segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

MEDO DE AMAR 11ª PARTE



Quando acordou, a almofada ao lado estava vazia e fria. A única coisa que lhe dava a certeza que ele tinha passado a noite com ela, era o facto de estar nua. A ausência dele deu lugar às inseguranças, ela sabia melhor que ninguém que o facto de dormirem juntos não queria dizer nada. Antes da sua partida, quando dormiam juntos, Max nunca saía da cama sem que ela ficasse acordada! Lutando contra aqueles pensamentos negativos mete-se debaixo do chuveiro.

Enquanto tomava o pequeno almoço pensava nos motivos que ele teria para sair da cama cedo. Desistiu de perceber os motivos, se não gostava de pensar que ele se arrependeu, gostava ainda menos de pensar que fora apenas desejo o que o levou até ela! Cada hipótese deixava-a mais desanimada que a anterior.

Na esperança de esquecer as duvidas que a atormentavam, juntou-se à monitora e iniciaram as actividades do dia, estava na estufa a plantar margaridas quando o viu passar a cavalo com Frank, Mark e Pilly.  Sorria sempre que via Pilly, fazia-a lembrar-se dela própria quando era criança. Pilly era a única menina que andava com os rapazes. As demais preferiam ficar a fazer compotas, plantar flores ou simplesmente ler.

Durante o almoço, que faziam todos juntos no refeitório, ele tratou-a com indiferença. O seu coração começou a ficar mais pequeno. Pela atitude dele, qualquer pensaria que não se conheciam.  Aparentemente ele esquecera a noite anterior, enquanto ela ainda sentia o calor dos beijos dele na sua pele. Porque aceitava que a enfermeira se atira-se a ele descaradamente?!  As suas suspeitas ganhavam mais força, ele não a amava mais, para ele foi apenas uma noite de sexo! Uma lágrima caiu na taça da sobremesa, temendo que a vissem chorar abandonou o refeitório.
Refugiou-se no escritório, tentou colocar em ordem os papéis que se iam acumulando na secretária. Teve alguma dificuldade em concentrar-se mas depois conseguiu organizar tudo. Quando percebeu era noite escura. Olhou lá para fora, as luzes do refeitório estavam acesas, assim como as dos dormitórios e a do curral. Foi verificar como estavam as crianças, falou um pouco com a monitora e depois de dar as boas noites a todos voltou para casa. O seu estômago queixou-se da hora tardia, pensou ignorá-lo. Estava sem apetite, mas tinha de comer ou voltaria a desmaiar. Quando entrou na cozinha Max batia uns ovos, sorriu ao vê-la.

- Ainda bem que chegas-te. Fazes a salada? Isto não demora.
- Isto o quê?
- Esparguete à carbonara. Espero que gostes.
- E tu sabes fazer? - Bea tentou espreitar por cima do ombro dele. - Não devias de mexer os ovos?
- Ei! Quem está a cozinhar?! - Max sorriu e ela derreteu-se - Trata da salada sim?!
-Sim senhor!

Durante o jantar falaram da infância e de como as vidas se complicaram depois da morte das mães de ambos. Embora ele não se lembra-se da sua, estava consciente do muito que o pai sacrificou para que ele pudesse ter um futuro melhor.

