Valerie deixou Mary em casa e caminhou pelas ruas praticamente desertas. Naquele momento sentia que precisava de algum tempo para assimilar toda a informação que Mary lhe dera. Como sempre, não
compreendia todo o secretismo em redor da família materna. Durante toda a sua vida raramente ouvira falar dos seus avós maternos.
Gostava que a sua mãe fosse uma pessoa mais aberta, mais acessível, se a mãe fosse diferente ela poderia fazer-lhe todas as perguntas que pairavam na sua cabeça naquele momento. Se bem que não era apenas a relutância da mãe em falar da família, ela própria não se sentia à vontade para falar abertamente com a mãe sobre certos assuntos. Nunca o fizera. Se fosse o pai o caso era diferente, a ligação entre eles era especial e ela nunca se coibiu de fazer todas as perguntas que achou necessárias. Perguntas às quais ele respondia sem lhe esconder nada. Ela sabia perfeitamente que o pai era filho de lavradores, gente humilde mas, como ele dizia, honrada e lutadora. Os avós paternos já tinham falecido quando ela nasceu e sendo o pai filho único não havia familiares para conhecer. Por outro lado a mãe apenas falava sobre os seus familiares quando era estritamente necessário. E mesmo nesses casos as respostas eram vagas e difusas, nem mesmo quando na escola teve que fazer um trabalho sobre a família a mãe foi especifica. Sempre respondia com frases curtas e concisas. E quando, anos mais tarde, arranjou coragem para lhe perguntar diretamente sobre os avós, esta respondeu que eram pessoas como as outras e não entendia o motivo de tanta curiosidade. E dito isto bateu a porta do armário, o que na altura lhe pareceu exagerado, e não voltou a falar durante o resto da noite. Decididamente o melhor era aguardar por uma nova visita de Mary ou tentar encontrar respostas nos velhos álbuns de fotografias. Quem sabe se durante a mudança não encontraria cartas que lhe dessem alguma luz sobre os seus antepassados.
Gostava que a sua mãe fosse uma pessoa mais aberta, mais acessível, se a mãe fosse diferente ela poderia fazer-lhe todas as perguntas que pairavam na sua cabeça naquele momento. Se bem que não era apenas a relutância da mãe em falar da família, ela própria não se sentia à vontade para falar abertamente com a mãe sobre certos assuntos. Nunca o fizera. Se fosse o pai o caso era diferente, a ligação entre eles era especial e ela nunca se coibiu de fazer todas as perguntas que achou necessárias. Perguntas às quais ele respondia sem lhe esconder nada. Ela sabia perfeitamente que o pai era filho de lavradores, gente humilde mas, como ele dizia, honrada e lutadora. Os avós paternos já tinham falecido quando ela nasceu e sendo o pai filho único não havia familiares para conhecer. Por outro lado a mãe apenas falava sobre os seus familiares quando era estritamente necessário. E mesmo nesses casos as respostas eram vagas e difusas, nem mesmo quando na escola teve que fazer um trabalho sobre a família a mãe foi especifica. Sempre respondia com frases curtas e concisas. E quando, anos mais tarde, arranjou coragem para lhe perguntar diretamente sobre os avós, esta respondeu que eram pessoas como as outras e não entendia o motivo de tanta curiosidade. E dito isto bateu a porta do armário, o que na altura lhe pareceu exagerado, e não voltou a falar durante o resto da noite. Decididamente o melhor era aguardar por uma nova visita de Mary ou tentar encontrar respostas nos velhos álbuns de fotografias. Quem sabe se durante a mudança não encontraria cartas que lhe dessem alguma luz sobre os seus antepassados.
