- Ainda não sei. Hoje fui ao centro de emprego. Mas não encontrei nada, está complicado.
- Pois... O homem da casa morreu...
- Priscilla! Não gosto que fales assim de Mat!
- Não gostava dele! E se pudesse tinha fugido... - Priscilla calou-se - Desculpa mãe. Desculpa.
- Oh filha... - Alisia abraçou a filha - Gostava tanto, mas tanto de poder dar-te uma vida melhor.
Alisia começou a chorar abraçada à filha, o coração da pequena batia agitado no peito, assim como o dela.
- Não chores mãe... Quando eu fugisse, levava-te comigo.
- Fico feliz por ouvi-lo.
Alisia limpou as lágrimas, no mundo de Priscilla tudo se resolvia se Mat não existisse. Mas ela sabia que não era essa a resposta. Houve tempos em que Mat foi a solução dos seus problemas, mas acabou por se tornar mais um! Mas não podia esquecer que ela é que tinha escolhido casar com ele. Ele explicara bem o que pretendia do casamento, ela aceitara pensando que era o melhor a fazer. Tinha prometido...
- Mãe?! Queres que vá abrir?!
- O quê?
- A porta!
- Sim. - Alisia olhou o relógio - Deve de ser Ann a apanhar o bolo.
Mais uma vez Alisia perdia-se nos seus pensamentos, como se ao recordá-los pudesse perceber onde tinha errado e assim encontrar maneira de seguir em frente. Abanou a cabeça ligeiramente afastando aqueles pensamentos e colocou o bolo numa caixa. Ann tinha-lhe pedido para fazer um bolo para a neta que fazia anos. Velas, faltavam as velas, onde as tinha colocado?!
- Mãe!? - Priscilla gritava da entrada.
- Vou já!
- Mãe!!!
Dirigiu-se à porta para pedir a Priscilla que não gritasse e a Ann que entrasse enquanto procurava as velas, mas quando chegou à porta o sorriso congelou ao ver Nicholas parado na entrada com um saco na mão
- Peço desculpa por aparecer assim.
- Não se preocupe.
- Olá Alisia. -Ann apareceu por detrás de Nicholas - Vim muito cedo?!
- Olá Ann. - Alisia suspirou pensando que nessa noite a vizinhança já tinha o que falar. - Vou apanhar o bolo, faltam as velas.
- Vou contigo. - Ann olhou Alisia - Não sabia que tinhas visitas.
- Oh... Nicholas é um amigo.
- Amigo de Mat suponho.
- Sim, vá entrando. - Alisia olhou para ele e para a filha - Peço desculpa, pode esperar um pouco?
- Claro.
- Priscilla fazes companhia a Nicholas?!
- Amanhã toda a gente sabe que tivemos um homem aqui em casa...
- Priscilla...
- Já me calei...
Alisia dirigiu-se à cozinha onde Ann tentava disfarçar que tentara ouvir o que diziam. Pouco depois acompanhou Ann à porta. Quando regressou à sala Priscilla falava a Nicholas sobre as vizinhas e como gostam de falar na vida dos outros.
- É feio falar das outras pessoas quando não estão presentes. - Alisia repreendeu-a. - Peço desculpa por ter de esperar Nicholas. Aceita um café?
- Obrigada, apenas vim devolver a camisa. - Ele estendeu a camisa cuidadosamente dobrada.
- Porque não ficas?! - Priscilla olhou para ele descaradamente e depois falou orgulhosa. - A minha mãe faz o melhor bolo de chocolate do mundo!
- Não é assim tão bom. - Alisia envergonhou-se, os elogios nunca fizeram parte da sua vida.
- É ou não?! Agora fiquei curioso. - Nicholas sorriu a Priscilla - Temos sempre tempo para uma fatia do melhor bolo do mundo.
- Boa! -Priscilla olhou para ele sorrindo
- Vou fazer café.
Alisia arrumou a cozinha enquanto fez café e aqueceu leite para a filha. Quando se aproximava da sala ouviu Priscilla falar com Nicholas.
- Esta sou eu quando era criança.
- Eras muito bonita. E este, é o teu avó?
