quinta-feira, 29 de junho de 2017

O REFÚGIO





- Não me interessa como o consegues, mas quero essa entrevista!
- Se fosse assim tão simples.
- Faz com que seja simples. Vocês têm os vossos truques para conseguirem o que querem.
- Que queres dizer com isso?!

Ellen enfrentou O`Reiley. À alguns meses atrás teria medo ate de lhe dirigir a palavra, mas agora, talvez porque além de ser seu patrão era seu namorado, não se coibia de dizer-lhe o que pensava, o que gerava alguns atritos entre eles.

- Que as mulheres têm a vida facilitada.
- Não concordo. Mas já agora diz-me, como achas que vou conseguir com que me receba? Segundo disseram não...
- O que dizem não importa. - O`Reiley estava furioso - Nem que tenhas de dormir com ele!
- Desculpa?! Espero que não estejas a insinuar o que penso!

 Ellen olhava para  ele sem acreditar no que acabara de ouvir. Sabia que ele estava sobre uma grande pressão, a direcção tinha ameaçado despedir alguns dos funcionários se as vendas continuassem tão baixas, mas isso não lhe dava o direito de insinuar algo semelhante!

- Desculpa. - O`Reiley mexeu num papéis antes de olhar para ela - Esta gente dá comigo em doido. Os números falam por si, as vendas estão a cair a pique! Apenas uma história assim nos pode salvar.
- Porque não envias Swan?!
- Ela está fora de questão, à muito que passou dos trinta.
- O que tem que ver?! Continua a ser uma boa jornalista.
- És tão ingénua. - O`Reiley largou as folhas que tinham na mão e aproximou-se dela.
- Não te entendo, ultimamente estás muito estranho.
- Não tenho nada de estranho, apenas aponto as evidências.
- As evidências...
- Minha querida, os homens gostam de um bom par de pernas. E convenhamos, Swan tem os seus encantos, mas as tuas pernas são bem mais apelativas. - O`Reiley segurou-a pela cintura antes de a beijar brevemente - E ninguém resiste aos teus olhos verdes, se jogares bem os teus trunfos podes escrever o artigo do século.
- Que se passa contigo?! Parece que me estás a enfiar na cama do tipo!

Ellen afastou-se dele, não estava a gostar do rumo que a conversa estava a levar.

- Ora Ellen, não te faças de pudica. Sabes que este mundo é duro, precisamos de fazer alguns sacrifícios. Uns mais prazenteiros que outros!
- Os sacrifícios que estou disposta a fazer, não passam por ir para a cama de ninguém!
- Não te coibiste de entrar na minha.

Ellen olhou para ele sem querer acreditar no que ouvia. Nem no que acabara de fazer. Apenas percebeu que lhe tinha dado um estalo, quando ele levou a mão ao rosto enquanto olhava pelas janelas de vidro do seu gabinete. Segui-lhe o olhar, felizmente todos os seus colegas estavam ocupados.

- Parece que me enganei a teu respeito! - O´Reiley ainda esfregava o rosto - Esta vai sair-te cara.
- Se alguém se enganou fui eu! - Ellen engoliu as lágrimas que ameaçavam cair e enfrentou-o - Mas estamos sempre a tempo de reparar os nossos erros. Vou apanhar as minhas coisas, deixo a chave no porteiro.
- Não te esqueças que ainda trabalhas para mim.
- Como esquecer?! Mas vou tirar o resto do dia, afinal tenho férias a tirar.
- Aproveita o dia para rever o teu contrato. E já que insistes faz as malas, mas não as desfaças. Vão fazer-te falta para a viagem.
- Viagem?! - Ellen parou com a mão na porta.
- Sim, vais para a Irlanda.
- O quê?!
- Como ouviste. - O `Reiley já estava de volta à secretária - Agora é uma ordem, afinal sou apenas teu patrão. Se te negares a ir ou te despedires, não vais conseguir emprego em nenhuma redacção ou editora. Ah, e se não conseguires a entrevista igual.
- Tu não podes...
- Tens a certeza?! Este é o teu primeiro emprego, ninguém te conhece. Dependes de mim para continuar a trabalhar neste meio. Se te comportares direitinho serei bom contigo, caso contrário serás mais uma na longa lista de desempregados. E tenho a sensação que terás sérias dificuldades em voltar a trabalhar.
- És um canalha!
- Não. Apenas uso os meios que tenho ao meu alcance para conseguir o que quero. E tu és apenas mais um meio! - O`Reiley soltou uma gargalhada ao ver a cara de espanto dela - Não faças essa cara querida. Contratei-te porque pensei que eras... Como dizer, mais aberta, mas liberal, mas confesso que me desiludiste. Esperava mais de ti, afinal sabias ao que vinhas.
- Pensei trabalhar para uma revista, não para um bordel!
- Em todo o lado existem várias formas de subir na vida, umas mais rápidas que outras. Aqui não é excepção.
- Pois eu prefiro ficar estagnada!

Ellen saiu batendo a porta com força, o que originou o murmúrio entre os colegas quando ela apanhou a sua mala e entrou no elevador.

