Duas semanas depois ela e Marisa eram praticamente inseparáveis, e as variações de humor dela não passavam despercebidas a Marisa. E não foi preciso muito tempo até esta perceber que Alexandra não se concentrava no trabalho. Tentando distrai-la convidou-a para um café antes de iniciarem mais uma tarde de trabalho.
Olhando a chávena em cima da mesa, Alexandra pensava em como poderia concentrar-se depois da proposta de Alec!
Desde o inicio ele concordou em manter-se afastado, e cumpria o que prometera. Se bem que em troca, ela tinha de passar o dia de folga com ele. O que a deixava desconfortável, não que lhe desagrada-se a companhia dele, muito pelo contrário, mas porque praticamente não saíam do quarto e ela achava que as pessoas sabiam o motivo! E quando lho disse, ele propôs a solução que gerou uma discussão enorme entre eles e fez com que Alec saísse do quarto logo de seguida. Discussão que Alexandra não conseguia esquecer.
- Não entendo porque tanta confusão! - Marisa olhava para Alexandra sobre a chávena do café - Se gostam de estar um com o outro qual é o problema?!
- Já pensaste no que as pessoas vão dizer?! - Alexandra pousou a chávena - Sei que estou a ser idiota...
- Nisso tens razão, estás a ser idiota!
- Mas não consigo evitar. - Alexandra olhou o jardim - É mais forte que eu. Tu não entendes.
- Queres explicar-me?!
Alexandra olhou a chávena e depois olhou para Marisa.
- Quando estou com Alec esqueço tudo o que as pessoas podem dizer ou vir a pensar, mas depressa começo a pensar nos comentários... - Alexandra fechou os olhos por alguns segundos - Na vila onde vivia com a minha mãe o que fazemos influencia o nosso futuro, o emprego. Se fores correta e séria, serás respeitada por todos, caso contrário serás o motivo de conversa na vizinhança, ignorada por todos e dificilmente arranjarás emprego! Foi assim que eu cresci! Nunca saí de lá até que a minha madrinha insistiu na minha ida para Lisboa. Essa foi a minha primeira saída de casa. E mesmo em Lisboa, nunca saía à noite, nem nos fins de semana, apenas pensava em estudar. Terminar os estudos e regressar a casa. Mas depois conheci Miguel e... Bem, foi o meu único namorado, nunca beijei outro homem além dele. - Alexandra fez uma careta - Os rapazes simplesmente não me despertavam curiosidade. Sempre acreditei que um namorado tinha de ser aquela pessoa especial, aquela que escolhemos para passar o resto das nossa vidas! Pensava que era Miguel, se ele não tivesse sido um completo imbecil ainda namorava com ele.
- Homens...
- Mas depois de Miguel ter comentado a minha... - Alexandra olhou a chávena e uma lágrima caiu dos seus olhos - Desculpa. É irritante ver uma mulher da minha idade agir como uma adolescente!
- Não tens do que pedir desculpa. Vejo que ainda o amas.
- Amá-lo?! Não, apenas me doí ter sido mais idiota que ele! Acreditei que o amava e que ele sentia o mesmo... - Alexandra calou-se apertando a chávena na mão - Como trabalhávamos na mesma empresa foi muito difícil lidar com a situação. Por isso vim para cá, para pensar no que fazer.
- E a tua vida deu uma reviravolta ao conheceres Alec. - Marisa segurou a mão dela - Sabes, foste a primeira mulher de quem Alec falou. E olha que lhe conheci uma boa quantidade!
- Sim, imagino que tenha imensas.
- Agora a idiota sou eu! Não devia de ter dito aquilo.
- Não te preocupes, Miguel ajudou-me a perceber como são os homens. E Alec não é excepção, enquanto for novidade sou interessante. Agora quer que vá viver com ele mas e depois?! O que vão dizer as pessoas ?!
- As pessoas não deviam de fazer parte dessa equação, e o depois logo se verá! No teu lugar eu aceitava sem hesitar.
