domingo, 29 de outubro de 2017

APÓS O ENTARDECER 14ª PARTE



Mellisa olhou para relógio, faltavam cinco minutos para se levantar. Suspirando desligou o despertador antes que tocasse, para não acordar Joshua, e sentou-se na cama lentamente. Por muito que gostasse de ficar ali junto a ele, e embora tivesse uma excelente relação com a sua chefe, tinha de avisar que provavelmente iria deixar o trabalho.

- Espero que não penses em sair da cama.
- Tenho de ir trabalhar. - Mellisa sorriu para ele - Podes ficar...
- Correção. Vamos ficar! Não estás a falar a sério quando dizes que vais trabalhar.
- Porque não?
- Porque seguramente têm alguém que te possa substituir.
- Estás a dizer que qualquer um pode fazer o meu trabalho, ou que não é importante?!
- Não disse nada disso! Apenas acho que não tens porque ir trabalhar.
- Vivo do meu trabalho! - Mellisa retirou a mão que ele tinha agarrado.
- Vivias, não vou deixar que te falte nada!
- Quem disse que quero viver às tuas custas!?
- Estás a deturpar o que digo.
- Sim?!
- Sim. Sabes perfeitamente que não posso mudar-me para aqui. O meu trabalho exige que fique por perto, logo terás de ser tu a abdicar do teu trabalho.
- E decidiste isso sem me consultar!
- É o mais lógico. Depois de nos casarmos...
- Depois de nos casarmos!? Também decidiste que vou ficar em casa esperando que chegues!?
- Pensei que gostavas de cuidar de Diana!
- Claro que gosto! Mas não tarda muito ela vai para a escola. E depois!? Fico a olhar para as paredes?!

Mellisa olhou para Joshua enquanto ele se mexia na cama. Começavam mal, muito mal! E o silêncio dele era a prova disso! 

- Tens razão, não é justo que deixes de fazer o que gostas só porque to peço. - Joshua cruzou as mãos  atrás da cabeça e recostou-se na cama - Tendo a esquecer que nem todas as mulheres sonham em ser mães. Muito menos a tempo inteiro. Acho que é normal que pretendas algo mais que ficar em casa a cuidar das crianças.
- Claro que pretendo! - Mellisa olhou-o fixamente quando percebeu a plenitude das palavras dele - Como...
- Olha, estás atrasada e eu tenho de tratar de umas coisas. Porque não retomamos esta conversa mais tarde?!
- Sim, claro.
- Óptimo.

Mellisa levantou-se e olhou para o relógio. Ia chegar atrasada e ela nunca se atrasou! Embora a atitude de Joshua a deixasse intrigada, entrou na casa de banho e tomou um duche rapidamente.
Ela compreendia o ponto de vista de Joshua, sabia que ele precisava ficar perto do trabalho, por isso o mais prático seria ela deixar de trabalhar, pelo menos no hospital. A julgar por aquela conversa relâmpago, embora ela trabalhasse desde sempre, ele preferia que ela não o fizesse. O que a deixava com duas simples opções, ou ela deixava o emprego ou podia contar com mais discussões, pois era certo que elas fariam parte do cotidiano deles. O que futuramente levaria à ruptura da relação que mal tinha começado. Tinha de falar com ele calmamente.

Quando fechou a porta do apartamento tinha os olhos húmidos pelas lágrimas. Joshua dormia, ou assim parecia, quando ela saiu da casa de banho, o que aumentou o seu sentimento de desconforto.
Queria estar com ele e com Diana, mas tinha responsabilidades, não podia deixar o emprego assim sem mais! Ele, como empresário, devia saber isso melhor que ninguém! Tinha plena consciência das suas obrigações como funcionária, a entidade patronal precisava saber com antecedência e tomar as devidas previdências para a substituir. Durante a manhã iria fazer a sua carta de despedimento e iria entregá-la assim que conseguísse.


Mesmo com a decisão tomada, esteve distraída durante a manhã e apesar da enorme quantidade de trabalho não conseguia deixar de pensar em Joshua e no facto dele ter falado em crianças! A ideia de dar um irmão a Diana fazia-a sorrir e ao mesmo tempo disparar a ansiedade que sentia.
A cada minuto que passava a sensação de que devia ter ficado com ele aumentava, e nem a conversa dos colegas sobre a festa de natal afastava aqueles pensamentos. Em resultado disso enganou-se inúmeras vezes e por isso estava ali, no gabinete da sua chefe que a olhava fixamente depois de ela explicar o motivo da sua distração.

