segunda-feira, 18 de setembro de 2017

APÓS O ENTARDECER 9ª PARTE




- Mellisa?! Estás a ouvir?!
- Sim... Desculpa. Tens a certeza?
- Claro que sim! Lembras-te de Libby?
- Vagamente.
- É ama de Chantel, a irmã de madame Bianca. Ela disse-me que...
- Faty... - Mellisa olhou para Diana quando esta se mexeu na cama - Espera um pouco.

Mellisa saiu da cama e, incrédula com toda aquela conversa de Faty, foi para a casa de banho. Como podia madame Bianca não ser mãe de Diana?! Tinha de haver alguma confusão!

- Ainda estás aí? - Mellisa encostou a porta da casa de banho de modo a ver a menina na cama.
- Claro! Nem conseguiria ir trabalhar sem te contar.
- Ainda estou abismada.
- Não é para menos. - Faty tossiu ligeiramente - Como te estava a dizer. Libby, a ama de Chantel, que também foi ama de Bianca, disse que a menina Bianca nunca poderia ser mãe de Diana, pois  conheceu a menina recentemente e ela detesta crianças. Assim que começou a namorar com lorde Morri...
- Com Joshua queres dizer.
- Não. Mr. Wild apareceu à pouco. Deixas-me continuar?! Algumas pessoas têm de ir trabalhar!
- Desculpa! Não digo nada mais.
- Acho bem. Desde o início da relação que lorde Morrison insistia em ter filhos, como   Bianca não queria ser mãe, procurou o médico da família e disse-lhe que contava com ele para resolver essa pequena situação. Libby diz que nunca vai esquecer o telefonema! Nem o desgosto da velha senhora ao saber da decisão da filha. Bianca esteve internada algumas semanas para curar uma suposta infecção!  Foi essa a desculpa que deu a lorde Morrison. Ah! E sabes que embora vivam bem, contrariamente ao que ela diz, não são aristocratas?! O pai de Bianca era amigo íntimo de um embaixador. E ela, como crescera na companhia da filha do embaixador por serem amigas e não querendo ser inferior, inventava as maiores histórias sobre a sua linhagem. Histórias que tiveram continuação. Mas isso não interessa. - Faty fez uma pausa - No ano passado, Bianca descobre que o seu noivo tem uma "amiga especial" e termina o noivado. É no regresso a casa, num cruzeiro, que conhece mr. Wild, que se apaixona por ela em questão de dias e a pede em casamento.
- Isso é que foi rapidez! - Mellisa sentou-se no chão sentindo a cabeça dar voltas.
- Sabes como são as coisas entre os ricos. Casamentos rápidos e divórcios rapidíssimos.
- Pois... - Mellisa olhou para a cama ao ouvir um ruído mais forte.
- Bolas... Tenho de ir.
- Faty... Só uma pergunta.
- Diz.
- Como encontraste a ama de madame?
- Digamos que me perdi no bairro onde vivem. E como Libby era conhecida...
- Só tu...
- Que querias que fizesse?! Que perguntasse à minha chefe: Desculpe a pergunta, mas pode dizer-me uma coisa?! Madame Bianca está separada do marido ou eles têm um casamento moderno?! Não é por nada, é que a minha amiga gostava de se atirar ao marido dela.
- Tu não estás bem da cabeça!
- Vá lá, ao menos tem a decência de admitir que sentes algo. Estás a falar comigo!
- A minha ausência está a fazer-te mal.
- Também, mas conheço-te à imenso tempo. Nunca trataste nenhum dos teus patrões pelo nome, nem o chefe da repartição que durante meses seguidos te enviou flores e bombons. Mas de repente ele é Joshua para cá, Joshua para lá...
- Não tinhas de ir trabalhar?!
- Ai Deus...Sim, já estou atrasada...

