quinta-feira, 13 de julho de 2017

O REFÚGIO 6ª PARTE




Ellen observava Luc em silêncio. Este estava de costas para a porta e parecia-lhe hipnotizado pela chuva que ainda caía, pois não a ouviu chegar. Concentrou-se no reflexo da janela, o vidro reflectia um rosto cansado, pareceu-lhe um pouco preocupado, e desejou poder afastar aquela preocupação do rosto dele.

- É normal chover tanto?

Luc voltou-se ao ouvi-la e sorriu-lhe.

- Sim. Uma vez ficámos isolados por duas semanas.
- Tanto tempo?! Deve ser bastante aborrecido.
- Gosto de estar isolado. - Luc encolheu os ombros e estendeu-lhe uma chávena fumegante - Bebe.

Ellen agarrou a chávena e bebeu um pouco, ao sentir o líquido queimar-lhe a garganta tossiu.

- Que meteste aqui?
- Nada de mais, vai fazer-te entrar em calor.
- Já entrei em calor! - Ellen colocou a chávena em cima da mesa - Podes dizer-me o que é?
- Bebe, não é nada demais. - Luc agarrou a chávena e bebeu um pouco - É apenas chá de limão com brande.
- Brande?! - Ellen retirou-lhe a chávena da mão. - Estás louco? Estás a tomar medicamentos.
- E isso preocupa-te?
- Claro! E se Niel soubesse também se ia preocupar.
- Niel preocupasse demais.
- Claro que sim! Ele gosta de ti!
- E tu?!

 Luc aproximou-se dela e ela retrocedeu até sentir a bancada nas costas. Olhou para ele, enquanto pensava em algo para lhe responder. A preocupação dela era por isso?! Assim como Niel, ela também gostava dele?! Não podia ser, não o conhecia à tempo suficiente. Mas mesmo que não gostasse, algo sentia.

- Vamos fazer este jogo infantil por muito tempo? - Luc segurou-lhe o rosto de forma a olhá-la nos olhos.
- Jogo?! - Ellen perdeu-se nos olhos dele.
- Dada a minha actual condição física não me incomoda, mas tenho de admitir que é um pouco frustrante.
- Não te estou a perceber.
- Não?!

 Luc inclinou-se sobre ela e quando estava prestes a beijá-la afastou-se, como se naquele momento se arrependesse do que ia fazer. Olhou-a fixamente e depois sentou-se na cadeira que estava mais próxima.

- Fala-me do teu pavor.
- Pavor?!
- Disseste que um cão te atacou.
- Ah, isso!  Já o superei.
- Se assim fosse, não ficavas apavorada com qualquer ruído.
- Talvez.
- Ficaste muito magoada?

Ellen olhou-o e forçou um sorriso.

- Vais insistir não vais?
- Podíamos fazer coisas mais aprazíveis, mas falar do teu pavor é mais seguro.

Ellen olhou por instantes, era melhor não pensar no que ele dissera. Ele tinha razão, era mais seguro falarem do seu medo, que analisar o que sentia quando estava junto a ele. Agarrou a chávena e  sentou-se na cadeira que estava no outro lado da mesa.

- Foi antes da minha entrada para a escola, tínhamos-nos mudado à pouco e a minha mãe pediu-me para ir à loja que ficava ao fundo da rua. Lembro-me que ia a cantar quando um cão começou a correr na minha direcção. Não era muito grande, mas assustei-me e gritei. Depois chorei enquanto corria o mais rápido que conseguia, só parei quando ele me mordeu. - Ellen estremeceu ao recordar - Quando vi o sangue comecei a chorar ainda mais alto, foi nessa altura que as pessoas perceberam o que se passava. Apesar das tentativas para que me soltasse, não o fez. A única vez que abriu a boca foi para me morder a perna outra vez! No instante seguinte tudo desapareceu e quando acordei estava no hospital. Depois desse dia nunca mais consegui estar junto a um cão.
- Imagino que não seja fácil.
- E por via das dúvidas nunca mais cantei. - Ellen tentou brincar.
- Deixas de fazer tudo aquilo que te pode magoar?
- Acho que todos fazemos isso.
- Nem todos. - Luc fez uma pausa - Por isso foges de mim?!
- Não estávamos a falar de cães?! - Ellen olhou a chávena e depois olhou para ele - E não fujo de ti.
- Não?!
- Não. Apenas não sei que pensar de tudo isto.
- Então não penses de todo! A vida não tem graça se a viveres ponderando tudo o que fazes. Podes perder experiências fantásticas.
- Espero que as costelas partidas e tudo o mais, te providenciassem uma experiência única.
- Sim, foi única. - Luc levantou-se - Mas não no sentido que devia.

