sábado, 8 de abril de 2017

À TUA ESPERA 2ª PARTE



Perante o olhar frio dele, Isabel começou a pensar se não seria a sua mente a pregar-lhe mais uma partida. Ajeitou o cabelo e fazendo um esforço por manter a postura olhou para ele. Não era nenhum sonho, era Jimin, disso tinha a certeza, mas estava diferente. Mais distante, mais frio. Nunca olhara assim para ela! Nem mesmo quando discutiam.  Fora ele que partira sem dizer uma palavra, não ela! Ela permanecera ali, alimentando a ilusão... Não. Ela não percebia o motivo daquele olhar gélido.

- Voltaste... - Isabel não conseguiu evitar que uma lágrima deslizasse pelo seu rosto.
- Isabel?! - Jimin olhou-a fixamente e voltou a concentrar-se nos papéis - Trabalhas aqui?
- Como?! - Isabel podia jurar que ele ficou tão surpreendido como ela, mas agora não dava sinais disso. Pelo contrário, agia como se estivesse a tentar recordar-se de onde se conheciam - Sim... Bem, acho que sim... Desculpa, estou um pouco baralhada, não esperava encontrar-te assim.
- Imagino que não.

Naquele instante o sr Crost entrou no escritório, ainda olhava a pasta que trazia na mão. Encostou a porta e fechou a pasta antes de olhar para ela.

- Bom dia Isabel, espero que o meu sócio não a tenha assustado com as exigências dele. - O sr Crost caminhou até à secretária onde estava Jimin - Acho que Isabel conseguirá acompanhar o teu ritmo.
- Ainda não tivemos ocasião de falar, mas acho que sim. Pelo menos podemos tentar. - Jimin olhou para ela - Se ela não tiver inconveniente em trabalhar a meu lado.

Isabel olhou para ele, não percebia porque ele pensava que teria inconveniente nisso, nem porque dava a entender que não se conheciam.

- Óptimo. - O sr Crost colocou a pasta em cima da secretária de Jimin - Aqui está o que pediste, talvez possamos discutir o assunto mais tarde.
- Claro.

Ficaram em silêncio enquanto o sr. Crost se dirigia para a porta fechando-a em seguida. Isabel viu como Jimin se sentava e ligava o computador, sempre em silêncio. Aquilo estava a mexer com os nervos dela.

- Podes dizer algo?!
- Desculpa!? - Jimin continuava a olhar para o computador como se ela não estivesse ali.
- Este silêncio é incomodo.
- Que queres que diga?
- Não sei... Algo, seja o que for, sempre é melhor que este silêncio. Afinal não somos precisamente desconhecidos.
- Tens razão. Não somos, mas não gosto de misturar situações.
- Que situações?!
- Independentemente do que aconteceu entre nós, agora trabalhamos juntos. Ou vais renunciar ao trabalho?
- Renunciar?!

 Isabel olhou para ele, porque deveria renunciar?! Naquele momento tinha duas boas razões para não o fazer. A primeira e mais fria, porque pura e simplesmente aquele trabalho era a sua salvação económica. E a segunda, a sentimental, porque ao fazê-lo estaria a perder a oportunidade de estar com ele. E para ela, que passara dias e noites a sofrer com a partida dele, isso era impensável. Durante anos a única coisa em que pensava era em voltar a vê-lo. Agora que tinha essa possibilidade ia renunciar a ela?! Nunca!

