segunda-feira, 15 de maio de 2017

NOS TEUS BRAÇOS 5ª PARTE



Quando Alexandra chegou à Casa das histórias de Paula Rego, ainda estava extasiada com a vista da Boca do Inferno! Nunca lhe passaria pela cabeça que um monte de pedras pudesse ser tão fascinante a ao mesmo tempo tão assustador! Quando disse isso a Alec ele riu do "monte de pedras" e comentou que aquele local, talvez tenha sido uma antiga gruta, e como as camadas superiores foram abatendo, a gruta foi destruída, restando apenas a enorme cavidade a céu aberto. O seu nome é atribuído pela analogia morfológica e ao tremendo e impacto das vagas que aí se fazem sentir.

Alec deu-lhe a mão para entrarem no museu, ao contrário do que ela pensava, o museu tem apenas como missão dar a conhecer a obra de Paula Rego e suas ligações artísticas. Talvez pelo impacto da Boca do inverno não se sentiu muito impressionada pelo local. Alec prometeu levá-la a outro museu depois de almoço e antes de regressarem a Sintra.
Almoçaram no centro de Cascais e deram um pequeno passeio pelas ruas cheias de turistas até chegarem ao museu que ele lhe prometera visitarem. Quando entraram no museu de Condes de Castro, Alexandra adorou a historia do próprio museu, estava mais fascinada com a história dele, que com o que ele continha.  Talvez fosse pela forma como Alec contava a historia.

- O museu foi mandado construir por Jorge O'Neill a Francisco Vilaça, em 1890. Mais tarde, Manuel Inácio de Castro Guimarães doou, em testamento, a propriedade à vila de Cascais para que nela fossem implantados o Museu e a Biblioteca Municipal de Cascais. Conjuntamente com o Palácio dos Condes de Castro Guimarães, concebido por Luigi Manini, e os seus jardins de estilo inglês. Também o recheio foi doado à vila de Cascais; destacam-se as pinturas da época da sua edificação, baixelas do século XVII, porcelanas orientais e mais de 25 mil livros - Alec sorriu ao ver a cara que ela fez ao enumerar a quantidade de livros - Como havia descendência, este esteve aberto para ver se alguém reclamava o edifício...Mas reza a história que  o Conde de Castro de Guimarães só teve uma filha que, aquando da sua juventude, se apaixonou por um Soldado que foi combater na Primeira Guerra Mundial. Sendo Soldado, o Conde de Castro Guimarães deserdou a filha, visto não ter arranjado um homem de uma classe superior.
- Grande pai!
- A sociedade era assim,e  em algumas regiões isso ainda se faz.
- Que coisa!
- Casamentos por conveniência sempre houve e sempre haverá. Uns com motivos mais nobres que outros.
- Mas que aconteceu à filha dos Condes?!
- Ironia das ironias, quando acabou a guerra ela juntou-se ou casou-se com o tal Soldado à revelia da família. Ficando assim sem direito a nada, mas, quando aconteceu a Segunda Guerra Mundial, esse Soldado já tinha estatuto e quando houve o "racionamento" no país inteiro, no seu lar nunca faltou comida nenhuma.
- Lembro-me da minha mãe falar no racionamento.
- Sim, acho que todos devem de ter ouvido falar e alguns até vivido essa época. Eu apenas sei o que li. Como sabes não sou de cá.
- É verdade, esqueci-me disso.

E era verdade, até aquele momento não pensara que ele um dia ia partir. Saber isso foi como se uma nuvem tivesse tapado o sol que iluminava o dia.

Regressaram ao hotel ao fim da tarde, Alexandra negava-se a pensar no dia que Alec partisse. Estava decidida a aproveitar o que restava de tempo ao lado dele, afinal ela também regressaria a casa, à sua quinta. Tinha decidido isso durante a visita ao museu, não conseguiria voltar a trabalhar lado a lado com Miguel e não seria justo para António ter de despedir o seu director adjunto.  Ao chegar ao hotel iria comunicar a sua decisão aos implicados e depois que Alec partisse ela retomaria a sua vida.

- Algum problema?! Estás muito calada.
- Desculpa, estava a pensar no que vou fazer.
- E já decidiste?
- Sim, vou...

O telemóvel dela interrompeu a conversa, era Miguel. Desligou-o e meteu-o na mala, mas voltou a tocar.

- É melhor atenderes.
- Preferia falar com Miguel pessoalmente. - Alexandra olhou o ecrã do telemóvel - Mas parece que não vai desistir. - Tirou o telemóvel e atendeu - Miguel?!
- Onde estás?! Estou farto de perguntar por ti e negam-se a dizer-me onde estás!
- Talvez porque não saibam ou talvez porque isso não te diga respeito.
- Como não?! És minha noiva.
- Pois... Olha estou a chegar ao hotel, é melhor falarmos sobre isso pessoalmente.
- Xana...

Alexandra desligou o telemóvel e tirou o som, sabia que ele iria voltar a insistir. Chamara-a Xana! Ela detestava que a chama-se assim! Cansara-se de lho dizer, mas ele insistira, pois todos os casais têm nomes carinhosos!

