terça-feira, 1 de agosto de 2017

O REFÚGIO 12ª PARTE





Neve olhava para Ellen miando desesperadamente.

- Espera só um pouco. - Ellen acabou de colocar a comida no prato dele. - Aqui está. Bom apetite.

Sentou-se a observar como Neve devorava a comida. Estava mais gordo desde que o levara para casa. Com a vida sedentária que levava, teria de o colocar a dieta. Iria pedir opinião a Amelie, ela saberia que comida dar-lhe.
Neve junto-se a ela quando se sentou no sofá e ligou a televisão. A imagem de Luc apareceu no ecrã e ela levantou o som.

" ... assegurar que Luc não tem nada de preocupante, apenas pequenas mazelas do acidente". Foi esta a declaração de um amigo próximo do magnata, sobre as visitas deste ao hospital"

A notícia recordou-lhe a conversa telefónica de Amelie, por momentos pensou que Luc lhe estivesse a dizer quem ela era e o que tinha feito. Mas quando falou com ela, Amelie não dera mostras de saber do seu envolvimento com Luc e assegurara que ele estava bem.

Mas perante aquela notícia talvez não estivesse totalmente recuperado, talvez tivesse falado a Amelie sobre o seu estado de saúde e, sabendo que ela estava ali, lhe tivesse pedido segredo. Talvez temesse que ela fosse comentar com alguém e por isso Amelie dissera que eram uns abutres.

Desligou a televisão quando começaram a passar as mesmas imagens que ela vira na revista.
Acariciou Neve que se enroscara no seu colo e apanhou o correio, a sua maioria era publicidade mas no meio desta, um envelope acetinado chamou a sua atenção. Era um convite para o casamento de Edson e Penny. Olhou para o convite, as letras douradas brilhavam com o reflexo da luz.
O casamento seria em pleno Verão, agradeciam confirmação até ao fim do mês.
Devia aceitar?! Edson era um bom amigo, e embora se vissem pouco, quando o faziam era como se tivessem tomado café no dia anterior.
Guardou o convite, tinha duas semanas para responder.

Neve saiu do colo e miou descendo do sofá. De repente lembrou-se que se fosse à festa de Amelie tinha de arranjar quem cuidasse dele. Se bem que...

Podia usar Neve como pretexto e não ir à festa.
Simpatizava com todos mas, embora trabalhassem juntos, como passava a maior parte do dia no escritório, ela não tinha muito contacto com eles. Dificilmente encontrariam algo em comum do que falar, além do abrigo e os animais. E tinha certeza que algo lhe recordaria Luc, ficaria de mau humor e consequentemente ia arruinar a noite a todos. O melhor era ficar, ultimamente não era a melhor companhia.

Iria dizer a Amelie que Neve precisava de cuidados diários e ela não podia ir.

Deitou-se decidida a negar o convite e acordou com a mesma convicção. Quando chegou ao abrigo o tema de conversa era a festa, o que alegrava o ambiente entre os poucos funcionários. Jollin, a encarregada do turno da manhã dirigiu-se a ela sorrindo.

- Bom dia Ellen.
- Bom dia Jollin. Está mais animada hoje.
- Depois da festa vais perceber. As festas de Amelie são inesquecíveis. Ah, leva fato de banho. Este ano levo um bikini. Quero ver se Ray resiste.


Jollin piscou-lhe o olho e seguiu para as traseiras do abrigo.
Ellen entrou no gabinete sorrindo, Amelie ainda não tinha chegado. Ligou a máquina do café e sentou-se a verificar a correspondência.


- Felizmente estás aqui.

Amelie entrou rapidamente e colocou um cachorrinho são Bernardo nos braços dela. Ficou estática, indecisa entre gritar ou sair correndo. Olhou para Amelie que falava para um outro cachorrinho, preso nos braços, enquanto procurava algo na gaveta.
Sentiu algo áspero, e húmido, no seu braço e olhou para o cachorro. Com a mão tremendo, desviou-lhe a cabeça quando ele tentou lamber o braço novamente e olhou-o com receio. Este devolveu-lhe um olhar ainda mais assustado que o que ela lhe devolvia. Depois voltou a lamber o braço antes de encostar a cabeça no braço dela e adormecer. Ellen olhou aquela bola de pêlos aninhada no seu braço e foi incapaz de sentir outra coisa a não ser compaixão.

- São tão lindos! - Amelie sorria - Não sei o que se passa com as pessoas! Sinceramente. Acreditas que deixaram estas criaturas em plena autoestrada!? É preciso um coração de pedra!
- Abandonaram-nos!?- Ellen olhou o pequeno mas rechonchudo animal aninhado no seu braço.- Que crueldade!
- Concordo plenamente! Gente sem coração! Mas vou fazer queixa... Isto é crime. - Amelie mexeu nos papéis dentro da gaveta - Mas onde coloquei a agenda?! Olha, já decidiste sobre festa?
- Acho melhor não ir. Tenho Neve e não o posso deixar sozinho...
- Disparate! Neve passa o fim de semana aqui. - Amelie retirou uns quantos papéis - Jollin ofereceu-se para cuidar dos residentes e com toda a certeza cuidará dele também.
- Não sei... Eu...
- Tu precisas sair, distrair-te... Um fim de semana junto ao mar vai fazer-te bem.- Amelie fechou a gaveta - Encontrei! E está decidido, vais e não se fala mais nisso. Agora, podes cuidar deles um instante?! Tenho de lhes tirar fotografias.
- Mas eu tenho...
- Seja o que for não é importante. Os bebés estão primeiro.