Mellisa sorria para o telemóvel quando a amiga desligou. Faty sempre tivera uma enorme imaginação, mas desta vez não estava longe da verdade. Mas, com ou sem imaginação fértil, tinha de concordar que quando Faty queria descobrir algo ela arranjava um jeito. E aquela não era a primeira vez, nem seria a última, que fingia algo para conseguir o que queria. Numa outra ocasião, durante a época natalícia, fingira namorar com o dono de um hotel. Tudo para se encontrar com um dos empregados que estava a servir no baile de beneficência. Mas depois passara a noite a fugir do pobre homem que cheio de saudades, pois não via a noiva à meses, a perseguia por todo o salão. E numa outra ocasião fingiu ter-se magoado para ter a atenção de um médico do serviço de urgências que, segundo Faty, era lindo de morrer.

Um bocejo vindo do quarto chamou a sua atenção. Diana espreguiçava-se na cama.

- Bom dia bela adormecida.
- Olá.
- Dormiste bem?
- Humhum... - Diana deitou-se novamente - Ela vai voltar hoje?
- Ela quem?
- Bianca. Não gosto dela.
- Não devias dizer isso. - Mellisa sentou-se na cama - Ainda és muito pequena, é normal...

Mellisa foi interrompida por uma leve pancada na porta.

- Mellisa!?
- Eu vou... - Diana desceu da cama a correr ao ouvir a voz do pai. - Dormi com Mell.
- Já vi.  - Joshua agarrou a filha ao colo - Dormiste bem?
- Sim.
- Então estás pronta para um passeio de barco?
- No teu?!
- Se quiseres...
- Vou vestir os calções. - Diana parou junto à porta - Mell também vai?!
- Sim.
- Boa!

Diana desapareceu do quarto e ela olhou para ele. Queria dizer-lhe que sabia sobre Bianca, mas como abordar um assunto que não lhe dizia respeito?! Sempre que falava com ele sobre algo que incluísse a filha acabavam a discutir. E aquele era um assunto que iria gerar discussão. Nem ela, nem Faty tinham o direito de se imiscuir, directa ou indirectamente, na vida dele.

- Porque vais connosco. Certo?!
- Se posso escolher e não te importasses eu preferia ficar.  - Mellisa recuou e bateu na parede junto à cama quando ele se aproximou - Queria ir ver se... Desde que cheguei que... - Ela fechou os olhos momentaneamente quando sentiu a mão dele no seu pescoço - Eu...
- Não és obrigada a ir, mas vais desiludir Diana?! - Joshua acariciava o pescoço dela - Como lhe vais dizer que preferes ficar em vez de ires connosco?
- Não é isso ... - Mellisa estremeceu devido à proximidade dele - Joshua não... Tu...
- Eu...

Mellisa colocou a mão no peito dele, sabia que devia de o afastar, mas acabou por ficar ali nos braços dele. Olhou para os olhos dele... Estava muito próximo... Inconscientemente humedeceu os lábios.

- Não...

O pequeno e fraco protesto foi silenciado pelos lábios dele. Sabia que devia afastá-lo, tal como tinha decidido... Para bem de Diana devia fazê-lo. Mas o seu corpo não obedecia, apenas queria ficar ali, sentindo o toque dele... os lábios dele...

- Vens?! - Joshua falou junto aos seus lábios - Diz que vens...
- Sim eu... - Um novo beijo silenciou-a.

Ao longe um sorrisinho tímido ouviu-se e eles separaram-se. Joshua olhou para a filha, que estava encostada à porta do quarto sorrindo com a mão na boca, enquanto ela sentia as faces arderem.

- Já estás pronta? - Joshua dirigiu-se à filha.
- Estavas a beijar Mell...
- Sim. Mas não foi isso que te perguntei.
- Estou. Vês?!

Diana olhou para ela sorrindo e deu duas voltas mostrando os calções rosa e a t-shirt branca com uma flor bordada. Segurava na mão uma fita rosa e o chapéu, também ele com um fita rosa.

- Quero o cabelo como o teu. - Diana parou junto a ela e estendeu-lhe a fita. - Posso?
- Claro. Estás muito bonita.
- Obrigada.
- Não demorem.


Mellisa penteava Diana para lhe apanhar o cabelo com a fita, mas ela notou que a menina mantinha o olhar no chão. Estava pensativa, algo triste... Não devia de ter permitido aquele beijo, tendo em conta que Diana estava no quarto ao lado e a porta do quarto dela estava aberta, tinha sido uma inconsciência total. Mas, não era assim a relação entre eles?! Uma inconsciência seguida de outra?!