O cheiro a café interrompeu os seus pensamentos. Era mesmo isso que precisava, um café para colocar ordem nos seus pensamentos! Olhou em redor e não demorou a descobrir de onde saía o delicioso aroma. Aproximou-se da pequena pastelaria e ficou encantada com o edifício. No primeiro andar podiam ver-se duas janelas de madeira pintadas de branco. Numa delas um gato espreitava as pessoas que passavam. O rés-do-chão as pequenas janelas foram substituídas por enormes vidros que ocupavam a fachada do edifício permitindo que a luz natural entrasse no espaço ao mesmo tempo que permitia ver quem estava no interior. Sentindo um pouco de vergonha olhou para o interior, apenas duas mesas estavam ocupadas. Colocou a mão na porta mas naquele momento recordou que tinha saído para ler não para fazer compras e como tal não tinha a carteira consigo. Sem pensar voltou-se rapidamente mas ao invés de sair dali acabou nuns braços fortes que a seguravam levemente.
- Desculpe, eu... - Calou-se ao perceber que esbarrara no estranho da cabana do lago e afastou-se dele como se disso dependesse a sua vida.
- Pelo menos desta vez não me bateu com a porta.
- Não lhe bati! Eu não ...- Calou-se novamente ao ver o olhar divertido dele. O que a irritou ainda mais. - Você...
- É sempre assim? Arisca?
- Arisca eu?! Você é que é um... - Valerie olhou-o sem saber que adjetivo lhe atribuir.
- Um...
- Olhe. Tenho mais que fazer que perder o meu tempo com gente petulante. Com sua licença!
Valerie retrocedeu sem pensar e se o desconhecido não a segurasse rapidamente teria caído no meio da estrada pois não percebeu que a calçada tinha terminado dando lugar à estrada que era uns dez centímetros mais baixa.
- Obrigada.
- Finalmente uma palavra amável. - O desconhecido sorriu ligeiramente mas o sorriso desapareceu rapidamente - Desculpe. Acho que começámos mal e estamos a repetir os mesmos passos. Erick Evans.
Valerie olhou a mão que ele lhe estendia tentando perceber se ele estaria novamente a brincar com ela.
- Arisca eu?! Você é que é um... - Valerie olhou-o sem saber que adjetivo lhe atribuir.
- Um...
- Olhe. Tenho mais que fazer que perder o meu tempo com gente petulante. Com sua licença!
Valerie retrocedeu sem pensar e se o desconhecido não a segurasse rapidamente teria caído no meio da estrada pois não percebeu que a calçada tinha terminado dando lugar à estrada que era uns dez centímetros mais baixa.
- Obrigada.
- Finalmente uma palavra amável. - O desconhecido sorriu ligeiramente mas o sorriso desapareceu rapidamente - Desculpe. Acho que começámos mal e estamos a repetir os mesmos passos. Erick Evans.
Valerie olhou a mão que ele lhe estendia tentando perceber se ele estaria novamente a brincar com ela.
- Não precisa ficar desconfiada. - Erick sorriu abertamente - Estou apenas a corrigir um lapso e dar uso à boa educação que a minha mãe me deu. Ou não acredita que todos merecemos uma segunda oportunidade?
- Tem razão. - Valerie aceitou a mão dele e sorriu ligeiramente. - Valerie Dow.
- Agora que nos conhecemos formalmente, aceita um café?
- Acho melhor não. - Olhou em redor, grupos de crianças e adolescentes corriam com mochilas às costas rindo despreocupadamente enquanto alguns adultos caminhavam apressadamente.
- Prefere algo mais forte?
- Mais forte?!
- Acha que as mulheres só podem beber café e chá?
- Claro que não!
- Então?!
- Então o quê?! - Valerie tinha a sensação que estava num filme de muito má qualidade.
- Aceita o meu convite? Estamos aqui à algum tempo e acho que estamos a gerar alguma curiosidade.
- Tem razão. - Valerie aceitou a mão dele e sorriu ligeiramente. - Valerie Dow.
- Agora que nos conhecemos formalmente, aceita um café?
- Acho melhor não. - Olhou em redor, grupos de crianças e adolescentes corriam com mochilas às costas rindo despreocupadamente enquanto alguns adultos caminhavam apressadamente.
- Prefere algo mais forte?
- Mais forte?!
- Acha que as mulheres só podem beber café e chá?
- Claro que não!
- Então?!
- Então o quê?! - Valerie tinha a sensação que estava num filme de muito má qualidade.
