Ellen acariciou o pêlo do seu novo companheiro antes de o colocar no chão.
- Vamos... Vai conhecer a tua nova casa.
Olhou para o animal que cheirava tudo ao seu redor com ar desconfiado.
No fim do primeiro dia de trabalho resolvera adoptar o seu "afilhado". Os motivos para não ter um animal de estimação, deixaram de existir. Finalmente tinha um horário fixo e embora passasse o dia fora de casa, sempre quis ter um gato, talvez assim não se senti-se tão só.
Arrumou as coisas de Neve e foi tomar duche, sentia os músculos doridos depois de passar o dia a ajudar Amelie a limpar um arquivo.
O som insistente da campainha obrigou-a a sair do duche à pressa.
- Estou a caminho... Um momento...
Ellen retrocedeu instintivamente ao ver Luc e segurou o roupão com tanta força, que os dedos ficaram brancos. Exasperou-se perante o olhar dele, o que a fez recordar a noite da festa. O meio sorriso dele deu-lhe força para tentar fechar a porta.
- Sai! - Ellen fulminou-o com o olhar. - Sai daqui!
- Precisamos falar. - Luc segurou a porta.
- Não temos nada a dizer. Sai ou começo a gritar.
- Não serias capaz !
- Esqueces que sou capaz de tudo para conseguir o que quero!?
- Por...
- Sai. - Ellen interrompeu-o irritada- Não volto a pedir.
- Só depois de falar contigo.
Luc empurrou a porta e entrou, ficando frente a frente com ela. Ellen olhou para ele e ao vê-lo levantar a mão até ao seu rosto começou a gritar. Ao primeiro som que saiu da garganta dela, Luc levantou as sobrancelhas e segurou-a entre os seus braços silenciando-a com um beijo, enquanto fechava a porta com o pé.
O coração dela parecia querer sair do peito ao sentir a língua dele explorando a sua boca. Deixou-se levar pelo doce calor do corpo dele e estremeceu.
Porque o amava!? Porque desejava ardentemente as carícias dele!? Porque o seu corpo reagia ao toque dele como se ele fosse o único homem ao cimo da terra!?
Enquanto tentava encontrar respostas, as suas mãos acariciavam o pescoço dele ao mesmo tempo que os dedos se perdiam entre os cabelos dele. Luc colocou uma perna entre as dela e aprofundou o beijo. Quando sentiu a mão dele abrindo o roupão, recordou a noite da festa e recriminou-se por ser tão fraca. Sentindo o coração em pedaços, empurrou-o com todas as forças.
- Sai Luc. - Ellen sentia as lágrimas nos olhos. - Sai! Não te quero voltar a ver.
- Não!?
Luc levantou uma mão, mas baixou-a quando ela se afastou dele com os olhos húmidos pelas lágrimas.
- Não.
- E se eu quiser?!
Ellen olhou para ele, mas não o via, quem ocupava os seus pensamentos era outro Luc, o Luc da festa, o que a acusou de se meter na cama de qualquer um.
Mas ele estava enganado, ela não era esse tipo de mulher, nem iria fazer parte da lista de mulheres que estavam dispostas a satisfazer os caprichos dele sempre que ele queria.
Não, por muito que isso destroçasse o seu coração ela não seria uma delas.
- Não me interessa o que queres. Sai por favor.
- Ellen...
Luc levou uma mão ao rosto dela e limpou uma lágrima que deslizava, enquanto a olhava fixamente.
- Por favor. - Ellen sentia as pernas fraquejar perante o toque dele. - Não me faças isto. Por favor...
Contrariamente ao que ela esperava, Luc olhou-a por uns momentos e saiu sem tentar algo mais. Voltou para o duche, onde chorou sentada no chão até ficar sem lágrimas, esperando que o dia seguinte fosse menos doloroso.
Colocou os óculos de sol, para observar o sol que começava a despontar no horizonte. Percebeu que tinha saudades de ir até ao cais. Aquele tinha sido um dos pequenos prazeres que abdicara quando foi viver com Jim.
Desde os tempos da faculdade que gostava de aproveitar o sossego da madrugada para deambular pela cidade.
Sentou-se no muro que ladeava o cais e fechou os olhos inspirando o aroma marinho. O som do telemóvel quebrou o momento. Olhou para o número, Jim... Ignorou a chamada e voltou a fechar os olhos, mas o telemóvel voltou a tocar.
- Jim...
- Não vou perguntar se te acordei porque sei que acordas cedo.