Amelie deu-lhe o outro cachorro e saiu, deixando-a a sós. Olhou para eles, eram apenas uns cachorrinhos, não lhe iriam morder. Colocou uma manta no chão junto à sua secretária e deitou-os aninhados um no outro.

Regressou ao trabalho e olhava para eles sempre que sentia que se mexiam. Um deles esticou uma pata e deixou-a sobre o seu pé. Sorriu perante a cena e percebeu que tinha perdido o pavor a cães, pelo menos a cachorrinhos. Ainda sorria quando a porta se abriu repentinamente.


- Como foste capaz?!
- Mas do que falas?! - Ellen olhou para Jim. - Como soubeste onde estava?
- Não desvies a conversa.
- Como posso desviar se não sei ao que te referes?
- Vais negar que fizeste queixa de mim à direcção?!
- Não vou. - Ellen encarou-o - E voltaria a fazê-lo.
- Foi vingança!? Pelo facto de te mandar para a Irlanda?
- Não me incomodei de ir à Irlanda. O que me incomodou foi ordenares-me que fosse para a cama para conseguir uma entrevista. Isso é que me incomodou.
- Todas as mulheres querem estar na cama dele.
- Eu não queria! E eras meu namorado!
- Nunca te pedi que fosses fiel!
- Meu Deus!
- Não te faças de ofendida! E não ordenei.
- Não?! - Ellen elevou a voz - Pois a mim pareceu-me uma ordem.
- Foi uma sugestão. Apenas sugeri que, se fosse preciso, não te coibisses de ir para a cama de MacKeane.
- Tu és...
- Mas que se passa aqui?! - Amelie entrou e olhou para eles - Ellen?!
- Peço desculpa. Jim está de saída.

Ellen abriu a porta e manteve o olhar furioso dele enquanto ele se dirigia para a porta.

- Terás notícias do meu advogado.
- Fico à espera.

Ellen sentia o corpo tremer, se Jim contratasse um advogado, e descobrissem que dormira com Luc, a queixa não teria fundamento. Ela seria envergonhada em pleno tribunal e Jim sairia airoso de toda aquela história.

- Estás a tremer. - Amelie levou-a até uma cadeira - Senta-te, vou fazer-te um chá.
- Obrigada.

Ellen olhava os cachorrinhos que dormiam alheios à discussão. Pareciam tão pacíficos, quem diria que depois de grandes conseguem...

- Toma.
- Obrigada. - Ellen levou a chávena aos lábios. - Desculpa, não voltará a acontecer.
- Queres falar?
- Não há muito a dizer.
- A julgar o pouco que ouvi, acho que à muito a dizer.

Ellen olhou para ela com os olhos muito abertos. O que teria ouvido da conversa?! Teria percebido que falavam de Luc?! " Claro que sim! Não sejas idiota!" Repreendeu-se mentalmente. Algo teria de lhe dizer. Mas não precisava de entrar em detalhes.

- Jim foi meu chefe e namorado. - Ellen olhou para Amelie, mas esta não mostrou qualquer intenção de falar - Um dia pediu-me que fosse fazer uma entrevista algo complicada. A pessoa em questão não dava entrevistas sem marcação prévia, e quando o fazia era a determinado tipo de imprensa. Infelizmente a revista para a que trabalhava não fazia parte dessa lista. - Ellen apertou a chávena entre as mãos - Quando me designou o trabalho disse que queria a entrevista fosse de que jeito fosse. Nem que para isso tivesse de me meter na cama de MacKeane! Neguei-me a fazê-lo. Em troca fui ameaçada de ser despedida e de nunca mais voltar a fazer jornalismo se não conseguisse a entrevista. Fiz queixa dele e estou aqui.
- Sinto muito. - Amelie segurou-lhe a mão.
- Eu também. - Ellen recordou Luc e desejou poder alterar tudo o que acontecera entre eles - Preferia que as coisas tivessem acontecido de outra forma.
- E é por ele que ainda sofres?! - Amelie estalou a língua - Não merece. É um canalha.
- Nenhum homem merece. - Ellen limpou uma lágrima - Nenhum!
- Na sua maioria não. - Amelie levantou-se - Eu vou sair. Se ele voltar chama a policia. Ficas bem?
- Sim, obrigada.


Durante algum tempo Ellen pensou em todas as possíveis situações para o desfecho da queixa que apresentaram. Nenhuma delas lhe agradava. Podia perguntar a Edson se conhecia algum advogado que a pudesse ajudar. Naquele momento era a única coisa a fazer.

