sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

ENGANOS 1ª PARTE



Christina apressou o passo, embora estivesse a desfrutar da caminhada tinha de regressar.
Aquele era o último dia ali na casa de campo, reconheceu que o mês tinha passado rapidamente. Ana pedira-lhe que fosse substitui-la por um mês, pois ia de férias com o namorado e já tinha tudo resolvido com o seu patrão, o dr. Lond, que lhe assegurou não se importar que ela fosse cuidar da neta. Christina achou aquelas férias um tanto ou quanto forçadas, mas Ana era mesmo assim, impetuosa. Embora não fosse a primeira vez que substituía Ana, os súbitos pedidos para a substituir tinham aumentado, e isso intrigava-a. Mas não se importava de a substituir, o dinheiro fazia imensa falta para aumentar o seu pequeno subsídio de desemprego.

Conhecia Ana desde a faculdade e quando decidiu ir para a cidade ficou no apartamento dela até encontrar um para si, o que acabou por ser praticamente um ano. Naquele tempo saíam juntas à noite e onde quer que fossem, Ana era a rainha da festa, sempre muito animada, se bem que quando tinha namorado era exactamente o oposto. Vivia exclusivamente para ele, deixando tudo e todos para segundo plano, incluindo o emprego. Sempre atribuiu esse comportamento da amiga à idade, mas agora com vinte e sete anos, Ana não tinha mudado, ainda se dedicava a eles inteiramente e recorria a ela sempre que queria estar com o namorado. Coisa que acontecia com demasiada frequência neste ano, passeou cachorros, organizou mudanças e depois de ficar como ama de companhia de uma idosa, por alguns fins de semana, agora tinha Yorin a seu cuidado. O dr. Lond, avô de Yorin, preferiu passar esse mês na casa de campo,visto o filho ausentar-se numa viagem de negócios. Ao início teve receio de não conseguir cuidar da pequena, mas essas dúvidas dissiparam-se em poucos dias.

Embora a sua experiência com crianças se limita-se aos seus dois sobrinhos, adorava crianças e não foram precisos muitos dias para perceber que ainda sabia como se cuida de um bebé. Além disso gostava imenso da pequena Yorin, assim como do seu avô. Simpatizou com ele com a mesma rapidez que se apaixonou pela neta e muitas vezes ficavam a jogar xadrez ou a conversar junto à lareira depois do jantar. A estadia ali foi tão agradável como a viagem até lá. Recordaria aquele mês para sempre.
As encostas verdejantes cheias de árvores altas e de florestação cerrada, onde muitas vezes o nevoeiro permanecia durante toda a manhã, davam-lhe uma sensação de calma e durante a sua estadia esqueceu as suas dificuldades económicas.

Quando chegou à cabana o sol abria caminho por entre as árvores, ficou um pouco no meio da estrada sentindo o calor dos raios na sua pele, aquele clima convidava a um passeio, se o dr. Lond estivesse de acordo nessa tarde fariam um piquenique.

- Bom dia Christina. - O Dr Lond estava na entrada da casa. - Gostou do passeio?
- Bom dia Dr. - Christina respirou fundo - Sim, como sempre foi muito agradável.
- Entre e tome o pequeno almoço connosco.
- Obrigada. A princesa já acordou?
- Ainda está a aproveitar esta calma. Acho que gosta de aqui estar.
- Quem não gostaria, as crianças, ainda que bebés são muito atentas.
- Tem razão, nunca deixo de me surpreender com a capacidade deles.
- É impressionante a rapidez com que aprendem.

Durante o pequeno almoço falou sobre o piquenique que tinha pensado, o dr Lond achou boa ideia e pediu à governanta que prepara-se tudo. Entretanto ela preparou a sacola com as coisas da pequena Yorin.

O tempo estava esplêndido, apesar da leve brisa, o sol aquecia a relva debaixo de uma enorme árvore, ali perto avistava-se um pequeno lago onde uns patos nadavam. Depois de almoço Yorin dormia a sesta junto ao avô e ela foi até ao lago. Sorriu ao lembrar as férias que passava com os avós na quinta. Por uns momentos deixou-se ficar junto ao lago. O som do sorriso que ela aprendeu a reconhecer obrigou-a a olhar para cima. Yorin já estava acordada. Juntou-se a eles, depois de verificar se ela tinha sede e se tinha a fralda limpa, sentou-se junto ao dr. Lond na manta. Ficaram os dois em silêncio observando os movimentos da pequena.

- Vou ter saudades deste lugar. - O dr Lond esticou-se na manta preguiçosamente.
- Certamente arranjará tempo para voltar.
- O meu filho não lhe disse?! Claro que não... a menina só estará connosco este mês. Mas a sua amiga sabe certamente.
- Possivelmente comentou algo e eu esqueci-me.
- Vou viver com a minha filha em Espanha.
- Mas isso é fabuloso. - Ela não se tinha esquecido, Ana simplesmente não a tinha informado, mas não tinha porquê, ela apenas a estava a substituir -  Espanha é um país com muito sol. Com praias lindíssimas.
- Já lá esteve?
- Sim, fiz lá o meu estágio. Adorei o clima, as pessoas...

