Estava com fome e começava a ter frio. Olhou o relógio, já tinha passado mais de duas horas que tinha saído da cabana, mas por muito que grita-se a pedir ajuda, não aparecia ninguém! Começava a arrepender-se de ter ido sozinha nesta viagem! Olhou em redor, nada se movia. E não podia passar ali a noite. Meteu o joelho no chão e tentou equilibra-se, uma dor atroz percorreu a perna assim que o pé assentou no chão. Voltou a sentar-se na terra molhada.
- Raios e mais raios! - Gritou frustrada para o céu cinzento.
- Se não se importa, ficamos pelo céu cinzento!
A voz ganhou forma, um homem alto apareceu à sua frente. Ficou a olhá-lo uns instantes, a barba por fazer dava-lhe um ar meio selvagem e perigoso. Tinha vestidas umas calças de ganga que já tinham visto melhores dias e um casaco castanho grosso. Muito grosso! Isso ou era mais gordo do que as suas compridas e musculadas pernas aparentavam.
- Precisa de ajuda? - Ele olhava para ela divertido, o que a deixou furiosa.
- Não! Eu apenas gosto de cair e escorregar pelas estradas cheias de lama. É o meu desporto favorito!
- Há gostos piores. Sendo assim vou andando. Prazer!
Ele ia realmente embora?! Só podia estar a gozar com ela. Qualquer idiota via que não conseguia por-se de pé, e aquele arrogante ia deixá-la ali sozinha no meio do nada?!
- Onde pensa que vai? - Ana deitou-lhe o olhar mais frio que conseguiu
- Vou voltar para a minha cabana antes que a chuva chegue. Porque ela vai chegar não tarda. Devia de fazer o mesmo.
Que homem irritante! Apostava, que lá por dentro estava a rir-se dela!
- Não acha que se conseguisse levantar-me já o tinha feito?! Nem que fosse por educação.
- Educação! Sei. E se tentasse ser menos arrogante?
- Arrogante?! Eu?!
- Claro. Quem mais, está a ver mais alguém aqui? Eu certamente não sou.
- Não! É a educação em pessoa. Por isso perguntou se preciso de ajuda!
- Se chega-se e a agarra-se, podia começar aos gritos e não gosto que me gritem aos ouvidos. Quando se precisa de ajuda, tratamos as pessoas com respeito e não respondemos como uma criança mimada!
- Criança mimada?! Mas quem pensa que é para me tratar assim?
- Neste momento a pessoa, e por sinal a única, que pode ajudá-la a sair daqui.
- E por isso resolveu implicar comigo.
- Implicar?! Não, apenas retribuo a forma como me trata.
- Como o trato?! Ora!- Por muito que lhe doe-se o pé não estava para aturar tanta arrogância - Pode voltar pelo mesmo caminho!
- Olhe. - Atirou para longe o ramo que tinha apanhado do chão - Se estivesse bom tempo, até fazia o seu joguinho, mas esgotei a paciência. Onde é a sua cabana? Ou prefere passar aqui a noite?!
Ele tinha razão, o céu estava escuro demais e a noite não tardava. Era melhor aceitar a ajuda dele.
- É naquela direcção. - Contrariada apontou para a direita.
- Muito bem. Vamos lá a isso. Tente apoiar-se em mim.
Uns braços fortes ajudaram-na a levantar-se e ele passou um dos braços dela sobre os ombros dele. O cheiro do after-shave dele inebriou-lhe os sentidos. Era fresco e ao mesmo tempo quente... era uma mistura que não conseguia decifrar bem!
- Podemos?
- Sim. - A voz soou num tom muito baixo.
- Se sentir dores diga.
- Se lhe for dizer quando me doí não faço mais nada.
- É sempre assim? Irritante e arisca?
- Irritante é você, irritante e petulante!
Que estava a fazer? Estava a gritar com a única pessoa que a podia ajudar! Não era boa ideia, podia arrepender-se e deixá-la ali sozinha. Por muito que o acha-se irritante era melhor controlar-se.
