Priscilla fechava a mochila onde colocou o protector solar juntamente com os demais produtos de higiene pessoal.
- Mãe!!!
- Mas porque gritas?! - Alisia meteu as toalhas na mala.
- Desculpa, pensei que estavas na cozinha.
- E que estaria a fazer lá?! Acho que estás ansiosa demais.
- Tu não?! - Priscilla olhou o relógio pela milésima vez - Nicholas não devia de ter chegado?
- Ainda é cedo.
- Ele disse de manhã bem cedo.
- Ele disse manhã, não madrugada! O sol ainda não nasceu, tens de te acalmar.
- Não consigo! Vou ver se arrumei tudo de King.
Alisia sorria enquanto arrumava o resto das roupas. Esperava não se arrepender de aceitar o convite. Nunca fez nada assim, gostava de ajudar os demais e ficava feliz só em saber que tinha facilitado a vida a alguém. Na sua maioria agradeciam o facto outros nem isso, mas nenhum fez questão de retribuir o favor. Nem com um postal ou um café. Bem, as vizinhas muitas vezes pagavam os bolos que lhes fazia com cafés. Sorriu a imaginar a cara do padeiro se fosse pagar o pão com um café!
- Mãe...mãe... - Priscilla entrou eufórica no quarto - Chegou...
- Mas não ouvi a campainha.
- Estava a espreitar pela...
- Estás a virar uma bisbilhoteira?! - Alisia deu-lhe uma palmadinha - Nunca imaginei que serias assim!
- Oh mãe... tu também...
Priscilla desapareceu reclamando quando ouviu a campainha. Alisia apanhou as malas e juntou-se a eles.
- Bom dia.
Nicholas estava com King ao colo e Priscilla tinha a mochila às costas e a mala na mão prontos para partirem. Aparentemente só faltava ela.
- Bom dia Nicholas. - Alisia deixou a mala no chão - Vou verificar se está tudo fechado.
- Podes não demorar?! - Priscilla estava impaciente. - Quando chegamos lá é hora de voltar para casa.
- A minha casa não é assim tão longe. - Nicholas apanhou a mala dela do chão - Porque não vamos levar as malas para o carro enquanto a tua mãe vê se está tudo em ordem?!
- Vou tentar não demorar.
Pouco depois Alisia sentava-se no carro de Nicholas. Não se recordava do carro ser tão grande, mas agora que pensava nisso, não se recordava de ter visto o carro dele! Priscilla cantou quase todo o caminho mas calou-se quando avistou o porto. Coisa que também deixou Alisia abismada. Um homem veio ao encontro deles e depois de uma breve troca de palavras com Nicholas, agarrou as malas delas e subiu a bordo do enorme barco. Priscilla subiu a bordo olhando encantada para todo o lado com King ao colo.
- Não me disseste que tínhamos de ir de barco.
- Como pensavas chegar à ilha?!
- Sinceramente não pensei nisso.
- Espero que existam outras coisas sobre as quais não pensaste.
Nicholas apoiou a mão nas costas dela e ela sentiu um arrepio. Que queria ele dizer com aquelas palavras?! E porque não mencionou que iam de barco?!
- Mãe... Já viste?!
Priscilla chamou a atenção dela e ela deixou de pensar no facto de ele não ter referido o barco. Ao fim da tarde estavam em alto mar e Priscilla adormecera deitada numa das cadeiras do convés. Depois de deixar King fechado no camarote não fosse cair ao mar, Alisia encostou-se à balaustrada e fechou os olhos apreciando o cheiro a mar. Apesar de ir à praia várias vezes, nunca andou de barco. Recordou o pai, ele tinha prometido uma viagem de barco quando a sua mãe recuperasse... Infelizmente nunca recuperou! Uma lágrima caiu na água do mar ao recordar esses dias. Limpou a lágrima seguinte e sentou-se num banco almofadado junto à balaustrada a ler um livro. Mas a sua cabeça teimava em reviver os últimos dias da sua mãe. Ainda podia sentir o cheiro do hospital, como se ali estivesse...
Era a quarta vez que iam com a mãe ao hospital e depois de vários exames enviavam-na para casa sem um diagnóstico definido.
- Achas que desta vez descobrem algo?! - Alisia segurava a mão da pai enquanto aguardavam o médico.
- Deus queira que sim filha! Deus queira.
- Pelo menos estão a demorar mais.
- Esperemos que seja um bom sinal.
