Christina ficou a pensar em como além de bonito, o olhar dele ficava diferente quando sorria. E a julgar pelo olhar divertido que ele lhe deitou antes de sair, ele pensava que a tinha deixado com uma espécie de tarefas de Ulisses, mas enganava-se. Antes de ficar desempregada era assistente pessoal numa empresa de exportações, não para um antiquário, mas pouca diferença teria.
Olhou a secretária cheia de papéis, se ia trabalhar ali tinha de arrumar aquela confusão. Depois da secretária organizada começou a fazer os telefonemas e pouco tempo depois estava tudo agendado. Colocou a lista dos artigos junto ao computador e começou a verificar o site, parou pouco depois sentindo um mal estar geral. O ar estava abafado ou era ela que sentia falta de ar?! Abriu a janela que ocupava quase toda a parede, a brisa começou a fazer ondular o leve tecido dos cortinados e além do aroma das flores, trazia até ela o doce riso de Yorin. Sentindo o ar mais fresco voltou para o computador.
- Posso interromper? - O dr. Lond entrou com uma chávena de café fumegante - Achei que lhe faria bem um revigorante.
- Obrigada. - Christina aceitou o café - Pensei que estivesse em Espanha.
- E era para estar, mas pediram a minha presença no tribunal.
- Mesmo reformado não lhe dão descanso.
- Ainda bem, gosto de ser útil. Tens idade para ser minha filha, importas-te que retire o você ?- Ela anuiu e o dr. Lond agarrou a mão dela - Não te deixes intimidar por Richard. Lá no fundo tem bom coração.
- Bem lá no fundo. - Christina sentiu as faces corarem - Desculpe, não era minha intenção.
- Imagino que não seja fácil. - Ele soltou a mão dela- Quando chegaste disseste que querias falar comigo.
- É sobre Ana. - Agora que o dr estava ali tinha duvidas quanto ao que devia contar-lhe - Ela não vai voltar. Ontem à noite disse que ia telefonar a explicar, mas depois partiu e não sei se...
- Não te preocupes. - Ele respirou fundo - Sinceramente preferia que Yorin tivesse outra ama. Não simpatizei com ela, mas o meu filho achou as referências dela muito boas. Tentei dar a minha opinião mas ele é o tutor. Embora ache que preferia não o ser. - O dr. Lond olhou para ela - Não interpretes mal as minhas palavras, Richard adora a sobrinha mas acho que culpa o irmão por ter deixado a filha órfã.
- Mas isso é um absurdo!
- Foram dias muito difíceis. - Notava-se na voz o quanto o magoava aquele assunto - Enfim. Nada o trará de volta.
Christina manteve-se em silêncio, não sabia que dizer. Ana comentou que Yorin tinha meses quando Ben faleceu juntamente com a namorada, a mãe de Yorin. Não podia sequer imaginar o quão doloroso era perder alguém tão próximo. O dr. Lond deu-lhe umas palmadinhas no ombro e saiu para o jardim pela janela que ela tinha aberta. Pouco depois começou a ouvi-lo contar uma história a Yorin.
Ficou feliz por ele ter a neta para lhe alegrar a vida. Enquanto terminou o café observou Yorin na jardim com o avô, sem querer imaginou Richard a brincar com a sobrinha no pequeno parque, o seu coração acelerou ou imaginá-lo sorrindo. Tentando afastar aquela imagem voltou ao trabalho, decidida a ocupar o tempo começou a renovar o site, os artigos encontravam-se com mais facilidade se além do nome, tivessem a época associada.
- Parece que te subestimei. - Ele espreitava por cima do ombro dela - Não disseste que eras ama?
- Não! Você simplesmente supôs.
- E decidiste deixar-me na ignorância. - Ele percorria o site ainda nas costas dela - Pergunto-me que outras coisas me escondes.
Christina voltou a cabeça e percebeu que foi um erro, a sua boca estava a escassos milímetros assim como os seus olhos, perante o olhar que lhe devolveu teve a sensação que aquelas palavras tinham um duplo sentido, mas voltou a olhar para o monitor negando-se a pensar nisso.
- A minha vida é um livro aberto. - Ela fingiu escrever algo num papel.
- As reuniões estão todas agendadas?
- Sim. - O after-shave dele entranhava-se no seu nariz, inebriando os seus sentidos - Se me der licença - Tentou apanhar a agenda que estava na ponta da secretária mas ao levantar-se sentiu as costas baterem no peito dele, mas ele não se moveu - A agenda...
