quinta-feira, 1 de junho de 2017

ESPERANDO UM SINAL 1ª PARTE




- Porquê?!

Por entre as lágrimas, Alisia olhava o tecto da igreja e repetia a pergunta uma e outra vez. Como se o facto de insistir eles lhe respondessem, ou pudessem aliviar a dura carga que era a sua vida. Gostava de ir bem cedo, quando a igreja ainda estava vazia e, depois de se desfazer em lágrimas, deixava o lugar sentindo-se capaz de enfrentar todas as adversidades que o destino lhe reservara.
 Assustou-se ao sentir uma mão pousar suavemente no ombro e sentiu-se espiada, como se tivessem invadido a sua privacidade. À mais de três anos que ia à igreja e nunca falava com ninguém, apenas com as imagens que povoavam a velha igreja. Limpou as lágrimas antes de se voltar, uma senhora de idade avançada olhava para ela sorrindo. Recordava-lhe a sua avó.

- Está bem minha filha? - A velha senhora continuava sorrindo.
- Sim, obrigada.

 Alisia tentou devolver o sorriso ao mesmo tempo que apanhava a sua mala, não queria falar com ninguém. Quando saiu essa manhã de casa pensou poder estar sozinha, como sempre, mas tinha-se enganado e a prova estava ali, a olhar para ela, com um olhar que parecia ler-lhe os pensamentos.

- Desculpe...
- Oh... Eu é que peço desculpa, não me apresentei. Sou a irmã de Victor, o pároco. A menina pertence à paróquia?! Nunca a vi por aqui
- Apenas venho ocasionalmente. - Alisia levantou-se.
- Sabe o que alivia a alma?! Fazer o bem... Se fizer o bem, os seus problemas pareceram muito mais pequenos. Vai ver.
- Sim... Tenho de ir...

Alisia saiu da igreja sem olhar para trás, geralmente olhava algumas vezes, procurando o tão esperado sinal, aquele que anunciava a mudança na sua vida, mas ao regressar a casa tudo permanecia igual. E embora o seu desabafo tivesse sido interrompido por aquela senhora de sorriso doce, desta vez não seria diferente. Sabia que as suas visitas à igreja eram apenas uma forma de descomprimir, de descarregar toda a angustia que sentia.

Dirigiu-se à pousada, para tomar café. Ia ali desde que os donos abriram uma pastelaria nas traseiras da pousada. Gostava de ir cedo, antes que os hóspedes começassem a encher as mesas. Nestes dias, devido a um reencontro de finalistas, a pousada estava cheia. No primeiro dia que eles chegaram foi apanhada desprevenida, e teve imensa dificuldade em desfrutar do seu momento de sossego. Apesar de terem passado a barreira dos vinte anos à muito, pareciam adolescentes. Falando e rindo alto, como se não tivessem problema algum na vida.  Desde esse dia que ela ia mais cedo, pois quando eles se levantassem, tornava-se impossível tomar café.
Entrou pela porta do jardim e sentou-se na mesa de sempre, a mais afastada da entrada e junto à enorme janela de vidro, o café não tardaria a chegar à mesa, ia ali à tanto tempo que Rafael, o empregado, já sabia o que ela pretendia. Um café simples e um croissant. O seu pequeno prazer...

Olhando as pessoas que corriam para se proteger da chuva que aumentava de intensidade, pensou no que lhe disse a velha senhora. Fazer o bem! Como se ela fosse pessoa de fazer outra coisa a não ser o bem! Por isso se perguntava todos os dias o que tinha feito para merecer tal vida!
Não havia pessoa que lhe pedisse ajuda e ela negasse, nenhuma alma batia à sua porta a pedir um pedaço de pão e que saísse de lá sem ele. Mas não o fazia pensando em ser retribuída, e muitas vezes eram apenas pequenos gestos, como ir comprar o pão, visitar alguém no hospital... Ás vezes pensava que nascera com uma espécie de defeito, se percebia que alguém precisava de algo ela oferecia-se para fazer. A sua avó costumava dizer que era um anjo, incapaz de abandonar alguém.
Não abandonara nem odiara ninguém, nem mesmo o seu namorado, quando a trocou por outra! Cuidou da sua avó até que esta faleceu, depois dos seus pais e finalmente o seu marido... Quando se viu no mundo sem ninguém e sem casa própria, o mundo pareceu ruir. Pela primeira vez, via-se na situação de arranjar trabalho para pagar a renda e criar a filha que Deus colocara no seu caminho.