Horas depois o médico mandou-os para casa, a sua mãe ficaria essa noite internada pois tinha vários valores alterados. Talvez no dia seguinte, com o resultado dos exames, eles pudessem fazer um diagnóstico. Deixaram o hospital alimentando a esperança de uma resposta aos súbitos desmaios da sua mãe. Mas o dia seguinte não trouxe boas notícias. Acordaram com o som do telefone, a sua mãe tinha piorado durante a noite. Saíram de casa com o coração destroçado, enquanto esteve ao lado da sua mãe esforçou-se por controlar as lágrimas. Pouco depois fechou os olhos alegando que estava cansada, mas não os voltou a abrir.
A voz de Nicholas ao longe trouxe-a de volta ao presente. Limpou as lágrimas com a costa da mão e colocou os óculos de sol fingindo interesse no livro que tinha no colo.
- Estás arrependida de ter vindo?!
- Não... Claro que não.
- Mentes muito mal. - Nicholas tirou-lhe o livro e levantou-lhe os óculos - Se não estás arrependida, qual o motivo das lágrimas?
- Nenhum...
- Devo fingir que acredito?! - Nicholas limpou uma lágrima que deslizava pelo rosto dela - No que pensavas? No teu marido?!
Sentindo a mão dele no seu rosto, olhou para ele sem saber que responder. Não gostava de falar da mãe, doía-lhe demais, mas dizer que aquelas lágrimas eram por Mat era ser hipócrita. Mas algo tinha de dizer, não podia ficar ali a olhá-lo. Abriu a boca para lhe responder mas Nicholas aproximou-se mais dela e tocou os lábios dela levemente com os seus, sentiu algo parecido com uma descarga eléctrica. Quando ele voltou a beijá-la a descarga percorreu o corpo todo e sentiu um arrepio na espinha ao sentir que ele entrelaçava os dedos no cabelo dela.
- Mãe!!! Mãe!!!
Nicholas parou de a beijar e afastou-se ligeiramente sorrindo ao ver o rubor na face dela.
- Sim! - Alisia colocou os óculos de sol e dirigiu-se para onde a filha gritava - Que aconteceu?!
- Não encontro King!!!
- King está no camarote.
- Oh... Que susto!!! - Priscilla desapareceu rapidamente.
- Parece que adorou King.
Nicholas falou nas suas costas e ela estremeceu ao sentir o calor dele através da sua roupa atraindo-a como um íman. Nunca tinha sentido nada parecido, sem olhar para ele dirigiu-se à balaustrada para não ceder à tentação de se apoiar nele, mas ele segui-a.
- Sim. Ela sempre quis um gato.
- Quando foi mesmo que o teu marido morreu?!
- O meu marido?!
- Sim. Não era nele que pensavas?
- Pensava na minha mãe.
- E isso deixa-te triste?! - Nicholas aproximou-se dela - Também faleceu à pouco?
- Há seis anos. - Alisia baixou a vista - Ela sempre desejou fazer um cruzeiro. E nunca pode realizar esse sonho.
- Sinto muito.
Nicholas segurou a mão dela e mais uma vez ficou sem saber como agir. Mat nunca lhe segurara a mão quando chorava a morte dos pais. Dizia que ela era fraca e os fracos não vencem. Depois fazia um discurso sobre os únicos tipos de pessoas que existem, as que comandam o mundo e as que nasceram para servir, ela pertencia à segunda categoria. A única utilidade que tinha era o ajudar os descuidados, não os necessitados, apenas os descuidados, pois só uma pessoa descuidada perde as chaves ou se esquece de pagar as facturas, assim como ir para outra cidade sem se precaver do que pode precisar. Mat dissera-lho tantas vezes que durante algum tempo se convenceu disso. Mais tarde percebeu que não era bem assim, que o que fazia, podia não ter importância para ele, mas tinha para ela e isso era o importante. Sentia-se bem consigo própria e não ia desistir de ajudar os demais porque ele não concordava.
- Mãe?! Estás a chorar?!
- Acho que a tua mãe precisa de descansar um pouco. - Nicholas segurou a mão de Priscilla - Que dizes a irmos ver se há leite para King na cozinha?!
- O barco tem cozinha?!
- Sim, e enorme. Podemos fazer...
O que podiam fazer ela não ouviu. Mentalmente agradeceu a Nicholas por a deixar a sós e ficou a olhar o mar recordando a mãe.
