domingo, 9 de julho de 2017

O REFÚGIO 5ª PARTE




Devido à chuva que se tinha feito sentir nestes últimos dois dias, Niel não aparecera para ver Luc. Mas nessa manhã chegara mais cedo que o habitual para lhe retirar as ligaduras.
Ela ainda estremecia ao recordar os hematomas, que estavam bem visíveis no peito dele. Apenas os tinha visto momentaneamente, antes de ele a mandar sair do quarto, mas foi tempo suficiente para começar a imaginar as dores que ele teria.

Enquanto tomava o pequeno almoço com Niel, este olhou-a de forma estranha quando ela lhe perguntou se Luc não devia de ficar com as ligaduras por mais tempo.  Niel sorriu ligeiramente e informou-a que actualmente apenas usavam as ligaduras por alguns dias nas fracturas das costelas e por duas a quatro semanas nas do omoplata. E esclareceu-a que optou por colocar ligaduras porque Luc insistira em fazer a recuperação em casa. Pretendia assim ter a certeza que este não ia abusar, mas as ligaduras não obtiveram o resultado esperado, apenas os desmaios o levaram a ser mais cauteloso.

Ao notar que Niel a olhava por cima da chávena estremeceu, as perguntas que tinha feito mostravam a sua ignorância quanto à medicina.

- Está tudo bem !?
- Claro. - Ellen desviou o olhar - O sr. MacKeane disse algo!?
- Apenas que não gosta que o chame de senhor.
- Não convém esquecer o nosso lugar.
- Luc não dá importância a essas coisas.
- Mas dou eu.

Ellen sentiu-se incomodada com o olhar de Niel. Parecia querer ler-lhe o pensamento, como se quisesse confirmar as suas suspeitas.

- Luc consegue ser bastante desagradável. - Nile rodou a chávena na mesa - Em apenas duas semanas, fez com que quatro das minhas melhores enfermeiras, saíssem daqui sem desejo de voltar.
- Duas semanas!? Pensei que o acidente tivesse ocorrido à mais tempo!
- Faz exactamente três semanas amanhã. - Niel colocou a chávena na pia - Apenas uma delas não se mostrou merecedora de confiança. Quanto ás outras, ele fez de tudo para as aborrecer e assim ficar sozinho. Como está a agir de forma estranha pensei que a tivesse incomodado de alguma forma. Se quiser posso falar com ele, se bem que ache que não vai servir de muito.
- Obrigada, mas não é nada com que eu não consiga lidar.
- Óptimo. Sendo assim vou visitar a minha irmã e volto para a semana. Espero que não tenha problemas na minha ausência, agora sem as ligaduras vai querer começar a sair.
- Algumas restrições em especial?
- Nada de mais. Mas tome especial atenção aos desmaios, apesar de não se terem repetido não convém que saía sozinho. Se a febre voltar sabe o que tem a fazer. E espero realmente que consiga que ele faça os exercícios que lhe recomendei.
- Acha que não os vai querer fazer?
- A minha preocupação não está em que não os faça. Conheço-o demasiado bem para saber que vai exagerar na quantidade.
- Compreendo.

Olhou para Niel, aquilo queria dizer que Luc não podia ficar sozinho por muito tempo. Enquanto Niel mantinha uma conversa de circunstância, ela recordou que tinha de rever o rascunho do seu artigo. Existiam alguns lapsos temporais no relato que tinha feito.
Niel apanhou o casaco que tinha deixado numa cadeira, e despediu-se deixando-a a limpar a mesa onde beberam café. Enquanto metia as chávenas na máquina recordou o haltere que Luc tentava alcançar. Se desobedecia ás ordens de Niel com o braço ligado, nem queria pensar no que faria agora que não tinha ligaduras. Mas porque se preocupava com o que ele fazia?! Se desobedecesse a Niel o problema era dele. Ele é que tinha de suportar as dores! Ele devia de ser o principal interessado em cumprir as ordens médicas. A sua recuperação total dependia disso! E até uma criança compreenderia isso!
Irritou-se ao perceber que, apesar de só o conhecer à dias, preocupava-se com ele. E em demasia!