- Ir morar com ele?! - Alexandra abriu os olhos - Não estou a levar a situação longe demais?!
- Porquê?! Não gostas de estar com ele?!
- Sim, mas...
- Então qual é o problema?!
- Mas conhecemos-nos à menos de dois meses!
- E?!
- E se correr mal?!
- E se correr bem?!
Voltaram ao trabalho e pouco depois Alec telefonou informando que tinha de sair por uns dias. O que Alexandra agradeceu, tinha um evento que preparar e depois da discussão que tiveram, e talvez porque ele a evitava, continuava sem conseguir concentrar-se devidamente. Com ele em viagem era mais fácil concentrar-se.
Mas acabou por não ser, o trabalho ajudava-a a passar os dias sem pensar nele, mas durante a noite ficava horas a pensar nele e na proposta que ele tinha feito. Mas por muito que pensasse, continuava num impasse, se numa hora pensava que era uma boa ideia, na seguinte achava muito má ideia. Conheciam-se à pouco tempo, era uma loucura pensar em morar com uma pessoa sobre a qual nada sabia! E ela não sabia absolutamente nada sobre ele, até ele lhe propor viverem juntos, ela desconhecia que ele tinha casa em Sintra! Por isso estava naquele impasse. Sabia que para ele era perfeitamente normal aquela situação, ela não era a primeira mulher que ele convidava a morar com ele, Marisa tinha-o confirmado, e isso magoava-a. Mas para ela, ir morar com ele equivalia a uma relação séria, como se fossem um casal! Estaria a dar um passo enorme, enorme demais para as suas pernas! O estranho era ela, apesar de não saber o que sentia realmente por ele, querer dar aquele passo! Passo que a sua mãe não aprovaria! A sua mãe nunca aprovaria que fosse viver com um homem, dormir na mesma cama sem estarem casados! Mais uma vez, o que queria fazer, chocava com o que era correto.
Aquela indecisão estava a deixá-la louca! Sentia-se sufocar no quarto, precisava de sair dali. Olhou o relógio, a noite apenas tinha começado. Vestiu um vestido, apanhou um casaco leve e chamou um táxi para a levar até à vila.
Entrou num centro comercial, a maioria da lojas estavam fechadas, apenas algumas pessoas nas pastelarias ou a entrar no cinema. Mas o simples caminhar, entre os pisos meio vazios, enquanto observava as montras relaxou-a e ajudou a que conseguisse dormir.
Tinham passado três dias desde que Alec tinha saído e ainda não tinha regressado. Era o seu dia de folga e ele não estava ali com ela! Teve de admitir que sentia a falta dele, do seu toque, dos seus beijos, de como a deixava louca de desejo com apenas uma leve carícia... O corpo estremeceu ao recordar as carícias dele. Esse era o único facto do qual tinha a certeza, gostava de estar com ele, junto dele, apesar de não ter muita experiência, sentia-se uma mulher sensual, o oposto do que Miguel a fizera sentir. E quando ele não estava sentia-se vazia, como se faltasse uma parte dela.
- Estás perdida Alexandra Melo! - Alexandra falava para o seu reflexo no espelho - Completamente perdida!
Saiu decidida a mudar algo, por muito pequeno que fosse! A sua mãe dizia que as grandes mudanças começam com um pequeno passo. E ela estava pronta a fazer uma grande mudança!
Passou a manhã no centro comercial, quando saiu de lá sentia-se uma nova mulher! Mais confiante em si mesma e com duas decisões tomadas. Duas decisões que iriam mudar a sua vida!
Quando entrou no hotel Marisa estava a conversar com a empregada do bar, quando a viu sorriu-lhe em ar de aprovação. Alexandra entrou no elevador pensando que uma manhã de compras faz maravilhas numa mulher! Onde é que ela ouvira aquilo?!
Colocou alguns sacos no chão junto à porta do quarto, enquanto abria a porta. Quando agarrou os sacos um deles escorrego-lhe da mão e o seu conteúdo caiu no chão. Amaldiçoando a sua sorte começou a apanhar a roupa interior.