- Desculpe, não costumo ser assim.
- Não, aposto que não.
- Os meus funcionários dizem que sou muito sociável.- Admirou-se por dizer aquilo.
- Tem funcionários?! Quem diria?!
- Qual o espanto?
No ímpeto do momento retirou o braço dos ombros dele, e teria caído novamente se ele não a tivesse amparado. Um formigueiro traquina, invadiu o seu estômago ao sentir novamente o afther-shave dele. Fechou os olhos. O que foi um erro, o aroma parecia mais forte, mais intenso e por consequência, o formigueiro aumentou a actividade.
- Está doida?! Quer magoar-se mais?! Pelo que deu para perceber é um entorse, e inchado como está já lhe vai custar uns bons dias na cama, ou quer piorar a situação?
- Se é um entorse não vai ser difícil de curar!
- Se você o diz. É melhor voltar-mos a andar.
Por uns instantes ficaram em silêncio. Mas ela preferia que falassem, incomodava-a sentir aquele tremor no seu interior. Se ele falasse, ao menos dizia algo que a irrita-se e assim podia exaspera-se com ele.
- Bem, e agora?
- Agora o quê?! - Ana não percebeu o que ele queria.
- O caminho!? A minha cabana fica a cinco minutos daqui. A sua...
- Por ali. - A voz não soou confiante, e ele notou isso. Ela pode sentir isso no olhar que lhe deitou.
- Tem a certeza?
- Tenho. Bem, pelo menos acho que sim.
- Tem ou acha?! Não podemos andar ás voltas com este tempo. - O vento tinha aumentado de intensidade o que queria dizer que a chuva não tardava. - E muito menos com o seu pé nesse estado! Por isso decida-se. Mas certifique-se que está a dar as indicações certas.
Não queria concordar com ele, mas não lhe restava outra alternativa. Não podiam andar às voltas, e ela não tinha a certeza para onde tinha de ir. Baixou a cabeça em sinal de derrota.
- Não sei. Tinha a certeza que era por aqui mas agora... Tudo me parece igual!
- Por isso deve de andar sempre acompanhada, e com um mapa.
- Mapa eu tenho. - Meteu a mão ao bolso do casaco mas o mapa não estava lá. - Não o encontro!
- Mesmo que tivesse o mapa, duvido que conseguisse indicar onde está. Por isso, o mapa já não importa mais. Mas tente lembrar-se de algo que sirva para me orientar. Devem de andar à sua procura. Saiu à quanto tempo?
- Eram duas e meia.
- Já passou algum tempo. - Disse depois de olhar o relógio - Devia de ter vindo acompanhada. Principalmente se não conhece a zona. Se me indicar algo para me orientar, posso ir avisar que está bem. Depois volto com ajuda para a levar de volta.
- Estou sozinha. - Atirou a minúscula frase rapidamente, antes que se arrepende-se. A dor do pé aumentava, fez uma careta ao sentir uma pontada mais forte.
- Bolas! - Agarrou-a ao colo ao mesmo tempo que resmungava algo que ela não percebeu. - Vamos para a minha cabana, é mais perto. Amanhã procuro a sua.
- Ponha-me no chão! Não sou uma criança!
- Então, não se comporte como tal.
Resolveu desistir, o pé doía-lhe como tudo, embora não lhe agradasse tinha de ceder. Afinal não sabia onde estava. Com os braços ao redor do pescoço dele, reiniciaram o caminho. Umas gotas de chuva fizeram-se anunciar. Instintivamente aninhou a cara no ombro dele, ouviu-o resmungar novamente. O calor do corpo dele trespassava o casaco, podia senti-lo. Se suste-se a respiração uns instantes podia ouvir o coração dele bater, uma sensação de segurança apoderou-se dela. Sentiu que nos braços dele nada de mal lhe podia acontecer. Agitou-se com aquele pensamento.
