Olhou as mãos cheias de tinta, tinha idealizado um mural para uma das paredes do escritório, mas foi adiando a realização do mesmo, nessa manhã pareceu-lhe a tarefa ideal para ocupar a sua mente. Mas nesse instante viu que, possivelmente, não tinha sido boa ideia. Philippe regressou um dia antes do previsto, apesar da urgência que tinha em falar com ele, tinha de tomar banho. Não podia apresentar-se na vivenda toda suja de tinta.
Com a certeza que Hector e Matheus iam apanhar Leo a casa de Rice e que cuidariam dele, meteu-se no chuveiro. Depois do duche, que foi o mais curto possível, enrolou-se na toalha e limpou-se freneticamente.
Enquanto escolhia que vestir ouviu a campainha tocar repetidamente, pensou ignorar, mas perante o toque insistente acabou por ir abrir, tapando a roupa interior com o roupão de seda, que Matheus lhe tinha oferecido quando fez uma viagem à china.
Quem quer que fosse estava impaciente, o toque da campainha era ensurdecedor, como se não retirassem a mão do interruptor!
- Estou a caminho. - Isi corria escadas abaixo - Bolas! - Isi tropeçou numa cadeira fazendo um pequeno corte na perna. Abriu a porta sentindo a zona da pancada latejar - Espero que seja realmente urgente.
- Onde está?!
Philippe entrou em casa sem esperar que ela abri-se a porta completamente. Sem se deter à espera de resposta, subiu e foi directamente ao quarto de Leo. Percebeu que não adiantava chamá-lo à razão. Sentou-se na sala, enquanto o ouvia abrir e fechar portas. Não imaginou que o encontro fosse ali e muito menos com ela meio despida. Tinha tudo bem delineado na sua mente, todas as palavras decoradas, cada gesto ensaiado. No seu "ensaio" ele não entrava de rompante em casa, nem andava como louco procurando o filho. Sentavam-se e conversavam calmamente, ele ouvia o que ela tinha a dizer e chegavam a acordo como adultos que eram.
- Onde está? - Philippe agarrou-a pelos ombros e sacudiu-a - Ouviste? Não volto a perguntar.
- Se souber o que pretendes respondo. - Olhou-o desafiante - Caso contrário é impossível.
- Não pensei que jogasses tão baixo!
- Jogar baixo?!
- Se pensas enganar-me com isso, aviso já que não vais conseguir.
- Nunca pensei enganar-te! Nem sei ao que te referes com jogar baixo!
- Queres fazer-me acreditar que Leonard não é meu filho!
- Ah isso.
- Onde o deixas-te? - Voltou a sacudi-la - Não volto a perguntar.
- Podes parar de me sacudir?! Não sou nenhuma árvore.
- Quero o meu filho.
- Acredito que sim. Mas sabes, eu também. - Isi sacudiu os ombros violentamente tentando fugir ás mãos dele - Pensei que podíamos falar como pessoas civilizadas.
- Eu pensei isso por alguns dias. Tentei esquecer, contornar as coisas e iludi-me pensando que realmente podíamos seguir em frente. Mas ao ver-te com Matheus percebi o idiota que fui.
- Ao ver-me com Matheus! E o que viste?! Acaso nos viste aos beijos? Ou viste algo menos próprio?! Não! Baseaste as tuas suspeitas no facto de o veres sem camisa. E decidis-te tirar-me o meu filho por isso!
- Sei bem o que vi. Muitas vezes basta um sinal, observar as evidências.
- As evidências?! Quais evidências?!
- Vais negar que ele estava a sair do teu quarto?
- Sinceramente não sei.
- Não sabes! - Philippe murmurou algo em francês - Muito conveniente.
- Ora não me venhas com moralismos. Não és nenhum santo.
- Nunca disse que o era. Mas tenho valores, valores que me impedem de levar uma mulher para a minha cama com o meu filho ali ao lado.
- Tem piada. Quando me beijas-te naquela tarde não pensaste nisso. - Isi sentiu-se triunfante ao ver o olhar dele ao relembrar aquela tarde - Pois, deves lembrar-te das tuas acções antes de acusar os demais.
- Então admites que tens um caso com Matheus!
- Claro que não! - Isi estava furiosa - E tu?! Acaso não me beijaste?!
- Não compares as situações.
- Longe de mim. - Isi começou a troçar da situação - Nem tem comparação possível! Ao contrário que que pensas nunca beijei Matheus. Não da forma que tu insinuas. Quantas mulheres beijaste?! Ou levaste para a cama?!