- Preferes?!
- Desculpa, parece que não consigo prestar atenção ao que dizes! Não é intencional.
- É compreensível. Estava perguntar-te se preferes que te deixe no outro lado do hotel, para que não nos veja juntos.
- Por mim não o faças. A não ser que tu prefiras.
- Não tenho problema algum em que nos vejam juntos, apenas não quero causar-te problemas.
- Obrigada.
- Queres que te acompanhe?
- Não, está na hora de tomar as rédeas da minha vida!
- Rédeas?!
- Comando, controle?! - Alexandra riu da cara que ele fez. - Nunca ouviste essa expressão?
- Por acaso não. Associo rédeas a cavalos.
- Também, mas neste caso é apenas uma metáfora.

Alec parou o carro no estacionamento do hotel, e entraram juntos no hotel. Um dos empregados ao vê-los dirigiu-se a eles.

- Boa tarde senhor. Menina.

O empregado acenou com a cabeça e entregou uns envelopes a Alec que agradeceu antes de se voltar para ela.

- Tens a certeza que não queres que te acompanhe?!
- Sim, tenho.
- Sabes onde me encontrar se precisares de algo.
- Obrigada. - Alexandra deu-lhe um breve beijo nos lábios - Adorei o dia.
- Eu também.

Alexandra observou como Alec se afastava em direcção aos elevadores, devia de ser um bom cliente do hotel. Talvez daqueles que regressam todos os anos e ficam muitos dias.

- Menina?!
- Sim! - Alexandra voltou-se e viu a rapariga que servia no bar durante o dia.
- A D. Clara pediu para se encontrar com ela no jardim.
- Obrigada. Não disse a que horas?
- Ela disse que ia ficar lá até que você chegasse.
- Muito obrigada.

A rapariga sorriu afastando-se, Alexandra devolveu o sorriso e foi procurar Clara. O sol da tarde ainda estava quente. Procurando proteger os olhos, levou a mão à mala e retirou os óculos de sol.

- Já não era sem tempo. - Miguel apareceu nas suas costas. - Isso são atitudes de uma noiva?
- Caso tenhas esquecido, não estamos noivos.
- Claro que estamos, foi um erro meu e não pretendo abrir mão de ti.
- Pois eu acho que nunca me tiveste na tua mão.
- Que queres dizer com isso?!
- Que perdeste tempo em vir. Não penso regressar a Lisboa e...
- Que vais fazer da vida?! - Miguel interrompeu-a - Não conheces nada além da empresa!
- Está na hora de mudar isso. E não penso em retomar o noivado.
- Como não?!
- Como?! Assim, tu vais, eu fico!
- E onde pensas arranjar um homem como eu?!

Alexandra olhou para ele e depois soltou uma gargalhada, quando conseguiu parar de rir olhou-o nos olhos muito séria.

- Acho que te tens em muito boa conta, aliás em demasiada. Tenho a certeza que debaixo de qualquer pedra encontro homens muito melhores que tu! Quando acabas-te o noivado, pensei que ia morrer. A sério que pensei, mas agora até te agradeço. Graças a isso descobri que mereço um homem melhor que tu. Porque acredita, eles existem! É engraçada a vida...as voltas que dá quando menos esperamos! Como muda de repente...
- Andas a alucinar, ideias dessa velha que te acompanha.
- Clara não é velha. E não achas boa ideia começar a fazer o que realmente quero?
- Que dirá a tua madrinha?! Sabes que me adora! E António?!
- Não sei, mas saberei em breve. - Alexandra levantou a cabeça - Agora se não tens nada mais a dizer-me, eu tenho coisas a resolver.
- Não acredito que me estás a dispensar!
- Pois acredita! - Alexandra olhou nos olhos desafiante - Neste momento apenas quero esquecer que te conheci.
- Quando precisares vais procurar-me e eu...
- Miguel...- Alexandra colocou-lhe uma mão no braço e falou docemente. - Faz um favor a ti próprio, espera sentado!

Alexandra retirou a mão e dirigiu-se ao jardim deixando Miguel a olhar para ela. Não se importava o que ele iria dizer a António ou à sua madrinha. Ela queria começar de novo e era isso que faria!

Percorreu o jardim sem encontrar Clara, sentou-se um pouco. Enquanto esperava aproveitou para ligar à madrinha que depois de chorar imenso, por ela querer regressar ao Alentejo, disse aceitar a decisão se ela achava ser isso o melhor a fazer. Desligou prometendo ir visitá-la por uns dias antes de regressar a casa. Talvez até ficasse um mês, afinal tinha a quinta alugada.
António e Maria, embora ficassem tristes com a decisão dela, compreenderam e acabaram por lhe desejar muita sorte.

Quando encontrou Clara esta estava a entrar no hall, assim que a viu abriu os braços e envolveu-a neles.