- Bem?! - Jimin mexeu numa gaveta - Vais renunciar?!
- Claro que não!
- Muito bem. Sendo assim vamos impor certos limites. - Jimin olhou para ela - Durante a hora de expediente não serão resolvidos assuntos pessoais, nem mesmo através de telemóvel, esses são remetidos para depois dessa hora.  Como não trago assuntos pessoais para o escritório, espero o mesmo de quem trabalha comigo. Se tiveres namorado espero que lhe comuniques isso, a fim de evitar problemas futuros.
- Não tens porque te preocupar com isso. - Isabel evitou olhá-lo - À muito que não tenho ninguém.
- Lamento ouvi-lo.
- Lamentas?!
- É triste viver sozinho, porque não deveria lamentar?!
- Porque fomos namorados e ...
- Sim, fomos! Já não somos mais, embora não sejamos desconhecidos, nada nos une. Aliás acho que nunca tivemos algo que nos unisse.
- Não?! - Isabel não percebia porque ele disse aquilo mas ficou com a ideia que ele se arrependeu de o dizer. - Que queres dizer com isso?! - Isabel tentou falar calmamente, mas todo o seu interior estremecia.
- Isso agora não interessa. - Jimin agarrou uma folha e escreveu algo - Vais fazer o mesmo horário que eu, logo será muito sobrecarregado, se achas que não vais conseguir é melhor dizeres. Chego ao escritório, às oito da manhã e espero encontrar-te aqui. O horário de saída depende da urgência do trabalho. Tens de realizar chamadas para vários pontos do mundo. Se me recordo falavas fluentemente francês e italiano mas isso não é suficiente. Depois de me ter tornado sócio de Paul, a empresa expandiu o negócio e iniciamos as exportações para China e Coreia. Ainda sabes falar coreano e mandarim?!
- Sim.

 Isabel estremeceu ao recordar que foi ele que lhe despertou o interesse por aqueles idiomas e durante os intervalos das aulas Jimin ensinou-a não só a ler mas também a escrever a sua língua materna.

- Óptimo... - Jimin olhou a agenda - Preciso sair algumas vezes para reuniões em outras cidades e como deves calcular preciso de uma secretária. Posso contar contigo?
- Claro que sim! - Isabel continuava admirada com a atitude dele - Quando começo?
- Agora.
- E onde vou trabalhar?
- Aqui, a tua secretária é entregue esta mesma manhã. - Ele olhou para o relógio - Bem, era para ser, não percebo porque ainda não a entregaram!

Depois de praguejar em coreano, Jimin voltou a concentrar-se no computador. Isabel olhou para ele, não tinha engordado nada, apesar da passagem dos anos ele mantinha o corpo atlético de outrora. Talvez tivesse os músculos um pouco mais definidos, como se frequentasse o ginásio diariamente, pelo menos essa era a ideia que a camisa branca, colada ao peito, deixava transparecer. O cabelo que na juventude era castanho escuro, agora tinha adquirido um tom mais claro, mas os olhos castanhos, que ela recordava com um brilho especial sempre que ele sorria, pareciam desprovidos de qualquer sentimento. Os olhos... Quando ele sorria ela sentia-se hipnotizada por eles... Sempre a fascinaram, desde os tempos de escola.

Naquele tempo, o facto de o conhecer acabou por despertar as mais variadas curiosidades sobre a cultura coreana e sobre as diferenças culturais entre eles. Com o intuito de o conhecer melhor requisitou um livro na biblioteca e passou um bom tempo a observar as fotografias de pessoas de várias nacionalidades. Mais precisamente, chinesa, japonesa e coreana. As diferenças não lhe pareciam assim tão notórias. Rodava o livro de um lado para o outro, tentando um ângulo que lhe permitisse uma perspectiva diferente, quando ele se sentou a seu lado. Meio envergonhada admitiu que tentava encontrar diferenças mas não conseguia. Jimin sorriu e explicou que existiam algumas diferenças. Os chineses têm os olhos mais estreitos e rasgados que os coreanos e os japoneses. Por mais que tentasse ela não via nenhuma diferença. Ele riu quando ela lhe segurou o rosto e o olhou directamente. Ele era um caso aparte. O pai não era coreano daí a característica não ser muito notória.  Acrescentou que o "responsável" por aquela característica  era o clima, pois os seus antepassados tiveram de se adaptar ao frio intenso derivado do alto Himalaia, de onde surgiram os primeiros descendentes. A abertura menor dos olhos ajudava a diminuir a luminosidade causada pela reflexão da luz na neve. Essa característica acabou por permanecer, mesmo depois da imigração para outros locais.