- Estás a desviar a conversa. - Philippe andava de um lado para o outro - Mesmo que não admitas o caso com Matheus, não vou permitir que fiques com o meu filho.
- O teu filho?! Tem piada! - Isi agarrou-lhe o braço, estava farta daquela conversa - Onde estavas quando fiquei grávida?! Quando chorei noites inteiras porque não regressavas?! Ou quando saí de casa, por ter vergonha de estar grávida de um homem casado?! Acaso estavas aqui?! Não! Foi Matheus que...
- O que disseste?!
Philippe estava furioso, podia ver isso nos olhos dele, soltou-se da mão dela e agarrou-a novamente pelos ombros com tal força que deixou a descoberto um ombro.
- Não gostas da verdade?! - Olhou-o com os olhos rasos de lágrimas - Porque achas que não te disse?! Achas que escolhi privar o meu filho de conhecer o pai de ânimo leve?! Ou que preferi viver longe da pessoa que me acolheu e me cuidou como uma filha?! Que escolhi, sem qualquer remorso, esconder o meu filho de Isabelle?! - Isi falava sem parar - Todas as decisões que tomei, foram as mais difíceis que fiz na vida. Mas foram todas ponderadas a pensar em Leo. Nenhuma delas foi fácil. Assim como não foi fácil seguir em frente, sabendo que te amava. Nem reconhecer que nunca foste realmente meu, porque estavas casado. Como também não foi ver-te regressar, com medo de ver a qualquer momento, outra mulher que não eu, abraçada a ti. Nada disto foi fácil, mas apesar de tudo Matheus foi um bom amigo, não me julgou, apoiou-me e esteve presente em todos os momentos.
- Quem te disse? - Philippe estava estranhamente calmo - Foi Matheus?
- O quê?!
- Que era casado. - Ele afrouxou a pressão nos ombros dela mas não a soltou. - Como soubeste?
- Foi Isabelle, até me mostrou o convite. - Isi sorriu sarcasticamente - Foi uma época de surpresas, apaixonei-me perdidamente, soube que estava grávida e depois soube que ias casar.
Philippe aproximou-se dela sem desviar o olhar e sem retirar as mãos dos seus ombros.
- Amas Mahteus?!
- Como?! - Isi olhava para ele sem compreender a insistência naquela pergunta - Desculpa, acho que não percebi.
- Simples. - A voz dele estava desprovida de qualquer sentimento - Sim ou não. Amas Matheus ?
- Claro que não!
Isi não teve tempo de pensar numa forma de evitar o beijo, a boca dele desceu sobre a sua rapidamente e sem prévio aviso. Sentiu-se dividida, entre a vontade de o abraçar, acabando com o pouco espaço que existia entre eles e em afastá-lo para bem longe. Acabou por afastá-lo, não para longe, apenas separando as bocas que teimavam em continuar coladas.
- Por favor pára, não tens o direito de me fazer isto. - Isi suplicava - Acho que...
- Je t´aime. Isso dá-me o direito. Tu m´appartiens, lembras-te?! És minha. Desde que te vi a primeira vez.
- Pára de dizer isso. - Isi sentia cada palavra como facas a atravessarem o seu coração, não era experiente naquelas situações, mas percebeu o que ele queria dizer com contornar a situação, queria-a como amante. Teria a esposa em França e ela estaria ali, à sua disposição para quando quisesse alguém mais novo. - O facto de te amar não te dá o direito de brincar com os meus sentimentos.
- Quem disse que estou a brincar?!
- Nunca poderei ser o que queres. Amo-te, mas nunca seria capaz de tal coisa, prefiro sofrer sozinha.
- Do que estás a falar?!
- Sabes bem o que estou a dizer. - Ela limpou uma lágrima teimosa.
- A única coisa que sei, porque foste clara e concisa é que me amas.
- Queres que seja clara?! Pois vou ser. - Olhou-o nos olhos para ele perceber que estava decidida, que não queria viver uma mentira - Não serei tua amante!
Philippe voltou a preencher o espaço que ela tinha aberto entre eles.
- Ma petite, amo-te, nunca te sujeitaria a tal.
- Não?! Vais divorciar-te?!
Isi teve medo da resposta, teria filhos?! Se assim fosse sofreriam pela ausência dele.
- Não.
- Então não entendo.
- Simples, não estou casado.
Sem comentários:
Enviar um comentário