terça-feira, 31 de janeiro de 2017

TUDO O QUE FICOU 9ª PARTE



Este era o segundo dia que, dissimuladamente, Isi observava Philippe sentado no chão da sala enquanto ele brincava com o filho. Leo divertia-se atirando os brinquedos para longe e esperava que ele os fosse apanhar, depois dava uma sonora risada quando lhos devolvia. Uma lágrima caiu dentro da chávena do café. Aquela imagem reflectia o seu sonho de uma vida a dois com Philippe. Limpou os olhos com a mão e apanhou a mala quando ouviu o telemóvel. Era Rice, estava doente e não podia cuidar de Leo.  Onde ia arranjar outra ama a tempo da reunião com Matheus ?! Apenas restava uma alternativa. Levar Leo com ela! Começou a arrumar as coisas de Leo na sacola.

- Vais sair?

 Philippe apareceu nas suas costas com Leo ao colo, este estava firmemente agarrado ao cabelo do pai.

- Sim. - Olhou o relógio mais uma vez  - Mas não te preocupes, vou levá-lo comigo.
- Eu posso ficar com ele.
- Tu?! - Isi olhou desconfiada para ele, não lhe agradava a ideia de o deixar a sós com o filho.
- Basta que me digas o que come e a que horas.
- Ele vai comigo.
- Não confias em mim?!
- Não é isso. - Mas interiormente sabia que era isso, não confiava nele - Ele ainda não está familiarizado contigo.
- Não?! Ninguém diria.
- Prefiro levá-lo. Ele pode começar a chorar.
- Compreendo! - O olhar que lhe devolveu mostrava que não acreditava nela - Afinal sou apenas o pai e posso desaparecer com ele.

Isi sentiu um arrepio percorrer-lhe a coluna, a forma como ele a olhava mostrava que sabia o que ela estava a pensar. Com a mesma rapidez que se sentiu gelar, sentiu as faces incendiarem-se perante o olhar dele.

- Simplesmente não sei quanto tempo estarei fora e não gosto de estar separada dele.
- Oui! - Philippe segurou a mão dela e uma corrente eléctrica percorreu o seu corpo, ficou a olhar a mão dele sobre a sua, sentia saudades do toque dele, dos seus beijos... -  Podes ir, prometo que quando voltares, estaremos aqui à tua espera.

Como ela queria que aquelas palavras fossem verdade, queria tanto que ele esperasse por ela, hoje e todos os dias da sua vida. Negando-se a pensar, na hipótese de ele fugir com o filho, assim como no tom de voz dele, explicou-lhe o que Leo comia e a que horas.
Quando se inclinou para beijar o filho, o afther-shave dele invadiu os seus sentidos e levou-a a uma noite que ainda estava bem presente na sua mente, lutando contra o desejo de o beijar saiu.

Aquela situação estava a tornar-se perigosa demais para os sentimentos dela. Por várias vezes deu por si a olhá-lo com carinho enquanto ele brincava com o filho. Uma vez preparou café para lhe levar, só quando estava quase a chegar junto a ele percebeu que estava derrubar o muro que construiu. Não era boa ideia alimentar guerras, mas não podia voltar a ceder aos seus encantos.  Estava a ser difícil manter a indiferença com ele tão próximo, tê-lo ali não era boa ideia, mas não podia dizer-lhe para se manter afastado. Partindo do princípio que Matheus tinha razão, coisa que tinha na maior parte das vezes, ela não podia proibi-lo de estar com o filho e se insistisse nisso ela seria a maior prejudicada.

- Isi?! - Matheus estendia-lhe a caneta - Ainda pensas nele?  Assina aí.
- Acaso achas que consigo esquecê-lo com ele lá em casa todos os dias?
- Passaram apenas duas semanas, mas imagino que não. - Matheus olhou para ela com mais atenção - Não tens boa cara. Tens dormido bem?
- Nem sei. Como defines uma noite em que acordas vezes sem fim sonhando que te tiram o que mais amas nesta vida?!
- Imagino que acordes mais cansada do que quando te deitas.
- Imaginas bem. - Isi sentou-se derrotada no cadeirão - Para bem da minha sanidade mental, porque estou em vias de enlouquecer, espero que volte para casa rápido.
- Por falar em casa, ele não detestava hotéis?!
- Sim. Então?
- Onde dorme?
- Não sei nem me interessa.
- Terá alguma amante?!
- Até pode ter três ou quatro.
- Tantas!? - Matheus notou a dor na voz da amiga - Porque não falas com ele?
- Eu?! Por mim pode dormir com quem bem entender, estou pouco preocupada com quem mete na cama.
- Queres convencer-te disso ou é para me convenceres a mim?! É que nenhum dos dois acredita nisso.