- Isabel?! - Jimin chamou-a .
- Desculpa.
- Espero que não passes o tempo distraída.
- Peço desculpa, não voltará a a contecer. - Mentalmente desejou poder estar segura disso - Dizias?!
- Estava a dizer que temos de ficar até mais tarde.
- Está bem! - Isabel olhou-o nos olhos - Não te perguntei, tenho de te chamar sr. Park?! Tratar-te de algum modo especial?!
- Claro que não, onde foste buscar essa ideia?!
- O sr. Crost pensa que não nos conhecemos, por isso...
- Eu depois explico a Paul.
- Vais dizer-lhe que fomos namorados?
- Não vejo a necessidade disso.

Aquele resposta levou Isabel a perguntar-se se ele teria vergonha de ter namorado com ela. Ou se, assim como ela, também guardava aqueles momentos com carinho e saudade. O telefone não permitiu que continuasse a alimentar as divagações sobre o passado. Enquanto atendia o telefone, Jimin desviou uns papéis de cima da secretária para ela poder trabalhar. Sob o olhar atento dele, Isabel foi escrevendo num papel o que considerava importante e franziu o sobrolho quando o viu abrir a pasta e tirar uma agenda. Agenda que lhe deu quando desligou a chamada.

- Se tiveres alguma dificuldade em traduzir basta dizeres.
- Penso que não será necessário.

Engoliu em seco ao abrir a agenda e ver os caracteres a negro. Ver a letra dele trouxe-lhe demasiadas recordações. Muitas delas, devido às imensas saudades, tornaram-se dolorosas com o tempo e apenas o tempo ajudou a atenuar essa dor. Chegando a pensar que estava superada. Mas naquele momento percebeu que não estava ultrapassado, ainda doía, doía tanto que teve alguma dificuldade em concentrar-se no trabalho. A meio da manhã ligaram para marcar nova entrega da secretária dela pois o motorista estava doente e não tinham outro disponível para fazer a entrega.
Devido à enorme quantidade de trabalho comeram no escritório, embora a presença dele não lhe fosse indiferente, durante a tarde já não lhe provocava recordações recorrentes.
Durante o expediente Isabel teve de sair algumas vezes para imprimir documentos ou tirar dúvidas com Marla, a secretária de Paul. Quando regressava ao escritório, cruzou-se com alguns funcionários que se preparavam para entrar no elevador. Para estes o dia chegava ao fim mas ela ainda tinha  trabalho pela frente. Trabalho que se prolongou noite dentro.
Quando deram o dia por terminado ela sentia-se satisfeita consigo mesma, há muito que não se sentia assim, realizada. Reconheceu que tinha saudades do trabalho de escritório. Ao entrarem no elevador ela estremeceu ao recordar uma noite em que ficaram presos entre dois andares. Resistindo à tentação de olhar para ele perguntou-se se ele também recordaria essa noite.

- Tens carro? - Jimin retrocedeu para que ela saísse primeiro.
- Tenho, mas Jill levou-o.
- Jill?!
- Uma amiga. Trabalha aqui e como tal viemos juntas, eu apanho um táxi.
- Queres que te deixe em casa?
- Obrigada, mas não quero incomodar.
- Não queres incomodar ou não queres que te vejam comigo?!
- Porque dizes isso?!
- Esquece.
- Não vou esquecer. -Isabel segurou-lhe o braço - Nunca me incomodei que nos vissem juntos. Não entendo porque dizes isso.
- Não?! - Jimin olhou a mão dela.
- Sabes bem que não.

Isabel sentiu o olhar dele no dela por uns segundos, como se quisesse entrar na sua cabeça, depois retirou a mão dela do seu braço e começou a caminhar.

- Esquece, é melhor.

Isabel seguiu-o até ao carro pensando que ele estava muito estranho, dizia coisas que ela não conseguia encaixar em lado nenhum. Sem pensar entrou no carro dele, apenas percebeu a decisão que tomara quando ele fez um meio sorriso. Em que momento concordou em ir com ele?

- Não mudaste nada. - Jimin ligou o gps - Continuas temperamental.
- Já tu mudaste imenso!
- Felizmente.