- Pensei que tínhamos concordado, em que era mais seguro estar quieta!
Preferiu manter-se calada. Uns minutos depois avistou-se uma cabana, que ele disse ser a dele. Um fumo cinzento claro saía da chaminé. A namorada, ou a esposa, devia de ter acendido a lareira. Que diria quando entra-se com ela nos braços?
- Não quero incomodar! A sua namorada deve...
- Agora é tarde para isso. Chegámos.
Sentou-a numa cadeira que estava debaixo do varandim e entrou em casa. Imaginou que estava a falar com a namorada e que a qualquer instante uns gritos abafados faziam-se ouvir. Mas enganou-se, a única coisa que se ouviu foi a porta a abrir novamente. Voltou a pegá-la ao colo e entraram em casa, onde a deixou no sofá e desapareceu novamente. Para voltar a reaparecer com uma chávena de café e uma bolsa com gelo.
- Espero que goste de café. - Deu-lhe a chávena - Consegue tirar a bota? Preciso ver o pé.
- Não se preocupe, já fez demais, eu posso...
- Concordo consigo, já fiz demais. Mas tenho de ver se é apenas uma entorse ligeira ou algo mais grave.
- E você percebe algo disso?!
- Ficava surpreendida com as coisas que eu percebo. Deixe de ser teimosa e tire a bota!
Acabou por tirar a bota a custo, o pé tinha inchado e estava a ficar arroxeado. Fez uma careta de dor quando ele começou a mexer no pé.
- Peço desculpa por a magoar, mas é preciso. Tentarei ser breve. - Manteve-se calado enquanto observou o pé - Felizmente é apenas um entorse. Basta colocar gelo, tomar uns analgésicos fracos e descansar.
- Amanhã mesmo volto para casa. Assim que descobrir a cabana para apanhar o carro.
- Nem pensar! Tem de estar em repouso. Certamente tem alguém que a possa vir buscar. Um marido, noivo, namorado... alguém!
- Não. Mas não se preocupe, não vou incomodá-lo mais.
Colocou-se de pé, a dor atroz de antes voltou ao ataque. Os olhos encheram-se de lágrimas com a força da dor.
- Sente-se antes que desmaie! Ou terei de amarra-la à cama para que fique quieta?!
- Com quem pensa que está a falar?!
- Acho que já tivemos esta conversa. - Ele sorriu - Imagino que não trouxe o telemóvel consigo quando saiu da cabana. - Ela confirmou com a cabeça - Vou ser directo,não estava nos meus planos ter companhia durante a minha estadia aqui, mas não vou voltar costas a uma pessoa que precisa de ajuda. Por muito irritante que ela seja! Como não sabe onde fica a cabana, nem que direcção tomou quando começou a escorregar...
- Oh, peço desculpas por isso. Para a próxima certifico-me em cair apenas em sítios conhecidos!
- Como estava a dizer... Já que não faz a mais pálida ideia de onde está a sua cabana, e eu não vou gastar os dias a procurá-la, temos de ficar por aqui. Pelo menos, até que consiga apoiar o pé no chão. Nessa altura vamos tentar encontrá-la.
- Mas as minhas coisas, estão todas lá!
- Aqui também tenho pratos e panelas. Não vai morrer há fome!
- Estava a falar de coisas mais pessoais. Como roupa e maquilhagem!
- Maquilhagem não tenho, mas não terá frio, certamente arranjaremos algo que lhe sirva entre as minhas roupas.
- Mas a minha roupa interior...
- Quanto a isso não posso fazer nada. Amanhã pode pedir a Jil, para trazer algo que lhe faça falta, ele costuma vir trazer o pão de dois em dois dias.
- Então vou com ele quando ele vier.
- Se quiser... mas duvido. - Deitou-lhe um olhar duvidoso - Agora vou tratar de fazer algo para comermos. Precisa de algo?