- Que queres?
- Tanta frieza.
- Não estou com paciência, diz o que pretendes.
- Pensei que talvez pudéssemos falar. Acabámos de uma forma...
- Jim! - Ellen interrompeu-o irritada- Diz de uma vez.
- Preferia falar pessoalmente.
- Não tenho o menor desejo de te ver.
- Nem para falarmos sobre o teu regresso!?
- O meu regresso?!
- Sim. Tenho pensado nisso.
- Se pensas que vou voltar para ti estás enganado.
- Estou a falar do trabalho. Acho que fui injusto contigo, és uma boa jornalista e mereces trabalhar no que gostas.
Ellen ficou sem reacção, Jim raramente voltava atrás numa decisão. E quando o fazia era porque ELE podia beneficiar com a situação.
- Se pensas assim, porque não me escreves uma carta de recomendação?
- Porque quero que trabalhes para mim. Preciso de pessoas como...
- Jim. - Ellen interrompeu-o novamente - Não pretendes que acredite nisso. Usaste-me, disseste, não. Tu ordenaste que fosse para a cama com Luc... - Ellen calou-se ou sentir a voz tremer - Olha, agradeço o facto de pensares em mim, mas tens de reconhecer uma coisa. Se tu me conheces, eu também te conheço. Se me estás a pedir para voltar, é porque podes ganhar algo em troca. Por isso não estou interessada, e como te disse, não estudei para fazer o tipo de jornalismo que tu pretendes.
Ellen desligou o telemóvel e atirou-o para dentro da mochila. Não ia permitir que Jim arruinasse o seu dia, para isso contava com os seus próprios pensamentos. Olhou para o relógio, tinha tempo de comer algo antes de ir trabalhar.
Ellen enganou-se novamente. Resmungou baixinho, o que chamou a atenção de Amelie, e refez a nota de encomenda.
- Está tudo bem?
- Sim, obrigada.
- Não parece. É a terceira vez que refazes o pedido.
- Desculpa Amelie. Hoje estou algo confusa.
- Por causa do trabalho? Não gostas!?
- É diferente, mas até gosto.
- Então só pode ser homem. É a única coisa que nos tira o sono e nos enerva.
- Não tenho namorado.
- Não!? Onde têm os homens os olhos !? Temos de resolver isso rapidamente. Organizar uma saída a um clube de striptease...
- Não!
Ellen interrompeu-a tão rispidamente que Amelie olhou para ela com os olhos muito abertos.
- Não me digas que gostas de mulheres! Porque se é assim também se trata do assunto.
- Não é isso. - Ellen baixou a vista- Terminei uma relação à pouco e não estou com disposição.
Amelie sorriu-lhe carinhosamente.
- Homens! Felizmente o tempo tudo cura.
- Sim.
As noites de Ellen eram povoadas de sonhos. Uma mistura de sonhos eróticos com Luc e o tão desejado reconhecimento jornalístico, ao publicar o artigo sobre ele. Acordava quando ele a acusava de o usar para conseguir a fama que alcançara.
Incapaz de voltar a conciliar o sono, saía de casa sempre cedo.
Parada no trânsito, Ellen observou o carro ao lado. Uma mulher aproveitava o engarrafamento para retocar a maquilhagem enquanto as crianças dormiam no banco traseiro. Começou com o bâton, fez o risco, colocou máscara nas pestanas... Observou o ritual até que a mulher olhou para ela, e ela envergonhada, olhou para o lado oposto onde um homem lia o jornal que lhe ocultava o rosto. Quando ele mudou a folha teve um vislumbre do rosto e estremeceu. Por uns segundos teve a certeza que era Luc, mas o homem olhou na direcção dela e ao ver os olhos azuis percebeu o idiota que estava a ser. Uma certa nostalgia invadiu-a ao perceber que tinham passado algumas semanas desde a última vez que Luc a tinha visitado. Apesar da dor que lhe causara, não conseguia deixar de pensar nele.
Negando-se a deixar a tristeza acomodar-se limpou uma lágrima e dirigiu a atenção para o relógio do tabliê, se o trânsito não começasse a andar, contrariamente aos últimos dias iria chegar atrasada.
Entrou apresada no gabinete que dividia com Amelie e ligou a máquina do café. Felizmente esta ainda não tinha chegado.
Ligou o computador e tirou um café. Enquanto o bebia foi respondendo aos emails.
- Era de prever! Idiotas! Todos eles!