Isi despediu-se dele quando a secretária avisou que o cliente das onze estava à espera. No regresso a casa pensou onde Philippe estaria a dormir, com uma amiga, uma amante?! A última hipótese era a mais provável. Imagina-lo com outra mulher era doloroso demais. Como se não fosse suficiente evitar pensar nele e na mulher que tinha deixado em Paris. Nos filhos que possivelmente teriam... Como reagiria ela ao saber que ele tinha um filho com outra mulher... O coração encolheu-se! E se ele quisesse levar Leo para França?! E se nesse instante ele já se encontrava num avião com o filho?! Não! Ele não faria isso, ele prometeu que ficava à espera. Tentava acalmar-se mas uma voz irritante sussurrava no seu subconsciente: Como prometeu voltar à dois anos.
Ficou mais impaciente, o transito parecia mais vagaroso à medida que aquele pensamentos ganhavam força. Queria chegar a casa o mais rápido possível mas era hora de ponta e ficou presa num engarrafamento. Lembrou-se do telemóvel, podia telefonar! Animada com a ideia marcou o número de casa, ninguém atendeu. Voltou a telefonar sem êxito, as chamadas seguiram-se umas ás outras. O número de chamadas era proporcional à desconfiança que sentia. O número dele! Ainda o tinha! Mas ele também não atendeu. Sentindo-se sozinha e desesperada ligou para Matheus.

- Matheus?! - O choro começou quando ele atendeu.
- Isi! estás bem?
- Não... Sim... Philippe não atende o telemóvel.
- Estás em casa?
- Não. Estou presa no trânsito e ele não atende. E se ele...
- Acalma-te. Pode estar a fazer a comida a Leo. Sabes que é complicado.
- Complicado?! Basta juntar água!
- Lembraste quando eu tentei fazer?! - Matheus tentava acalma-la.
- Sim...
- Foi um desastre completo. Além disso, muitas coisas podem ter acontecido e nenhuma delas tem de ser necessariamente má. Já estás em andamento?
- Sim, vagarosamente mas já.
- Não tarda estás em casa e vais ver que estás a preocupar-te por nada.
- Raios! Mas porque não voltou para casa depois do funeral?!
- Porque o destino quis que ele conhecesse o filho.
- O destino! Pareces ele a falar.
- Podia ser pior.
- Como?!
- Podias comparar-me com o Marquês de Sade.
- Como podes brincar?
- Porque não me parece que Philippe seja o tipo de homem que rapta o filho à própria mãe.
- Também não achavas que os teus amigos te espancassem quando lhes... - Não acabou a frase, sabia que estava a ser injusta - Oh meu Deus! Desculpa! Não queria...
- Não te preocupes. Quando chegares a casa liga-me a dizer que eu tenho razão.

Não teve tempo de dizer nada mais. Matheus tinha desligado. Amaldiçoou-se por ser tão insensível. Estar com medo não justificava tratar assim a única pessoa que esteve sempre a seu lado. Com a consciência pesada chegou a casa, travou bruscamente na entrada espalhando pequenas pedras. Entrou com medo de encontrar uma casa vazia. Na cozinha não estava ninguém e tudo estava limpo, correu à sala, também vazia.

- Philippe! - Chamou impaciente - Philippe!
- Estamos aqui! - Philippe estava no cimo das escadas com Leo.

Quando os viu respirou de alivio, subiu as escadas apressadamente e tirou-lhe o filho dos braços beijando Leo enquanto lágrimas caíam pelo seu rosto.