- Aceita o meu convite? Estamos aqui à algum tempo e acho que estamos a gerar alguma curiosidade.
Valerie olhou para dentro da pastelaria. Não lhe pareceu que as pessoas estivessem a olhar para eles mas, dado o esforço dele, achou indelicado recusar. Era apenas um café, café esse que ela já teria bebido se não tivesse deixado a carteira em casa. Nunca mais sairia de casa sem dinheiro! No seu íntimo sabia que o mais correto era regressar em vez de aceitar o convite mas naquele momento uma pisca de rebeldia apoderou-se dela. Afinal não estava a fazer nada de mal.
- Muito bem. - Valerie olhou-o seriamente - Aceito um café.
- Fantástico.
Dirigiram-se a uma das mesas e se a entrada deles suscitou alguma curiosidade aos poucos clientes estes dissimulavam muito bem. Quando um rapaz alto e magro se aproximou da mesa Erick pediu dois cafés.
- É nova na vila?
- Podemos dizer que sim.
- Podemos... isso quer dizer que sim ou que não?
- Faz diferença?
- Desculpe. É apenas curiosidade. Eu cheguei à alguns meses e nunca a vi por aqui. - Erick olhou-a fixamente - Não me diga que é a dona da casa do lago?
- Obrigada. - Valerie agradeceu ao rapaz que trouxe os cafés. - Eu?! Não. Tenho apenas uma casa na cidade. Bom, é do meu marido não minha.
- Se estão casados, é sua também.
- Pois...
- Mas diga-me, se não é sua, a casa do lago, o que a levou até lá?
- O mesmo que você. Curiosidade.
- Hum... deixe-me adivinhar. - Erick bebeu um pouco de café e olhou-a por cima da chávena - Tendo em conta o livro diria que é escritora e neste momento está numa impasse no novo romance. Como tal decidiu esconder-se num vilarejo em busca de inspiração. Acertei?
- Nada mais longe. - Valerie sorriu - Sou apenas uma simples dona de casa.
- Hum... não meparece. Tenho a sensação que é tudo menos simples.
- Hum... deixe-me adivinhar. - Erick bebeu um pouco de café e olhou-a por cima da chávena - Tendo em conta o livro diria que é escritora e neste momento está numa impasse no novo romance. Como tal decidiu esconder-se num vilarejo em busca de inspiração. Acertei?
- Nada mais longe. - Valerie sorriu - Sou apenas uma simples dona de casa.
- Hum... não meparece. Tenho a sensação que é tudo menos simples.
Valerie sentiu o corpo estremecer. Porque lhe parecia que aquela frase tinha um duplo significado? Acaso tinha gravado na testa que a sua vida, pelo menos depois de casar, era uma sucessão de desgostos? Pensar no casamento trouxe à sua memória que o marido chegaria a qualquer momento. Se o marido soubesse que estava a beber café com outro homem não iria gostar. E ela sabia bem que o marido não aceitaria nenhuma explicação.
- Acho melhor regressar. Está a ficar tarde.
- Deixe-me acompanhá-la a casa.
- Obrigada mas é melhor ir sozinha. - Valerie sorriu e estendeu-lhe a mão - Obrigada pelo café.
- Preferia acompanhá-la.
- Agradeço mas não vejo necessidade. Vivo aqui perto.
- Deixe-me acompanhá-la a casa.
- Obrigada mas é melhor ir sozinha. - Valerie sorriu e estendeu-lhe a mão - Obrigada pelo café.
- Preferia acompanhá-la.
- Agradeço mas não vejo necessidade. Vivo aqui perto.
Erick levantou-se e por momentos Valerie temeu que ele insistisse em a acompanhar até casa mas ele voltou a sentar-se quando ela se afastou da mesa. Se o marido não fosse tão ciumento teria aceitado a companhia pois estava a ficar escuro e ela não conhecia a região mas perante a incerteza da chegada de Steven era melhor arriscar perder-se. Afinal era melhor ouvi-lo por ser irresponsável que por chegar a casa acompanhada de um estranho e dar lugar a uma discussão diante da sua mãe. Ajeitou o casaco e dirigiu-se ao caminho que Mary lhe tinha ensinado. Se tudo corresse bem estaria em casa em vinte minutos. Mas não chegou no tempo pretendido pois a suas pernas acusaram cansaço e quando avistou o portão do solar já o sol se escondia atrás das árvores. Como gostaria de ter retomado as suas caminhadas! Fazer duas caminhadas, ainda que com uma pausa, não era tão fácil como outrora. Era isso! Enquanto ali estivesse iria retomar o seu exercício matinal.