Isabel sentiu-se magoada. Quando se conheceram ele gostara do temperamento dela. Porque o criticava agora? Não se recordava dele ter feito alguma critica durante os meses que se namoraram. Apenas insistia em conhecer os pais dela, nada mais que isso! Uma lágrima deslizou pelo seu rosto e limpou-a disfarçadamente. Não ia chorar diante dele. Decidida a pensar noutra coisa olhou para a faixa ao lado, o trânsito era pouco, mas começava a chover o que tornava o trânsito mais lento que o normal. Aquela viagem iria demorar mais do que ela tinha suposto.

- Para o bairro? - Jimin olhou rapidamente para ela antes de se concentrar novamente na estrada.
- Não. Há muito tempo que moro sozinha. - Ao dar-lhe a morada a sua voz estremeceu. - Mas podes deixar-me no centro comercial. Depois peço a Jill que...
- Como está a tua mãe?!

A pergunta apanhou-a desprevenida, não esperava que ele pergunta-se por ela. Apenas se tinham cruzado duas ou três vezes, sabendo o que a sua mãe disse à sua avó acerca de Billy, tinham decidido não lhe dizer que namoravam e os encontros com ele eram sempre onde Lisa não os pudesse ver.

- Está num cruzeiro.
- Pensei que o teu pai não gostava de cruzeiros.

Isabel reparou que tinham passado a saída para o centro comercial, mas não disse nada.

- O meu pai faleceu. - Isabel olhou para as luzes da ponte.
- Desculpa, não sabia.
- Foi à algum tempo.

Isabel ficou a pensar em como poderia ele saber, se partiu sem mais!?  Sem aviso prévio?! Ela nem teve tempo de lhe pedir a morada para lhe escrever.
 Recordava esse dia como o segundo mais triste da sua vida. Uma nova lágrima caiu ao recordar esse dia...

Nesse dia chegara cedo a casa, tinha combinado ir ao cinema, mas Lisa tinha outros planos. Ao entrar em casa foi-lhe dito que Lisa estava no seu quarto com Maria, a empregada de quarto. Subiu as escadas a correr para ver como lhe preparavam uma mala. Olhava abismada para a mala quando Lisa comunicou a decisão de ela ir passar uma semana em casa de uns amigos da família. Como sempre, embora contrariada, obedecera sem discutir, principalmente porque não queria levantar suspeitas. Ela nem se dera ao trabalho de perguntar porque tinha de ir para uma casa onde seria ignorada. A semana pareceu uma eternidade a Isabel pois os amigos de Lisa, apesar de não lhe dirigiram mais que as palavras obrigatórias por educação, mantinham-na sob uma vigilância apertada e controlavam todos os seus movimentos. O que reduziu os encontros com Jimin aos intervalos das aulas mas durante os fins-de-semana não se viam. Quando regressou a casa, Lisa não estava. No seu lugar, uma breve nota anunciando que partiram essa mesma manhã numa viagem e estariam fora uns dias.
No início sentiu-se magoada, estivera fora uma semana por imposição dela, durante a qual não lhe disseram nada e quando regressava a casa eles iam sair?!  Mas depois de pensar um pouco percebeu que estava sozinha e que podia sair com Jimin sem medos. Isso deixou-a eufórica, sabia que nesse fim de semana, como todos os anos, ele ia com os pais fazer um piquenique, com os pais dela ausentes não havia nada que a impedisse de ir ao piquenique. Sem pensar foi procurá-lo em casa, tocou à campainha insistentemente mas ninguém abriu a porta. O seu pensamento foi para que tivessem saído até ao cais e resolveu esperar. O tempo passava assim como as pessoas que murmuravam algo quando a viam encostada à parede, outras ignoravam a presença dela. A noite caía sobre a cidade quando uma mulher se aproximou do prédio. Depois de olhar mais detalhadamente para ela sorriu e disse que eles não iam voltar. Tinham partido essa madrugada para a Coreia.