- Não, obrigada.
- Depois, vou ajudá-la a tomar banho.
- Nem sonhe! - Gritou mais alto do que pretendia. - Tomei banho esta manhã...
- Antes ou depois de ter escorregado?
Nessa altura Ana tomou consciência que devia de estar imunda. Os seus cabelos, que geralmente são sedosos, deviam de estar num estado lastimável!
- Mas não se preocupe, está em segurança. Não faz o meu tipo!
A última parte da conversa, foi num tom de voz tão baixo, que ela ficou na duvida se era para ele próprio ou para ela. Mas mesmo assim, aquelas palavras magoaram-na! Não que tivesse algum interesse nele, mas qualquer mulher gosta de saber que os homens a acham atraente. Mesmo os irritantes! Ficou a observar a sala, era ligeiramente diferente da que ela tinha alugado. A lareira encontrava-se no lado oposto. Reparou que ele tinha pedido para retirarem o telefone. A televisão essa era maior que a dela. Correu o olhar pela sala a ver se encontrava o comando. Viu-o numa mesa junto à janela. Estava muito longe do seu alcance... Se fosse aos saltinhos era capaz de chegar até lá! Olhou em direcção da cozinha, ele devia de demorar. Apoiou as mãos no sofá e tomou balanço...
- Espero que não esteja a tentar levantar-se!
- Ora! Apenas queria o comando.
- E se tenta-se pedir as coisas?!
- Não quero incomodar.
- Se cair e se magoar mais, vai incomodar o dobro! Já pensou nisso?
Ele voltava a ter razão! Não tinha pensado nas coisas por esse prisma! Odiava dar-lhe razão!
- Vou ajudá-la a chegar à casa de banho. Já levei um banco para que possa sentar-se enquanto se lava sem se apoiar no pé.
- Obrigada.
Ele não respondeu, levou-a ao colo. Agora sem o casaco, Ana pode sentir os músculos duros dele. Sem o conseguir evitar a sua mente imaginou-o sem camisa. Devia de ser impressionante! Nunca tinha tocado num homem com um peito tão forte! Mário era o oposto, não era flácido mas comparado com... Como se chamava? Não se tinham apresentado.
- Ouviu o que disse?
- Desculpe! Não estava a ouvir..
- Compreendo que estar aqui comigo, não estivesse nos seus planos, mas também não estava nos meus.
- Podia ter-me deixado onde estava.
- Era o que merecia, mas não sou um mostro!
- Desculpe! Não queria...
- Já reparei que há muita coisa que não quer ou não ouve... Como estava a dizer, vou buscar-lhe algo limpo para vestir. Amanhã as suas roupas já estarão limpas e secas. Agora, comporte-se como uma boa menina e faça o que lhe disse. Lave-se sentada no banco. As toalhas estão ali. Quando estiver pronta diga que venho ajudá-la.
- Obrigada.
Quando ouviu a porta fechar-se começou a tirar a roupa, que pesava mais devido ao barro! O barro sairia da sua blusa de lã de caxemira?! Adorava aquela blusa, tinha-lha oferecido Clara no natal passado! Espreitou a sua figura no enorme espelho, estava uma lástima mesmo! Além do cabelo, a cara estava cheia de barro! Tentou por-se de pé para observar o seu corpo por inteiro, a dor deu sinal de vida quando apoiou o pé. Fazendo força na perna que estava boa, começou a inspecção. Não tinha nódoas negras, estava apenas com o cabelo todo emaranhado, e a sua roupa completamente suja! A roupa interior eram as únicas peças que se mantinham limpas, isto se esquece-se o húmidas que estavam as suas shorties por ter estado tanto tempo sentada na terra molhada! Atirou as ultimas peças para o chão, agarrou-se ao lavatório e a custo conseguiu chegar ao banco, que ele lhe deixou estrategicamente colocado debaixo do chuveiro. Sentou-se e lavou-se minuciosamente, dando especial atenção aos cabelos. Pela primeira vez, não usava a sua preciosa máscara de cuidado intensivo com vitaminas e minerais para o cabelo! Apanhou a toalha, limpou-se e enrolou-se nela. E agora?! Como é que o chamava?! Não sabia o nome dele! Não ia gritar. Ele não disse que não gostava que lhe gritassem?! Pois então, esperaria o que fosse preciso até ele achar que estava a demorar demais!