- E que estás aqui a fazer ?
- Tenho de trabalhar e...
- Rapariga, empregos há muitos, homens que percorrem meio mundo, para dizer a uma mulher que a ama já não há assim tantos!
- Eu sei mas ainda não avisei que...
- Estás aqui por causa de simples burocracias?!
- Sim.
- Que vou fazer contigo... Esquece as burocracias e vai ter com ele .
- Sério?!
- Não ouviste?! Vamos desaparece.
- Obrigada... Muito obrigada .
- Obrigada, nada! Fico à espera do convite para o casamento.
- Será a primeira a recebê-lo.

Enquanto arrumava as suas coisas sob o olhar dos colegas pensava no que diria Joshua ao vê-la entrar em casa. Isto se ele ainda estivesse lá. Se não estivesse, não sabia onde procurá-lo, não sabia onde ele estava hospedado!
Talvez devido à ansiedade que sentia, achou que o trânsito se mexia com uma lentidão enorme. Quando chegou à entrada do seu prédio percebeu que o carro de Joshua não estava. Sem conseguir evitar, as lágrimas começaram a cair ao pensar na possibilidade de o ter perdido por uma idiotice. Devia de ter ficado para falarem sobre o assunto.
Se tinha plena consciência que seria ela a abandonar o seu trabalho, porque insistira em ir trabalhar? Porque se preocupara com o factor legal da questão?! Ou porque não falara com ele sobre isso? Ele certamente tinha advogados que a pudessem ajudar a resolver a situação.
Agora estava ali, numa casa vazia. Casa onde admitira o muito que o amava e onde passara a noite nos braços dele depois de fazerem amor. Nunca mais se deitaria na sua cama sem recordar aquela noite.

O som da campainha acabou com os seus pensamentos. Alimentando a ideia que fosse ele, limpou as lágrimas e abriu a porta.

- Bom dia, desculpe o incómodo.

Uma senhora sorria para ela, já se tinham cruzado várias vezes no prédio. Obrigou-se a devolver o sorriso.

- Bom dia.
- Não sei se se lembra de mim. Moro no andar de cima.
- Vagamente, já nos cruzámos algumas vezes.
- Sim, vinha falar por causa da festa de Natal, surgiu um imprevisto e não sei se irei causar transtorno. Se assim for agradeço que seja sincera.
- Claro, mas quem está a organizar a festa é...
- Sabe... - A mulher aproximou-se - O meu neto telefonou a dizer que vem passar o Natal. Falei-lhe da festa e ele mostrou interesse em estar presente. Mas se for para incomodar...
- O meu tio dizia que sempre se arranja lugar para mais um.
- Obrigada! Ele vai ficar tão feliz. Olhe, vou buscar uma fotografia. Espere um pouco.
- Não se incomode.
- Não é incómodo nenhum, mas é melhor fechar a porta. Os amigos do alheio aproveitam sempre esta época para nos visitar.

Mellisa fechou a porta sorrindo com o comentário da vizinha. Embora achasse piada tinha de concordar, os assaltos aumentava drasticamente por esta altura do ano. Pessoalmente nunca fora assaltada, mas lia as notícias e era assombroso o número de assaltos efectuados durante as festividades.
Dirigia-se ao quarto quando a campainha voltou a tocar, por instantes pensou que a vizinha não regressaria mas pelos vistos estava enganada.

Ao abrir a porta as suas pernas foram envolvidas num abraço ao mesmo tempo que a sua boca era tomada de assalto por Joshua.

- Sabes o susto que me deste? - Joshua falou junto aos seus lábios.
- Susto?!
- Pensei que... Vamos falar aqui no corredor?
- Desculpa.

 Mellisa afastou-se para eles entrarem mas algo a fez olhar para as escadas. A vizinha sorria, parada no último degrau, com um fotografia na mão. Entrou quando esta lhe acenou e começou a subir as escadas.

