Christina permanecia sentada na cadeira segurando a mão de Richard, que depois de um breve despertar voltou a adormecer.
Quando ele abriu o olhos e lhe sorriu respirou de alívio, mas não completamente. Tinha recuperado a consciência apenas momentaneamente, mas segundo a enfermeira era normal. Os médicos ainda tinham de verificar se a memória dele tinha recuperado totalmente, enquanto isso não acontecesse, ela não estaria descansada. Geralmente os pacientes tinham dificuldade em recordar os momentos anteriores à pancada.
Depois de ele desmaiar aconteceu tudo tão rápido, que ela teve alguma dificuldade em assimilar tudo.
A ambulância chegou pouco depois de ele desmaiar, a eles juntou-se a policia que tomou conta da ocorrência, em pouco tempo encontraram o segurança, estava inconsciente num dos armazéns, devido a um golpe na nuca. Depois de se certificarem que Joss não estava nas imediações, deram o alerta via rádio.
Enquanto isto se passava e lhe faziam perguntas, os paramédicos trataram de Richard. Ficou preocupada pois ouviu dizer que os batimentos estavam muito fracos e não recobrava a consciência. Segundo eles tinha feito uma concussão cerebral. Já tinha ouvido falar nisso, mas regra geral recobram a consciência pouco depois, mas ele não recobrava! Já no hospital e depois de vários exames, descartaram um possível derrame. Ficaria em observação por algumas horas e esperavam que recobrasse a consciência em pouco tempo. Enquanto esperou a realização dos exames telefonou a James, que se encarregou de avisar o pai e a irmã. Enquanto eles não chegassem, ficaria ali, junto a ele. Beijou-lhe a mão e repousou a cabeça na cama. Sentiu uma mão bater-lhe no ombro, no que lhe pareceu ser no mesmo instante em que fechou os olhos, era uma enfermeira.
- Deve de estar exausta - A enfermeira sorria para ela - Já amanheceu e não saiu daqui toda a noite. Porque não vai tomar um café e comer qualquer coisa.
- Não quero deixá-lo sozinho.
- Não vai ficar, agora vamos repetir alguns exames. Não demora mais que meia hora. Se quiser pode voltar.
- Vou voltar sim. - Agarrou a mala e sorriu à enfermeira - Obrigada.
Sentada na cafetaria do hospital pensou nas últimas palavras dele: se me deixares é como se morresse.
Sorriu ao imaginar que ele sentia algo mais que desejo por ela, o seu coração começou a alimentar a esperança. Depois recordou o que disse o paramédico, que nestes casos as pessoas ficam confusas. Obrigou-se a concentrar-se noutra coisa. Não podia pensar demais naquelas palavras, se elas fossem consequência da confusão mental não as podia levar em consideração. Bebeu o resto do café e pediu outro para levar.
Quando se aproximava do quarto ouviu vozes, reconheceu a do dr. Lond, mas não reconheceu a voz feminina que falava carinhosamente. Colocou a mão na porta mas parou ao ouvir a voz melosa da ruiva.
- Não quero saber de reclamações. Vou ficar a teu lado até que recuperes.
Retirou a mão da porta e saiu do hospital o mais rápido que conseguiu. Tinha esquecido a ruiva! Mas ela estava ali, para lhe recordar da sua existência e para provar que ele voltaria sempre para ela.
Telefonou ao irmão e apanhou o primeiro comboio. Passou a viagem a recriminar-se por ser idiota, por imaginar que ele sentia algo por ela, algo mais forte que o desejo. Olhou a paisagem, os prédios altos foram substituídos por uma paisagem verdejante, sinal que estava perto de casa. Perto de casa e longe de Richard. Não fugia dele, apenas precisava de recuperar forças, de se encontrar. Regressaria quando conseguisse olhá-lo nos olhos sem desejar atirar-se nos seus braços.
- Meu Deus! - A cunhada olhou a cara dela - Que te aconteceu?!
- Um pequeno acidente. Mas estou bem.
- Estás?! Pois não parece!
- Não parece o... - Fred calou-se ao ver a cara dela - Quem foi que te fez isso?! Foi Richard?! Vou lá e parto-o todo!
- Não foi, ele está pior que eu.
- O quê?! Tu bateste-lhe?!
- Claro que não!
Aproveitou a viagem até à quinta para contar parte do que tinha acontecido, quando saiu tinha decidido contar aos pais apenas o essencial para explicar a cara machucada, mas agora começava a ter duvidas. Os pais não sabiam que trabalhava para Richard, nem o motivo porque o fazia.
- Se essa Ana não tivesse aparecido...
- Não a culpes, ela também teve de fugir dele.
- Mas esse homem é bruto mesmo! - A cunhada segurou-lhe a mão - Deves de ter apanhado um susto daqueles.
- Se não fosse Richard possivelmente não estaria aqui agora.
- Não percebo porque o deixaste sozinho. - Fred olhou para elas - Se é teu namorado não devias...