Enquanto se dirigia ao apartamento de O`Reiley pensou em como se deixou enganar por ele. Devia de ter percebido algo aquando do seu súbito amor por ela, dois dias depois de se conhecerem. Ou do convite para que fosse viver com ele com um namoro tão recente. Ou ainda do facto de, mesmo não a tendo contratado, também não contratou Mary. Mas estava encantada com os olhos azuis dele e com as palavras bonitas que lhe dizia. Nunca um homem mostrou interesse nela. Tivera um namorado antes, mas acabaram quando ela enveredou pelo jornalismo. O que agradeceu durante os anos que estudou, conseguiu evitar distracções e pode concluir o curso dentro do tempo que tinha estipulado.

Quando terminou a faculdade percorreu as editoras e as redacções, com uma amiga a distribuir currículos. E quando, dias depois, O`Reiley aceitou marcar entrevista com as duas, ela ficou tão feliz que não pensou em mais nada sem ser na entrevista. Entrevista que ele assegurou ser das que mais gostara de fazer, mas que ao mesmo tempo lhe era penosa, pois teria de abdicar de uma delas, e ele preferia não ter de escolher. Pensou que nunca mais teria noticias dele, pois Mary tinha melhores notas que ela. Mas quando O`Reiley lhe telefonou pediu-lhe que fosse sozinha ao escritório dele.

- Nunca me vi nesta situação, nem sei que dizer.
- Não se preocupe. - Ellen sentiu-se triste, ele preferira Mary - Eu compreendo, Mary é uma excelente...
- Minha querida, não estás a compreender. - O`Reiley sorria para ela - A minha indecisão devesse a que não sei se te peça para trabalhares comigo, se para namorares comigo. Não consigo dormir desde que te conheci.
- Oh... - Ellen ficou vermelha e sem saber que dizer.
- Dizes bem. Oh! Que faço se não consigo deixar de pensar em ti?!

O`Reiley segurava-lhe uma mão e olhava-a com olhos sedutores. Ficaram a falar um pouco mais e ele insistiu em acompanhá-la a casa nessa noite. Pouco tempo depois de a deixar, telefonou a dar-lhe as boas noites.
Começou a trabalhar para ele na semana seguinte. A coluna que escrevia não era propriamente a maior, nem a melhor da revista, eram apenas reportagens sobre animais ou associações de beneficência, mas ela adorava o seu trabalho.
Mesmo estando a trabalhar para ele encontravam-se várias vezes depois do trabalho e poucas semanas depois deixava o apartamento que dividia com Mary para se mudar para casa dele.
Quando se mudou ele ficava a trabalhar até mais tarde e ela ocupava o tempo a pesquisar futuras entrevistas, ou a rever alguns artigos que ele deixara em casa para rever quando voltasse à noite. Um dia ao ver as revisões que ela tinha feito, perguntou-lhe se, em vez de escrever a coluna de noticiazinhas sem interesse, estava disposta a escrever artigos a sério. Aceitou sem pensar duas vezes, não que estivesse cansada de escrever as notícias menos "importantes", sabia que precisava de tempo para ser igual a Swan, uma das mais reconhecidas colunistas da revista, e entrevistar grandes nomes da sociedade. Mas naqueles seis meses, nunca imaginou que ele esperava dela outras coisas para conseguir uma história.

Ellen fechou a porta do hotel e atirou com a mala para cima da cómoda. Ligou o computador e procurou no email o seu contrato. Depois de o ler, percebeu que tinha de avisar com trinta dias de antecedência que se iria despedir. Engoliu em seco, teria de ir à Irlanda procurar o recém eremita! Escreveu a carta de despedimento, se ia despedir-se quanto mais cedo o fizesse melhor. Mas depois de a escrever ficou a olhá-la. E se não conseguisse a entrevista?! Era melhor esperar até ter a certeza que ia conseguir a entrevista.

Saiu para comprar um casaco, segundo sabia podia estar a nevar na zona para onde tinha de ir e os seus casacos, embora fossem bons, não estavam preparados para a neve.

Assim que se deitou adormeceu, e na manhã seguinte ficou admirada de ter dormido tão bem, na noite anterior achou que ia sentir falta dele, mas tal não aconteceu.  Entrou no duche com a sensação que ir viver com ele tinha sido o seu maior erro, Talvez aquela sensação fosse apenas o resultado da desilusão que lhe provocara saber o que ele esperava dela.

Quando chegou à redacção os colegas olhavam para o gabinete de O`Reiley, onde ele e Swan falavam. Mas que a julgar pelos gestos desta, a conversa não lhe estava a ser agradável. Dirigiu-se à sua secretária e começou a juntar as suas coisas. Pouco depois Swan saiu furiosa do gabinete de O`Reiley e foi para a casa de banho sem dizer nada. Todos voltaram ao que estavam a fazer, como se Swan fosse uma estranha e o que a preocupava não fosse assunto deles. Fechou a gaveta com fúria e juntou-se à colega que lavava o rosto tentando disfarçar as lágrimas.

