segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

TUDO O QUE FICOU 5ª PARTE




O som da campainha acordou-a. O relógio marcava oito e trinta. Tinha combinado ir tomar o pequeno almoço com Matheus! Olhando o filho que dormia profundamente vestiu o roupão e foi abrir a porta.

- Bom dia! Começava a preocupar-me! - Matheus entrou depois de lhe dar um beijo na face.- Estou à mais de meia hora à tua espera.
-Desculpa, adormeci.
- Já vi. - Matheus agarrou-lhe a cara e fitou os olhos dela - Que se passou?!

Ela forçou um sorriso, se havia dias em que ela tinha quase a certeza que ele tinha uma espécie de radar, como os morcegos, para detectar quando algo não está bem com ela, esse era um deles. Por isso, à muito que desistira de tentar esconder dele o que a preocupava.

- Philippe esteve aqui.
- Meus Deus!
- Pois...
- Que queria?!
- Não sei bem.
- Viu Leo?
- Não. - Isi manteve o olhar reprovador do amigo - Não me olhes assim, não lhe vou dizer.
- Estás mesmo decidida quanto a isso?
- Sim.
- Como te descobriu aqui?
- Não sei. A única coisa que sei é que já perdi tempo demais a pensar nele. Não queres fazer café enquanto me visto?

Enquanto se vestia pensava que apesar do apartamento ser pequeno, teria saudades dele, tinha ali bons amigos, pessoas com as quais tinha contado durante estes vinte meses. Mas a sua vida mudara, tinha tanta coisa que tratar e ainda tinha de enfrentar Philippe. Precisava arranjar forma de ele abdicar do seu direito de usufruir de um quarto, naquela que seria a sua casa dali para a frente.

Saíram quando a ama de Leonard chegou, durante o percurso falaram das coisas que ela pretendia alterar no palacete. Matheus confidenciou-lhe que os primos de Isabelle não iriam impor a sua presença no palacete agora que a prima tinha falecido. Talvez uma visita ocasional e breve por altura do Natal. Se por um lado se sentiu aliviada, por outro sentia que estava a faltar à promessa à madrinha. Matheus deixou-a na entrada e foi para o escritório, Vince, tão eficiente como sempre, apareceu na entrada quando ela fechou a porta.

- Bom dia menina.
- Bom dia Vince. Já chegaram todos?
- Sim menina.
- Pode pedir-lhes que venham até à sala?
- Sim menina. - Vince deu dois passos e retrocedeu -  Se a menina permitir, falo por todos.
- Claro, se é isso que querem.
- Vou avisar que a menina chegou. Com sua licença.

A reunião que ela temia foi rápida, não queria despedir ninguém mas agora que estava sozinha não precisava de cinco empregados, um mordomo, uma cozinheira e dois jardineiros. Nem tinha como pagar a todos. Tinha pensado ficar com duas empregadas, Vince, porque estava desde sempre ao serviço da madrinha e os jardineiros. Mas eles já tinham decidido que iam todos embora, Isabelle deixou uma soma considerável a cada um deles, foi generosa até com Marie que estava apenas à quatro anos ao serviço! Ofereceram os seus serviços para alguma eventual festa que ela desse e pouco a pouco foram abandonado a casa.

Permaneceu sentada olhando o jardim lá fora, tinha de arranjar um jardineiro com urgência. Olhou o enorme lustre que pendia do salão. A casa parecia-lhe enorme, tinha quinze quartos, com casas de banho privadas, dois salões, uma biblioteca, duas salas de estar, a sala de lazer, uma pequena sala com lareira, essa era a sua divisão favorita, dois escritórios, a cozinha e as casas do jardim.

Não adiantava ficar a lamentar-se, subiu e foi ver que podia retirar do quarto para colocar a cama de Leo, o seu quarto ainda estava como quando ali vivia. Começou a abrir as gavetas, toda a sua roupa estava ainda lá dentro, o roupeiro com os seus vestidos e casacos. Respirou fundo e despiu o casaco, desviou a cómoda, ali colocaria provisoriamente a cama de Leo, pediria a Matheus que lhe arranja-se um bom empreiteiro para abrir uma porta para unir dois quartos, até lá dormiria com o filho no seu quarto. Procurou um elástico na casa de banho, quando regressou ao quarto parou diante do espelho do enorme roupeiro. Olhou a imagem analisando o reflexo, nunca se tinha achado bonita, o cabelo ondulado caía sobre os ombros em cascata, os olhos castanhos claro, como os da mãe, o peito generoso... Decididamente não tinha mudado muito desde os quinze anos, as calças de ganga realçavam as longas pernas, o peito avultado parecia querer sair da t-shirt, depois da gravidez o peito ficou maior, por alguns meses pensou que depois de Leo deixar de mamar o peito diminuísse, mas tal não aconteceu. Como amamentou por pouco tempo, os peitos não perderam a forma nem ficaram flácidos como seria de esperar. Matheus brincava com ela dizendo que a maioria das mulheres preferia ter a mesma sorte.