- O pai disse que íamos rap... rap...
- Raptar-te. - Joshua ajudou a filha.
- Isso. Mas tu não estavas.
- Hum! - Mellisa sentou-se junto a Diana - Não sei se ia gostar de ser raptada.
- O pai disse que era boa ideia.
- O teu pai disse isso?!
- Hum, hum...
- Apenas por umas horas.
- Umas horas...
- Se ficasses mais tempo - Joshua sentou-se junto a ela no sofá - e assim esperava, era por livre e espontânea vontade.
- E como pensavas convencer-me a ficar?
- Era preciso?
- Digamos que sim. Só para saber...
- O pai telefonou a muitos amigos.
- Amigos?! Não estou a perceber.
- O pai tem amigos! - Diana olhou para ela com os bracinhos nas ancas.
- Acredito que sim.
- Diana. - Joshua olhou para a filha - Porque não terminas de ver o álbum dos meninos de Mellisa?!
- Boa...

Diana sentou-se no chão com o álbum à frente e começou a folhá-lo, quando percebeu que a filha estava absorta nas fotografias segurou-lhe a mão.

- Quando chegámos ao hospital e me disseram que  não estavas, pensei que tinhas usado o trabalho como desculpa para te livrares de mim.
- Porque o faria?!
- Por causa da nossa conversa. Sei que dependeste sempre de ti, mas isso não tem de ser necessariamente assim. Preferia que me deixasses cuidar de ti, mas não quero discutir contigo, por isso tenho uma proposta a fazer-te. - Joshua levantou a mão quando ela tentou falar - Quando disse que não precisas mais trabalhar, não queria dizer que deixasses de trabalhar só porque vamos casar. Queria que soubesses que não estás mais sozinha, que estou aqui para ti. Que o que é meu também é teu. Amo-te mais que tudo. Quero ser o teu amigo e confidente, o teu marido, mas também o teu amante. Quero ser a primeira pessoa em quem penses quando precisares de falar, de desabafar. Quero ser o ombro onde choras, os braços que procuras no fim do dia.  Quero ser a pessoa que estará a teu lado para passear ao por do sol, segurar a tua mão debaixo das estrelas. Quero estar a teu lado quando já não consigamos recordar que dia é ou o que almoçámos.
- Pedes pouco... - Mellisa limpou uma lágrima.
- Achas?! - Joshua olhou carinhosamente para a filha que continuava a ver as fotografias - Diana adora-te.
- Eu também a adoro. Ela é um amor de menina.
- Sim, embora muito vaidosa.
- É, tirando esse pequeno pormenor fizeste um bom trabalho.
- E um pouco mimada...
- Um pouco de mimo nunca fez mal a ninguém.
- Sabes que houve uma altura que desejei que olhasses para mim como olhavas para ela?
- Como assim?
- A vossa empatia foi instantânea. Sem rodeios, sem falsidades. Gostaram uma da outra desde o início, como se toda a vida se conhecessem.
- Em certo aspecto conhecemos. - Mellisa olhou a menina fixamente - Era um pouco mais velha que ela quando fui viver com os meus tios. Nunca me faltou nada, apenas o amor dos meus pais e as respostas aos porquês! Porque a minha mãe não estava comigo, porque o meu pai me deixou ali, porque nunca voltaram, porque não telefonavam... Depois soube que a minha estava doente e me deixaram ali para ela ir para o hospital. - Mellisa não conseguiu conter as lágrimas - Esperei que voltassem até ao dia que descobri que tinham falecido. Recordo pouquíssimo dos anos que vivi com os meus pais e revoltava-me ver que a mãe de Diana preferia não estar com ela. Uma criança precisa tanto de uma mãe... - As lágrimas aumentaram - Olhava para ela e revivia a minha dor. Embora a dela fosse desnecessária, ela não tinha porque sofrer. A mãe dela estava ali, apenas se recusava a estar com ela... Quando me disseste que ela não recordava a mãe...
- Sentiste-te mais próxima dela.

Melissa fechou os olhos quando ele limpou uma lágrima e sorriu.

- Mas, falaste numa proposta.
- Depois de saíres falei com algumas pessoas que trabalham para mim, tentei perceber até que ponto posso delegar responsabilidades. Não quero que o meu casamento seja através de um telemóvel, não vou deixar a minha esposa e filha durante dias seguidos sozinhas. Quero ser um pai e marido presente.
- Vais deixar de viajar?
- Apenas o farei quando for estritamente necessário. Mas temos de pensar onde vamos ficar até decidires onde queres viver.
- Onde quero!?
- Sim. Tu é que vais escolher onde vamos viver.
- Eu é que vou decidir isso ?!
- Claro. Se bem que era preferível viver numa cidade onde tenho um dos meus estaleiros.
- Porque não escolhes tu ?!
- Porque me é indiferente. Sempre que estejas a meu lado...















Sem comentários:

Enviar um comentário