- Está tudo bem?

 Ellen olhou para o reflexo da colega no espelho. Embora fosse mais velha que ela vinte anos, Swan  mantinha um corpo invejável. No rosto oval, levemente maquilhado, sobressaiam uns lábios finos e uns olhos azuis, que naquele momento estavam mais brilhantes por causa das lágrimas.

- Como o aguentas?! - Swan olhou-a com a raiva estampada no rosto. - É um homem odioso. Sabes o que me disse?! Que estou velha para fazer a entrevista aos directores do festival. Acreditas?! Velha! Não tenho mais vinte anos, mas sou boa no que faço!
- Não devias acreditar no que diz.
- Sabes o que me dá mais raiva?! Saber que a palavra dele é lei aqui.

Swan voltou a lavar o rosto e entre soluços abafados começou a maquilhar-se.

- Swan, não deixes que...
- O meu nome não é Swan. Chamo-me Gwen. É esse o meu nome.
- Sempre pensei que...
- Swan foi o nome que me deram quando comecei a trabalhar aqui. Era nova e, segundo o anterior director, linda como um cisne, consegui muitas entrevistas por conta deste corpo. Não me orgulho do que fiz, mas assim como tu deixei-me seduzir por alguém como ele. Pensei que era importante para ele, mas acabei por ser mais uma. Agora tenho marido e um filho e isso pertence ao passado, mas foi difícil, bem sei que ainda olham para mim de lado. Mas a culpa foi minha por não lhe fazer frente. Por isso te admiro, não te deixas-te espezinhar! Gostava de ter tido a tua força.
- Tens agora, e isso é o que importa.
- Obrigada.- Gwen abraçou Ellen. - Sempre vais até à Irlanda?!
- Assim parece.
- Vais gostar, é um país frio nesta época do ano mas é lindo. Sabias que a Irlanda é conhecida como A Ilha Esmeralda ?
- Não.
- É assim chamada devido à predominância de vegetação verde em praticamente todo o território


Pouco depois a redacção voltava ao normal e ela saía do prédio em direcção ao aeroporto. A pequena apresentação que Gwen lhe fez sobre a Irlanda, levou-a a pesquisar mais sobre a zona onde ia.

A costa ocidental da Irlanda consiste principalmente de arribas, colinas e montanhas baixas, sendo o ponto mais elevado o Carrauntoohil, com 1 041 m. O interior do país é predominantemente composto por terras agrícolas relativamente planas, atravessadas por rios como o Shannon e ponteado por vários lagos grandes, os loughs. O centro do país faz parte da bacia hidrográfica do rio Shannon, e contém grandes áreas de paul, usados para a produção de turfa.
O clima temperado da ilha é modificado pela corrente do Atlântico Norte e é relativamente suave. Os verões raramente são muito quentes, faz frio no inverno, algumas vezes chega a nevar. A precipitação é muito comum, com até 275 dias de chuva por ano em algumas partes do país.

Olhou para as suas malas e sorriu, felizmente tinha comprado um bom casaco, mas não esperava encontrar neve, para isso não se tinha prevenido!

Pesquisou sobre Carlingford, esse era o seu destino por uns dias. Carlingford era uma pequena vila pertencente ao condado de Louth, na península Cooley. A pequena vila, que tinha poucos habitantes, iniciou o seu desenvolvimento há cerca de 800 anos após a construção estratégica de um castelo às margens da praia, que mais tarde passou a ser chamado de King John’s Castle. Além dele, Carlingford também guarda outras construções medievais como castelos de menor porte e um portão da época em que o povoado era cercado por muros de proteção, o The Tholsel ou o "portão da cidade" é o único exemplo restante de sua natureza em Carlingford e um dos poucos na Irlanda. Originalmente tinha três andares de altura - a aparência actual devido à alteração feita no século XIX. A função original era cobrar impostos sobre os bens que entram na cidade - os assaltos no lado das paredes são testemunhos desse fato. A igreja da Santíssima Trindade, o Convento da República Dominicana, De Gaulle, Market Square...

Tudo lhe parecia maravilhoso, mas o que lhe despertou maior curiosidade foi o Castelo do Rei João, o irmão de Ricardo coração de leão!  Sabia que estava fechado ao público por motivos de segurança, mas esperava vê-lo nem que fosse ao longe.
Sabia que apesar da parte ocidental ter sido encomendada por Hugh de Lacy antes de 1186, o castelo devia o nome ao rei John (irmão Richard the Lionheart ) que visitou Carlingford em 1210. A parte oriental, essa foi construída em meados do século 13, com alterações e adições que foram ocorrendo nos séculos XV e XVI. Na década de 1950, o Escritório de Obras Públicas (OPW) realizou trabalhos de conservação para estabilizar a estrutura.

Sonhando com todos os locais que podia visitar desligou o computador e subiu a bordo do avião. Irlanda esperava-a e se não conseguisse a entrevista, ao menos ficava afastada de O`Reiley por uns dias.

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