- Gostaste do passeio? - A sua mãe levantou o olhar da revista que estava a ler.
- Sim. Foi bastante agradável, Estive a pensar e acho que vou retomar as minhas caminhadas.
- Retomar? Pensei que ainda as fizesses.
- Na cidade não é a mesma coisa. - Valerie colocou um pau na lareira que estava a esmorecer - Steven ainda não chegou?
- Não. - Lana colocou a revista na mesa - Está tudo bem com vocês?
- Como assim?! - Valerie sentiu o coração acelerar.
- Não sei. Acho estranho Steven não te ligar... era tão apegado a ti, sempre pendente do que querias e desejavas.
- Isso era no tempo de namoro, sabes melhor que eu que depois de algum tempo de casados tudo isso passa.
- Nem sempre.
- Nem todos os homens são como o pai.
- Como o teu pai...
Valerie sentiu um misto de culpa e pena por ter recordado à mãe aquele que fora o seu companheiro de uma vida. Era bem visível que ainda lhe custava a ausência dele.
- Vou tomar um duche e já desço para fazer algo para jantarmos.
- Não uses a casa de banho do teu quarto. Substituíram a banheira, disseram que estava com uma fuga. Uma fuga... desculpas para aumentar a factura!
- Não te esqueças que já têm alguns anos.
- Eu sei. Mas também sei que muitas vezes são feitos trabalhos sem necessidade.
- Se te preocupa o pagamento posso falar...
- Não ias tomar duche?
- Pronto... já me calei.
Enquanto subia as escadas ouviu a sua mãe murmurar algo. Como gostaria que ela falasse abertamente sobre o que a preocupava, sobre a irritação dela ao falar das despesas, sobre o que a levara a querer deixar a quinta onde viveu, a colocar a mesma no seu nome quando sabia que Steven não apreciava a vida no campo. Certamente, mal soubesse que a quinta era legalmente dela, iria querer vender. E de nada adiantaria ela apelar pois Steven já tinha provado que nos negócios não há lugar para sentimentalismos. Era por isso que ele era um ótimo homem de negócios.
Abriu a torneira e olhou a água que escorria pelos azulejos da parede pensando que algum problema deveria haver na empresa para que Steven se ausentasse. Ele nunca se afastaria dela de livre vontade, muito menos sem ela ter alguém para a controlar, e sem data de regresso. Não era como se estivesse sozinha, estava ali com a mãe e o solar não era a cidade. Ali não haveria o risco de ela se cruzar com algum amigo ou conhecido e originar mais uma crise de ciúmes.
Nessa noite dormiu profundamente e acordou com o som do portão a abrir. Sinal que o dia estava a nascer e que Tim iniciava mais um dia de trabalho. Vestiu um fato de treino e desceu fazendo o menor ruído possível. Tim já se encontrava no barracão.
- Sim. Foi bastante agradável, Estive a pensar e acho que vou retomar as minhas caminhadas.
- Retomar? Pensei que ainda as fizesses.
- Na cidade não é a mesma coisa. - Valerie colocou um pau na lareira que estava a esmorecer - Steven ainda não chegou?
- Não. - Lana colocou a revista na mesa - Está tudo bem com vocês?
- Como assim?! - Valerie sentiu o coração acelerar.
- Não sei. Acho estranho Steven não te ligar... era tão apegado a ti, sempre pendente do que querias e desejavas.
- Isso era no tempo de namoro, sabes melhor que eu que depois de algum tempo de casados tudo isso passa.
- Nem sempre.
- Nem todos os homens são como o pai.
- Como o teu pai...