- O que é irónico, terminas-te a fazer o mesmo. - Bea serviu-lhe uma chávena de café.
- Por gosto, não por obrigação. E não exactamente a mesma coisa. - Max colocou as chávenas num tabuleiro e foi para a sala - O meu pai trabalhava na terra. Não me interpretes mal, não me envergonho dele, sou eternamente grato, e agradeço todo o esforço que fez. Por isso ás vezes penso que todo esse esforço foi e vão.
- Não entendo. - Bea ajeitou-se no sofá
- Ele lutou para que eu não precisasse de trabalhar ao sol. - Max baixou o olhar - Mas sempre gostei de animais e abdiquei do meu lugar no escritório por opção.
- Abdicas-te? Como assim?!
- Sou licenciado em economia e gestão, tive uma oferta e era para começar a trabalhar quando o meu pai adoeceu. - Fez uma pausa, que ela não soube como interpretar. - Depois foi Eme, que foi tão carinhosa comigo, tão amiga do meu pai...
- No fundo sentiste-te obrigado a ficar.
- Não é obrigação, gosto do que faço. E agora com este teu projecto...
- Nosso. O projecto é nosso. - Bea olhou a chávena na sua mão. - Até mais teu que meu.
- Tu é que investiste.
- Dinheiro. Tu investiste algo mais precioso, o teu tempo. - Doía-lhe recordar o dia que deixou a herdade e Max - Mesmo depois de eu partir ficaste.
- Queres mais café? - Max servi-se de mais café - O teu pai?! Onde está?
- Algures.
- Porque evitas falar nele?
- E tu porque evitas falar do muito que te dedicaste a este projecto?
- Não há nada para falar, apenas fiz o que devia fazer.
- Fizeste mais que a tua obrigação. Eu devia de ter ficado, mas deixei-me levar pela insegurança. Hoje não o faria.

Max não disse nada, apenas olhou-a nos olhos procurando uma resposta.

- O teu pai. Ou é assunto proibido?
- Não tens de voltar para casa? - Bea colocou a chávena no tabuleiro e levou tudo para a cozinha.

Começou a colocar a loiça na máquina de lavar, sentiu uns braços ao redor da sua cintura, estremeceu e fechou os olhos.

- Estás a evitar falar do teu pai ou a pedir-me para ir embora? - Max beijou-lhe o pescoço - Pensei ficar, talvez pudéssemos...

Não terminou a frase, Bea voltou-se e beijou-o. Não queria saber de nada mais, ele estava ali e queria estar com ela. Deixou-se envolver, instantes depois subiam as escadas rumo ao quarto.

As semanas passavam, durante o dia eram patroa e empregado, de noite eram amantes. O que estava a deixar Bea confusa, não sabia como agir durante o dia. E não gostava da indiferença com que ele a tratava.
Jantavam juntos todos os dias, algo que ele cozinhava, e depois do jantar falavam do passado, principalmente do dela.

- Não gosto de falar no meu pai. Faz muito tempo que não o vejo.
- Porquê?! - Max estava incrédulo com a atitude dela - Não sabes o tempo que o tens contigo.
- Para mim morreu no dia que substituiu a minha mãe por outra.
- Achas que devia de ser fiel à tua mãe para sempre?!
- Pelo menos enquanto ela fosse viva! - Bea começou a enervar-se -Tinha amantes e mais amantes! Ele é que acabou com ela, ela idolatrava-o! Não conseguia fazer nada sem ele. O amor que lhe tinha fez dela... - Calou-se - Agora não interessa.
- Claro que interessa! Quero saber porque és assim.
- Para quê?! - Bea levantou-se - Para amanhã fingires que não me conheces?!
- Agora estou aqui, não estou?! - Max puxou-a e ela caiu nos braços dele - Queres que vá?
- Eu... - Ele estava perto, não a beijava mas não precisava, sentia-se extasiada só de olhá-lo - Fica.

E ficou, nessa e noutras noites.

O sol iluminava o quarto e o lado da cama que ela se habituou a ver vazia, saiu da cama, Ryana não tardaria a chegar. A amiga vinha para passar o fim de semana e levar o filho para casa. Frank estava muito mais comunicativo. Tinha feito novos amigos e já não andava constantemente atrás de Max.
Alguns deles permaneciam por meses seguidos, o que levava a que confiassem uns nos outros. Embora tivessem decidido aceitar apenas vinte crianças, havia algumas vagas e Max sugeriu a introdução de crianças que não precisassem de cuidados especiais.  Achou boa ideia e iam tentar.
A interacção entre elas era boa ideia, levava a que aprendessem a respeitar-se, a ter a consciência que embora fossem diferentes fisicamente, por dentro eram iguais.