Christina calou-se ao perceber que ele mantinha a vista fixa na neta, ir para outro país implicava deixar atrás toda uma vida, pessoas que ele amava. Mesmo tendo lá uma filha, deixaria outro filho e a neta. Ela conhecia aquela sensação de vazio, sentiu isso quando deixou a sua casa, os seus pais e o seu irmão. Embora os visita-se, as saudades pareciam aumentar com a proximidade da hora da despedida. Nem a passagem dos anos fazia essa hora mais suportável.

- Prometa-me que me vai telefonar e manter-se em contacto com Yorin.
- Ana cuidará bem dela. Mas prometo ir visitá-la.
- Fico feliz por isso, acho que ela prefere estar consigo. Não sei como explicar, mas tenho essa sensação.
- São imaginações suas. Ana é boa profissional.
- Não estou a dizer o contrário. Mas para se fazer algo bem é preciso fazê-lo de coração e desculpe, mas a sua amiga parece viver um pouco alheia a tudo. Não disse nada ao meu filho porque... bem, a menina sabe o motivo e ela desempenha as funções dela na perfeição, isso é tudo o que ele pede. Por outro lado não se pode obrigar as pessoas a serem mais carinhosas. O meu filho contratou-a e está contente com o desempenho dela.
- E isso basta. - Ela sorriu - Vamos regressar?
- Christina. - A voz do dr. Lond parecia cansada - Queria pedir-lhe um favor.
- Se estiver ao meu alcance.
- Gostaria que ficasse este fim de semana lá em casa.
- Não sei, tinha combinado com Ana que...
- Eu falo com Ana, diga que faz a vontade a este velho solitário.
- Não está sozinho, tem os seus filhos e a sua neta. - Olhou para ele, tinha os olhos tristes, sentiu pena dele - Mas se insiste, será um prazer.
- Obrigada.

Christina começou a arrumar as coisas, estava a arrefecer e ainda demoravam um pouco até casa. Depois do jantar o dr. Lond quis ler o jornal e ela foi deitar Yorin, enquanto observava a pequena pensava na conversa.
 Sentiria falta daqueles dias ali, das conversas com o dr, mas principalmente sentiria saudades da pequena Yorin. Quando uma lágrima deslizou pela sua face, relembrou as palavras da sua professora do décimo segundo ano no dia que uma das mascotes morreu: "Quando escolheres a tua profissão assegura-te que escolhes uma onde não tens contacto permanente com as pessoas. Entregas-te demais e isso só te fará sofrer". Como ela tinha razão.
Beijou a pequena na testa e foi deitar-se com a certeza que assim como o avô, embora ainda lhe restassem dois dias com a pequena, ela também iria sentir imensa falta de Yorin.

Depois daquele mês no campo, o ruído da cidade parecia ensurdecedor. Quando o carro parou junto à enorme mansão ela nem queria acreditar no que via, além de enorme era linda. A casa era composta de dois pisos com enormes janelas, uma trepadeira cobria parcialmente a parede lateral.  Um homem de fato preto abriu a porta.

- Bom dia Dr.
- Bom dia James. Apresento-te Christina, vai ficar connosco este fim de semana.
- Com certeza senhor. Bom dia menina. - James inclinou a cabeça para ela - Vou deixar as bagagens no quarto.
- Bom dia. Obrigada, se me indicar o quarto eu mesma levo.

Mas James já subia as escadas com as malas, ficou sem saber se não a ouviu ou se a ignorou deliberadamente. Não dando importância ao assunto entrou com Yorin em casa, o Dr. Lond fez questão de lhe mostrar a biblioteca e o jardim. Onde segundo ele, ela passaria a maior parte do tempo. E talvez tivesse razão, o jardim tinha imensas flores, das mais variadas cores,  no meio uma piscina, ainda coberta para impedir que alguma folha caísse na água. Ao fundo um mini parque para crianças. Talvez a pensar em Yorin. Uma rapariga nova, vestida com a típica farda preta com o avental branco, veio chamar o Dr. Lond, que depois de se desculpar retirou-se. Com a pequena nos braços Christina fez um pequeno passeio pelo jardim. Estava muito bem cuidado, não seria de esperar outra coisa numa casa daquelas. Ana tinha comentado que o Dr. Lond era um juiz muito respeitado, um dos mais prestigiados. E apesar de estar já reformado ainda era solicitado em algumas ocasiões. Tinha três filhos, Ben o pai de Yorin, que tinha falecido num acidente, Mara a filha e o filho mais velho Richard, que segundo Ana tinha muito mau feitio. Quando o Dr. Lond se juntou a ela estava a brincar com Yorin no parque.