Olhou o seu reflexo no enorme espelho que havia na parede do corredor. Nada no seu aspecto levaria qualquer homem a desejar beijá-la! Não tinha qualquer maquilhagem, as calças de ganga já estavam mais que usadas e a camisola era bastante recatada. Até tivera cuidado com o cabelo! Nessa manhã, ao tomar duche tinha apanhado o cabelo num coque, ao ver-se no espelho da casa de banho recordou Jim, e no facto de ele dizer que ao usar o cabelo preso lhe tirava qualquer desejo de tocá-la.
Pensando no beijo de Luc, deixou-o preso. Agora ao ver-se achava que tomara a decisão certa. O cabelo preso dava-lhe um ar mais respeitável, apenas lhe faltavam os óculos para parecer uma professora ou uma bibliotecária. Bateu ligeiramente antes de entrar. Ele usava umas calças pretas e terminava de passar pela cabeça, ainda húmida pelo duche, uma t-shirt branca. Ellen engoliu em seco, sem as ligaduras mantinha uma postura mais direita, o que acrescentou uns centímetros à altura, e mesmo de costas a figura dele era impressionante. Quando ele se voltou, ainda viu parte dos hematomas, o que a fez sair daquele devaneio e lembrar as recomendações de Niel.

- Espero que não pense em sair.
- Porquê?
- Niel pediu-me para não o deixar sair.
- Pensas impedir-me?!

Ellen não conseguia desviar a vista do corpo dele à medida que se aproximava dela, a forma como a olhava recordou-lhe o beijo da noite anterior e desejou que ele a arrebata-se nos braços. Irritou-se com ela mesma e encarou-o como se a culpa dos pensamentos dela fosse dele.

- Se for preciso.
- E como o pensas fazer?
- Algo me há-de ocorrer.
- Então pensa rápido.

Como se tivesse lido os pensamentos dela,  Luc só parou quando ficou muito próximo. Ellen levantou ligeiramente a cabeça para o olhar nos olhos. Sentiu os lábios ficarem húmidos, quando viu que ele olhava para a sua boca é que percebeu que inconscientemente mordia o lábio inferior. Sentiu as faces ficarem quentes quando ele levou a mão ao rosto dela e acariciou-lhe os lábios. Ao sentir o toque dele estremeceu e fechou os olhos, quando os abriu novamente a boca dele aproximava-se perigosamente da sua. Levantou a mão até ao peito dele com intenção de o afastar, mas o calor da boca dele levou a que a mão repousasse no peito dele. A língua dele procurava a dela com alguma urgência, o que levou Ellen a gemer quando estas se tocaram. Pouco depois sentia o braço dele na sua cintura apertando-a contra ele, como se aquele gemido fosse uma espécie de sinal para ele ir mais além, e para surpresa dela, percebeu que desejava que assim fosse! Mas ele não foi, quando o corpo dela pedia mais intimidade, ele deu o beijo por terminado e olhou-a sorrindo.

- Já pensaste?!

Ellen olhou-o sem perceber como podia beijá-la ao ponto de ela desejar ir para a cama com ele, e depois esperar que raciocinasse direito? Ainda mais quando ele a mantinha ali bem perto dele. Tão perto que podia sentir que o beijo não a tinha afectado só a ela!

- Não?! Nesse caso acho que não te resta outra alternativa a não ser seguir-me.
- Mas não pode sair...

Ellen viu-se novamente beijada por ele, a sua cabeça negava-se a pensar coerentemente. A única coisa de que tinha consciência era do desejo que sentia quando ele a beijava, e de como o coração dele batia debaixo da sua mão.

- Acho que vou usar isso como pretexto para te beijar.
- Não! - Ellen tentou afastar-se dele.
- Não?! - Luc franziu o sobrolho - Vais dizer que não gostaste?
- Isso não...
- Vou interpretar isso como um sim.

Ellen olhou para ele, enquanto ele abria a porta do quarto, sem saber que pensar nem que dizer. Ainda se sentia atordoada pelos beijos e pela mão que ele mantinha na cintura dela com a maior naturalidade do mundo.

- O que viste da casa e dos arredores?
- Como?!
- A casa... Esquece, vou mostrar-te. Acho que podemos começar pelo andar de cima.
- A sua...

Luc voltou-a para ele e beijou-a. Sentiu a mão dele no seu cabelo e pouco depois os cabelos caíam sobre os ombros. Quando deixou de a beijar deu-lhe o elástico que tinha usado para prender o cabelo, o que lhe recordou que ele era um mestre na arte da sedução.

- Vou gostar de te dissuadir.
- Pára! - A voz dela saiu como se fosse um murmúrio.
- Viste?! Fizemos progressos. - Luc beijou-a brevemente - Agora fico à espera de ouvir o meu nome.
- Progressos?! - Ellen tentou afastar-se mas ele manteve o braço na cintura dela. - Podes soltar-me?
- Não estás presa. - Luc sorria - Apenas te mantenho por perto para o caso de me desequilibrar.
- Agora estás preocupado?!
- Não. Mas é uma boa desculpa para te ter por perto.
- Podes parar de falar como se houvesse algo entre nós?!