- Tu é que devias de deixar a tua irmã em paz! Está cansada, já lhe chega ter de enfrentar as perguntas dos teus pais quando chegarmos.
- Mulheres! Queixam-se que um gajo não lhes dá atenção e quando nos armamos em heróis somos abandonados numa cama de hospital!
- Fred! - A cunhada saiu em sua defesa.
- Desculpem mas é o que penso. Imagina o que é ele acordar e descobrir que ela o deixou! Eu não gostava de acordar e estar sozinho!
- Ele não está sozinho.
Fred olhou-a, ao ver as lágrimas nos olhos dela percebeu e calou-se. Ela colocou os óculos escuros e olhou a paisagem. Tinha de pensar no que ia dizer aos pais, talvez estivesse na hora de contar a verdade. Bem, parte da verdade! Seria consumida pela vergonha se os pais soubessem de tudo.
A mãe ficou horrorizada com a ideia de ela ter estado em perigo e o pai desejou estar lá para "tratar da saúde" a Joss. Não contou que Joss tinha convencido Ana a roubar nem que ela conhecera Richard porque ele achava que ela era a responsável pelo roubo. Por isso a mãe estava constantemente a dizer que homens como Richard já não existiam. Que ela tinha muita sorte em ter encontrado um namorado assim.
Todos os dias telefonava para o hospital para saber notícias de Richard. Os telefonemas diários acabaram por suscitar simpatia por parte da enfermeira responsável por ele, que chegou a dar-lhe o número pessoal para telefonar quando quisesse, sem se limitar ao horário estabelecido. Os laços que criaram levava a que as conversas divagassem e durassem até altas horas da noite. No dia que lhe disse que, embora precisasse de alguns cuidados, o estado dele era estável, ficou feliz e chorou de felicidade por saber que faltava muito pouco para a vida dele voltar ao normal. Podia regressar ao trabalho e para a ruiva de voz melosa e irritante!
Talvez não fosse correto telefonar todos os dias, mas quando falava com ela sentia-se mais perto de Richard e as saudades pareciam mais suportáveis. Achou alguns telefonemas menos próprios para uma profissional, mas recordava-se sempre que além de profissional era um ser humano e como tal tinha limites. Num desses telefonemas a enfermeira cometeu o deslize de dizer que "aquela mulher de tanto mel que espalha torna-se irritante" pediu desculpas imediatamente. Mas percebeu que Christina ria do outro lado da linha e acabou por desabafar, que se dependesse dela já a tinha proibido de o visitar. Que um dia esquecia a boa educação, que estava a perder a paciência, pois além das perguntas ainda dava a entender que não sabia fazer o seu trabalho! E nem sabia como o pobre ainda respirava, ela sufocava qualquer um!
Quando desligou o telefone sorria, como compreendia a pobre enfermeira.
Fez chá e sentou-se na sacada olhando as estrelas, sob o olhar atento do velho Big, que se tinha deitado na cadeira ao lado.
- Como está hoje? - A mãe juntou-se a ela - Big, vamos, sai daí!
- Está estável.
- Isso é bom. Sabes quando vai sair?
- A enfermeira disse que me telefonava quando ele tivesse alta.
- Não queres ir até lá?!
- Acho que é melhor ficar afastada. Pelo menos por uns tempos.
- Sabes, quando crescemos pensamos que os pais não percebem certas coisas, que estão velhos e...
- Mãe! Nunca disse...
- Deixa-me terminar. - Marylin levantou a mão - Posso deixar passar uma ou outra coisa, esperar até que te sintas preparada para falar. E sempre defendi a ideia que devemos cometer os nossos erros. Mas como mãe preocupo-me, custa-me ver-te sofrer com esta distância que te impuseste. Não sei o que te levou a deixares Richard na cama do hospital e regressar a casa. - Marylin segurou a mão da filha - Estou feliz por te ter aqui, mas tu não estás feliz, e isso leva a que a minha felicidade não seja verdadeira. Sei que estás a sofrer com este afastamento, conheço-te, mas se não me dizes o que se passa não te posso ajudar.
- Mãe, não é tão simples assim.
- Minha querida, o amor não é simples! Achas que nunca discuto com o teu pai?! Discutimos imenso, mas isso não impede de nos amarmos! O casamento é isso mesmo, ir limando arestas ao longo do caminho! Perdoar e recomeçar para depois seguir em frente. O amor sobrevive a tudo, só tem de ser verdadeiro. E apesar de só ter visto Richard uma vez, percebi pela forma como te olhava que te adora. Discutiram?! Acontece. Mas vais desistir?! Numa relação alguém tem de dar o primeiro passo, alguém tem de ceder. Muito, pouco, isso não importa, o que realmente importa é que cedam até que se encontrem novamente algures. Simplesmente não podes desistir. - Marylin levantou-se sacudindo o enorme avental - Agora vou deixar-te com as tuas estrelas. Pensa no que te disse. Mas pensa principalmente numa coisa, és mais ou menos feliz desde que deixaste Richard? - Acariciando a face machucada, deu um beijo na cabeça da filha - Dorme com os anjos.