- Esse é Mat... - Priscilla riu - É o marido da minha mãe.
- O teu pai.
- Mat não...
- Quem quer bolo de chocolate? - Alisia interrompeu a conversa deles, Priscilla nunca falava da sua vida com ninguém- Tens aqui o teu leite. - Alisia deu o copo à filha e olhou para ele - Quer o café simples ou com açúcar?
- Simples, obrigada.
- Pete resolveu a avaria?
- Sim. Amanhã posso retomar a minha vida. E graças a si.
- Não foi nada. Sendo assim, depois quer que o leve à pousada? - Alisia percebeu que podia ser mal interpretada - Desculpe, não estou a dizer-lhe para se ir embora.
- Fica sempre preocupada com o que os demais pensam?! - Ele olhou para ela mas continuou - Não é preciso, aluguei um carro - Ele comeu um pedaço de bolo e olhou para Priscilla - Tens toda a razão, este é o melhor bolo de chocolate que já comi.
- Eu disse. - Priscilla disse aquilo como se fosse um dado adquirido. - Posso ir apanhar o meu álbum para mostrar a Nicholas?
- O teu álbum?! - Alisia ficou espantada com o interesse dela em mostrar o seu maior tesouro - Claro.
Alisia ficou a olhar a filha dirigindo-se ao quarto. À excepção dela, apenas Sly, um amigo da escola, vira aquele álbum. O que levava Priscilla a mostrá-lo a Nicholas?!
- Peço desculpa por tanto entusiasmo, não costumamos receber muitas visitas.
- Não tem de pedir desculpa por nada. Priscilla é adorável.
- Obrigada.
- Olha... - Priscilla entrou com o seu tesouro - Não mostro isto a muitas pessoas...
- Então é um privilégio! - Nicholas olhou para as mãos da pequena - Sinto-me honrado.
Alisia olhou a filha enquanto ela ia descrevendo a Nicholas o que tinha no álbum, o seu primeiro e último bolo, que saíra torto, os aniversários, os passeios da escola, o seu periquito que já morrera. Elas as duas na praia... Alisia envergonhou-se ao ver que estava com um minúsculo bikini. Esquecera aquela foto... Ao recordar o dia emocionou-se, Priscilla tinha seis anos e esse foi o último ano que foram à praia, pois nesse ano o pai dela falecera e ela teve de casar com Mat... Conteve uma lágrima antes de olhar a filha.
- Não foi mãe?! - Priscilla puxava-lhe a mão - Mat não nos deixou ter um gato.
- Sim. - Alisia respondeu com a voz trémula.
- Certamente tem as suas razões. - Nicholas levantou-se - Tenho de ir. Obrigada por tudo Alisia. - Ele voltou-se para a pequena - Adorei conhecer-te Priscilla.
- Não ficas para jantar?!
- Priscilla!! - Alisia não reconhecia a filha - Nicholas terá coisas mais importantes a fazer.
- Ele disse que não conhecia ninguém na vila... - Priscilla quase chorava - Podia ficar... nunca vem ninguém...
Priscilla correu a esconder-se no quarto deixando Alisia completamente abismada.
- Peço desculpa, ela não costuma agir assim. Nem sei que lhe deu hoje.
- Talvez possam sair quando o pai chegar. Assim...
- Mat faleceu. - Alisia disse-o rapidamente, não que lhe incomodasse falar em Mat, apenas não gostava de falar com outros sobre a sua vida privada. E mesmo sem querer, graças a Priscilla, Nicholas sabia mais dela que as suas vizinhas.
- Sinto muito. Talvez seja por isso que ela está assim. As crianças tendem a exteriorizar de outra forma.
-Talvez.
- Boa noite Alisia, mais uma vez obrigada.
Alisia acompanhou-o à entrada e ficou a vê-lo subir no carro. Fechou a porta e começou a arrumar as chávenas enquanto pensava na sua filha, Priscilla era uma menina adorável, tinha de reconhecer que perdeu parte da sua alegria quando ela casou com Mat, mas era necessário... Se não fosse por Mat não teriam onde dormir!
- Nicholas foi embora?! - Priscilla ainda soluçava - Podias ter-lhe pedido para ficar.
