Isabelle sentou-se pesadamente no sofá com a cabeça entre as mãos. Se alguém lhe tivesse dito o quanto sofreria desde que Philippe entrou na sua vida...
O verão chegou e com ele e os amigos de Isabelle. Como sempre, antes da chegada deles, verificava se tinham toalhas suficientes, se os dispensadores de sabonete estavam cheios e abria as janelas para entrar o ar fresco da manhã, coisa que gostava de fazer antes do nascer do sol. Levantou-se cedo com essa intenção, cantarolando em tom baixo abriu a porta do quarto da ala esquerda, mas a janela já estava aberta e a brisa da manhã fazia ondular levemente as cortinas que davam para o jardim, algo se mexeu na cama e dirigiu para lá o olhar, foi a primeira vez que o viu, deitado de costas com os lençóis pela cintura, não lhe via o rosto apenas o cabelo escuro e as costas bem proporcionadas, ele voltou-se. Incapaz de se mover observou-o, a barba por fazer à alguns dias deixava transparecer um rosto sensual de traços fortes, mexeu-se novamente escondendo o peito forte, saiu antes que ele acorda-se sentindo as faces quentes. Não conseguia esquecer aquela imagem, nunca tinha visto um homem sem camisa! Passou a manhã a imaginar como seriam os olhos dele. Quando foi com a madrinha verificar se a mesa estava pronta para o almoço, notou que só tinham colocado dois lugares.
- O seu amigo não fica para almoçar?! - Perguntou com a cabeça baixa.
- Meu amigo?! - A madrinha olhou para ela de olhos semi-cerrados -Ah, Philippe! Ele detesta hotéis, apenas pretendia um lugar para dormir. Já partiu.
- Já?!
- Porquê?!
- Nada, pensei que fosse ficar, ficam sempre mais de uma semana e a madrinha sabe como gosto de ter tudo organizado. Não gosto de deixar nada ao acaso.
- Sei que sim. E estou muito orgulhosa de ti. Tens feito um óptimo trabalho.Nem eu faria melhor.
- Obrigada.
- Agora conta-me sobre a tua saída com Matheus.
Nesse tempo a madrinha alimentava a ilusão de um namoro entre os dois. Talvez se lhe tivesse explicado. Mas mesmo que assim não fosse, e embora Matheus fosse o seu maior amigo e confidente, não o via como um possível namorado. Apenas desfrutavam da companhia um do outro, as saídas eram frequentes mas ela não conseguia esquecer Philippe, tinha plena consciência que estava a ser tonta, fantasiava com um homem do qual não sabia nada. E a esperança de o voltar a ver recaía agora na sua festa de 18 anos! Mas a madrinha não quis impor a sua presença e insistiu num jantar em que os convidados seriam apenas os amigos dela. Apesar de se divertir não conseguia esquecê-lo. Quando estava sozinha, muitas vezes imaginava que ele entrava na sala durante um jantar, caminhava até ela, puxava-a pela mão e perante o olhar estupefacto de todos começava a dançar para depois fugir com ela pelos jardins. Meses depois iniciaram as aulas, e esses pensamentos foram substituídos por outros mais úteis. Apenas se permitia distrair-se com os preparativos com as festas da madrinha, como a dessa noite, o jantar de Outono. Entrou em casa, deixou os livros em cima de uma cadeira e começou a tratar dos centros de mesa, por varias vezes retirou o cabelo dos olhos até que resolveu apanha-lo, ainda o fazia como a avó lhe ensinou, era a forma mais prática, baixou a cabeça e apanhou-o no alto, quando levantou a cabeça viu-o. Estava no alto das escadas, observando-a. Estaria ali à muito tempo?! O seu olhar prendeu-se no dele, segundos depois viu-o sorrir e começar a descer as escadas. Era alto e pela constituição forte devia de fazer exercício, o cabelo parecia-lhe mais negro que na manhã que o viu deitado, os olhos pareciam-lhe escuros, mas àquela distância não tinha a certeza. Afastou a vista quando ele se aproximou do fim das escadas. Concentrou-se novamente na sua função, pouco tempo depois subia para tomar banho. Escolheu a roupa, raramente usava vestidos, preferia calças ou calções. Achava que uma mulher podia vestir-se elegantemente sem ser de vestido. Para essa noite decidiu-se por umas calças de seda preta com um laço de lado e um casaco também preto. Conjugado com uma camisa branca fazia o conjunto perfeito. Apanhou uma parte do cabelo ondulado no lado direito e deixou o resto cair sobre os ombros. Optou por uma maquilhagem leve e uma água de colónia fresca. Estava um pouco nervosa quando se encontrou com a madrinha no cimo das escadas.