A chuva parecia não abrandar, e por muito agradável que fosse estar ali, tinha coisas a fazer antes de ir apanhar Priscilla. Ficar ali adiantava tanto aos seus problemas como ir à igreja falar com os santos!
Pagou o café e dirigiu-se ao seu carro debaixo de chuva, quando lá chegou tinha as calças molhadas.

Ligou o rádio na sua estação preferida. A voz de Ronan Keating encheu o carro. Aquela era uma das poucas músicas que a faziam arrepiar-se, revia-se muitas vezes nas canções, como se as escrevessem para ela, e If tomorrow never comes, era uma delas. Começou a cantarolar e pouco depois as lágrimas caíam pelo seu rosto enquanto recordava que não se despediu do pai. Estava demasiado emotiva para ir ao banco, mudou de direcção e voltou para casa. Com Priscilla em casa de uns amigos podia chorar à vontade.

Tomou um duche e ligou a televisão, sempre lhe fazia companhia. Encheu uma chávena com café e foi para a janela observar quem passava enquanto o liquido quente lhe aquecia o corpo por dentro. À medida que a manhã avançava ela ia reconhecendo as pessoas que iam passando na rua, sempre apressadas devido à chuva. Pouco depois a sua atenção dirigiu-se para um transeunte que circulava debaixo da chuva.  A camisa branca estava suja de algo preto e colava-se ao corpo pela chuva, assim como as calças. A julgar pela forma como andava, estava furioso. Não o reconheceu, talvez fosse um turista perdido. Sentiu pena dele, se estivesse numa terra estranha, também gostaria que a ajudassem.

- Bom dia. - Alisia gritou quando abriu a janela - Precisa de ajuda?!
- Se souber mecânica. - Ele respondeu secamente.
- Tem o carro avariado?! - Alisia olhou em redor, procurando o veiculo.
- O mecânico não será para mim!

Ele respondeu bruscamente e ela arrependeu-se de ter perguntado. Olhou para ele incrédula. Ela estava a tentar ajudá-lo e ele estava a ser arrogante! Talvez assim deixasse de se preocupar com os demais! Já tinha problemas de sobra, não precisava de problemas alheios! Então porque o fazia? E constantemente?! Porque te sentes útil! Respondeu-se mentalmente.

- Peço desculpa, não era minha intenção ofender. - Alisia começou a fechar a janela - Que tenha um bom dia.
- Olhe. - Ele passou a mão no cabelo molhado e atravessou a estrada - Peço desculpa. Como deve compreender não estou a ter um dia fácil.  Não pretendia ofendê-la ao perguntar se percebe de mecânica, se percebe eu...
- Não percebo, mas posso deixá-lo telefonar.
- Agradeço-lhe imenso.

Alisia fechou a janela e foi abrir a porta. Por instantes ficou a olhar para ele, quando o viu na estrada não lhe parecia tão alto. Tinha a barba por fazer e estava mais molhado do que aparentava.

- Devia de mudar de roupa.
- Assim que puder é o que farei. Se me disser onde está o telefone...
- Desculpe, entre. - Alisia esperou que ele entrasse e fechou a porta, felizmente estava a chover e nenhuma vizinha o viu entrar - Vou deixá-lo sozinho.
- Obrigada. - Ele olhou para o telemóvel - Desculpe, mas não sou de cá. Pode dar-me a lista?
- Não é preciso - Alisia apanhou o telemóvel e procurou o número - Aqui está.