- Era o meu filho, vai ausentar-se por mais uns dias. Gostava que a conhece-se.
- Talvez num outro dia.
- Talvez. Vamos entrar?

Christina teve a sensação que ele ficara mais triste depois daquele telefonema, mas achou melhor não perguntar nada. Estaria a imiscuir-se em assuntos que não lhe diziam respeito. Percebeu que os empregados da casa tinham alguma curiosidade em relação a ela, por algumas vezes notou que segredavam entre eles depois de ela passar, o que a deixava desconfortável. Apesar disso gostou do fim de semana, na hora de se despedir não conseguiu evitar um nó na garganta.

Quando chegou a casa ligou a Ana, a amiga não atendeu. Deixou mensagem a agradecer e depois de pedir que lhe liga-se de volta desligou. Sabia que Ana depressa a "forçaria" a novos trabalhos. Mas durante a semana seguinte não teve notícias dela e começou a pensar que algo se passava. Ligou para Joss, o namorado de Ana. Depois de muito insistir conseguiu falar com ele. Segundo ele, Ana estava a trabalhar e esquecera o telemóvel. Desligou achando a desculpa pouco convincente. Ana nunca se separava do telemóvel. Se ela não desse notícias até ao dia seguinte iria a casa dela.
Mas Ana apareceu no apartamento dela ao início da noite, a amiga estava pálida e tinha olheiras profundas.

- Estás bem?!
- Eu?! - Ana piscou-lhe o olho - Nunca estive melhor.
- Não parece. Estás com má cor.
- Oh isso, é apenas muito trabalho durante a noite. Sabes, Joss é insaciável.
- Tens de cuidar de ti. - Ela sabia que a amiga nunca iria recusar um pedido de Joss, fosse ele qual fosse, não enquanto estivesse enfeitiçada por ele. - Estava a ficar preocupada.
- Não há motivo para tal.
- Queres um café?
- Um whisky, tens?!
- Sim. - Christina estranhou o pedido da amiga, Ana raramente bebia - Tens a certeza que está tudo bem?
- Quero pedir-te um favor. - Ana aceitou o copo que bebeu numa só vez - Preciso que fiques com Yorin.
- Sim, claro, mas porquê?
- Vou ausentar-me por uns tempos. Amanhã vou falar com o dr. Richard. Explicar-lhe que quando eu não posso és tu que ficas com Yorin.
- Isso não te vai trazer problemas?
- Não vejo porquê, o pai entendeu os motivos. - Ana encheu o copo novamente - Mas preciso de outro favor.
- Diz.
- Não podes ir a casa do dr apanhar um envelope que deixei esquecido?
- Não podes apanhá-lo amanhã?
- Não, o dr. pediu-me que o coloca-se no correio amanhã sem falta antes de entrar ao serviço mas esqueci-me dele no escritório. A esta hora só estão os empregados, o dr. Lond já foi para Espanha e o dr. Richard foi jantar com um casal amigo e levou Yorin.
- Porque não vais tu?
- Joss está á minha espera, sabes como é.
- Sei...
- Isso quer dizer que vais?!
- Se é realmente importante...
- Obrigada. - Ana abraçou a amiga e encaminhou-se para a porta. - Obrigada amiga.

Ana não estava bem,  Christina temia pela saúde da amiga se aquele namoro fosse duradouro. Foi James que abriu a porta, explicou a James o que ia fazer e ele encaminhou-a para o escritório. Procurou o envelope que Ana pretendia mas não o viu em cima da secretária, olhou em redor e viu o bendito envelope em cima de uma pilha de papéis. Esticou a mão para o apanhar mas foi interrompida.

- Quem é você e o que está aqui a fazer?

Cristina assustou-se e derrubou a pilha de papéis que se espalharam no chão. Ficou a olhar para aquele estranho de voz rouca. Era bem mais alto que ela, supostamente a casa estaria vazia, era mais um empregado?!

- Eu apenas... desculpe... não era... - Christina gaguejava - O dr. Lond, não está? Ele conhece-me, estive com ele...
- Estou a ver, você é a "mulherzinha" que ele trouxe para passar o fim de semana.
- Mulherzinha?! - Christina não gostou da forma como ele falou - Mas quem você pensa que é?
- Já percebi tudo. Infiltrou-se na minha casa através de um pobre viúvo para roubar.

Minha casa?! A casa era dele?! Se assim fosse ele só podia ser o outro filho do dr. Lond. Richard! O mal humorado! E estava a acusá-la de roubar!

- Roubar?! Posso não ter tanto dinheiro como você mas não tenho necessidade disso.
- James! - Ele gritou para fora - Chama as autoridades.
- Não pode estar a falar à sério.
- Nunca falei tão sério na minha vida.

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