terça-feira, 10 de outubro de 2017

APÓS O ENTARDECER 13ª PARTE



Mellisa fechou os olhos momentaneamente tentando assimilar aquela revelação.
O facto dele não ser pai de Diana abria imensas possibilidades. Podia ser sobrinha, afilhada, tê-la adoptado, ou podia ser apenas filha de... como se chamava a mãe de Diana?! Não se lembrava de ouvir o nome dela.

- Não entendo.
- O que não entendes?
- Sinceramente?! Nada!
- Não é assim tão complicado.
- Como não!? - Mellisa afastou-se ligeiramente -  Primeiro, Bianca não é mãe de Diana, agora tu não és o pai! E...

Mellisa calou-se e olhou para ele aguardando uma reacção que não chegava.

- E...
- Existe algo que seja verdade?
- Tudo.
- Nada! É o que queres dizer!
- Porquê?!  Porque tem de ser necessariamente mentira?
- Se pediram a Faty para cuidar da vossa filha, que afinal não é, quer dizer que mentiram às pessoas!
- Não necessariamente.
- As coisas ou são, ou não! - Mellisa sentia o coração bater descompassado - Todos supõem que Diana é vossa filha! E se assim pensam foi porque vocês o disseram!
- Não foi assim. As pessoas tiraram conclusões, eu apenas não o desmenti. Não tenho porque falar da minha vida privada.
- Nesse caso não entendo porque me disseste que Diana não é tua filha!
- Porque te amo.

Mellisa olhou para ele incrédula e deixou-se cair no sofá.

- Não acredito!

Foi tudo quanto ela conseguiu dizer enquanto pensava nas coisas que supunha serem verdade, nos meses de insónias, de saudades. Meses que o único sentimento que habitava no seu coração era o de um vazio enorme que doía tanto como se tivesse uma ferida aberta. Ao recordar a dor da solidão as lágrimas começaram a cair.

- Mas podes acreditar!

Joshua ajoelhou-se e segurou-lhe as mãos ao mesmo tempo que Diana se sentava no sofá espreguiçando-se.

- Quero ir para casa, quero a minha cama! - Diana esfregava os olhos. - Vocês fazem muito barulho.
- Desculpa querida, vamos já. - Joshua olhou para a filha e depois limpou uma lágrima que deslizava no rosto de Mellisa - Tenho de ir. Falamos depois?!
- Sim...

Mellisa olhou para ele e depois para Diana. A menina bocejava agarrada à manta. Amava-a tanto como se fosse filha dela e amava-o a ele! Não podia permitir que ele partisse assim. Não depois da revelação que fizera e sem o deixar explicar toda aquela situação! Olhou demoradamente para Joshua quando este ajeitou a filha nos braços e começou a caminhar em direcção à porta.

- Não vão. - Mellisa levantou-se - Diana pode dormir no quarto de hóspedes. - Ela olhou para a menina - Gostavas!?
- Deixas pai?!

Mellisa manteve o olhar dele quando ele a encarou. Por uns instantes pensou que não iam ficar, mas depois ele olhou para a filha.

- Queres ficar?

Mellisa enterneceu-se ao ver a menina anuir com a cabeça.

- Vou preparar a cama.

Enquanto colocava os lençóis pensava no que lhe diria. Admitiria o que sentia por ele sem que ele se explicasse ou esperava!? Talvez fosse melhor admitir o que sentia mas tinha tantas dúvidas...
Acariciou o rosto de Diana quando a deitou na cama e sorriu para a menina.

Quando se sentaram novamente no sofá, Diana dormia calmamente e ela olhava fixamente para Joshua.

- Resumindo ao essencial. Disseste que Diana não é tua filha.
- Isso é importante?
- Depende.
- De!?
- Da forma como ela se tornou tua filha!
- Legalmente é minha, assim como no meu coração. Não é isso que interessa?

Mellisa olhou para o chão. Vivera na mesma casa que ele um mês, vira com os próprios olhos a forma como tratava Diana e o que ele estava disposto a fazer pela filha. Filha ou não, ele amava aquela criança.

- Em parte tens razão.

Joshua levantou-se e foi até à janela onde permaneceu em silêncio uns instantes.