- Disse-te para me tratares pelo nome.
- Richard. - O dr Lond entrou pela janela do jardim - Ainda bem que estás de volta.
- Algum problema? - Ele levantou-se - Yorin?
- Está com Maria, que está dando em louca com ela. Christina não pode...
- Sim, eu vou - Ela agradeceu por fugir daquela situação.
Juntou-se a Maria que brincava com Yorin no pequeno parque.
- Não sei que fazer. - Queixava-se Maria.
- Como passa o dia ao colo e está sempre rodeada de pessoas, não gosta de estar sozinha.
- Possivelmente. Mas eu tenho que fazer outras coisas. Ana é que cuida dela.
- Eu posso ficar com ela, e se quiser posso dar-lhe o almoço.
- Obrigada.
Maria desapareceu com uma rapidez impressionante. Olhou a pequena que sorria para ela. Nesta idade Yorin já devia de andar. Tinha quase dois anos e ainda gatinhava. E não falava muito, apenas dizia umas sílabas isoladas. Quanto ao andar tinha de fazer algo, o tio podia não gostar da ideia, mas ela tinha de tentar. Quando Yorin não estava na cadeira, estava ao colo de alguém e aquilo estava a atrasar o desenvolvimento dela. Pegou-a ao colo e levou-a para o escritório. Conseguiria cuidar dela e fazer alguns trabalhos no computador. Tê-la ali era uma boa forma de evitá-lo. Quando esteve na casa de campo gravou umas músicas no telemóvel para Yorin, se ela começa-se a chorar era só colocá-la a ouvi-las. Pediu a James umas almofadas grandes e uma manta que pudesse colocar no chão. E perante o olhar de espanto de Richard e do dr. Lond, entrou no escritório com Yorin num braço e a manta no outro, seguida de James que carregava as almofadas.
- Vais acampar?! - O dr. Lond sorria - Ou fazer um piquenique?
- A julgar pela quantidade de almofadas vai fazer uma guerra.
O olhar que lhe deitou mostrava que não concordava com a ideia, mas ela ignorou-o.
- Vamos brincar. - Christina sentou Yorin na manta rodeada pelas almofadas, que tinha colocado estrategicamente, e começou a espalhar os brinquedos ao seu redor - Se não se importar vou cuidar de Yorin até que arranje alguém para o fazer. - Sorriu para James antes de este sair - Obrigada James.
- A sua amiga não vai voltar?! - Richard olhava para ela e para o pai que parecia divertido com tudo aquilo - Yorin não pode ficar aqui no escritório.
- Não, Ana não vai voltar. E Yorin não dá trabalho nenhum, o seu pai pode confirmar. - Christina olhou para o dr. Lond que confirmou com a cabeça - Vê?!
- Muito bem, mas só até que arranje alguém. E temos de falar sobre a sua amiga. - Sentou-se na secretária - A que horas é a primeira reunião?!
O dr. Lond saiu e ela deu-lhe a agenda com os horários das reuniões, quando o fez ele agarrou-lhe a mão. E acariciou o pulso que estava a ficar negro, onde Joss tinha apertado.
- Queres falar-me disto? - Richard olhou para ela.
- Não, é apenas um hematoma. - Ela tentou retirar a mão mas ele não o permitiu. - Tenho a pele muito sensível, devo de ter batido em algum lado.
- Tens a certeza?
- Claro.
Quando se viu livre da mão dele voltou a concentrar-se em Yorin, até que ela adormeceu. Richard falou ao telemovel enquanto ela trabalhava no computador e ás vezes sentia o olhar dele cair sobre ela. Nas vezes que isso aconteceu evitou olhá-lo, como Yorin dormiu durante o resto da tarde conseguiu terminar o catálogo para a leiloeira. Nessa noite regressou a casa depois da pequena adormecer.
Dias depois Richard percebeu que ela ia de táxi para casa e insistiu em levá-la, apesar de ele tentar ter uma conversa casual, ela não conseguia relaxar, pelo contrário ficava ainda mais nervosa. À alguns dias que ela tinha percebido que quando ele estava, uma agitação interior apoderava-se dela e tinha dificuldade em concentrar-se. E que essa agitação mantinha-se mesmo depois de regressar a casa. Negou-se a dar maior importância ao que sentia quando estava com ele. Decidiu que aqueles sentimentos confusos eram fruto dos acontecimentos que a obrigavam a trabalhar para ele e do imenso tempo que estava sozinha. Era isso que deixava as suas hormonas desorientadas, por isso começava a achar atraente o homem que a julgava uma ladra, ela não podia esquecer isso. Isso o o facto de ele ser um dom Juan, Ana tinha-lhe confidenciado que ele tinha mais amantes que um sultão. Desde que fossem atraentes nenhuma mulher estava a salvo dele. Mesmo as que diziam não querer nada com ele acabavam por parar na cama dele. Decididamente, devido à sua parca experiência, ela seria uma presa fácil nas mãos dele. O melhor que tinha a fazer, era recordar-se constantemente o motivo que a levava a estar ali.
