philippe ecoou pela casa.
Tinha Leo nos braços, o pequeno dormia calmamente. Olhou-o nos olhos, o que viu neles foi raiva, uma raiva mal contida. Fechou a porta depois de Rice sair confusa. Falaria com ela depois, agora tinha outros problemas mais urgentes que resolver.
- Dá-me o meu filho. - Tentava não gritar - Dá-mo.
- Comment as tu ete capable?! - Philippe não fez qualquer gesto que indicasse que lhe ia devolver o filho - Diz-me como chegámos aqui.
- Não preciso de te dizer. - Não queria pensar nas várias implicações que tinha a pergunta - Acho que és adulto o suficiente para saber que os bebés não vêem de Paris. - Achou a resposta irónica, o medo estava a apoderar-se dela - Bem, ele até veio.
Philippe deitou o filho na caminha e olhou-a com olhos furiosos. Finalmente soltara o filho dela, porque era dela.
- Não volto a perguntar. Como foste capaz?! - Philippe agarrava-a pelo braço. - Responde.
- Não tenho porque te responder. Não tens nada com isso.
- Não?! - Ele soltou um risada - Espero que não tentes dizer que não é meu. Qualquer pessoa vê as semelhanças.
- É teu sim! - Sentiu a raiva e o medo apoderar-se dela - Mas não quero que te aproximes de nós. Principalmente dele.
O olhar que ele lhe devolveu mostrava tudo menos vontade de obedecer ao pedido dela. Nunca o tinha visto furioso e teve medo do que ele poderia fazer.
- Toma nota do que te digo. Não vou abdicar dele, e não penses sequer afastar-me. - Sentiu a pressão no braço aumentar consideravelmente. - Se tentares juro que te vais arrepender.
- Estás a magoar-me. - As lágrimas inundaram os seus olhos.
- Isso não é nada perto do que farei se tentares deixar-me de lado.
- Que queres dizer com isso? - Algo nos olhos dele lhe dizia que estava disposto a tudo.
- Que virei todos os dias ver o meu filho. E se algum dia não estiveres aqui com ele, juro-te que vais arrepender-te do dia que nasceste.
Segundos depois ouviu a porta bater com violência. Sentou-se ao lado do filho e beijou-lhe a faces coradas. Recostou-se no sofá pensando no que fazer, enquanto as lágrimas de frustração molhavam as almofadas do sofá . O dia que ela mais temia aconteceu, lutou tanto para que ele não soubesse que tinha um filho. Perdeu tanta coisa por causa de Philippe... os dias longe de Isabelle, deixar os estudos, afastar-se dos amigos, foi tudo em vão. Deu um salto quando a campainha soou. Estaria arrependido de ter deixado o filho para trás!? Matheus tinha dito que ele tinha direito a estar com o filho. Temendo o pior abriu a porta.
- Ora bem, o dono do espaço... - Matheus parou ao ver as lágrimas nos olhos dela - Aconteceu algo a Leo?!
Isi agarrou-se ao amigo e chorou como se o mundo fosse acabar. Ao longe começou-se a ouvir Leo balbuciar.
- Pronto, estou aqui. - Matheus embalava-a como se fosse ela a bebé - Tudo se vai resolver. Porque não me dizes o que te preocupa?
Isi contou-lhe tudo o que tinha acontecido. Matheus permaneceu pensativo olhando mais além, medindo os prós e contras da situação.
- Podemos alegar que ele abusou de ti. - Matheus olhou-a seriamente - Podemos dizer que eras jovem e que...
- Fui eu que o procurei. - Isi recordava aquela noite vezes sem fim - Não posso dizer que me enganou, não quando praticamente lhe implorei que me deixa-se passar a noite com ele.
- Não me facilitas as coisas - Matheus passou a mão no cabelo - É a tua palavra contra a dele. Não tem provas para te contradizer.
- Isso não. Não o vou acusar de algo que não fez.
- Mentiste durante este tempo todo e agora estás com moralismos?! Não te entendo.
- Não menti, apenas ocultei o facto. Não magoei ninguém. Uma mentira dessas pode destruir uma pessoa, eu não conseguiria viver com isso.
- Estás a esquecer-te de Isabelle, e de ti?! Acaso não sofreram com a decisão que tomaste sem consultar os demais?
- Não compares o incomparável.
- Desculpa, eu é que estou a esquecer algo muito importante. Ainda o amas.
- Não é nada disso.
- Não?! Acaso o odeias?!
- Sabes que não. Assim como não sou mais a menina daquele tempo, nem ele é o príncipe encantado que eu sonhei, tudo o que ficou foi a prova desse amor que ainda sinto - Isi sabia que o amigo tinha razão - Amo-o é verdade. E sei que nunca será meu, mas não é justo acusá-lo.
- E se ele te tirar Leo?
- Ele disse que só o faria se eu o privasse de ver o filho.
- E estás segura disso?!
- Quero acreditar... não, tenho de acreditar que sim, ele vai cumprir a palavra dele.
- Se é essa a tua vontade, apenas me resta apoiar-te.
- E não imaginas o quanto me faz falta esse apoio.
Isi fez as entrevistas distraidamente. Pensava constantemente em Philippe e em como o destino traça caminhos diferentes dos que escolhemos. Por alguns meses pensou que tinha tudo controlado, que o seu futuro estava muito bem delineado. Mas viu-se obrigada a mudar o seu percurso mais de uma vez.
Quando deixou a casa de Isabelle, decidiu que viveria com Matheus, até o seu filho nascer, como Philippe voltou, teve de fugir, sabia que estava noivo e não queria que ele ficasse com ela por causa do filho. Com a ajuda de Matheus, alterou mais uma vez os seus planos, arranjou emprego, para não a encontrar usaria o seu segundo nome, ele depressa se esqueceria dela e assim que o filho tivesse idade para viajar iria para outro país, onde viveria afastada dele.
Mas deu-se a morte de Isabelle e herdou o palacete, tinha de respeitar os requisitos da madrinha, não pelo valor do palacete mas porque queria respeitar a última vontade da madrinha. Ela ia deixar bem claro que ele não seria bem vindo, conhecendo o lado orgulhoso dele sabia que ele nunca mais a procuraria e poderia viver em paz com o filho. Quando Leonard fosse crescido iria dizer-lhe quem era o pai e aí se ele o entendesse podia procurá-lo. Podia conviver com o pai sempre que ele quisesse, mas sempre longe dela. Não queria reviver toda a dor que sentiu ao descobrir que Philippe estava noivo, nem o ingénua que foi ao apaixonar-se por um homem mais velho, imaginando que ele também a amava. Durante noites martirizou-se com imagens dele abraçado a outra mulher, beijando-a como a beijou a ela, levando-a à loucura com um simples toque. Adormeceu tantas vezes a chorar que se proibiu de pensar nele, era doloroso demais recordar o que tinha sido e constatar que apesar de tudo, ainda o amava.
E agora o destino voltava a obrigá-la a seguir outro caminho, um onde Philippe, independentemente de estar casado, faria parte da vida dela quer ela gostasse quer não.
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