- Recordas quando me disseste que era um idiota por não perceber que magoava a minha filha!?
- Sim.
- E que devia permitir que Diana passasse mais tempo com os avós?!
- Sim...
- E quando me disseste que um casamento era a união de duas pessoas que se amavam?!
- Sim... - Mellisa fixou as costas dele sem entender o que ele queria dizer.
- Que apesar de tudo lutam para que a relação funcione?
- Recordo... Mas podes dizer-me onde pretendes chegar?
- A ti! Ao facto que me apaixonei sem esperar. Que me fizeste desejar acordar a teu lado todos os dias, queria ser a pessoa que lutava a teu lado para que tudo desse certo. Numa determinada altura pensei que me amavas, ou que pelo menos gostavas um pouco de mim. O que me levou a pedir-te para casares comigo. Mas disseste que... - Joshua calou-se uns instantes - Não imaginas como me doeu perceber que não sentias nada!
- De onde tiraste essa brilhante dedução?
- Da nossa conversa. Recordo bem quando tentei dizer-te que tínhamos tudo para dar certo. Diana gostava de ti, entendíamos-nos sexualmente, mas o mais importante era que te amava.
- Não di... - Mellisa calou-se ao recordar essa ocasião. - Eu não te deixei continuar. Pensei que te referias ao sexo.
- Não! Quando acedeste ficar, mesmo sem a presença de Bianca, a única coisa que me importava era que cuidasses bem da minha filha. Mas não precisei de muito tempo para perceber que gostavas dela e que ela te adorava. E isso era o principal, a forma como ela interagia contigo. Por isso, apesar de me sentir atraído sexualmente, tentei manter-me afastado, o que sentia era secundário. Mas depressa tomou outras proporções ao perceber o muito que te amava. Tentei ver-te de outra forma e sempre que estávamos juntos procurava algo em ti que me desagradasse, mas apenas consegui amar-te mais. E depois de estar contigo a situação não ficou mais fácil, só queria voltar a sentir aquela imensidão de sentimentos que sentia quando me olhavas, quando nos beijávamos.
- Sentias... Isso quer dizer que passou.
- Não deixei de te amar, acho que te amo ainda mais... Mas isso não importa. Vou ser sincero contigo e espero que aceites o que te quero propor. Ainda que me tenha enganado quanto aos teus sentimentos. Sei que gostas de...
- Não te enganaste. - Mellisa colocou-lhe os dedos nos lábios impedindo-o de continuar - Também te amo. E por isso...

Joshua agarrou-a pela cintura apertando-a contra ele e beijou-a longamente. Mellisa rodeou o pescoço dele e respirando fundo entregou-se aquele beijo.