Voltou a casa com o coração desfeito. O desgosto consumiu-a de tal forma que não saiu da cama durante os dias que os seus pais estiveram fora. Chorou todos os dias, mas as lágrimas não ajudaram a esquecê-lo! Tinha apenas dezassete anos mas sabia que nunca ia amar mais ninguém. Inventou uma desculpa e disse a Lisa que ia abandonar os estudos, talvez mudar de área, mas esta respondeu que era impensável ficar em casa e muito menos ir de viagem com eles. Se era essa a finalidade do abandono escolar podia desistir.
Por instantes pensou dizer-lhe o que sentia verdadeiramente. Que Jimin tinha regressado à sua terra natal e que ela não imaginava a sua vida sem ele, mas recordou a avó e calou-se. A sua avó... ela sim sabia o que estava a sentir. Lisa nunca iria entender e muito menos aceitar aqueles sentimentos. Para evitar uma discussão, que sabia perder de antemão, apenas pediu que a transferissem de faculdade. Gostava da escola mas cada sala recordava-lhe Jimin e além de doloroso, era-lhe completamente impossível concentrar-se nas aulas o que se reflectia nas notas. Um mês depois a dor não acalmava e parecia sufocar durante as aulas. Imaginar o resto da sua vida sem ele doía demais. A saudade dele estava a deixá-la num estado lastimável, perdera imenso peso e juntamente com ele o interesse por tudo o que a rodeava. Ao ouvir uma conversa, sobre um familiar doente, entre a cozinheira e a ajudante, uma nova hipótese começou a surgir na sua mente. E se houvesse um motivo de força maior que o tivesse obrigado a partir?! E se um dia ele voltasse e a quisesse levar para a Coreia?! Ela não sabia falar coreano. Pelo menos não correctamente, o pouco que sabia aprendera com ele. Tinha de estar preparada para esse dia.
Alimentando esse sonho, lentamente, retomou a sua vida normal e inscreveu-se numa faculdade que leccionava aulas de mandarim. Não era coreano mas era uma forma de estar mais perto dele. Pouco depois iniciava as aulas de coreano por correspondência.

- Estás muito calada.
- Sinceramente não sei que dizer.
- Não?! Isso é novidade.
- Afinal sempre mudei alguma coisa. - Isabel olhou a chuva que escorria agora com mais intensidade pelo vidro.- Onde vamos?
- Jantar.
- Não tens porque...
- Pensei que talvez estivesses com fome.

O GPS mandou-o sair à esquerda e poucos metros percorridos anunciou que tinham chegado ao destino. Jimin saiu primeiro do carro e deu a volta para lhe abrir a porta. O restaurante estava quase vazio, sentaram-se numa mesa perto das janelas. Isabel observou o local, era um dos restaurantes típicos da região. Nada de muito elegante, mas era acolhedor. Sorriu ao imaginar a cara de Lisa se soubesse que estava ali, aquele restaurante nunca faria parte da lista dela. Não, ela teria um ataque se entrasse ali. Como diria a sua querida avó: Um ataque de frescura.

- Em que pensas? - Jimin olhou para ela.
- Em Lisa.
- Deve ser um pensamento agradável, sorrias.
- Depende. Estava a imaginá-la aqui.
- Ia gostar?
- Pelo contrário. Detestaria e bastava olhar para o hall para sair daqui.
- Não estarás a exagerar?
- Se a conhecesses saberias que não.
- Não falas com muito afecto dela.
- É difícil sentir afecto por uma pessoa que nunca está presente.
- O mesmo se aplica ao teu pai?! Não pareceste abalada quando disseste que tinha falecido.
- Se bem te recordas raramente estive com os meus pais, foi a minha avó que me criou. Dela sim tenho imensas saudades, dela e de Billy. - Isabel esforçou-se por conter as lágrimas que caiam sempre que falava na avó e falou calmamente - Não tive a tua sorte, a tua mãe sempre esteve presente. Como está ela?
- Bem. Vamos mudar de assunto?