Olhou a casa de banho, era como sua, mas sem banheira! As paredes eram de pedra, com as loiças encastradas. Tudo estava pensado ao pormenor, as toalhas estavam colocadas num suporte que emanava calor mantendo as mesmas quentes. Um roupão estrategicamente pendurado junto à saída da base do chuveiro aguardava que o usassem. A janela era grande o suficiente, para que durante o dia não precisasse de luz artificial e tinha vista para a enorme mata que os rodeava.
- Está tudo bem? - A voz soou abafada no outro lado da porta - Se não responder vou entrar.
- Sim, está tudo bem. E já que insiste em que não apoie o pé, pode entrar.
Ele entrou, ficou a olhá-la uns instantes antes de apanhar a roupa do chão e colocá-la no cesto.
- E nós é que deixamos a casa de banho suja!
- Para chegar ao cesto preciso de andar!
Sentiu-se elevar do chão, a toalha abriu-se e deixou a descoberto a sua perna, que ela tentou tapar com a ponta da toalha, mas sem sucesso, pois tinha de se segurar ao pescoço dele. Com a proximidade, sentiu o formigueiro voltar ao seu estômago. Começava a ficar aborrecida com aquilo, e para piorar a situação, parecia que a ele não o afectava! E porque devia de afectar?! Mulheres não lhe deviam faltar, ela é que estava carente... Decididamente, o seu juízo tinha ficado afectado com a queda! Só podia! Pois não via outra explicação para pensar naquelas coisas!
- Se estava pronta devia de me ter chamado.- Como ela se mantinha em silêncio ele continuou - As roupas limpas estão no quarto. Vou deixá-la lá para que se vista enquanto tomo duche, já venho para a levar para baixo.
Deixou-a na cama macia e saiu. Ana ainda estava a assimilar a ideia de ficar aborrecida, por ele não mostrar qualquer interesse nela! O melhor era ignorar o formigueiro que a invadia sempre que ele chegava perto. Estava noiva, em crise é certo, mas noiva! Vestiu a camisola que ele lhe deixou em cima da cama e as calças desportivas. Cabiam duas iguais a ela! Nem pensar! A camisola era grande o suficiente, parecia um vestido. Aliás, ela tinha vestidos mais curtos, e ele já tinha visto as suas pernas, por isso... Lembrou-se depois que não tinha roupa interior, tinha de vestir as calças! Contrariada acabou por vesti-las. Sentou-se na cama e esperou.
Alguns minutos depois ele apareceu.
- Vamos para a sala? - Ela anuiu com a cabeça - Algum problema? Sei que as roupas não são o que está habituada, mas até que as suas sequem terão de servir!
- O problema não são as roupas mas o tamanho das mesmas! Se me levantar as calças caem-me!
- Ainda bem que vai ficar sentada!
- Tem solução para tudo, não é?!
- Tudo tem solução, apenas temos de ver com outros olhos.
Voltou a ser transportada em braços até à sala. O maldito formigueiro movimentou-se com mais intensidade, depois do banho, o cheiro dele era mais fresco e vivo. Sabia bem o que era aquele formigueiro, sentira-o em tempos. Mas não com tanta intensidade, e muito menos por um estranho!
- Está esgotada ou apenas a pensar numa nova forma de me atingir?
- Desculpe?!
- Está muito calada. E a experiência ensinou-me que quando isso acontece, é porque a mulher está a estudar o próximo ataque.