- Gostei da cor!
Alexandra arrepiou-se ao ouvir a voz de Alec, estava ao fundo do corredor olhando para ela.
- Alec! - Sentiu uma vontade louca de se atirar nos braços dele, mas continuou a apanhar a roupa do chão - Sou uma desastrada.
- Queres ajuda?!
- Obrigada. - Alexandra olhou-o nos olhos enquanto ele se aproximava.
- Ainda estás aborrecida comigo?!
- Não. - Alexandra apanhou o soutien que ele lhe estendia. - Senti a tua falta.
- E eu a tua. - Alec observava atentamente o cabelo dela. - Cortas-te o cabelo?!
- Não, fiz ondulação.
- Tanto trabalho para nada.
- Para nada?!
- Vou estragar isso tudo.
- Nesse caso valeu cada puxão.
Alexandra inclinou-se para ele e beijou-o brevemente. Quando se afastou ele olhava incrédulo para ela.
- Hum... Que se passa?!
- Como assim?!
- Dizes que sentiste a minha falta, agora beijas-me aqui, no meio do corredor...
- Estou de folga, posso fazer o que quiser. - Alexandra murmurou - Inclusive mudar-me.
Alec olhou-a por instantes e ela sorriu, então tomou-a nos braços e beijou-a empurrando-a para dentro do quarto.
- Os sacos! - Alexandra tentou inclinar-se para os apanhar.
- Os sacos... Não te mexas. - Alec apanhou os sacos sem qualquer cuidado e atirou-os para cima de uma cadeira - Estão todos! Agora...
Encostou-a contra a parede enquanto a beijava e lutava contra os botões da camisa dela. Horas depois Alexandra apanhava a roupa do chão, vestindo apenas a roupa interior sob o olhar de Alec.
- Que aconteceu na minha ausência?! - Alec apanhou a sua camisa de cima de uma cadeira e vestiu-a.
- Como assim?! - Alexandra vestiu os calções.
- Pareces diferente.
- Não gostas?!
- Se essas mudanças são a razão de aceitares viver comigo, não tenho nada a reclamar.
Nessa mesma tarde arrumou as poucas coisas que tinha e mudou-se para a casa de Alec. Era uma vivenda nos arredores da vila, o muro alto providenciava a privacidade necessária, as árvores e flores do jardim asseguravam-se que a casa tivesse o ar de calma e paz que uma pessoa precisa ao regressar a casa. A vivenda de dois pisos, pintada de branco com janelas enormes e trepadeira nas paredes laterais , erguia-se imponente entre dois toldos de tecido branco. Num dos lados, sobre um chão de madeira castanha escura, uma mesa de vidro e cadeiras de bambu com almofadas brancas prontas a receber os convidados para um almoço relaxante. No lado oposto almofadões enormes espalhados no chão e duas cestas com revistas, convidavam a relaxar e aproveitar a paisagem. Nas traseiras, uma piscina enorme era "alimentada" por aquilo que ela supôs ser uma nascente que saía de um conjunto de pedras, mas Alec disse ser apenas um cano que mandou direccionar para ali. A piscina estava rodeada de pedras, iguais às que tapavam o tubo da água, dando-lhe o aspecto de um lago. Relutou em entrar, sentia-se ali como quando era criança, sentia uma paz que à muito tempo não sentia...
Enquanto olhava para os quadros pendurados nas paredes, subiram por uma escadaria de madeira até ao piso superior onde eram os quartos. Alec abriu a porta do primeiro e ela entrou meio envergonhada. A cama era enorme em madeira escura de linhas direitas, o roupeiro estava incrustado na parede, ao lado da casa de banho em mármore preto e branco. Adorou tudo. Todos os quartos eram uma variante do primeiro e ela perguntou-se para que queria ele tanto quarto.