Luc parou de sorrir e segurou-lhe o rosto para a olhar nos olhos. O olhar dele estava frio, tão frio quanto a chuva que recomeçava a cair lá fora.

- Não podes negar o que existe entre nós.
- Não vou negar, mas também não lhe vou dar importância! Se achas que por me beijares eu...
- Já sei... Não sou o primeiro a beijar-te.
- Exactamente!

Ellen viu o olhar dele ficar negro como a noite e depois tornar-se brilhante como se tivesse luz própria. O braço que ele tinha retirado da sua cintura voltou para lá e puxou-a com alguma fúria até bater no corpo dele, a boca desceu sobre a dela, mas sem a suavidade dos beijos anteriores. Mas isso não evitou que ela gemesse e rodeasse o pescoço dele. Ao sentir que ela respondia, ele suavizou o beijo e relaxou o braço. Quando ela tinha uma certa dificuldade em respirar, parou de a beijar.

- Aposto o que quiseres que não sentiste nada disto.
- És um canalha!
- Diz-me algo que ainda não me tenham dito.

Ellen ficou na sala a ver como ele se afastava. Levou uma mão aos lábios e teve de admitir que ele fazia com que sentisse coisas que nunca sentira. Durante o tempo que viveu com Jim, ele nunca a fez delirar com um simples beijo. O desejo dos primeiros dias tinha desaparecido e ultimamente era preciso bastante incentivo da parte dela para ele mostrar desejo. Mas o desejo de Luc era bem visível! Sentira-o nas suas coxas quando a apertou junto a ele. E ela sentia um turbilhão de sensações, umas novas e outras não tão novas, mas mais intensas e arrebatadoras! O que lhe tinha feito aquele homem!?

Fosse o que fosse, tinha de terminar. Ele não podia ter aquele controle sobre ela. Mas se bastava um beijo para se render, se ele a isso se prepusesse, não tardaria muito até pedir-lhe ou pior, implorar para passar uma noite na cama dele!

Isso não ia acontecer nunca! Ela não iria ser mais uma na longa lista dele. As revistas deviam de trazer um alerta, e não levá-las a suspirar por ele!

Decidida a colocar um ponto final naquele situação começou a arrumar as suas coisas. Ao agarrar o bloco onde tinha as anotações recordou o motivo que a tinha levado ali. Se regressasse sem o artigo, Jim iria certificar-se que não voltaria a trabalhar.

Sentou-se na cama a olhar a mala. Tinha vinte e sete anos e os seus namorados resumiam-se a um namoro de adolescente e a Jim, entre um e outro nunca teve um caso de verão ou um amigo colorido.
Apenas Jim, e depois de o deixar a única coisa que estava à sua espera era o seu trabalho, trabalho que adorava.  E se queria continuar a fazer o que gostava precisava daquele artigo. E Jim não lhe iria facilitar a vida.
Pensava ter encontrado alguém especial quando o conheceu, mas acabou por se revelar uma grande desilusão em todos os aspectos. Gostava da companhia dele e como uma idiota deixara-se iludir pelas palavras bonitas. E se ele não tivesse insinuado... Insinuado não! Ele deu-lhe ordem para dormir com Luc! Se não fosse isso, ainda estariam juntos.

Tinha de pensar no que fazer, se regressava sem a história, Jim iria destruí-la e depois não teria trabalho. Se ficasse, seria Luc o seu carrasco. Mas tinha a sensação que independentemente da sua escolha iria sofrer.

Naquele instante a prioridade era a sua carreira. Tinha de ser objectiva, Luc era um homem bonito carismático, o sonho de qualquer mulher. Estavam ali sozinhos, tudo o que fizessem era assunto deles. E que mal tinha se ela aproveitasse a atracção que sentiam para escrever o artigo da sua vida?! Ao longo da história coisas piores se tinham feito por motivos menos justificáveis.
Depois de regressar a casa, quem saberia que tinha conseguido a entrevista em troca de uns beijos!? Pois não passaria disso mesmo, Luc estava a recuperar de um acidente. Não estava na melhor forma física, e, certamente, sexo não estava nos seus planos. E se estivesse, não seria ela a escolhida. Ele procuraria alguém à altura, não uma repórter que se fazia passar por enfermeira.

Decidida a conseguir o artigo que a libertaria de Jim, voltou a colocar as suas roupas nas gavetas. Ao voltar-se um vulto passou na janela do quarto.