Alisia deixou-o sozinho e foi buscar uma chávena de café para ele, precisaria... Ele era mais ou menos do tamanho de Mat, talvez lhe servisse alguma roupa...

- Tem a certeza que é esse o número?
- Claro! É o meu mecânico. Prefere outro?!
- É completamente indiferente, mas não atende!
- Terá de insistir. - Ela deu-lhe a chávena e ele olhou-a de soslaio - É café, vai aquecê-lo.
- Obrigada.

Alisia deixou-o novamente e foi procurar roupa para ele, voltou com uma camisa e umas calças que lhe deu perante o olhar incrédulo dele.

- Isto?!
- Para se quiser mudar de roupa. Devem servir-lhe. - Alisia olhou para ele, que olhava para ela como se estivesse perante uma louca - Mas se preferir ficar molhado...
- Obrigado. - Disse enquanto apanhava a camisa - Mas a camisa é mais que suficiente.

Alisia deixou a sala ao reparar que ele começou a despir a camisa sem algum pudor ali mesmo. E sem esperar que ela abandonasse a sala!

- Desculpe. - Falou de costas para ele - Não prefere lavar-se?!
- Não quero incomodar. E muito menos arranjar-lhe problemas.
- Problemas?!
- Com o marido ou namorado.
- Não tem do que se preocupar. - Alisia agarrou o telemóvel e tentou ligar a Pete enquanto ele terminava de vestir a camisa. - Não atende.
- Conhece outro?
- Não, mas posso ir consigo até lá.
- Não é preciso. Posso pedir um táxi.
- Eu vou para lá, tenho de fazer uma visita lá perto.
- Se não for demasiado incómodo.

Alisia olhou para ele quando se sentou no carro, as pernas pareciam grandes demais para o seu pequeno Seat.

- Talvez tivesse sido boa ideia aceitar as calças.Vou molhar-lhe o carro.
- Não se preocupe. - Ela olhou para ele - Quer que passe na pousada para que mude de roupa?
- Não estou hospedado na cidade.
- Oh! - Quando ele chamou cidade à pequena vila, tomou consciência que estava sozinha no seu carro com um desconhecido, e que se ele quisesse fazer algo, não tinha como impedi-lo. - A oficina é nos arredores...
- Não precisa ficar nervosa. Não vou assaltá-la!- Ele olhou-a fixamente - E se pretendesse algo do género, não acha que teria aproveitado a oportunidade ali em casa, onde ninguém nos via?
- Não disse isso. - Alisia sentiu-se um pouco incomodada com a observação dele.
- Nem precisava, o seu tom de voz mudou completamente. - Ele estendeu-lhe uma mão. - Nicholas Prat.
- Prazer, Alisia.
- Estou de passagem por negócios e o carro avariou durante a viagem. Como era madrugada tive a brilhante ideia de ver se conseguia resolver a situação. Mas a única coisa que consegui foi sujar-me, e antes que se lembre...  - Meteu a mão ao bolso das calças e tirou de lá um telemóvel que ainda pingava - Também teve um pequeno acidente, caiu dentro de uma poça de água. Como pode ver fiquei sem contactos que me pudessem ajudar e sem conhecer ninguém a situação ficou mais complicada.
- Isso é aborrecido.
- Muito mesmo... Enfim... não contava com este problema.
- Na oficina vão certamente resolver a avaria num instante.
- É sempre assim, tão optimista?!
- Optimista eu?!
- Sim. Optimista e solidária. - Ele levou a mão ao cabelo - Faz isto muitas vezes?!
- O quê?
- Ajudar pessoas em apuros.

Alisia ia responder, dizer-lhe que sim, era normal. Que não via mal nenhum em ajudar os demais, mas depois pensou no seu falecido marido e calou-se. Felizmente a oficina estava ali à sua frente e pode esquivar a resposta.

- Chegámos.
- Obrigada.
- Não tem de quê. Vou apresentar-lhe Pete.


Saiu do carro seguida dele, dirigiu-se ao escritório. Quando Pete a viu sorriu-lhe.