- A ideia foi de Max?! - Ryana olhava o folheto novo - Sim , parece-me boa ideia. Mas que dizem os outros pais?
- Quais? Aqueles que não precisam de se preocupar tanto ou aqueles que têm de pagar horrores para encontrar alguém que fique com os filhos?
- Sabes tão bem como eu que não é fácil lidar com crianças assim. Compreendo as instituições que se negam a recebê-los, muitas vezes os pais não aceitam que os seus filhos brinquem com crianças como Frank.

Bea sabia bem ao que a amiga se estava a referir, teve de mudar Frank de infantário e ultimamente de escola várias vezes. Os pais achavam que a hiperactividade dele prejudicava as demais crianças.

- Penso que o folheto está bem explicito, se trouxerem os filhos é porque concordam com a interacção entre eles.
- Sim, tens razão. Temos de ensinar as crianças que há muitas pessoas no mundo, e nenhuma é igual, mas que assim como eles, merecem ser felizes.
- A ideia é essa, transmitir algo de bom.

Ryana permaneceu em silêncio a olhar o folheto.

- Tens o meu apoio. - Ryana deixou o folheto sob os demais. - Agora que já sei da nova aventura, diz-me que se passa.
- Como assim?! - Bea brincou com as pontas dos folhetos - Não se passa nada.
- Não?! Então diz-me, ontem, e era meia noite quando telefonei, foi Max que atendeu, mas esta manhã parece que não há nada entre vocês.
- Pois... também queria saber.
- Querias?!
- Sim. - Bea respirou fundo - Durante o dia evita-me e até parece que não me conhece. Mas quando o dia acaba, torna-se o amante mais doce e atencioso que uma mulher pode ter. Sinto-me usada!
- Estou a ver... - Ryana dissimulou um sorriso - E que tal é provar do próprio remédio?
- Desculpa?!
- Ele simplesmente está  a tratar-te da mesma forma com que tratavas os homens.
- Não tratei nenhum assim!
- Não?! E César? Acaso não estavas com ele apenas quando querias? Se não o querias, nem respondias aos telefonemas dele. Se o querias muito bem, se não, o pobre nem podia aparecer para dar os bons dias! Entre o que o teu pai fez à tua mãe e Mike, ficaste assim, insensível ao que eles sentem.
- Ora, não digas disparates.
- Disparates?! Não me parece. Fugiste sempre de uma relação seria, evitaste amar para não te magoares. E por muito que tentasses esconder, acho que Max percebeu isso mesmo. Não queres, ou não querias amar. Penso que ele está a punir-te, se bem que de uma forma doce. - Ryana piscou o olho à amiga - Ama-lo?! Diz-lhe. Abre o teu coração. Não deixes passar a oportunidade de ser feliz por medo.

Ryana deixou Bea a fazer uns telefonemas. Mas a cabeça dela ainda estava a assimilar o que disse a amiga. Estaria Max a castigá-la? Lembrou as pequenas divergências de opiniões desde que chegou à herdade. Nunca o tratou como César, talvez porque ele não o permitiu. Sentiu-se atraída por ele desde o inicio, pensou que era apenas desejo. Ou talvez estivesse a tentar convencer-se disso, pois sabia que ele era o tipo de homem que podia amar. E isso ela não queria, sabia que o amor a faria sofrer. E tinha razão. Sofria longe dele e perto dele também, mesmo estando com ele todas a noites não estava satisfeita. Aquele sentimento levava a querer Max de dia e de noite e para sempre. Que todos soubesse que ele era dela assim como ela era dele. E não queria que uma enfermeira se esfrega-se nele descaradamente. Levantou-se decidida. Tinha de lhe dizer que o amava. Que não conseguia viver sem ele. Os sentimentos dele podiam não ser os mesmos e se assim fosse a culpa era dela, mas se tinha de sofrer, que fosse depois de lhe dizer tudo o que sentia.

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