 Ellen estava com os cachorros no colo quando Amelie regressou.

- Acho que gostam de ti.
- Isso não sei. Mas eu gosto deles.
- Não queres um!?
- Se tivesse uma casa maior e com jardim... - Ellen olhou para ela - Não podes ficar com eles!?
- Claro que vamos ficar! Não será difícil arranjar um lar para eles.
- Então!?
- O problema é que geralmente são adotados porque são fofinhos e pequenos. As pessoas tendem a esquecer que crescem e depois voltam a serem abandonados.
- Não podes escolher quem os leva?!
- Infelizmente não. 
- Se eu pudesse ficava com eles. E com os dois...
- Os dois !?
- Já é crueldade suficientemente serem afastados da mãe. Não teria coragem de os separar.
- Tens a certeza que a tua vocação é o jornalismo?!
- Claro que sim! Porquê!?
- Porque tens coração.

Amelie foi interrompida pelo telemóvel e Ellen ficou um pouco mais com os cachorros. Talvez Amelie tivesse razão, ultimamente não sentia falta do jornalismo, nem do stress que vinha adicionado a ele. Sentia-se realizada a trabalhar com animais, transmitiam-lhe calma e serenidade. Talvez devesse ponderar o seu futuro.

Amelie continuava ao telemóvel quando Ellen se
despediu dela pouco depois.

O sol aquecia aquela manhã primaveril. Neve parecia perceber que iam sair e negou-se a cooperar. Com alguma dificuldade chegou a tempo ao abrigo. Depois de acomodarem Neve, partiram na carrinha do abrigo.

Ellen ouvia os relatos das festas anteriores. A opinião era unânime, adoravam as festas de Amelie. O ponto alto era a fogueira junto à praia, onde as histórias se perlongavam até madrugada. Quando Ellen admitiu não conseguir ficar acordada até tarde, Jollin acabou por revelar que algumas vezes ficou a dormir na praia porque adormecia durante a festa. Mas este ano, ela era a responsável pelo abrigo e teria de voltar cedo.  Jollin olhou para Ray e sorriu. Ellen sorriu melancolicamente, possivelmente Jollin não precisaria do bikini para seduzir Ray.

A casa de Amelie ficava numa encosta junto ao mar. A construção era de dois pisos de cor branca e com janelas enormes. Uma trepadeira dava um ar fresco a uma sacada onde estava uma mesa de vidro e cadeiras de bambu. Uma cesta com revistas num canto e alguns pufs espalhados pelo chão.

- É a jornalista ou a mulher que está a gostar!?
- Acho que a jornalista se reformou.
- De verdade!?
- Parece que sim.
- E que dizes!? Gostas da casa!?
- É linda. E a vista é fabulosa.
- Espera até veres o por do sol. Os outros já conhecem a casa, vou mostrar-ta. Ou preferes ir com eles!?
- Onde vão!?
- Nadar, podes juntar-te a eles mais tarde.

Amelie levou-a de divisão em divisão. No piso de cima os quartos com casa de banho privada, estavam mobilados num estilo minimalista. A cama parecia ser apenas composta pelo colchão. Uma mesa redonda pequena com um livro e um candeeiro de mesa. Numa parede lateral o roupeiro ocupava todo o espaço. A janela, que dava para o mar ocupava a parede oposta. Todos os quartos eram similares, a única coisa que os diferenciava era a cor das colchas e almofadas. Assim como as casas de banho. Todas em mármore branco com uma clarabóia sob o chuveiro. As toalhas, essas eram de cores diferentes. No piso de baixo a sala de estar, onde os reis eram dois sofás brancos. A cozinha moderna com bancada em mármore preto, ligava com uma enorme arrecadação e dava para uma adega.
A biblioteca tinha duas janelas enormes e três sofás individuais. Terminaram a visita na sala, onde algumas raparigas terminavam de colocar umas flores sobre a mesa e as diversas iguarias para a festa.
Amelie foi chamada por uma das raparigas e Ellen foi sentar-se na sacada.

Depois de uma tarde animada, onde se partilharam várias situações caricatas, que sucederam durante os salvamentos de animais, apenas a luz da fogueira iluminava o horizonte. Alguns ainda contavam histórias enquanto outros regressavam para dentro. Sentiu-se um pouco triste, principalmente depois da tarde tão divertida.

Tirou os sapatos e caminhou junto à água até chegar a umas rochas. Sentou-se sentindo a água nos pés, ao longe ouvia-se as conversas dos colegas.
Gostava daquele lugar, onde podia passear junto ao mar e sentir a brisa no rosto. Recordou a sua infância junto ao mar e os pais. Quando estava junto ao mar sentia-se menos só, mas estranhamente, desta vez o mar não lhe transmitia esse conforto. Olhou a lua e fechou os olhos deixando as lágrimas caírem.

- Posso fazer-te companhia!?











Sem comentários:

Enviar um comentário