- Tu também mãe.
Ficou mais um pouco a ver "as suas estrelas", a mãe tinha razão. O amor não é simples. Mas que fazer quando ele não é correspondido?! Humilhamos-nos pedindo um pouco de atenção, um pouco de amor?! Não era feliz agora, mas também não o era antes de regressar a casa. Percebia agora que nunca seria plenamente feliz. Ele apenas tinha uma coisa para lhe oferecer. Satisfação sexual, nada mais. Viver ao lado dele, sendo apenas sua empregada ou escape sexual, não era a sua ideia de felicidade. Não quando o amava com todo o seu ser, quando queria acordar a seu lado todos os dias da sua vida, quando queria ser uma mãe para Yorin e mãe dos seu filhos, quando o seu coração parecia ser apunhalado repetidamente só de imaginar nunca mais estar com ele.
Nunca seria feliz enquanto ele a visse apenas como um consolo, para quando não tinha mais nenhuma mulher disponível. Podia não ser feliz, mas um dia aprenderia a canalizar esse amor para outra coisa, algo que amasse, mesmo que em menos quantidade e intensidade .
- Vou à cidade fazer a ecografia, queres vir? Podíamos beber café.
- Vai sim! - Marylin falou do outro lado da enorme cozinha - Chegou há duas semanas e ainda não saiu daqui, o mais longe que vai é até à sacada. Precisa de apanhar ar.
- Mãe, apanho mais ar que quando estou na cidade.
- Duvido que Richard permita que fiques enfiada, como uma prisioneira, em casa todo o dia.
- Se soubesses. - Christina murmurou.
- Pára de rezar e vai vestir algo decente para acompanhares a tua cunhada.
- Sim senhora. É para já!
- Christina Alt! - Marylin agitou a colher de pau em ar ameaçador.
- Vou a caminho. Estás a ver?!
- E não fales comigo assim. Exijo respeito menina!
Sabia que a mãe apenas pretendia uma reacção da parte dela. Depois da conversa daquela noite que permanecia por casa. E a situação piorou depois de saber que Richard tinha tido alta hospitalar. Além de permanecer em casa, fizera do pijama a sua roupa de eleição! Nada a fazia sair, como se tivesse desistido de viver. Mas era assim que se sentia, um ser inanimado, sem forças para seguir em frente. Tinha percebido nessa madrugada que se não podia viver com Richard, de que servia viver?! Tinha decidido deambular pela vida como um fantasma, isto se a mãe o permitisse.
- Não te vai dar descanso. - A cunhada serviu mais chá.
- Eu sei. Mas não quero sofrer mais. Só de imaginar aquela ruiva colada nele... Que raiva!
- Acredito. Ao contrário da tua mãe, acho que se nunca te fez sentir especial não deves de voltar.
- Um dia fez, foi um dia mágico, nesse dia esqueci as amantes dele, o motivo que me levou até ele... esqueci tudo. Por momentos pensei que tinha acontecido algo especial entre nós.
- E não foi assim?!
- Por uns dias sim, até que chegaram as ameaças outra vez.
Christina contou à cunhada o que se passou quando entregou a moeda e a reacção dele ao dizer-lhe que já podia rasgar o contrato. A cunhada riu por detrás da chávena.
- Acho que estás a deixar escapar algo.
- Como assim?!
- Não sei, acho que se deu a imenso trabalho para ter a certeza que permanecias por perto.
- A única coisa que o levou a manter-me por perto, foi o facto de poder aliviar o desejo sexual sempre que quisesse.
- Tens a certeza disso?!
- Sim, e acho que devemos voltar.
Quando estavam a chegar à quinta quase têm um acidente com um jipe preto. Christina olhou a cunhada que travou a fundo e começou a dizer impropérios. Nunca tinha visto a cunhada dizer tanto impropério junto.
- Estás bem?! O bebé?!
- Estou bem, só furiosa, esta gente da cidade é meio idiota, não percebem que as estradas são mais estreitas?! Quase que nos mata.
- Ainda bem que tens bons reflexos.
- Resultados de tanta corrida entre escola e treinos!
- Para algo serviram os treinos.
- Ainda vou virar condutora de formula um.
As duas riam quando entraram em casa. A mãe falava sem parar e havia no ar um cheiro a bolo, que se misturava com o de assado e um outro que ela reconhecia, mas ao mesmo tempo parecia estranho misturado com os demais aromas da cozinha. Christina ficou colada ao chão ao entrar na cozinha.
- Finalmente! Demoraram imenso! - Marylin tirou o saco da mão de Christina que permanecia de boca aberta - Não fiques aqui parada, apesar dos conselhos do médico, Richard fez esta viagem enorme só para te ver.
Sem comentários:
Enviar um comentário