Ao contrário da sua avó, que fora mãe aos dezassete anos, ela tinha nascido quando a mãe tinha quarenta e dois. Quando soube que a mãe desmaiava desde que ela nascera, pensou que a culpa era dela, se ela não tivesse nascido a mãe não tinha aqueles desmaios. Por isso quando a avó ficou doente, devido à pouca saúde da sua mãe, e ela aos treze anos deixou a escola, não protestou. Depois desse dia dedicou-se a cuidar da avó, apenas saía de casa para ir à padaria no centro da vila. Onde conheceu Zac o filho do padeiro, namoraram um ano, até que apareceu uma loira de olhos azuis e ela os viu aos beijos. Voltou para casa e chorou durante horas agarrada à avó, que lhe assegurou que Deus teria outros desígnios para ela. A avó era a sua maior amiga, e embora tivesse vivido até aos setenta e três anos, achava que a avó devia de ter vivido muitos mais, assim como a sua mãe... felizmente ainda tiveram a alegria de conhecer Priscilla. Mas infelizmente Priscilla não recordava muito bem os seus avós.
- Achei que te ia fazer bem. - Nicholas deu-lhe uma chávena de chá.
- Obrigada.
- Se quiseres falar sobre algo, estou disponível.
- É melhor falar de outras coisas.
- Muito bem. Queres falar sobre o quê?
- Não sei, algo mais alegre. - Como o motivo porque me beijas-te, acrescentou mentalmente.
- Livros, já percebi que gostas. O que gostas de ler?
Falaram sobre várias coisas e quando anoiteceu ainda estavam sentados no convés a falar enquanto Priscilla brincava com King.
Durante o jantar a conversa foi outra vez monopolizada por Priscilla, que apenas se calou quando ficou cheia de sono. Alisia desceu com ela deixando Nicholas e beber café, pouco depois Priscilla adormecia com King ao colo. Sem sono, Alisia foi para o convés olhar a noite, as estrelas brilhavam no céu salpicando o negro da noite de minúsculos pontinhos brilhantes .
- Queres companhia?
- Estou apenas a olhar o céu.
- Não foi isso que perguntei. Preferes ficar sozinha?
- Não, fica. Raramente gosto de estar sozinha.
- Ás vezes é bom estar sozinho.
- Sim...
Ficaram em silêncio a olhar a noite, o barco balouçava ao sabor das suaves ondas.
- Vamos...
- Porque...
Falaram ao mesmo tempo, o que os levou a sorrir olhando um para o outro.
- Diz. - Alisia voltou a olhar o céu.
- Tu primeiro.
- Ia perguntar se ainda demoramos muito a chegar à ilha.
- Não, estaremos lá ao nascer do sol.
- Mais uma coisa que Priscilla nunca viu, espero que acorde a tempo.
- Dormiu cedo, deve acordar cedo também.
- Mas está cansada.
- E tu não estás cansada?
- Um pouco, mas se me deito agora, acordo de madrugada. - Alisia esfregou os braços - Mas acho que vou entrar.
- Não precisas entrar.
Nicholas colocou o casaco sobre os ombros dela e ela estremeceu ao sentir os dedos dele no seu braço. Olhou-o nos olhos e por uns instantes olharam-se em silêncio. Quando Nicholas levou a mão ao pescoço dela, ela não se afastou. Gostava do calor que lhe percorria o corpo quando estava junto a ele e da forma como lhe tocava. A boca de Nicholas desceu sobre os lábios dela, Alisia sentiu o calor dos lábios dele fazendo uma ligeira pressão sobre os dela, o que a levou a entreabrir os lábios. O sabor do café chegou ao seu cérebro quando a língua dele tocou a dela levando-a a gemer. O casaco caiu ao chão quando levantou os braços para rodear o pescoço dele. Sentia a balaustrada nas suas costas quando Nicholas a apertou mais, ao sentir a mão dele sobre a pele dela abriu muito os olhos e parou de responder ao beijo.
- Vou... tenho...
Alisia entrou ainda meio atordoada com aquele beijo. Nunca a tinham beijado assim. Nem Mat nem Zac! Que estava a fazer?! Embora não lhe tenha sido permitido viver a adolescência tinha de se recordar que já tinha vinte e sete anos e não quinze! Mas saber isso, não impedia o seu coração de bater a toda a velocidade quando pensava nos beijos dele.
Quando o barco atracou no porto o sol estava a nascer. Depois de as deixar apreciar o momento, Nicholas levou as malas para um carro que esperava por eles no porto. Alisia e Priscilla olhavam a vegetação da ilha, as casas brancas estavam espalhadas pela ilha, ao longe via-se um hotel à beira mar.
- Vamos ficar ali?! - Priscilla apontou para o hotel.
- Não, vamos ficar numa casa.
- Tens uma casa aqui?! - Alisia olhou para ele.
- Sim, eu disse-te. Também fica junto ao mar.
- Boa! - Priscilla agarrou King e colou o rosto ao vidro do carro.