As manhãs eram mais produtivas pois ele saía e ela estava mais à vontade, mas de tarde voltava a confusão mental. O facto de ele continuar a chegar sem avisar e de se colocar nas suas costas, a ver o que fazia no computador, não ajudava ao seu propósito de se manter afastada dele o máximo possível. Um dia tentando evitar a proximidade tentou sair da secretária quando ele entrou, mas ele segurou-a pelos ombros e pediu-lhe para ficar, se tivesse alguma dúvida era melhor ela estar ali por perto.
Como Yorin adormecia no sofá ele falava baixo para não a acordar, mas a ela parecia-lhe que ele lhe sussurrava ao ouvido. O que aumentava os pensamentos menos próprios quando regressava a casa. A cada dia que passava tornava-se mais complicado deixar de pensar nele.
Na semana seguinte o dr. Lond apresentou-lhe uma senhora de meia idade, Carmen, seria a nova ama de Yorin, apesar de ser muito mais velha que Ana, simpatizou com ela e achou-a muito profissional. Depois desse dia o tempo que passava com Yorin limitava-se a quando ia beber um café, o que a deixava sem desculpas para não estar fechada no escritório com Richard.
- Precisava de ti esta tarde. - Richard olhava para ela por cima da agenda - Tens algum inconveniente em ir comigo aos armazéns?
- Não sabia que tinha escolha. - Christina continuou a escrever - Posso negar-me?!
- Não. - Ele atirou com a agenda para cima da secretária com alguma violência - Sabes que não.
- Se estou obrigada a fazer o que quer, não sei porque pergunta.
- Vou recordar-me disso.
Christina levantou a vista do computador quando ouvia a porta bater, sabia que não era boa ideia provocá-lo, mas quem manda perguntar uma coisa quando sabe a resposta?! Ambos sabiam que estava obrigada a trabalhar para ele durante o tempo que ele julga-se necessário, ou até que ela consegui-se provar que estava inocente. Não se queria preocupar com o que lhe dizia, já tinha bastante com que se preocupar com o facto de Ana não atender as suas chamadas e com espaço que nestes últimos dias ele ocupava na sua mente. Quando o conheceu achou-o um machista prepotente e sentiu até um certo ódio por não acreditar nela. Mas bastaram poucas semanas para começar a sentir-se atraída por ele e nunca na sua vida se sentiu atraída por ninguém tão rapidamente. O que a deixava furiosa consigo própria, aquilo não estava previsto.
A leiloeira era maior do que ela tinha pensado, além da enorme sala onde se faziam alguns leilões tinha o escritório, com uma pequena sala onde estava uma secretária de cabelos loiros muito bem penteados, imaculadamente maquilhada e de unhas igualmente cuidadas. Nas traseiras da sala estavam dois armazéns. Os funcionários esses corriam de um lado para o outro, mas contrariamente ao que ela tinha suposto era apenas seis.
- Imaginavas que fosse assim? - Richard olhava para a cara de espanto dela.
- Confesso que não. Imaginei que fosse mais pequeno.
- Ao início sim, mas depois tornou-se insuficiente. - Richard fez-lhe sinal para que entra-se - Como podes ver não tenho muitos funcionários, daí a tua presença aqui. Preciso que me ajudes a separar as peças que chegaram esta manhã.
- Eu?! - Ela abriu muito os olhos - Mas não percebo nada de leilões.
- Não te estou a pedir que faças o leilão. Como começas-te a separar os artigos por épocas pensei que gostarias de seguir a tua linha de raciocínio.
- Mas não pensei que eu teria de o fazer! Não distingo uma peça de museu de uma de feira.
- Apenas terás de verificar as etiquetas, todos os artigos estão devidamente etiquetados. - Ele olhou-a sem falar - Mas se não estás à altura...
- Muito bem! - Não se iria render facilmente - Não deve de ser muito difícil.