A campainha acabou com a especulação sobre o seu aspecto, se a madrinha ali estivesse diria que não há nada mais triste que uma mulher que procura defeitos em si mesma!

- Gente apressada - Isabelle murmurava enquanto descia as escadas e a campainha voltava a tocar.

Abriu a porta e ficou de boca aberta olhado para Philippe, vestia umas calças pretas e uma t-shirt branca, trazia o casaco  na mão, esquecera o sensual que ele ficava.

- Vejo que te esqueces-te do nosso encontro. - Philippe passou por ela e depositou o casaco nas costas do cadeirão mais próximo.
- Que fazes aqui? - Disse o primeiro que lhe veio à cabeça, sabia bem demais o que ele fazia ali.
- Vai vestir algo mais apropriado, vamos almoçar.
- Não me recordo de ter concordado em almoçar contigo.
- Não dificultes a situação.
- Dificultar?! - Isabelle olhou nos olhos, parecia cansado - Não vou mudar de roupa, nem vou almoçar ou a outro lado qualquer, pelo menos contigo.
- Não pensavas assim quando nos conhecemos. - Philippe aproximava-se vagarosamente - Lembro-me que nessa altura quase me imploras-te que...
- Coisas de criança. - Interrompeu-o quase gritando - Muita coisa mudou entretanto. Se me fascinavas naquele tempo agora acho-te aborrecido.
- Sim?! - O pouco espaço que os separava desapareceu, Philippe estava a escassos centímetros dela e brincava com uma madeixa que caía junto à sua orelha - Os teus olhos dizem o contrário.
- Não... - Nunca conseguiu pensar quando estava junto a ele, porque tinha aquele poder sobre ela?!
- Não?!...

Philippe desceu a boca sobre a dela, quando sentiu os lábios dele sobre os dela, entregou-se como à algum tempo atrás, esqueceu-se de tudo o que sofreu por ele e voltou a ser aquela menina de dezoito anos fascinada por um francês sedutor, ao qual entregou o seu coração para ele o despedaçar sem piedade. Lembrar aqueles dias e o que sofreu deu-lhe forças para o afastar, levou a mão à boca perante o olhar atento dele.

- Não tinhas o direito. Tudo o que sentia por ti acabou à muito tempo.
- Tens de ter uma conversa com o teu corpo, ele diz que não acabou.
- Desculpa! Esqueci-me que és especialista em ler as mulheres.
- Que queres dizer com isso?!
- Nada! - Não queria admitir que sabia da existência da sua esposa - Apenas penso na enorme lista que deves de ter!
- Acreditas realmente nisso?!
- Claro que sim! - Pensar na mulher dele avivou a dor que sentia e sentiu necessidade de o magoar também - Depois de mim quantas mais?! Quantas iludiste fingindo que te importavas realmente?! Quantas foram tão idiotas como eu e levaste para a cama?! Aposto que todas mais novas, afinal são mais fáceis de seduzir.
- Cala-te. - Philippe estava visivelmente furioso - É melhor não dizeres mais nada.
- Porquê? Vais bater-me?!

Por uns instantes pensou que ele seria capaz disso, podia ver a veia no seu pescoço a pulsar raivosamente. Mas ele voltou-lhe costas e passou a mão sobre o cabelo nervosamente.

- Possivelmente não fui correto...
- Possivelmente ?! - Não conseguiu controlar uma gargalhada nervosa - Essa é nova para mim.
- Olha, estou cansado, dormi mal. E acredites ou não, quando pensei em vir aqui não era minha intenção discutir. Apenas quero esclarecer as coisas. Em nome de tudo o que aconteceu entre nós, peço-te, vamos almoçar, conversamos... Por favor Isi.
- Não me chames assim. Não tens esse direito. E se vamos buscar os sentimentos passados, peço-te, sai. Deixa-me sozinha.

Isabelle tremia por dentro, esperava que ele saísse sem discutir. Philippe permanecia imóvel a poucos passos dela, viu-o fechar a mão um par de vezes para depois a abrir abruptamente e apanhar o casaco. Ficou diante dela, como se fosse dizer algo mas apenas a fixou, o brilho nos olhos dele prometiam algo que ela não foi capaz de decifrar, não ia desviar o olhar, permaneceria ali demonstrando que não sentia nada por ele, que aquele beijo não fora nada! Se conseguisse segurar o seu olhar furioso tudo correria bem. Desde que não a beija-se outra vez, sabia que se o fizesse ela poderia render-se. Ainda o amava, bastou aquele beijo para reacender toda a paixão que nutria por ele e que ela julgava extinta por tanto sofrimento e mentira.

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