Quando começou a descer as escadas viu um homem que aguardava no fim da escadaria, pela roupa percebeu que pertencia ao pessoal da casa.
- Boa tarde menina. - O homem inclinou a cabeça
- Boa tarde. - Alexandra corou ligeiramente.
- Estava tudo como pediu senhor?
- Sim. Obrigada Mateus. - Alec colocou o braço nos ombros dela - Alexandra, se precisares de algo basta pedires a Mateus.
- Tentarei não incomodar.
- Estou a sua inteira disposição menina.
- Obrigada. - Alexandra olhou para o homem que sorria para ela.
- Por hoje não precisamos mais de si, pode ir para casa Mateus.
- Obrigada senhor. Com licença. - Mateus inclinou a cabeça novamente e desapareceu.
Alexandra fixou o olhar num quadro enorme que estava na parede por cima da lareira, podia assegurar que, assim como o do hotel, aquele era mais um exemplar de Monet, olhou a sala com atenção. Era enorme, uns sofás de pele castanha em frente à lareira ocupavam a maior parte da sala. Numa das paredes, um móvel antigo com portas de vidro mostrava algumas peças de porcelana. Ao lado um outro com alguns livros também antigos. Junto à janela uns vasos com flores naturais e um jarro que devia de ser caríssimo! Uma mesa pequena de vidro, entre os dois sofás e em frente à lareira, completavam a simples decoração da casa.
- Em que pensas?
- Não disseste que tinhas empregados
- Não perguntas-te. - Alec segurou-lhe o rosto e olhou-a nos olhos - Que se passa?!
- Mais uma vez tomei consciência não sei nada de ti.
- E isso é relevante?! Eu também não sei nada de ti e não me incomoda porque nos completamos na perfeição.
- Alec... - Alexandra corou ao perceber ao que ele se referia.
- Muito bem, vamos dedicar o dia a revelar os nossos segredos.
- Os segredos?!
- Não é isso que queres?!
- Não!
Ela não queria ouvi-lo falar das mulheres que tinha levado para aquela casa, para a sua cama. E possivelmente as comparações entre elas, como tinha feito Miguel... Fechou os olhos e baixou a cabeça. Não queria recordar Miguel, nem o muito que a tinha magoado.
- Não?! - Alec segurou-lhe o rosto e olhou-a fixamente - Que segredos escondes doce Alexandra?
- Não tenho segredos. - Não era verdade mas também não era mentira. Era uma meia verdade.
- És a primeira mulher que conheço, que não tem segredos.
- Lamento desiludir-te.
- Isso quer dizer que apenas eu, tenho segredos a relatar.
- Não tens porque dizer...
Mas Alec pareceu não a ouvir e dirigiu-se à janela da sala para a abrir. Por uns instantes ficou ali a sentir a brisa que entrava pela janela, fazendo ondular o fino tecido dos cortinados. Alexandra ia sentar-se no sofá mas ele estendeu-lhe a mão e saíram para o jardim, onde lhe soltou a mão para observar o arvoredo.
- Nasci em Londres à trinta e dois anos - Começou por dizer sem se voltar -Vivi lá até aos doze anos. Altura que os meus pais decidiram vir para cá. Sinto-me um pouco culpado dessa decisão. - Alec voltou-se para ela mas olhou o chão e meteu as mãos nos bolsos - Hoje reconheço que não fui o filho exemplar que eles queriam e mereciam ter, para isso tinham a minha irmã. - ele sorriu - Pelo menos assim pensava, sentia que a minha irmã era a preferida e por isso revoltei-me! Fiz tudo o que um jovem rebelde deseja. Fugia ás aulas e desaparecia por dias a fio, mesmo em colégios privados. Os meus pais cansaram-se da situação e decidiram vir para cá, para me afastar das más influências. Mas apenas resultou nos primeiros anos, depressa fiz amizade entre os piores alunos e aos quinze anos já saía de mota sem destino e velejava sem aviso prévio. Nunca pensei no muito que os meus pais se preocupavam por não saberem onde estava. E se pensava não me importava com isso, eles tinham a sua filha adorada! Durante a faculdade o número de as más companhias aumentou e acabei por deixar os estudos. As saídas recorrentes acabavam com a minha mesada em pouco tempo, o que me levou usar o cartão de credito dos meus pais. Por isso não me preocupei quando me cortaram a mesada, tinha o cartão. Um dia precisei de dinheiro mas os meus pais tinham cancelado o cartão.