- Tenho de ir ao escritório mas se tiveres alguma dúvida estou por aqui.
Despiu o casaco e olhou as caixas de madeira empilhadas, no que se metera?! Porque não deixou o site como estava anteriormente?! Porquê?! Porque ele ocupava a sua mente e ela precisava de se ocupar! Agora não podia dar volta atrás, tinha de arregaçar as mangas e meter mãos à obra!
A separação dos artigos não era tão complicada como pensou inicialmente, era tudo questão de método, minutos depois parecia que fizera aquilo toda a vida. Algumas caixas depois sentou-se a descansar. Era quase noite e doía-lhe as costas, precisava de fazer uma pausa, ele iria importar-se se fosse beber um café? Tentou recordar se tinha visto alguma máquina dentro das instalações, tinha quase a certeza que não havia nenhuma. Se queria café teria de ia à pastelaria que ficava do outro lado da rua. Abriu a porta do armazém e espreitou não se via ninguém, indecisa voltou para dentro e fechou a porta. Mas mal a fechou pensou que trabalhar para ele não implicava ser escrava dele! Tinha todo o direito de beber café!
Decidida agarrou a mala e saiu rumo à pastelaria. O fim de tarde fazia-se anunciar e as pessoas começavam a regressar a casa. Entrou na pastelaria e enquanto apreciava o café, observava as pessoas que passavam, pouco depois voltou para o armazém.
O recinto estava praticamente vazio, apenas se ouviam portas a fechar, possivelmente era a hora dos trabalhadores regressarem a casa. Mas o regresso a casa para ela era apenas quando ele quisesse. Desanimada abriu a porta o armazém, ainda estava vazio, não havia sinais de ele ter regressado na sua ausência. Recomeçou o trabalho, por algum tempo pensou que ele se tinha esquecido dela. Mas depois lembrou-se que ele valorizava aquelas peças mais que qualquer coisa. Nunca voltaria para casa e a deixaria sozinha com elas.
Um estalido ao longe assustou-a e de repente tudo ficou às escuras. Não! Não podia falhar a luz, não agora que tinha na mão uma peça de porcelana! E se a partisse?! Fechou os olhos para se ambientar à penumbra, com cuidado tacteou a caixa e colocou a peça lá dentro. Começou a andar com os braços estendidos para evitar derrubar alguma caixa, uns passos depois as suas mãos tocaram em algo, sentia tecido suave mas ao mesmo tempo era quente. Quando percebeu que estava a tocar no peito de alguém, retirou a mão como se tivesse sido picada e soltou um leve grito. Sentiu uma forte mão segurar-lhe o braço e puxá-la.
- Não sabia que tinhas medo do escuro.
- E não tenho. - Reconheceu a voz dele, mas não se sentiu mais segura - Pensava que estava sozinha.
- A luz não deve de demorar.
Christina começou a pensar em como o peito dele era forte e em como era reconfortante o calor que emanava do corpo dele, e como devia de ser delicioso acordar nos braços dele, a sua respiração aumentou e isso não passou despercebido a Richard.
- Estou aqui. - Richard passou a mão pelos cabelos dela - Não precisas de ter medo.
Medo?! Estava apavorada e ao mesmo tempo desejosa que a luz não voltasse mais. Queria ficar ali para sempre! Olhou para cima tentando ter um vislumbre dos olhos dele naquela escuridão. Quando sentiu a respiração dele na sua face a luz voltou. Por uns instantes deixaram-se ficar assim, a olhar um para o outro, nenhum parecia querer quebrar aquele momento. As bocas pareciam ter vontade própria e começaram a aproximar-se, naquele instante ouviu-se a porta do armazém abrir e entrou um rapaz todo alvoraçado. Separaram-se rapidamente e ela voltou a concentrar-se nas caixas.
- Desculpe. - O rapaz parecia envergonhado - A máquina avariou novamente.
- Não te preocupes, vai para casa, eu chamo o técnico.
Christina permaneceu de costas para a porta, tinha quase a certeza que ele ainda ali estava podia senti-lo. E se ele ficasse e a beijasse?! À pouco estivera quase a fazê-lo! Não, ela não podia ceder, agarrou a peça que tinha na mão com força e segurou a respiração como se isso a salva-se dele. Apenas se permitiu respirar mais tranquilamente quando ouviu a porta do armazém fechar-se pela segunda vez.
- Tem cuidado Christina. - Falava para si própria - Ou vais sair magoada desta situação.
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