- Priscilla não sei o que te deu hoje! Não és impertinente e hoje comportaste-te como tal! E Nicholas não é da tua idade! - Ao ver os olhos cheios de lágrimas da filha resolveu abordar a situação de outra forma - E já pensaste que pode ter uma filha à espera dele?! Gostavas que eu te deixasse à espera por causa de outra menina?!
- Não... - Priscilla apanhou um prato e colocou-o no tabuleiro - Desculpa mãe! Sabes?! Gostei dele.
- Deu para notar. - Alisia beijou a filha.
- É bonito, parece um príncipe.
- Parece?! - Desde quando a sua filha de doze anos apreciava homens?!
- E reparaste que tem os olhos como os meus?!
- Têm?!
Então era isso, a filha identificava-se com ele, não era a primeira vez que isso acontecia. Sly era seu amigo por essa mesma razão, os dois tinham os olhos negros. Durante muitos anos fingiram que eram irmãos!
- Eu vou... - Priscilla correu para a porta quando ouviu a campainha. - Mãe!!!
- Outra vez Priscilla?! Não gosto que grites.
- Eu sei, mas Nicholas voltou!
- E trago uma proposta. - Nicholas sorria.
- Uma proposta?! - Alisia olhava para eles de mão dada como se fossem velhos conhecidos.
- Pensei em levá-las a jantar.
- Diz que sim... - Priscilla olhava suplicante - Por favor!!!
- A jantar?! Não me parece...
- Oh mãe... porque não podemos?!
- Sim, porque não?! - Nicholas olhou para ela - Aceite-o como forma de agradecimento.
- Não precisa agradecer.
- Você também não precisava ajudar. Como Priscilla fez questão de salientar, não conheço ninguém e vocês estão sozinhas.
- Mas eu fiz jantar. - Alisia não se sentia confortável em sair com outro homem, ainda que fosse para agradecer-lhe. Talvez porque nunca ninguém perdera tempo a fazê-lo ou porque fazia muito tempo que não saía de todo - Agradeço o convite mas não vamos poder aceitar...
- Porquê mãe!?
- No entanto...- Alisia continuou - Como já fiz jantar, se gostar de lasanha, pode jantar connosco.
- Lasanha! Fizeste lasanha?! - Priscilla olhou esperançosa para Nicholas. - Ficas?!
- Só se me deixarem lavar a loiça.
- Não sejas tonto...temos máquina. Não temos mãe?!
- Temos sim. - Alisia sorriu.
- Vou mudar de roupa. - Priscilla desapareceu.
- Não tinha porque ficar. - Alisia olhou para ele - Mas agradeço por ter aceite.
- É o mínimo que podia fazer depois de teres negado o meu convite.
- Não leve a mal...
- Leves! - Ele interrompeu-a.
- Desculpe?!
- Depois de tudo e se vamos jantar juntos, podemos dispensar as formalidades.
- Muito bem, não leves a mal, mas desde que o meu marido morreu que não saímos muito.
- Foi à muito tempo?
- À alguns meses. Mas tudo passa não é mesmo?!
Alisia ignorou olhar inquiridor dele e começou a colocar os pratos em cima da mesa e os copos.
- Eu faço isso.
Nicholas retirou-lhe os copos da mão e os seus dedos tocaram-se, ela retirou a mão ao sentir o calor da mão dele. Mais uma vez sentia o calor dele percorrer o braço dela, não sabia como interpretar a sensação que lhe percorria o corpo. Abriu o frigorífico e tirou a alface, ao olhar o sumo lembrou-se que não tinha vinho!
- Bolas!
- Algum problema?!
- É que... Bem, como somos só as duas não tenho vinho.
- Geralmente não bebo, por isso não te preocupes com isso. Água serve perfeitamente.
- Não temos sumo de laranja?!
Priscilla entrou naquele momento. Alisia olhou para ela, tinha um vestido azul de lã e um casaco branco. Prendera o cabelo com uma fita branca com um laço.
- Percebeste que não vamos sair?! - Alisia sorriu para a filha.