Valerie sentiu um misto de culpa e pena por ter recordado à mãe aquele que fora o seu companheiro de uma vida. Era bem visível que ainda lhe custava a ausência dele.
- Vou tomar um duche e já desço para fazer algo para jantarmos.
- Não uses a casa de banho do teu quarto. Substituíram a banheira, disseram que estava com uma fuga. Uma fuga... desculpas para aumentar a factura!
- Não te esqueças que já têm alguns anos.
- Eu sei. Mas também sei que muitas vezes são feitos trabalhos sem necessidade.
- Se te preocupa o pagamento posso falar...
- Não ias tomar duche?
- Pronto... já me calei.
Enquanto subia as escadas ouviu a sua mãe murmurar algo. Como gostaria que ela falasse abertamente sobre o que a preocupava, sobre a irritação dela ao falar das despesas, sobre o que a levara a querer deixar a quinta onde viveu, a colocar a mesma no seu nome quando sabia que Steven não apreciava a vida no campo. Certamente, mal soubesse que a quinta era legalmente dela, iria querer vender. E de nada adiantaria ela apelar pois Steven já tinha provado que nos negócios não há lugar para sentimentalismos. Era por isso que ele era um ótimo homem de negócios.
Abriu a torneira e olhou a água que escorria pelos azulejos da parede pensando que algum problema deveria haver na empresa para que Steven se ausentasse. Ele nunca se afastaria dela de livre vontade, muito menos sem ela ter alguém para a controlar, e sem data de regresso. Não era como se estivesse sozinha, estava ali com a mãe e o solar não era a cidade. Ali não haveria o risco de ela se cruzar com algum amigo ou conhecido e originar mais uma crise de ciúmes.
Nessa noite dormiu profundamente e acordou com o som do portão a abrir. Sinal que o dia estava a nascer e que Tim iniciava mais um dia de trabalho. Vestiu um fato de treino e desceu fazendo o menor ruído possível. Tim já se encontrava no barracão.
- Bom dia Tim.
- Bom dia menina. - Tim tirou o gorro para falar com ela - Vai correr? Olhe que a mata é fresca até quando o sol vai alto, imagine a esta hora.
- O exercício vai ajudar a aquecer. - Valerie deu dois passos e depois olhou novamente para Tim - Posso perguntar-lhe uma coisa?
- Claro menina.
- O meu avô. Conheceu-o?
- Não posso dizer que conhecia. - Tim baixou o olhar e mexeu nervosamente o gorro - Só o que ouvia comentar e, se a menina não se importar, preferia não repetir não vá errar.
- Tudo bem, não se preocupe.
- A minha mãe conheceu-o. Porque não vai lá a casa um dia destes? Tenho a certeza que ela ia adorar falar sobre esses dias. Tinha muito orgulho em trabalhar para o seu avô.
- Irei. Obrigada.
- Ora essa menina. - Tim colocou o gorro e sorriu - É melhor começar a trabalhar. Bom passeio.
- Obrigada e bom trabalho.
Valerie atravessou o portão e fez uns exercícios de aquecimento junto ao banco. Realmente estava mais fresco na mata. Mexeu energicamente os braços e iniciou a caminhada seguindo pelo mesmo caminho que fizera no dia anterior com Mary. Alguns metros depois o caminho dividia-se em dois. Não tinha notado aquele trilho no dia anterior. Onde iria terminar? Seria uma nova entrada para a vila? Iria dar a algum castelo? A um solar, uma quinta? Teria habitantes e estes seriam amigáveis como os restantes habitantes da vila? Mas, e se não gostassem de visitas?! E se fossem como alguns eremitas que detestam gente de fora? Talvez não fosse boa ideia ver até onde ia dar. Retrocedeu e retornou ao caminho que conhecia mas a curiosidade venceu o temor que tinha e pouco depois caminhava em passo acelerado no até então trilho desconhecido.