- Fizeram muito bem!
- Hoje concordo. Naquela época não. Tinha dezoito anos e os meus pais, apesar de viverem bem, negavam-se a dar-me dinheiro. Quando os confrontei disseram-me que estava na hora de merecer o dinheiro que gastava. Acho que aguentaram o máximo que puderam. - Alec baixou a cabeça - Como não havia escola ou faculdade que me aceitasse em Londres, resolveram ficar aqui. O meu pai falou com um amigo e pouco depois comecei a trabalhar no hotel, que hoje é meu, como moço de recados e como guia turístico. O que me obrigou a ler muitos livros. O dono do hotel simpatizou comigo e incentivou-me a regressar aos estudos. Contrariamente ao que eu imaginava, adorava trabalhar no hotel. Acho que apenas precisava de sentir que se importavam comigo, que alguém confiava em mim. Essa pessoa apareceu na forma de um homem de idade bastante avançada, mas com uma sabedoria infinita. Para mostrar que não era mais aquele jovem rebelde, estudava e ainda trabalhava nas horas vagas, até que ganhei a confiança dele e anos depois geria o hotel. Quando os meus pais regressaram a Londres eu pedi para ficar. Queria ficar, tinha planos para a minha vida aqui. Adorava o mar e a serra, não tinha nada que me fizesse regressar a Londres.
- Uma vida repleta de emoções.
- Se soubesse o muito que magoava os meus pais...
- Eras jovem e impetuoso.
- Não! Era jovem e arrogante! Se não fosse... - Alec calou-se repentinamente - Chega de falar de mim. Agora é a tua vez.
- A minha?! - Alexandra olhou-o com os olhos arregalados - Não há nada a dizer!
- Não me parece!
- Que queres que te conte?! Quantas galinhas havia na quinta ou quantos cães tive durante a minha vida?! Porque isso é o mais interessante que vais ouvir!
-Muito bem, um dia vais falar... - Alec agarrou-lhe uma mão - Entretanto podemos pensar em algo para fazer.
Alec tentou beijá-la mas ela afastou a boca e ele deu o beijo na face dela.
- Os empregados podem...
- Os empregados são apenas três e só voltam amanhã. - Alec segurou-lhe o rosto - Vais fugir de mim cada vez que te tentar beijar?
- Só quando não estivermos sós.
- Então vais ser a responsável do desemprego de meia dúzia de pessoas.
- Eu?!
- Claro. - Alec beijava-lhe o pescoço - Se não me vais beijar quando estiver alguém presente... E que pensas fazer amanhã quando acordarmos?!
- Amanhã?! - Alexandra não tinha pensado nisso - Posso dormir noutro...
- Nem penses... vives comigo, logo dormes comigo.
Alec beijou-a e pouco depois ela esqueceu que na manhã seguinte tinham empregados que os veriam sair do mesmo quarto.
Alexandra observava a cozinha enquanto ele fazia a salada. A mesa de madeira enorme, no centro da cozinha, com uns bancos castanhos, recordava-lhe a sua cozinha do Alentejo. As bancadas eram de pedra cinza e os armários com portas de correr. O frigorífico, passava despercebido entre tantas portas. Se ele não o abrisse, ela juraria ser mais um armário. Os electrodomésticos estavam quase todos escondidos na parede ou nos móveis. Já tinha visto revistas com cozinhas daquelas, mas nunca tinha estado numa!
- Podes colocar os pratos?! - Alec cortava o pão - Não pretendes que faça tudo sozinho!
- Se me disseres onde estão os pratos...