 Isabel ia perguntar-lhe porque ele podia fazer perguntas sobre o seu passado e ela não mas Jimin pediu a ementa e a oportunidade passou. Talvez fosse melhor assim. Se a conversa chegasse ao assunto Lisa, teria de contar coisas que preferia esquecer, coisas que iriam magoar ambos. Enquanto comeram pouco falaram e quando o faziam era a respeito da empresa. Embora por motivos diferentes pareciam evitar recordar o passado que tinham em comum. Isabel deu por si a pensar na imensidão de vezes que desejou estar com ele assim, sem medo que Lisa ficasse ofendida por ela não querer namorar um homem da sua classe social. Classe social que se manteve enquanto Lisa não gastou tudo o que o marido tinha deixado. O que não durou muito, apenas cinco anos. As festas e as viagens que Lisa insistia em fazer deixaram-nas na miséria. Negando-se a vender o que tinha, Lisa resolveu que um casamento era a forma ideal de sair daquela situação. E durante meses os jantares, onde os pretendentes eram presença obrigatória, tornaram-se parte da rotina dela. Jantares dos quais ela fugia a meio para se refugiar no quarto. À medida que os anos iam passando ela parecia dar menos importância aos desejos de Lisa e ás discussões que daí advinham. Jantares que diminuíram depois que saiu de casa mas não cessaram por completo. Depois de desistir de a casar com um homem rico, que lhe permitisse recuperar a vida que Lisa tanto adorava, concentrou-se em arranjar um novo marido, coisa que conseguiu no início da primavera.  E no fim do outono Lisa casava novamente com um homem rico recuperando assim o seu estatuto social e partiu em lua-de- mel, esquecendo convenientemente, que tinha uma filha.

- Isabel? - Jimin tocou-lhe levemente na mão - Café?
- Sim. Obrigada.
- No que pensavas?
- Na minha mãe.
- Pensei que não gostavas dela.
- Como não se gosta de uma mãe?! - Isabel baixou a vista tentando evitar o olhar dele.
- Tens razão. Como?

A chuva tinha cessado durante o jantar e eles falavam calmamente enquanto caminhavam para o carro. Ao chegar à calçada que antecedia o estacionamento, Isabel escorregou e num gesto instintivo segurou-se ao braço dele. Jimin segurou-a pela cintura com o braço que tinha livre, o que provocou uma aproximação dos corpos. Os escassos centímetros que os separavam não evitavam que sentisse o calor que o corpo dele emanava. O cheiro dele recordou-lhe o sabor dos beijos trocados outrora e a tristeza envolveu o seu coração...  Olhou para a sua mão, esta ainda estava no braço dele como se a sua vida dependesse daquele apoio. A mão que repousava no peito dele, levou-a a tomar consciência que o coração dele batia tão rapidamente como o dela. A medo olhou-o nos olhos e a lua que brilhava por entre as nuvens iluminou os olhos dele recordando-lhe o brilho que ela tanto gostava. Involuntariamente abriu ligeiramente os lábios e Jimin apertou-a contra si acabando assim com o pouco espaço que os separava. Mal os corpos se tocaram as bocas procuraram-se simultaneamente. Isabel levantou os braços e rodeou o pescoço dele sem se importar com quem podia vê-los. As mãos de Jimin, tanto acariciavam a sua nuca, como lutavam com a camisa para encontrar a pele nua das suas costas. Quando se ouviu a porta do restaurante, eles soltaram-se relutantes.

Fizeram a viagem em silêncio, cada um absorto nos seus próprios pensamentos. Isabel temia dizer algo que fizesse retroceder o pequeno passo que tinham dado. Sentia-se novamente uma adolescente temendo dizer ou fazer algo que desagradasse ao companheiro e assim ditar o fim da relação. Ainda tentava descobrir que dizer quando o carro parou junto à sua porta. Sem dizer uma palavra Jimin desceu e abriu a porta do lado dela. No mais profundo silêncio acompanhou-a à porta onde lhe deu um breve beijo antes de partir. Isabel ficou na rua a ver o carro afastar-se, sem saber se aquele beijo queria dizer que estavam juntos novamente. Mas que mais poderia significar?!
Sorrindo entrou em casa com a esperança num dia melhor. Afinal depois daquele beijo a sua vida só podia melhorar.

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