Pouco depois chegaram à casa de Nicholas, nem nos seus melhores sonhos ela imaginou que entraria numa casa assim. A casa, que era a única que se avistava nas redondezas, parecia esculpida na rocha que fazia parte da encosta, estava rodeada do mesmo tipo de vegetação que ela tinha visto ao longo da ilha. Era constituída de dois pisos com enormes janelas, umas colunas em pedra antecediam a porta principal formando a entrada da casa.
Ao entrarem uma mulher jovem veio recebê-los.
- É bom vê-lo em casa.
- Obrigada Zoe. É sempre bom regressar - Nicholas colocou a mão nas costas de Priscilla - Esta é Priscilla e Alisia. Vão ficar connosco uns dias.
- É um prazer. - Zoe olhou para elas sorrindo - Espero que gostem da ilha.
- Eu já adoro! - Priscilla respondeu sorrindo.
- Vejo que trouxeste um amigo. - Zoe acariciou a cabeça de King.
- Chama-se King!
- Zoe. - Nicholas interrompeu-as - Podes acompanhar Priscilla e Alisia aos quartos?
- Claro, devem estar cansadas e com fome.
- Acho que King também tem fome. - Priscilla olhou para o gato quando ele miou.
- Depois de arrumares as tuas roupas podes dar de comer a King.
- Anda que te ajudo. - Zoe segurou a mão da menina - Depois dizes o que ele gosta de comer.
- Vais fazer-lhe comida?! - Priscilla subia as escadas com Zoe.
- Se quiseres...
Alisia olhou a filha com Zoe, e segundos depois seguiu-as. As escadas eram de madeira castanhas escura, notava-se que embora estivesse bem cuidada, era antiga. Tinha alguns quadros pendurados ao longo da parede mas eram todos de paisagens da ilha. Seguiu a voz de Zoe até ao quarto onde Zoe ajudava Priscilla a tirar as roupas da mala.
- Estou a ajudá-la, espero que não se importe.
- Obrigada, mas não era preciso.
- Já viste como é grande?! E a cama?! - Priscilla abriu os braços - Também é enorme, mas eu durmo do lado da janela.
- Terás a cama toda para ti. - Zoe fechou a gaveta e guardou a mala num roupeiro - O quarto da tua mãe é a seguir a este.
- Não havia necessidade, a cama é grande o suficiente.
- Isso é que não havia necessidade. - Nicholas apareceu junto à porta entreaberta.
- Do quê?! - Alisia olhou para ele
- De dormirem no mesmo quarto. - Nicholas olhou para Priscilla - Gostas do quarto?
- Adoro! - Priscilla abraçou-o antes de agarrar em King - Pode dormir comigo? Oh... esqueci-me da cama dele...
- Acho que podemos encontrar algo. - Zoe olhou para Nicholas como que a pedir autorização.
- Posso mãe?!
Mas Priscilla não esperou a resposta, depressa desapareceu com Zoe, deixando-a a sós com Nicholas.
- O teu quarto é a seguir a este.
- Obrigada.
- Imaginei que preferisses ficar perto de Priscilla. Tens as tuas malas no teu quarto.
- Obrigada. Vou arrumar as minhas coisas.
Alisia dirigiu-se para a porta mas ao passar por ele, Nicholas segurou-a pela cintura e olhou-a nos olhos. Sem deixar de a olhar desviou o cabelo do pescoço dela. Alisia sentia o coração bater descontrolado.
- Tens de relaxar. Nicholas beijou-a suavemente - As férias são para isso - Voltou a beijá-la - Para descansar...
Nicholas apertou-a mais e colou os lábios aos dela, Alisia voltou a sentir as mesmas emoções que sentira no barco. Um gemido de protesto soltou-se da sua garganta quando ele a afastou sorrindo.
- O teu quarto.
Abriu uma porta e pouco depois ouviu-se a voz de Priscilla. Nicholas deu-lhe um beijo breve nos lábios antes de descer e deixá-la sozinha.
Alisia respirou fundo e olhou para o enorme quarto, era ligeiramente maior que o da filha, as mobílias eram de madeira escura à excepção da cama, que parecia flutuar, pois apenas se via uma cabeceira em pele preta pregada na parede seguida de um colchão coberto com uma colcha branca de algodão, acariciou-a, o tecido macio recordou-lhe o toque da pele de Nicholas. Retirou a mão como se a colcha lhe tivesse picado.
Pensou em tudo o que já tinha sofrido. A morte da avó, seguida da morte da sua mãe, o suicídio do pai, o casamento com Mat... Chegou à conclusão que não precisava de uma paixão descontrolada na sua vida! Ou precisava?!
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