- Senti tanto a tua falta.
- Eu também.
- É bom ouvir isso. - Joshua acariciou o rosto dela - Durante dias pensei no idiota que fui ao deixar-te partir.
- Concordo plenamente.
- Concordas... - Joshua sorriu-lhe.
- Sim... Não sei porque esperaste tanto tempo.
- E tu porque não ficaste?!
- Porque não podia viver na sombra de um fantasma.
- Referes-te a Mari!? A mãe de Diana?!
- Sim, pensei que ainda a amavas.
- A minha relação com Mari era do mais inocente possível. Não falei a ninguém sobre isto... - Joshua sorriu melancolicamente - Conheci Mari na faculdade quando tentámos comprar o único exemplar de Os dois cavaleiros de Verona, de Shakespeare. Dias depois percebemos que tínhamos os mesmos gostos em várias coisas. Com tantos pontos em comum passámos a estar juntos demasiadas vezes. Mesmo quando a vida nos separou continuámos em contacto. Mari era uma irmã para mim, por isso foi doloroso a sua partida e tudo o que sofreu. - Joshua ficou de semblante carregado - Quando me disse que estava grávida era a imagem da mais pura felicidade. Mas a felicidade durou pouco, o namorado não queria um filho. Para ele, Mari era apenas uma forma de passar o tempo e queria que ela abortasse.
- Que sacana!
- Criada numa família muito conservadora, o aborto estava fora de questão, por isso foi falar com os pais. Mas eles praticamente a expulsaram de casa, dizendo que os tinha envergonhado e que na casa deles não entrava um ser concebido em pecado.
- Quem diz isso a um filho?!
- Infelizmente ainda existe muito boa gente com mente retrograda. - Joshua olhou para o chão fixamente - Quando chegou a minha casa chorava compulsivamente e estava desesperada. Disse-lhe que tudo se resolveria e deitei-a na minha cama. Passei a noite a pensar no que faria pois não podia abandoná-la. Quando ela acordou eu tinha a solução. Ela iria viver comigo e criaria o filho como meu. Ninguém iria fazer perguntas, afinal passávamos muito tempo juntos. Tentou dissuadir-me, mas estava determinado e não me deixei convencer. Pelo contrário, convenci-a a ela que era o melhor a fazer. Eu não tinha ninguém e ela, sem os pais para a ajudar, também estava só. Acabou por concordar e acompanhei toda a gravidez dela. Quando Diana nasceu fui eu que estive a seu lado, sentia-me realmente pai daquele ser pequenino. Cada dia que passava sentia que era parte de algo maravilhoso. O amor nada tem que ver com o ser, mas com o sentir. E eu sentia-me pai! Nunca me arrependi da decisão que tomei. E ainda bem que a tomei, dois anos depois ela sofreu um acidente e esteve internada alguns meses. Comuniquei o acidente aos pais dela, mas não falei de Diana. Como nunca tentaram qualquer tipo de contacto com Mari, tentei manter Diana afastada o mais possível dos avós. Se preferiam manter-se afastados até aquele momento, não mereciam estar com a neta! Mas quando souberam do acidente fizeram questão de estar presentes e prontificaram-se a ajudar no que fosse necessário. Pareceram-me genuinamente arrependidos e, entre as poucas visitas à filha, deixei que passassem algum tempo com Diana. Mas não o devia ter permitido!
- Porque não!? Fizeste o mais correto.
- Também o pensei e fiquei aliviado ao ver que mostravam carinho pela neta. Mas dias depois arrependia-me profundamente.
- Porquê!?
- Queriam a guarda da Diana!
- Não acredito!
- As circunstâncias alteraram-se. Tinham perdido a filha, não iam perder a neta. Contrataram um advogado e fomos a tribunal. Como eu era o pai tinha o direito de ficar com ela, mas para bem da criança, o juiz  aconselhou que chegássemos a um acordo.
- E não conseguiram?!
- Mais ou menos. Como estava "viúvo" e, segundo os pais de Mari, uma criança precisa de uma mãe para se desenvolver decentemente, então fizeram uma espécie de ultimato. Ou casava ou eles ficavam com a custódia da minha menina.
- Nenhum juiz o permitiria.
- Estás a esquecer-te que não sou pai dela, basta uma simples análise para o provar. E existe o facto que passo muito tempo fora em trabalho. Infelizmente não consigo estar com ela a tempo inteiro e  essa situação irá agravar-se quando Diana começar a escola, geralmente ela acompanha-me mas depois não pode mudar de escola constantemente. Pequenas circunstâncias que eles souberam aproveitar!
- Felizmente apareceu Bianca.
- Estava desesperado, por isso ponderei casar com ela!
- Com direito a um pedido em alto mar e tudo.
- Alto mar?!
- Sim, ela disse que se tinham conhecido num cruzeiro e que se tinham apaixonado.
- Acho que já falámos sobre isso. Nunca amei Bianca.  - Joshua beijou-lhe a mão - Precisava de uma mulher disposta a casar e ela estava disponível. A conversa surgiu durante um jantar em casa de uns amigos mútuos. Depois de lhe explicar a situação ela compreendeu e poucos dias depois tínhamos tudo acordado.
- Ela sabe que Diana não...
- Não confiavam, nem confio nela a esse ponto! Apenas tu e eu sabemos isso. E preferia que assim continuasse.
- Claro. Mas não percebeste que Diana não gostava dela?!
- Só depois. Quando lhe apresentei Diana, Bianca parecia que se tornaria numa mãe dedicada e fiquei feliz por isso. Mas depois de marcarmos a data mudou completamente. Começou a fazer planos para Diana entrar num colégio privado e a tratá-la com indiferença. E foi aí que as nossas discussões começaram. As nossas opiniões não podiam divergir mais! Sei que não lhe dava a devida atenção no quarto mas esperava um pouco mais de responsabilidade da parte dela. - Joshua voltou a segurar a mão dela - No dia que chegaste ao Brasil ela tinha desaparecido com o motorista.
- Daí aquele humor horroroso que tinhas.
- Desculpa?!
- Estavas de muito mau humor e Diana estava a chorar.
- Diana chorava porque me esqueci de Maria, a boneca. - Joshua sorriu - Quanto ao meu humor, estarias de bom humor se os teus planos fossem logrados?! Não me importava que ela fosse para a cama com o motorista ou com outro qualquer. Apenas queria que fosse mais discreta! Com os avós de Diana na ilha não podia tolerar isso! Disse-lho quando me telefonou. E frisei que o casamento ficava sem efeito, por isso passei-me completamente quando apareceu e começou a falar dos preparativos.
- Por isso ela ficou furiosa.
- Eu continuava a precisar de uma mulher, mas nunca seria ela! Principalmente porque já estava consciente do que sentia por ti e estava decidido a conquistar-te. Mas antes de me dedicar a isso ainda me restava convencer os avós de Diana que ia casar com uma mulher que iria amar a neta deles como se fosse a própria filha.
- Foi essa a razão do jantar?!
- Sim. Eles queriam conhecer a minha futura esposa.
- Tu usaste-me?!
- Um pouco... Estás aborrecida?
- Não porque era por uma boa causa! Mas podias ter avisado.
- Tive receio que mudasses a tua forma de ser.
- Porque o faria!?
- Não sei... Ainda não estava certo se podia confiar em ti.
- Mas a julgar por esta conversa, não te restam dúvidas.
- Nenhumas. Bem, apenas uma.
- Qual?!
- Se aceitas fazer parte da nossa vida.
- Com todo o prazer do mundo.
- Se me indicares o quarto começamos a cuidar dessa parte.
- Que parte?
- A do prazer...

Mellisa sorriu quando ele a abraçou e a beijou carinhosamente enquanto a levantava em braços.

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