-  Espero que isso tudo sejam saudades. - Philippe olhava para ela de sobrolho franzido - Porque não pensaste que...
- Fiquei preocupada. Não atendeste o telefone de casa nem o telemóvel!
- Ele sujou-se a comer. - Fez uma pausa enquanto a analisava  - Imenso. Tive de lhe dar banho.
- Deste-lhe banho?!
- Não sou completamente inútil.

Philippe desdobrou as mangas da camisa, estava magoado, sentiu isso na voz dele. Pensou deixá-lo partir pensando o que quisesse mas não era capaz, era a segunda pessoa que magoava, e o dia ainda não tinha acabado.

- Desculpa. - Isi agarrou-o pelo braço - Não era minha intenção, mas ele é tudo para mim.

Philippe olhou-a nos olhos e por instantes pareceu-lhe ver compreensão e preocupação no seu olhar.

- Não te preocupes. - Philippe acariciou a cabeça do filho - Amanhã estou de volta.

Isi ficou no cimo das escadas vendo com ele descia as escadas, viu-o entrar na sala e segundos depois sair com o casaco.

- Queres almoçar connosco? - Isi não soube onde arranjou coragem para dizer aquilo - Isto se não tiveres outros compromissos.

Os minutos que antecederam à resposta pareceram uma eternidade. Se ele aceitasse era sinal que a tinha perdoado.

- Será um prazer, desde que me deixes ajudar.

Philippe esperou por ela enquanto descia as escadas. Isi sentia o bater do seu coração pulsar na garganta.  Não conseguiu evitar pensar no bonito que estava, no brilho dos seus olhos negros que brilhavam mais quando olhava para o filho. Com tanto sentimento confuso entre eles o almoço seria interminável. Quando chegou junto a ele começou a achar que não tinha sido boa ideia convidá-lo!

Não reclamou quando Philippe lhe retirou o filho dos braços e o levou para a cozinha. Enquanto ele sentava Leo na cadeira Isi ligou a Matheus, depois de pedir desculpas disse que estava tudo bem. Podia sentir os olhos dele nas suas costas enquanto prometia a Matheus ligar mais tarde com mais calma.

- Espero que gostes de strogonoff.
- Está perfeito. Eu faço arroz.

Dedicaram-se à tarefa e o silêncio tornou-se pesado. Ela pensou que a refeição ia dar-lhe indigestão mas para sua surpresa acabaram por almoçar sem falar em temas que pudessem gerar discórdia.
Isi ficou a saber que ele tinha uma irmã e dois sobrinhos, gémeos, mais velhos que Leonard. Os quais eram responsáveis pela sua habilidade em dar banho a bebés e a mudar fraldas. Ela contou-lhe os gostos de Leo e como era uma criança sossegada. Quando olharam Leo dormia profundamente na cadeira. Philippe ofereceu-se para o levar para a cama e ela aceitou.
Sentindo-se triste por aqueles momentos serem tudo o que teria dele, começou a recolher a loiça. Não adiantava ficar a pensar no que podia ter sido seu. Tinha de pensar no que ficou daquele amor, o seu filho.

- Onde tens um pano?
- O quê?! - Isi estava tão absorta nos seus pensamentos que não o ouviu regressar. - Não é preciso, eu limpo.
- Faço questão. - Philippe abriu gavetas até encontrar os panos -  Aqui estão eles.
- Ele dorme? - Ela não queria pensar no perto que ele estava.
- Sim, nem se mexeu quando o coloquei na cama.

As suas mãos tocaram-se quando ele foi apanhar um prato. Por instantes olharam as mãos sem que nenhum dos dois retira-se a sua. Os olhares cruzaram-se e ela reconheceu o brilho do desejo nos dele. Sentiu-se incapaz de lutar contra ele quando lhe retirou o pano da mão e lha beijou suavemente para depois ir beijando o braço ao logo da pele nua. Ao chegar à camisola dela colocou o braço ao redor da sua cintura enquanto com a outra mão lhe afastava o cabelo da cara.

- Senti a tua falta. - Ele sussurrou junto ao seu pescoço - Ma petite. Como senti a sua falta.

Isi não conseguiu afastar-se quando as bocas se tocaram a medo, para depois se entregarem sem reservas num beijo que prometia mais do que ela podia dar.

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