Ellen desejou apagar o que tinha dito, mas era tarde demais. Luc tinha saído deixando-a sozinha entregue aos seus pensamentos.
Pela forma como ele falava, o motivo daquele acidente ainda o magoava. Mas ele tinha alguma razão, ela ponderava tudo o que fazia. A única coisa que não tinha ponderado na sua vida, tinha sido o facto de ir viver com Jim, e tinha-se arrependido.
Tudo na sua vida era ponderado, o primeiro namorado, o curso que escolhera, a mudança, aquela viagem. Tudo, menos a mentira que estava a viver, essa não foi ponderada. Mas que estava a chegar ao fim, pois se Luc não voltasse a desmaiar, durante o tempo que Niel estivesse ausente, quando este regressasse, a presença dela ali deixava de ser necessária. E pensar que teria de regressar deixava-a ligeiramente triste.

Ao longe ouviu-se um vidro a partir-se. Ellen pensou o pior. Correu para o quarto de Luc, mas o quarto estava vazio. Quando regressava à cozinha Luc saía de uma das divisões da casa.

- O que aconteceu!?
- Nada de mais. Apenas um bibelot que caiu.
- Caiu... - Ellen olhou-o nos olhos - Vou apanhar os cacos.
- Deixa isso.

Luc segurou-lhe a mão quando ela tentou abrir a porta que ele acabava de fechar. Ellen não retirou a mão e manteve o olhar dele, tentando perceber algum indício que lhe dissesse porque o bibelot tinha caído. Mas o olhar dele apenas revelava um olhar triste, tão triste que lhe tocou a alma.

- Sendo assim podes mostrar-me a casa!? Isto se ainda quiseres.
- Vamos iniciar a excursão.
- Podemos começar por aqui.

Luc sorriu quando ela voltou a colocar a mão na maçaneta da porta para a abrir.

- Porque não.

Por detrás da porta estava um escritório, a secretária estava repleta de papéis o que mostrava que ele trabalhava ali. As estantes tinham livros sobre contabilidade, gestão de empresas e algumas pastas de arquivo. As datas, essas misturavam-se. A janela enorme dava para a frente da casa, apesar da chuva, conseguia ver o portão de ferro. Um telemóvel estava em cima de um monte de papéis, Ellen segurou-o olhou para ele.

- Funciona?!
- Claro!
- O meu não funciona.
- Algumas operadoras não funcionam aqui.
- Estou a perceber.
- Se precisares de falar podes usar esse.
- Obrigada.

Ellen foi invadida por um sentimento de solidão e colocou o telemóvel em cima dos papéis. A quem ia ela telefonar?! Não tinha ninguém que se preocupasse com ela. Apenas Jim sabia que ela estava ali, e a única preocupação dele era o artigo.  O artigo que lhe podia dar o maior número de vendas e o reconhecimento dos directores. Ao voltar-se viu os vidros no chão. Ali estava o bibelot que "caíra".  Sorriu tristemente e olhou para ele, que encolheu os ombros e abriu a porta.
As restantes habitações ela conhecia mais ou menos, a cozinha, a sala enorme e os salões de janelas gigantescas com as mesas e as cadeiras correspondentes. Uma sala mais pequena onde apenas existia um conjunto de sofás, uma estante com televisão e uma lareira, a sala estava ligada a outra com um bar e uma mesa de bilhar.

- Não sabia que jogavas bilhar!
- E não jogo. Era do meu pai, acho que é a sala mais inútil que existe.
- Porque não a decoras ao teu estilo?!
- Decorar?!
- Sim, fazer dela uma coisa que gostes.

Ellen sentiu-se estranha perante o olhar que ele lhe dirigiu. Depois sentiu-se idiota, ele nunca teria decorado nada na vida. Quando muito mandava decorar! Abriu a boca para lhe pedir desculpas por se estar a intrometer, mas ele colocou a mão nas costas dela e abriu a porta da sala.

- Vou pensar nisso. Pronta para ver o andar de cima?
- Claro.


Ellen seguiu-o até ao primeiro andar. Luc foi abrindo portas e descrevendo o seu interior. Na sua maioria eram quartos, todos decorados com mobílias de madeira em linhas recentes e com casa de banho privada. A excepção era o quarto que pertencera à mãe dele, o mobiliário era antigo e parecia aguardar que a dona chegasse a qualquer instante. Ellen olhou-o encantada, a cama recordava-lhe a da rainha, era de dossel em madeira escura, um leve tule protegia a cama na sua totalidade de algum insecto mais atrevido. A cómoda tinha um espelho enorme e um banco forrado no mesmo tecido beige da colcha. Imaginou uma dama a pentear os longos cabelos. Sentiu uma certa pena ao fechar a porta do quarto.