Algum tempo depois um ruído ouviu-se ali perto. Parou e escutou atentamente. Parecia-lhe o som de pequenos ramos a partir-se à passagem de algo ou alguém. Possivelmente um animal em busca de alimento. Talvez um esquilo. Que idiota! Os esquilos não andam no chão e naquela época do ano dormem a maior parte do tempo. Só podia ser um animal de grande porte e selvagem. Perante a ideia de ser um animal selvagem o seu coração disparou. Naquele momento o som pareceu-lhe mais perto... isso ou o seu coração batia de tal forma que parecia ter-se mudado para a sua cabeça tornando o barulho ensurdecedor. Decididamente não deveria ter saído do caminho que conhecia! Apesar do som cada vez mais perto não se conseguia mexer. Seria uma presa fácil! À sua frente surgiu uma figura e ela não conseguiu conter uma gargalhada nervosa.
- Erick! Graças a Deus.
- Não está com boa cara. Está tudo bem?
- Agora sim.
- Agora? Anteriormente não estava?
- Não... sim...
- Bom, sei que as mulheres são algo complicadas mas nunca imaginei que fossem também confusas.
- Desculpa, pensei que era um animal selvagem.
- Animal selvagem? Entendi...
- Ouvi um barulho e pensei que seria um lobo ou algo parecido.
- Duvido que haja lobos por aqui mas, imaginando que houvesse, nunca iriam andar de dia durante o inverno. Sabias que o homem tem exterminado uma boa parte deles?
- Dos lobos?
- Sim. Muitas vezes são envenenados ou acabam por morrer em armadilhas ao tentar encontrar comida.
- Que horror!
- Bom, alguns entram nos galinheiros o que não agrada aos agricultores.
Valerie não soube em que momento a caminhada se tornou um passeio aliado a uma aula sobre a vida animal. Deu por si fascinada com o conhecimento dele sobre a fauna e a flora e sentiu que podia ouvi-lo todo o dia. Erick comentou que na vila havia um centro de apoio à fauna e que estes sobreviviam de doações. Que tinham feito trilhos, como aquele que eles percorriam, para que os amantes da natureza pudessem apreciar a mesma. Alguns deles passavam por moinhos abandonados, casas e até um castelo. Mas no caso do castelo este não estava abandonado, tinha sido restaurado e servia de museu da vila.
- Um dia tenho que ir lá.
- Um dia tenho que ir lá.
- Não te vais arrepender. É digno de ser visitado.
Por alguns minutos caminharam em silêncio como se as caminhadas fizessem parte da rotina deles. Valerie olhou disfarçadamente. Apesar de estar descontraído tinha a sensação que algo o preocupava. Talvez pela sombra de tristeza que vira nos seus olhos cor de mel.
Valerie achou melhor não se debruçar na descoberta do desconhecido, levantou o rosto e percebeu que estavam perto vila. Sem falarem sobre o assunto entraram na pastelaria do dia anterior e sentaram-se como se o tivessem combinado no dia anterior.
E, para sua surpresa, essa passou a ser a sua rotina diária.
Saía assim que Tim chegava ao solar e caminhava calmamente até se cruzar com Erick. As caminhadas deixavam-na com um humor diferente, era como se o dia tivesse um outro brilho. E as conversas deles não poderiam ser mais diversas e interessantes. Apesar de continuar sem saber muito bem quem era o seu companheiro de exercício ela gostava da companhia dele e de uma coisa ela tinha a certeza. Ele era muito culto e educado.
Tomavam o pequeno almoço pelo quarto dia consecutivo quando ela viu passar o carro do marido. Naquele instante o seu coração disparou e tinha a certeza que o seu rosto perdera a alegria que ultimamente reflectia.
- Tenho que ir.
- Está tudo bem?
- Está tudo como sempre. Simplesmente eu... - Valerie calou-se, não queria ensombrar aqueles momentos com as suas preocupações - Obrigada por estes dias, gostei muito.
- Parece uma despedida.
- Talvez.
- Espero que não seja.
- Eu também. - Valerie sorriu sem jeito. - Gostava que as coisas fossem diferentes.
Parecia uma adolescente no seu primeiro encontro sem saber que dizer. O problema residia em que não era adolescente e muito menos uma mulher livre. E como ela gostava de ser. Ou pelo menos lutar por isso.