- Mas temos visitas e dizes sempre que devemos estar apresentáveis.
- E estás muito bonita.
Nicholas piscou-lhe o olho, o que fez Priscilla sorrir envergonhada quando agradeceu.
Priscilla monopolizou a conversa e quando terminaram de jantar, Nicholas sabia quais os colegas de escola que gostava e quais detestava. Assim como as professoras e disciplinas favoritas. Depois a conversa voltou-se para temas mais sérios e quando repararam ela adormecera no sofá.
- Se me indicares onde é o quarto posso levá-la.
- Obrigada.
Alisia tirou os sapatos à filha quando ele a apanhou ao colo e olhou para ele ao ouvi-lo rir levemente.
- Não pensavas que fosse tão pesada?!
- Não pesa assim tanto! - Nicholas segui-a - Ela estava muito preocupada com a vizinha.
- Pois... amanhã seremos motivo de conversa. - Alisia abriu a porta do quarto - Podes deitá-la.
- Por isso disseste que era amigo do teu marido?!
Ele recordava isso?! Dissera-o sem pensar. Ou pensara demais!? Esperava que assim Ann não fosse telefonar a todo o bairro para avisar que ela tinha um homem em casa!
- Ann é uma jóia de pessoa, mas gosta demais da vida alheia. - Alisia aconchegou a filha antes de apagar a luz.- Por esta altura já fizeram um filme.
- Não te incomoda que falem de ti?
- Um pouco. - Alisia encostou a porta do quarto. - Queres café?
- Acho que devia de ir.
- Oh...desculpa.
Ele sorriu e ela pensou no que disse a filha, um príncipe. Sim, parecia um príncipe, pena que os príncipes viram sapos!
- Nunca conheci uma mulher que pedisse desculpa tanta vez! - Nicholas segurou-lhe um braço.
- Ensinaram-me a fazê-lo. - Alisia olhou a mão dele no seu braço, sentia a pele queimar.
- Assim como te ensinaram a ajudar os demais?! - Ele levantou uma sobrancelha.
- Isso é defeito de fabrico.
- Defeito?! Não me parece. Quando abriste a janela e perguntas-te se queria ajuda, estava furioso. Por isso fui rude contigo. Passaram por mim imensos homens e algumas mulheres, todos olhavam mas nenhum se ofereceu nem para chamar um reboque.
- As pessoas são desconfiadas.
- Mas tu não. - Nicholas aproximou-se - Um dia, na melhor da hipóteses, podes ser assaltada, tens de ter cuidado.
- Não tenho nada que os demais queiram. Por isso estou tranquila. O que poderiam querer de mim?!
- Talvez tenhas mais do que imaginas.
Alisia olhou-o nos olhos e viu como os olhos dele ficavam mais escuros, naquele instante sentiu medo e um arrepiou percorreu o seu corpo. O que a levou a olhar para a mão dele, para ver se ela tinha congelado e descarrega-se nela o frio que sentira.
- Tenho de arrumar a cozinha. - Alisia disse sem pensar.
- Oferecia-me para ajudar, mas não quero ajudar a aumentar os rumores sobre ti.
Alisia viu como o rosto dele se aproximou do dela, ficou paralisada. O que ele estava a fazer?! A resposta chegou em forma de um breve beijo nos lábios entreabertos. Beijo que não demorou mais que uns segundos, sentiu como ele se afastava e levou a mão ao rosto dela acariciando-o levemente.
- Gostei de te conhecer Alisia.
Nicholas saiu deixando-a parada no meio da sala, como se estivesse colada ao chão. Quando saiu daquele torpor, foi arrumar a cozinha. Mas não conseguia deixar de pensar nele.
Que tinha acontecido?! Porque a beijara?! Não, aquilo não era um beijo. Bem, era! Mas não um beijo entre um homem e uma mulher. Fora breve, como o beijo que Mat lhe dera quando casaram e os poucos, todos circunstanciais, que trocaram ao longo de seis anos! Mas, se era igual, porque ficou incapaz de se mexer?! E porque sentia aquele calor quando ele lhe colocou a mão no braço?!
Com essa e outras perguntas apagou a luz e foi deitar-se.
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