- Minha querida, precisava de falar contigo antes de estares com Miguel.
- Já falei com ele.
- Oh... vais voltar com ele?!
- Não, não vou regressar com ele. Tenho outros planos.
- Que bom! Mesmo assim podemos falar?
- Claro. Vamos ao meu quarto, preciso mudar de roupa.
- Ontem o empregado disse que tinhas saído. Posso saber se foi com...
- Sim foi. - Alexandra interrompeu-a sorrindo.
- E como correu?! - Clara tinha os olhos brilhantes.
- Depois lhe conto. Algumas coisas, não tudo.
- Agora desiludiste-me! Pretendia saber detalhes!
- Terá de se contentar com a sua imaginação.
- Olha que é bastante fértil!
- Ainda bem.

Entraram no elevador a sorrir. Mas Clara ficou repentinamente séria e parecia alheia ao que a rodeava. Alexandra pensou que talvez estivesse a pensar no falecido marido e deixou-a entregue aos seus pensamentos.

- Que queria dizer-me? - Alexandra sentou-se no sofá enquanto retirava da mala o telemovel e esperou que Clara se juntasse a ela.
- Ontem tive uma conversa interessante com Miguel.
- Com Miguel?! - Alexandra olhou para ela admirada.
- Já tinha bebido bastante. Ele, não eu!
- Eu percebi!
- Bem, Miguel estava no bar a falar com o bar-man e como ele não lhe prestava atenção virou-se para mim. Inicialmente não prestei atenção, mas depois ele começou a falar sobre os sacrifícios que uma pessoa faz para subir na vida, que ás vezes precisa-se engolir o orgulho, pedir desculpas... - Clara fez uma careta - Pensei em ti e na vinda repentina dele. Sempre suspeitei que ele pretendia algo, por isso fiquei alerta! Comecei a perguntar coisas simples e ele pouco a pouco acabou por contar.
- O quê?!
- Que tinha de arranjar forma de o aceitares de volta. Pois futuramente irás receber uma boa herança e possivelmente umas herdades! Mas isso ele ainda não tinha confirmado.
- Conversa de bêbado!
- Não sei não! Ele parecia muito convicto!
- Acredito que sim, sei como ele fica nesses casos. Mas mesmo que ele pense ser verdade, não tenho ninguém rico na família. Aliás nem tenho família. A única pessoa que me resta é a minha madrinha e não é propriamente rica. O que têm apenas lhe permite viver bem.
- E herdades?! Não tem?
- Não, tem apenas a casa onde vive e não é uma mansão. A única herdade que tenho é a quinta que era dos meus pais.
- Então não percebo porque a conversa.
- Como lhe disse, conversa de bêbado!
- Pensei que ele estivesse a planear conquistar-te, para dar o golpe do baú. Se bem que, como casava antes de seres rica, não o podiam acusar disso! Por isso queria falar contigo, para te alertar. Parecias tão apaixonada, mas ao mesmo tempo tão magoada! Quando perguntei por ti e me disseram que saíste com um homem, imaginei que estivesses com ele. Imaginei tanta coisa, ele conhece-te melhor que ninguém. Seria muito fácil reconquistar-te... Levar-te a ver uma opera, oferecer-te rosas, um jantar à luz das velas ou um piquenique ao anoitecer... Fiquei tão nervosa, só sosseguei quando o vi no bar.
- Realmente tem uma imaginação fértil.  - Alexandra riu - Não me diga esteve toda a noite a ouvi-lo?!
- Foi por uma boa causa!
- Agradeço a preocupação.
- Como vou ter saudades tuas minha querida!
- Saudades?!
- Sim. Amanhã é o meu último dia no hotel.
-  Não sabia. - Alexandra ficou um pouco triste -Também vou ter saudades suas.
- Não mais que eu. - Clara limpou uma lágrima - Mas que idiotas somos. Com os telemóveis e a internet manteremos contacto. E ainda temos o resto do dia de hoje e o de amanhã.
- Tem toda a razão, iremos manter contacto e poderá ir visitar-me na minha quinta.
- Será um prazer.
- Muito bem. Hoje vamos jantar juntas e depois vamos...
- Oh não, não quero afastar-te de Alec!
- Não me afasta, e ele vai entender.
- Tens a certeza?!
- Absoluta. Agora vou tomar um duche e mudar de roupa. Durante o jantar vamos fazer planos para que o dia de amanhã seja um dia especial.

Jantaram no restaurante do hotel e combinaram ir visitar alguns dos lugares mais interessantes da região. Como Clara mostrou interesse em visitar Mafra, decidiram ir de comboio até lá e visitar o Palácio Nacional.
Quando se deitou pensou em Alec. Não o voltara a ver durante a noite, nem tinha descido para jantar como era habitual. Percebeu que, mesmo inconscientemente, desde que caíra nos seus braços, procurava-o por entre os demais hospedes. Depois de partilhar a mesma cama que ele, esses contactos visuais seriam ainda mais recorrentes. Procurando um sinal de que sentia algo por ela, que não era apenas mais uma... Tinha de refrear aqueles pensamentos, ou a sua imaginação romântica levava-a a idealizar uma coisa inexistente. Alec sentira-se atraído por ela e ela por ele, como dois adultos envolveram-se. Sem promessas, sem compromissos! Não tinha porque dar-lhe mais importância do que a que realmente tinha.

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