- Estás linda!
- Obrigada. Espero que fiquem todos contentes, assim como espero não a desiludir.
- E quando o fizeste?! - A madrinha deu-lhe um breve beijo no rosto - Oh! Desculpa, manchei-te de bâton.
- Não tem importância.
Voltou a entrar para retirar o bâton, quando saiu novamente do quarto a madrinha já tinha descido, uma vez no salão procurou-a com o olhar, mas não a encontrou entre as pessoas. Aceitou um copo de sumo de laranja e dirigiu-se aos jardins. Embora os conhece-se sentia-se deslocada, depois de tantos anos, ainda não se sentia uma deles. Apoiou as mãos no muro do jardim e respirou fundo olhando a lua.
- Tentas esconder-te ou estás cansada demais?
Isabelle voltou-se na direcção daquela voz rouca com um ligeiro sotaque e, por uns instantes, ficou com a boca ligeiramente aberta a olhá-lo sem proferir palavra.
- Qualquer homem podia interpretar isso como um convite.
- Um convite?! - Balbuciou envergonhada
- Com os lábios entreabertos, pedindo a gritos que os beijem.
- Oh!!!
- Mas isso deves de estar farta de ouvir.
-Tenho de voltar.
- Foges de mim? Agora que te ia convidar para dançar.
- Não penso fugir. - Levantou a cabeça desafiante - Simplesmente devem de andar à minha procura. Com licença.
- Vou cobrar a dança.
Voltou para dentro, teve a sensação que o ouviu rir. Mas devia de ser imaginação sua. Procurou a madrinha, esta estava a falar com os amigos e ela viu-se monopolizada por uns primos. Durante o jantar e por várias vezes o seu olhar se cruzou com o dele, nas primeiras vezes baixou a vista mas depois deixou de o fazer. Nunca se sentiu intimidada por ninguém, e ele não era diferente só porque o achava interessante. Mas com a continuação da noite, e sem perceber muito de homens, percebeu que o facto de ela manter o seu olhar estava a deixa-lo ainda mais interessado. Algum tempo depois começou o baile e ele cobrou a dança. Um doce calor apoderou-se dela quando ele encostou o seu corpo ao dela.
- Danças bem.
- Obrigada.
- Mas preferia estar a sós contigo. - Sussurrava-lhe ao ouvido - Amanhã quem sabe.
Sentiu as faces ficarem vermelhas, inventou uma desculpa e desapareceu para a cozinha. Quando se acalmou voltou para a festa, mas ele não estava e não o viu durante o resto da noite. Sentiu-se ligeiramente decepcionada e esse sentimento acompanhou-a mesmo quando se deitou. Nessa noite sonhou com o encontro no jardim, mas no sonho ele não dizia nada, puxava-a e beijava-a brutamente. Ela começava por lhe bater no peito mas depois rendia-se ao beijo. Acordou agitada, levou uma mão à boca, como se ele a tivesse beijado realmente. Deu um murro na almofada e tentou voltar a dormir, coisa que fez com alguma dificuldade. Acordou ainda o sol não tinha nascido, vestiu o fato de treino e desceu para começar a organizar a sala. Levou um saco para o lixo e um recipiente para os copos. Quando o sol começou a bater nas janelas, correu as cortinas para deixar entrar a luz.