Amelie entrou furiosa com uma revista na mão. Ellen olhou para ela e esperou que esta continuasse. O mês que trabalhavam juntas, ensinara-a a reconhecer os vários humores que Amelie passava ao longo do dia.
- Queres café?
- Quero é inteligência em pó! - Amelie levantou as mãos. - Infelizmente não vendem! Acham que conhecem todo o mundo... Onde vos ensinam!? Existe alguma escola de especulação e mal dizer!?
- Desculpa, mas não te consigo acompanhar.
- Vocês, jornalistas! Não conheci um com sentido comum e muito menos com princípios!
Ellen baixou a vista para o computador e deixou que Amelie desabafasse, ouviu-a com um sorriso forçado. Sabia que Amelie estava a ser injusta, nem todos os jornalistas eram assim. O facto de ela estar ali era a prova disso. Mas Amelie não iria raciocinar com lógica durante a actual crise de nervos.
- À quanto tempo nos conhecemos? - Amelie voltou-se para ela - Um mês!?
- Sim.
- Sou boa a julgar as pessoas. Assim como sei que escondes algo, sei como ele é! Conheço-o desde sempre. E deixa-me dizer que não conheço pessoa com coração maior, nem mais sacrificado e explorado pela imprensa! Vocês parecem agentes dos serviços secretos, espiando o que faz, com quem fala, onde vai... Se Luc está num local, um jornalista está por perto. Não sei como descobrem, mas estão lá!
Ellen estremeceu ao perceber que falava de Luc.
- Apenas fazem o seu trabalho.
- Trabalho!? Não! Para ser considerado trabalho tem de ser bem feito, tem de ter rigor e veracidade. Não especulação!
- Sim. Mas muitas vezes obrigam-nos a torcer as situações.
Amelie revirou a vista enquanto batia com a revista na secretária.
- Esqueci-me que és jornalista.
- Não, já não sou. Mas sei como é complicado. - A voz dela tremia.
- Tens saudades!?
- Mentiria se dissesse que não. Mas a vida trouxe-me até aqui.
- A vida... Podes sempre voltar.
- Não é assim tão simples.
- Claro que é! Aprendi que se queres algo tens de lutar por isso.
- Mas nem sempre alcançamos aquilo porque lutámos.
- Ou talvez tenhas percebido que não foste talhada para o jornalismo.
- Não para esse tipo de jornalismo.
- Que queres dizer com "esse tipo"!?
- Nada. Podemos mudar de assunto!?
Amelie olhou-a com o sobrolho franzido e depois esboçou um sorriso.
- Claro. Recorda-me que preciso ligar a Luc. Para saber como está.
- Está doente!? - Ellen sentiu o coração encolher-se enquanto esperava uma resposta.
- Não. Mas estará certamente furioso.
- Acredito, parece irritar-se com facilidade.
- Luc é uma pessoa impecável, apenas não tem o melhor feitio do mundo.
Ellen sorriu ao recordar que Niel tinha usado aquela mesma expressão para definir o humor de Luc.
- Eu sei.
- Sabes!?
Amelie olhou-a fixamente ao ver o rubor nas faces dela. Depois concentrou-se no computador por uns minutos.
- Entrevistas-te Luc!?
- Não.
Ellen baixou a cabeça, não era mentira. Nunca o tinha entrevistado. Infiltrara-se na sua casa, partilhou a cama com ele e acabou por se apaixonar. Mas não o tinha entrevistado.
- Tu eras a pessoa indicada para o entrevistar. - Amelie sorriu-lhe - Aposto que Luc ia adorar ser entrevistado por ti. Pessoalmente gostei da forma como fizeste a reportagem da inauguração. Tenho a certeza que irias respeitar os desejos dele.
Ellen levantou-se ao ouvir falar nos desejos de Luc. Amelie falava nos desejos inócuos, sem qualquer tipo de luxúria, mas a conversa recordava-lhe outro tipo de desejos, os desejos que aplacaram nos braços um do outro.
- Desculpa, preciso...
Ellen refugiou-se na casa de banho e lavou o rosto com água fria tentando acalmar o calor que sentia sempre que pensava nele. Ao ver o rosto afogueado no espelho, perguntou-se até quando iria suspirar ao recordar as mãos dele percorrendo o corpo dela!?
Quando regressou ao gabinete, Amelie falava ao telemóvel e a conversa sobre ele terminou ali.
Mas a curiosidade sobre o que tinha acontecido a Luc, levou-a a ler a revista quando Amelie foi mostrar um cão a um casal.