Espreitou pelas janelas enormes do corredor, todas tinham vista para a mata que circundava a casa. Ao olhar para um quadro, percebeu que Luc esperava por ela junto a uma porta no fundo do corredor. Quando chegou junto a ele, Luc abriu a porta que dava acesso a uma pequena sala de convívio. Ele sentou-se num cadeirão e deixou-a apreciar o interior. O olhar dela prendeu-se na enorme estante que ocupava a parede mais perto da janela. Nas prateleiras de cima algumas molduras com rostos a preto e branco. Olhou atentamente para os livros, não eram muitos, mas todos eles eram antigos e de autores consagrados. Do lado esquerdo, um écran ocupava parte da parede, em frente um conjunto de sofás em pele. No lado oposto, junto a outra janela, uma mesa que lhe despertou curiosidade, em cima do tampo, uma pasta, um recipiente com lápis de carvão, outro com cores pastel. Ellen segurou uma das folhas que estavam na mesa, eram desenhos! Um rosto cansado, desenhado a carvão, sorria. Numa outra, uma menina segurava uma rosa. A pasta de capa preta, estava decorada com um desenho por terminar, o que chamou a sua atenção. Abriu-a, e ficou encantada com o que viu. Os desenhos seguiam-se uns atrás de outros, quase todos desenhados a carvão, apenas alguns deles estavam pintados com cores pastel. Eram lindíssimos!

- Gostas?

Ellen sobressaltou-se ao ouvi-lo. Voltou-se para lhe responder e esbarrou nele. Estava tão absorta nos desenhos que não deu por ele se levantar.

- São lindos!
- Eram da minha mãe.
- Era artista?
- Não. Apenas gostava de desenhar.

 Luc segurou o desenho que ela tinha na mão e manteve-se em silêncio a olhá-lo. O desenho retratava dois meninos a brincar na praia. Um olhar mais atento conseguia notar que cada traço fora desenhado com muito amor. O coração encolheu-se ao pensar que uma daquelas crianças podia ser ele.

- Este era o espaço dela...  - Não era uma pergunta, apenas queria dizer algo - Talvez devêssemos...

Ao sentir a mão dele, retirar-lhe os desenhos e colocá-los na mesa, não se moveu. A forma como a olhava dizia-lhe o que ele ia fazer, podia sair dali, mas não queria, nem queria pensar nisso. Quando Luc lhe colocou uma mão na cintura e a puxou suavemente para junto dele, acabando assim com o pouco espaço que existia entre eles, ela não ofereceu resistência, apenas levantou a cabeça para receber o beijo que ele lhe oferecia. No segundo seguinte as línguas provocavam-se mutuamente. A mão de Luc procurou a pele dela por debaixo da camisola e ela rodeou-lhe o pescoço com os braços. A mão dele tornou-se mais atrevida e procurou os seios dela, o que a levou a gemer ao sentir o toque dele. Mas, contrariamente ao que ela pensava, não continuou a acariciá-la. A mão que lhe acariciava o seio desceu até à cintura. No mesmo instante que sentiu como ele tentava levantá-la, ouviu-o gemer de dor e soltá-la.

- Raios! Droga!
- Luc...
- Bolas! Não imaginas o frustrante que é! - Ele afastou-se dela e levou a mão ao ombro magoado.
- Não, não imagino. Mas não precisas de ficar assim.
- Como não?! - Luc estava pálido. - Desejo-te! Raios!

Ellen olhou-o sem saber que dizer, nem que fazer.

- Dói-te muito?
- Magoa-me mais saber que quero dormir contigo e não consigo.
- Se o problema é dormir, acho que podemos fazer algo a respeito.

Ao ver o olhar dele, Ellen arrependeu-se do que disse. Que raio lhe tinha passado pela cabeça?! Tinha-se oferecido para dormir com ele! Nunca tinha feito nada igual! O que pensaria dela?!

- Dormir?! Não era o que tinha em mente, mas é melhor que nada. - Luc olhou-a enquanto continuava a massajar o ombro. - Espero não demorar a ficar recuperado.
- Se continuas a fazer aventuras destas não vai ser assim tão rápido.
- Se dormires comigo não preciso de as fazer.