Ficou um pouco a olhar a janela. Só estavam eles em casa, se ela estava ali, só podia ser ele! Era naquelas alturas que achava que ele era uma criança presa no corpo de um adulto. Quem se lembraria de sair com aquele tempo?! Podia apanhar uma pneumonia, e Niel estaria ausente por uma semana! Largou tudo e saiu para tentar convencê-lo a regressar a casa.

Hesitou ao ver a chuva que caía copiosamente. Antes que se arrependesse saiu e começou a contornar a casa, a cada passo sentia a chuva cada vez mais gelada na sua pele. Começou a preocupar-se ao não ver ninguém, onde estaria ele? Não tinha consciência que podia desmaiar a qualquer momento?! Nas traseiras da casa uma parte do muro estava caído, foi até lá correndo o melhor que a chuva permitia. Teria ele saído por ali?! Ao chegar lá verificou que a água formava pequenas poças no que lhe parecia ser o rasto de pneus. Teria ele um carro ali?! Ou quando ele não estava a propriedade era invadida por terceiros?!

- Tens algum atestado que comprove a tua sanidade?!

A voz dele chegou ao mesmo tempo que um guarda chuva a protegia da chuva. Respirou de alivio. Ele estava ali! Voltou-se lentamente, não pretendia demonstrar que se tinha preocupado com ele.

- A minha sanidade?! Pensei que tivesses saído.
- Com este tempo?!
- À pouco pretendias sair.
- Não. Tu pensaste isso! Naquele momento eu tinha outras prioridades.

Um barulho entre os arbustos levou-a a apertar o braço dele, enquanto olhava assustada para o local do ruído.

- Não tens cães?!
- Cães?!
- Sim! - Ellen olhou-o assustada - Podemos regressar?
- Tens medo de cães?
- Tenho sim. - Ela apertou mais o braço dele - Se fosses atacado também terias.
- Foste atacada? - Luc colocou o braço em redor dos ombros dela - Podes ficar tranquila, não tenho cães.

Mas Ellen não estava muito tranquila, enquanto regressavam mantinha o braço de Luc apertado e olhava constantemente para trás. O calor dele começou a chegar a ela através da camisola molhada. O que a levou a recordar o beijo e imaginou que ele a encostava à parede e lhe tirava a camisola ao mesmo tempo que lhe beijava a pele gelada pela chuva que caía nos corpos unidos pelo desejo. Estremeceu ao perceber que bastava o toque dele para o desejar. Quando entrou em casa  respirou de alivio ao ouvir a porta fechar-se.

- Vou mudar de roupa.

 Mas não se afastou dele. Olharam-se como se fosse a primeira vez que se encontravam. Por uns instantes não disseram nada, algumas gotas pingaram do cabelo dela e Luc limpou-as com a mão. Ellen manteve o olhar fixo no dele enquanto ele lhe retirava o cabelo do rosto.

- Acho melhor. - Mas assim como ela, ele também não se moveu - Não me convém uma enfermeira doente.
- Pois...

Os dois inclinaram-se ao mesmo tempo, procurando a boca um do outro com urgência. Ellen sentia o calor do corpo dele chegar ao seu aquecendo-a, ao mesmo tempo que os lábios dele aqueciam os dela. Quando ele estendeu os beijos ao pescoço dela, percebeu que o desejava mais que alguma vez tinha desejado Jim. Naquele instante não pensou que era mais uma na lista dele, nem no artigo que tinha de escrever. Apenas queria sentir o calor das mãos dele por debaixo da camisola molhada. Assim como sentir os lábios percorrendo o seu corpo, com a mesma habilidade com que percorria o seu pescoço.

- Vai mudar de roupa. - Luc afastou-a - Espero por ti na cozinha.
- Luc?!

Ellen olhou para ele sem perceber como ele conseguia beijá-la com tal intensidade e depois parecer tão distante.

- Vai. Ou acabo por querer fazer o que sei não conseguir.

Ellen deixou-o na sala e dirigiu-se ao seu quarto. Ligou a água e olhou o seu rosto afogueado no espelho. As palavras dele não lhe saíam do pensamento. Devia de ser frustrante para ele não conseguir fazer o que sempre fizera. Quase lhe tinha implorado para ir com ela, ou para fazerem amor ali mesmo. Como uma egoísta apenas pensou no que queria, não pensou uma vez sequer no acidente dele! Por muito que o deseja-se não podia esquecer as limitações dele e muito menos o artigo que lhe daria a liberdade. Os beijos dele seriam um bónus. Um delicioso bónus!

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