Abriu a revista na página central. Se havia notícias sobre ele, era ali que estaria.
A imagem dele saindo de um restaurante, com o braço nos ombros de uma mulher, ocupava praticamente a página toda. A notícia em si pouco adiantava, apenas se especulava sobre um possível romance. E quais os motivos para eles se encontrarem num restaurante nos subúrbios e não no centro da cidade. A julgar a fotografia, Luc não tivera conhecimento que o tinham fotografado. Estava descontraído, mostrava um à vontade natural. Assim como a mulher, parecia triste mas não se tentava esconder. Uma fotografia mais pequena mostrava Luc a sair de um hospital no dia anterior. Nessa parecia-lhe abatido, arriscava dizer que ele estava preocupado. Estaria doente!? Os desmaios teriam recomeçado!? Quando partiu da mansão ele não desmaiava à alguns dias e Amelie tinha dito que ele não estava doente. Mas algo naquela fotografia lhe dizia que ele não estava totalmente bem. Em quem acreditar!? Nos seus instintos ou em Amelie!?
Durante o resto do dia tentou esquecer Luc mas não conseguiu, os olhares até Amelie eram recorrentes, procurando um sinal de que ia fazer a chamada. Começou a ficar enervada quando Amelie lhe pediu uma cópia do contrato com um fornecedor, não dando o menor sinal de querer telefonar a Luc.
Olhou de soslaio para ela, estaria esquecida de lhe telefonar!? A espera estava a deixá-la ansiosa demais e a sua hora de saída estava muito próxima. Devia dizer-lhe!? Se queria ficar mais tranquila teria de o fazer, ou regressaria a casa com uma crise de ansiedade. Respirou fundo, afinal tinha-lhe pedido para lho recordar.
- Amelie?!
- Sim?!
- Estás esquecida de telefonar a Luc!?
- Oh... Sim. - Amelie sorriu-lhe - Faz a ligação e quando ele atender passa-me a chamada.
- Queres que lhe ligue!?
- Claro.
Ellen sentia o coração pulsar na garganta freneticamente e podia jurar que Amelie conseguia ouvir os batimentos desde a sua secretária.
As suas mãos tremiam ao marcar o número. Tocou apenas duas vezes antes de Luc atender.
- Desta vez é cão, ou gato!?
Ellen ficou sem fala ao ouvir a voz dele. Estava tão descontraído que não parecia o mesmo homem que ela tinha conhecido.
- Amelie!? Estás a assustar-me.
- Boa tarde sr. MacKeane. - Ellen sentia a voz trémula - Amelie deseja falar-lhe.
- Ellen?! És tu!? Não...
- Um momento por favor. - Ellen olhou para Amelie - Linha dois. Se não precisas de mim vou andando.
- Agradecia que ficasses mais um pouco. - Amelie carregou no botão.- Luc, que bom ouvir-te. Voltaste a fazer...
Amelie calou-se e olhou para ela murmurando apenas uns hum...hum...Sei... Estou a ver... Claro...
- Isso é fantástico. - Amelie ficou séria - Pois... Compreendo... Hum... Assim é complicado... Sim... Penso que não... Eu já sei como são... Uns abutres!
Ellen sentiu-se incomodada com o olhar de Amelie e tentando abstrair-se reviu a folha de serviço. Ainda olhava para o computador quando Amelie desligou.
- Desculpa ter-te feito esperar.
- Não tem problema. Está tudo bem com o teu amigo!?
- Luc!? - Amelie sorriu - Oh, sim. O que esperávamos, está furioso com os jornalistas.
- Ainda bem que é só isso.
- Sim. Olha, temos tanto trabalho e tenho tanta coisa em que pensar, que me esqueci de te convidar para a festa.
- Festa!?
A simples ideia de ir a uma festa recordava-lhe Luc e a forma como a tinha tratado.
- Agradeço mas...
- Vão todos os empregados, por isso conto contigo.
- Se não te importares eu prefiro...
- Ora, não me vais negar o gosto de te receber em minha casa. É apenas um pequenino grupo, mas acho que ias gostar. A minha casa fica junto ao mar e alguns deles aproveitam para ficar na praia até de madrugada a conversar ou nadar. Se quiseres podes ficar a dormir lá, é mais prático, afinal são três horas de viagem.
- Não sei... Posso responder amanhã!?
- Claro, a festa é só no fim de semana .
- Obrigada. Até amanhã Amelie.
- Até amanhã Ellen.
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