- Chegas sempre de madrugada?
Isabelle parou com umas garrafas vazias na mão, ali estava ele segurando o saco do lixo, vestia umas calças de ganga e uma camisa branca, ao contrário dela parecia que tinha dormido bem.
- Dormiu bem? - Isabelle preferiu ignorar a pergunta dele e desviou o olhar - Ainda é cedo, e o pessoal ainda não chegou, mas se quiser posso fazer-lhe algo para comer.
- És sempre assim, eficiente?
- Tento ser. - Tirou-lhe o saco que tinha na mão e colocou as garrafas - Quer comer algo?
- Depende do que tiveres para oferecer.
- Posso ir ver o que...
Isabelle não teve tempo de dizer mais nada, ele segurou-lhe a mão e sem grande esforço puxou-a, o seu peito roçava o dele num sobe e desce sincronizado. Sabia que devia de fugir dali mas não tinha forças, viu-o chegar a ela por duas vezes e afastar-se outras tantas, sempre sem tirar os olhos dos dela, num gesto involuntário entreabriu os lábios e aí ele desceu a boca até ela e tocou os lábios trémulos. Abriu muito os olhos, não esperava aquilo, no sonho ele tinha sido bruto, mas agora era o oposto, com toda a suavidade começou a dar pequenos beijos ao redor da sua boca antes de a tomar de assalto. Sentiu as suas coxas apoiadas nas dele e o seu braço apertava-a evitando que se afasta-se.
Respondeu ao beijo da melhor maneira que a sua pouca experiência lhe permitia, se podia contar como experiência beijar um colega da escola à dois anos porque perdeu no jogo do "verdade ou consequência"e os poucos beijos que trocou com Marcus, antes de decidir por fim ao namoro porque os rapazes são todos umas crianças. O barulho da porta da cozinha fez-se ouvir, seguido do bip da máquina da loiça.
- Ma chérie... - Retirou-lhe uma madeixa de cabelo dos olhos - Temos de repetir. Mas num sítio mais calmo.
Deu-lhe outro breve beijo e deixou-a no meio da sala com o saco do lixo a seus pés. Demorou algum tempo a voltar à realidade. Quando consegui raciocinar lembrou-se das palavras dele: Ma chérie! Era francês?! Ou seria Belga?! Na Bélgica também falam francês, assim como em mais de vinte países!
Antes do almoço, quando ela colhia umas flores no jardim ele aproximou-se silenciosamente. E se ela não o tivesse visto descer as escadas, possivelmente se teria assustado.
- Vais ficar muito tempo por aqui? - Philippe apanhou a rosa que ela acabava de cortar.
- No jardim?! -Tentava mostrar-se calma quando toda ela tremia pela proximidade dele.
- Não. - Ele sorriu - Se vais trabalhar mais algum tempo para Isabelle.
- Penso que sim, seria de má educação abandonar a minha madrinha.
- Tua madrinha?! - Ele endireitou-se como se tivesse levado um choque eléctrico.
- Sim. - Estendeu-lhe a mão, divertida com o embaraço dele - Isabelle Trent. Isi para os amigos.
- Desculpe. Pensei que trabalhasse para uma agência ou algo do género.
- Sério?!
- Reforço o pedido de desculpas. - Ignorou a mão que ela lhe estendia e entrou em casa.
Nessa tarde Philippe deixou o palacete, justificando a sua ausência com assuntos urgentes que tinha de resolver.
Isabelle depositou a chávena na pia e foi deitar-se, recordar o passado apenas lhe trazia tristeza e rancor. E a avó sempre lhe disse que o passado é para ficar lá atrás, por isso se chama passado e não presente.
Sem comentários:
Enviar um comentário