- Como não queres empregados vais ter de descobrir onde estão os pratos e tudo o mais!
- Não tenho que querer ou não empregados.
- O que queres dizer com isso?!
O tom de voz dele relembrou-lhe Miguel, quando lhe disse que ela não era a mulher indicada para ele. Sentiu o sangue gelar e olhou para ele, parecia mais viril vestido apenas com as calças de ganga. Os braços fortes estavam tensos, como se estivesse pronto a entrar numa luta.
- Nada! - Alexandra voltou ao que estava a fazer.
- Se o disseste por algo foi!
- Vamos discutir?! - Alexandra obrigou-se a falar calmamente - Não me parece que seja motivo para isso.
- Não estamos a discutir.
- A julgar a forma como falas acho que estamos a começar.- Alexandra deixou os pratos na mesa e colocou uma mão no peito dele - A minha presença aqui é temporária, ambos sabemos isso. Não vejo porque tenho de decidir como deves gerir a tua casa.
- Temporária... Ou seja, decidiste aceitar viver comigo com data de partida!
- Não é isso.
- Não?! Então explica-me.
- Alec, sou novidade... Um dia vais cansar-te...tenho plena consciência disso.
- É isso que pensas?
- Tenho perfeita consciência que tens a tua vida, assim como eu tenho a minha. E um dia terei de ir!
Alec olhou para ela, Alexandra podia sentir a respiração dele debaixo da sua mão. Estava agitado, olharam-se por uns instantes até que Alec afastou a vista.
- Preciso de sair.
- Vais demorar?!
Alec não lhe respondeu e ela permaneceu na cozinha a olhar a porta por onde ele tinha saído. Que tinha dito?! Apenas constatou o facto de que um dia teria de deixar aquela casa, e não entendia porque ficou ofendido por ela não decidir se tinham ou não empregados! Isso simplesmente não lhe dizia respeito. Quando ele se acalmasse ia perceber que ela tinha razão, um dia olharia para ela e iria perguntar-se o motivo da sua presença ali. Porque não aceitava ele o facto, assim como ela?! Talvez ele preferisse ser ele a colocar um ponto final na relação! Possivelmente esperava até algum drama por parte da companheira, mas com ela podia estar tranquilo. Ela sabia que a sua partida era inevitável, apenas decidiu aproveitar aquela nesguinha de felicidade até isso acontecer. Queria ter algo de bom para recordar quando volta-se a casa!
Nessa manhã, enquanto passeava no centro comercial e depois de muito pensar, decidiu o que ia fazer com a sua vida. Morando ou não com Alec, ficaria a trabalhar no hotel até juntar dinheiro suficiente para dar inicio ao projecto que tinha em mente. Abrir uma pousada rural na quinta dos seus pais. O anexo era grande o suficiente para ela viver. A casa principal seria renovada de modo a ter apenas quartos e casas de banho, sem esquecer a cozinha que depois de renovada, seria partilhada por todos. Consultou o gerente do banco, que lhe assegurou o empréstimo e fez as contas. Com o dinheiro dela e com o que o banco lhe emprestaria em dois anos podia regressar a casa.
Suspirou, Alec perceberia que ela tinha razão e voltaria rapidamente...
Arrumou a cozinha e foi procurar algo para ler, devia de encontrar algum livro por ali. Algo sem ser aqueles livros antigos que tinha visto na sala!
Depois de abrir algumas portas encontrou uma biblioteca e deliciou-se com a imensidão de livros. Pegou um ao acaso e foi para o quarto ler. No fim do primeiro capitulo olhou o relógio. Alec tinha saído à imenso tempo! Tentou concentrar-se novamente na leitura mas não conseguia, à medida que o tempo passava a sua inquietação aumentava. Voltou a pensar no que tinha acontecido. Não conseguia perceber o motivo da ofensa dele. Porque tinha ficado ofendido, e isso era a única coisa que ela sabia!