- Olá. Espero que não venhas reclamar da pintura. - Pete abraçou-a e olhou para o homem que a acompanhava - Uma nova causa?!.
- Sabes como sou. - Alisia sorriu-lhe - Pong?!
- Está nas traseiras.

Depois de apresentar Pete a Nicholas, dirigiu-se às traseiras da oficina e procurou Pong por entre os pneus velhos e latas de óleo. Ali estava ele, deitado num pneu, ao vê-la saltou-lhe para o colo o que a fez cair no chão sujo.

- Olha o que fizeste?! - Alisia acariciou a cabeça dele e ele latiu - Agora além de molhada estou suja.

Pong ladrou enquanto saltava à sua volta. Rindo da alegria que ele mostrava ao vê-la, sentou-se num pneu e brincou com ele. Quando ele se deitou no chão molhado, ela recordou o dia que o encontrou, à beira da estrada.
Quando passou por ele apenas viu uma mancha acastanhada. Foi preciso parar e aproximar-se para ver o pequeno animal na berma, imóvel. Sentindo-se devastada pela crueldade das pessoas, pois era apenas um cachorro, colocou a mão no corpo! Mal respirava! Com o coração em pedaços meteu-o no carro. Como puderam abandoná-lo?! Era apenas um cachorrinho!  Depois de três dias no veterinário, levou-o para casa e semanas depois ele já caminhava. Infelizmente não podia ficar com ele. Numa visita à oficina perguntou a Pete se sabia de alguém que quisesse o pequeno boxer. Ficou encantanda quando ele se ofereceu para ficar com ele. Desde esse dia, fazia um ano, que sempre que podia, ia visitá-lo.
Voltou a acariciar o animal e foi para o seu carro. Nicholas estava encostado ao seu carro falando com Pete.

- Como o encontras-te?! - Pete olhava para ela.
- Feliz, sujo mas feliz.
- Já deu para ver!

Pete olhou para as suas calças e ela sentiu-se observada por ele e por Nicholas. O que levou a sentir um ligeiro calor nas faces.


- Como lhe estava a dizer, logo vou apanhar o carro e vejo o que se passa com ele. - Pete estendeu a mão - Entretanto aqui o nosso anjo da guarda, pode levá-lo até à pousada.
- Já incomodei que chegue. Se pudesse usar o telefone...
- Peço desculpa, mas está avariado. E Alisia vai para esses lados, não é?
- Claro.


Alisia conduzia por entre os carros, embora parecesse concentrada no trânsito, a sua cabeça estava ocupada com Nicholas. Embora estivesse completamente molhado da cintura para baixo, não parecia incomodado com isso. Ela devia de ter insistido para que tomasse banho e tira-se aquela roupa molhada, podia apanhar uma pneumonia! Olhou de soslaio para ele, a camisa de Mat, parecia pequena demais para ele e as calças estavam coladas ás pernas compridas, revelando umas pernas fortes.

- Peço desculpa. - Nicholas interrompeu os seus pensamentos.
- A culpa não é sua que o carro tenha avariado.
- Refiro-me a ver-se obrigada a suportar a minha presença. Pete não a devia pressionar.
- Pete não me pressionou, ele sabe isso. Bem, chegámos. Se precisar de algo que possa ajudar...
- Obrigada. Fez mais que suficiente. - Nicholas estendeu-lhe a mão - Mais uma vez desculpe por ter sido rude consigo.

Alisia ficou um pouco a olhá-lo enquanto ele entrava. Quando se misturou com o trânsito ainda sentia o calor da mão dele, esfregou a mão nas calças, tentando livrar-se daquela sensação de calor, e dirigiu-se para casa pensando como a vida era engraçada. Como todos os dias o destino coloca outras pessoas no nosso caminho, pondo à prova os nossos valores como se de um exame de aptidão se tratasse. E à qual ela respondia da melhor forma que conseguia, mesmo sentindo que a vida não era justa para com ela.

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