Luc sentara-se numa cadeira para que ela lhe massajasse o ombro com gel, mas a sua cabeça não pensava no que estava a fazer, mas sim no que tinha dito, e chegava á conclusão que não o devia ter feito!
Ele era um homem vivido, ao contrário dela, que não tinha tanta experiência como lhe fizera crer. Estava habituado a mulheres liberais, mulheres que dão o primeiro passo. Ela não dera o primeiro passo, mas tivera a ousadia de dizer que dormia com ele! Mas algo o incomodava, pois desde que desceram que mal falavam. E isso contribuía para aumentar a sua insegurança.
Estava tentada a voltar atrás. Ele não a iria forçar a nada. Não era esse tipo de homem. E mesmo que fosse, não conseguia. Bem, se analisasse a situação friamente, chegava à conclusão que podiam dormir juntos. E sempre podia gabar-se de ter dormido com ele! Mordeu a língua ao pensar naquilo. A quem diabos ia dizer que dormiu com ele e sem terem nada em concreto?! A ninguém! Pois não tinha amigas a quem fizesse uma confidência daquelas. E no caso de ter, quem acreditaria que dormiu na mesma cama que ele sem que tivessem um contacto mais íntimo?! Ninguém acreditaria que Luc MacKeane, o homem que tinha uma lista interminável de mulheres desejosas de entrar na sua cama, dormira com...

- Acho que está bom.
- Desculpa. - Ellen envergonhou-se, esquecera o que estava a fazer.
- Podes continuar deste lado. - Luc voltou-se na cadeira e abraçou-a pela cintura - Gosto de sentir as tuas mãos.
- Não sou assim tão boa.

Ellen fechou os olhos ao sentir as mãos dele dentro da sua camisola. Ela também gostava quando ele a acariciava. Exactamente como naquele momento, dificultando-lhe o raciocínio.

- Acho que te subestimas.
- Estás enganado, sei bem do que... - Ellen calou-se quando ele lhe abriu o sutiã. - Que estás a fazer?
- Não é evidente?!
- Sim, mas...

Ellen fechou os olhos quando ele levantou a camisola e lhe beijou a barriga. A cada beijo ela estremecia de desejo. O calor dos ombros dele parecia queimar-lhe as mãos, ao mesmo tempo que a sua pele parecia incendiar-se à passagem das mãos dele. Conteve a respiração quando ele se levantou e começou a tirar-lhe a camisola, naquele instante percebeu que o seu corpo desejava mais. Perante o olhar dele, colocou-lhe uma mão no peito e fez uma ligeira pressão para ele se sentar. Sem deixar de o olhar, despiu a camisola e sentou-se no colo dele, para conseguir desfrutar do contacto dele. Quando ela terminou de se ajeitar no colo dele, Luc colocou-lhe as mãos nas nádegas e puxou-a para mais perto. Ao fazê-lo ele contorceu-se e ela saiu de cima das pernas dele.

- A tua perna!
- Esquece-a. Anda...
- Não posso...
- Eu é que não posso mais!
- Terás de aguentar. - Ellen vestiu a camisola por cima da pele nua.
- Para ti é fácil falar! Não és homem!
- Porque acham que, o facto de sermos mulheres, temos a vida facilitada!?

Ellen saiu do quarto batendo a porta, irritada com ele e com ela mesma. Se aquela frase lhe recordou Jim, as dores dele fizeram-na tomar consciência que, ainda que por uns breves momentos, esqueceu que ele estava em convalescença. Isso irritou-a, nunca tinha sido desconsiderada com ninguém! Como podia esquecer os ferimentos dele!? Sempre teve em consideração os sentimentos dos demais, nunca fazia nada que pudesse magoar alguém.  Mesmo no trabalho insistia em respeitar os demais, e isso reflectia nas suas reportagens, todas elas eram preparadas com cuidado, tendo muito cuidado com as palavras que escolhia. E não era só com as pessoas! Até dos animais ela tinha pena! Recordou um dos primeiros trabalhos que fez. Durante a cobertura da inauguração de um abrigo para animais, numa conversa com a directora, percebeu as enormes dificuldades que atravessavam e, na impossibilidade de o levar para casa, acabou por apadrinhar um gato. Nesse fim de semana discutiu com Jim, pois ele achava aquele dinheiro muito mal gasto. Mas ela não conseguia dormir pensando que podia ajudar e não o fazia.

- Estás aborrecida comigo!?

Luc tentou abraçá-la mas ela afastou-se e abriu a porta do frigorífico fingindo procurar algo.

- Não mais que comigo mesma.
- Fui injusto para contigo. Não devia de descarregar a minha frustração em ti.
- Não devias, mas foi o que fizeste. Os homens acham que basta-nos abrir as pernas, ou mostrar os peitos e temos todos os problemas resolvidos.
- Não disse isso !
- Disseste que era mais fácil! É a mesma coisa ! E eu devia de recordar que estás a recuperar, e não andar a esfregar-me em ti!
- Gostei que te esfregasses em mim .
- Pois espero que tenhas aproveitado, pois juro-te que não vou voltar a...

Luc beijou-a interrompendo a promessa dela. Assim que a boca dele se apoderou da dela, rodeou o pescoço dele e esqueceu a promessa que estava a fazer. E quando as costas embateram na parede, ela soube que estava perdida. Naquele momento soube, com toda a certeza que nunca lhe iria resistir.

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