Sentou-se na cama a ver a noite transformar-se em madrugada, negando-se a deixar a sua imaginação voar muito alto. Mas devia de ter adormecido porque acordou com o sol a bater-lhe no rosto. Olhou a almofada ao lado, estava vazia, apalpou-a. Estava fria, sinal que ele não tinha dormido em casa. Negou-se a pensar onde ele tinha dormido nessa noite.
Procurou algo para vestir e dirigiu-se à casa de banho, respirou fundo ao ver Alec a vestir uma camisa. Estava ali e estava bem!
- Bom dia. - Alexandra olhou-o mas ele fugiu com o olhar.
- Bom dia.
- Esperei por ti. Chegaste tarde?!
- Um pouco. - Alec apanhou o casaco - Tenho de sair agora, se estiveres pronta em cinco minutos levo-te, caso contrário Mateus leva-te ao hotel.
- Estarei.
- Muito bem. Espero por ti lá em baixo.
Alec agarrou a toalha e meteu-a no cesto com fúria, o que indicou a Alexandra que ainda estava aborrecido com ela.
- Alec?!
- Sim. - Alec parou junto à porta.
- Que disse para ficares ofendido?
- Que disseste?! - Alec atirou com o casaco - Meu Deus! Ainda perguntas?!
Alexandra ficou em silencio sem saber que responder, pois por mais que pensasse não conseguia perceber o motivo daquela discussão, que começou com os empregados e encaminhara-se por um caminho que ela não via. Pestanejou ao sentir as lágrimas a arderem-lhe nos olhos.
- Para uma mulher simples és demasiado complicada! Posso perguntar uma coisa?!
- Sim!
- Aceitas-te viver comigo, porquê?!
- Porquê?!
- Sim, o que te levou a aceitar! Primeiro discutimos porque achaste que era impróprio. Que as pessoas iam falar e coisas do género. Quando regressei de viagem tinhas decidido aceitar. Porquê?! Quero que me digas o motivo.
- Porque... - Alexandra fechou os olhos, nem ela própria sabia porque tinha aceitado. - Não sei... apenas sei que queria estar contigo.
A voz tremeu-lhe e Alec fixou o olhar nela. Alexandra tentava controlar as lágrimas que teimavam em turvar-lhe a visão. Alec respirou fundo e aproximou-se dela.
- Porquê?! - Alec abraçou-a e falou encostado ao seu cabelo - Diz-me porque discutimos?!
- Não sei! - Uma lágrima deslizou ao sentir o calor dos braços dele.
- Parece que desconheces muita coisa. - Ele tentou rir - Um primeiro dia fabuloso.
- Podia ter corrido pior!
Alexandra levou a mão ao rosto dele, percorrendo-lhe os lábios com um dedo ao mesmo tempo que a outra mão lhe acariciava o peito sobre o tecido fino da camisa. Ficou feliz ao ver como ele fechava os olhos enquanto o sangue pulsava a toda a velocidade no seu pescoço. A julgar pela reacção dele o toque dela ainda o afectava e isso podia significar que a discussão estava esquecida.
- Tenho uma reunião...
- Desculpa.
Alexandra afastou-se dele e tirou a camisa ficando em roupa interior enquanto ele a observava.
Olhou-se no espelho enquanto apanhava o cabelo, a seu lado o reflexo de Alec, que a olhava como quem via algo que deseja à muito. Percebeu que ele fazia um esforço para não lhe tocar, e isso agradou-lhe. Naquele instante desejou ser mais sedutora, saber o que fazer para lhe agradar... Viu como ele se afastou e pensou que se ia embora, mas apenas se afastou para tirar os sapatos e a gravata. Voltou para junto dela e beijou-a carregando-a ao colo até ao chuveiro.
- Alec! - Alexandra reclamou.
- Sei... as roupas... vão se estragar...
Voltou a beijá-la sob a água quente enquanto Alexandra sorria ao mesmo tempo que lhe retirava a camisa.
- A reunião...
- Podem começar sem mim...
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