- Lamento que as mulheres que conheceu lhe deixassem essa impressão. Estava apenas a pensar que, vou ficar aqui sozinha consigo, vou vestir as suas roupas e não sei o seu nome! Sou Ana. Ana Nunes.
- Steve Mendonça. E agora qual o passo seguinte?
- Como assim?! Não estou a perceber...
- Como vamos dividir a cabana, as roupas e outras coisas, abolimos as formalidades e retiramos o tratamento formal?!
- O que é que isso quer dizer?! - Ana começou a desconfiar dele.
- Não a vou atacar, pode ficar descansada. Apenas que, como já nos apresentámos formalmente, podemos tratar-nos pelo nome.
- Ah isso!
- Claro. Que estavas à espera?!
- Nada. - Estava nervosa, estava à mercê dele e não tinha como fugir, mesmo que quisesse.
- Não precisas de ficar nervosa, não vou invadir a tua privacidade. - Ela respirou fundo. - Eu não estou assim tão necessitado. Vou buscar o jantar, espero que gostes de peixe.
- Não queres ajuda?
Ele olhou para ela mas não respondeu, apenas sorriu. Ana mudou os canais da televisão até encontrar algo que lhe agradasse. Ficou-se por um programa de venda de quadros antigos. Por uns instantes esqueceu-se onde estava.
- Gostas de coisas velhas? - Assustou-se com a voz dele, esquecera-se completamente dele - Mais um gosto esquisito como escorregar no chão molhado?
- Que piada! E não são coisas velhas, são antiguidades.
- Qual a diferença? - O olhar dela mostrava bem que estava a ficar furiosa - Não me digas que vendes essas coisas!
- Não posso dizer que vendo, mas sei a diferença entre uma velharia e uma antiguidade!
- Ui! Começámos! Vamos comer primeiro, depois guerreamos.
- Não é preciso guerrear. E posso explicar-te durante o jantar.
- Sou todo ouvidos.
Entre garfadas de peixe, que Ana concordou que estava belíssimo, começou a explicar que as antiguidades são geralmente peças com história e tradição. Geralmente estão bem cuidadas e a sua raridade é que diz se são muito ou pouco valiosas. Já as velharias, são peças que estão abandonadas ao pó e muitas vezes partidas. Pode-se dizer que são as parentes pobres das antiguidades. Mas já lhe aconteceu encontrar autênticas antiguidades dentro de uma velharia. Como um quadro valiosíssimo, que estava dentro de uma arca velha abandonada num sótão. Steve olhava para ela fixamente. Ana pensou que ele estava aborrecido.
- Desculpa, estou a aborrecer-te. Ás vezes esqueço-me que a maioria das pessoas não tem qualquer interesse neste tipo de coisas.
- Estou é abismado com a paixão com que falas! Gostas mesmo do que fazes!
- Sim. Posso dizer que sou uma pessoa afortunada. Nem todos fazemos o que gostamos. E tu?
- Eu?! Sim, faço o que gosto.
Ana esperou que ele desse seguimento à conversa mas tal não aconteceu. Steve, saiu da sala e voltou depois com duas chávenas de café.
- Não queres telefonar a alguém a avisar que estás bem?
- Não tenho o meu telemóvel.
- Podes usar o meu, deves de saber o numero do teu namorado.
- Apenas quero falar com o meu pai.
- Vou levar-te lá para fora e buscar o telemóvel.
- Lá para fora?!
- Sim, só consegues falar lá fora, e não te podes mexer muito.
Depois de lhe dar o telemóvel, levou-a para o varandim. Deixou-a sozinha para que falasse à vontade. Optou por não contar ao pai que tinha caído, preferiu dizer que tinha perdido o telemóvel e que o telefone do quarto estava com problemas. Sabia estar a mentir, mas não o queria preocupar. Se lhe pedisse, ele viria buscá-la mas ela precisava ficar, queria certificar-se dos seus sentimentos por Mário.
Sem comentários:
Enviar um comentário