- Também me vais mandar para a escola das paredes altas?!
- Que escola?

Mas pareceu-lhe que Diana não a ouvira. A menina continuava a olhar para os pés que balançava distraidamente.

- Eu não quero.
- Um dia terás de ir.
- Lá não se vê o sol. Nem os pais.
- Quem disse isso?
- Bianca. - Diana levantou a cabeça e olhou para ela - Mas agora namoras o pai e eu não tenho de ir. Pois não?

Mellisa sentiu o coração encolher-se perante o olhar dela. Como podia Bianca dizer uma coisa daquelas a uma menina tão doce?!

- Pois não?!  - Diana insistia - Posso ficar contigo.
- Não minha linda, não precisas ir.
- Vou dizer ao pai que ficas comigo.
- Não! -Mellisa praticamente gritou e arrependeu-se de ser tão brusca ao ver o olhar de Diana entristecer-se novamente. Não devia de ter permitido o beijo! Não devia! - Eu digo-lhe depois. Pode ser?
- Sim. - Diana sorriu novamente.
- Agora deixa-me vestir ou perdemos o passeio de barco.

Mellisa fechou a porta quando Diana saiu. Iam passear de barco...

Tirou do roupeiro os calções brancos de linho e a t-shirt azul ás riscas. Apanhou o cabelo e prendeu-o com uma fita. Ao ver-se no espelho recordou o beijo... E que Joshua conhecera Bianca num cruzeiro e apaixonara-se por ela. Uma mulher fria que não gostava de crianças e que queria enviar Diana para um colégio interno. Saberia ele disso?! Como se ama uma pessoa que detesta alguém que nós amamos?! Porque ele amava a filha! Disso ela tinha a certeza. E se Bianca não era a mãe de Diana, quem era?!



Ao juntar-se a eles aquelas perguntas ainda permaneciam pairando na sua cabeça, como fantasmas impedindo que apreciasse a paisagem da ilha. Os seus pensamentos eram um emaranhado de palavras soltas, tentando encontrar um sítio para se encaixarem. Joshua... Bianca... Barco... Diana... escola... Amor... Casamento...

Quando ele lhe segurou o braço para a ajudar a subir a bordo, ela retirou-o inconscientemente. O gesto não foi apenas surpresa para ele, ela também se surpreendera! Pensava em Bianca e nele, e na forma como possivelmente se tinham conhecido e o seu estômago revoltara-se ao imaginar Joshua  com Bianca.

Passaram a manhã no mar, viajando ao longo da costa vendo as ilhas ao longe e ouvindo as histórias que Joshua contava a Diana. Pouco depois esta adormecia numa das cadeiras do convés e ela, querendo evitar um contacto mais próximo com ele, afastou-se e dedicou-se a olhar o mar. Toda aquela imensidão de água azul acalmava os seus pensamentos. Sentia-se relaxada...

- Podes dizer-me que aconteceu?

Mellisa sobressaltou-se ao ouvi-lo, pois pensava que ele estava junto à filha.

- Referes-te ao facto da tua filha ter dormido comigo?!
- Não! Eu sei porque o fez, ela não gosta de Bianca. - Joshua apoiou-se na balaustrada.
- Nesse caso não entendo ao que te referes.
- Percebi como te afastaste!
- Não foi intencional!
- Não?! - Joshua tirou-lhe o óculos de sol - Então porque o fizeste?
- Não sei. - Ela desviou o olhar - Talvez porque Diana estava...
- Ela viu-nos beijar. E adora-te. Achas que se ia aborrecer por te ajudar?!
- Não.
- Então sê sincera e diz porque o fizeste!
- Porque temos de parar com isto.
- Com o quê?!
- Sabes muito bem! Não é benéfico para a tua filha. - Mellisa olhou o mar ao longe sentindo o coração doer. - Dentro de dias volto para casa.
- E?!
- Caso não tenhas percebido, Diana pensa que nós... - Ela calou-se ao perceber que o seu coração batia mais rápido ao recordar as palavras de Diana - Ela acha que vou ficar para cuidar dela e ambos sabemos que não é assim. Não quero magoá-la.
- E achas que eu quero?!
- Não disse isso! Mas temos de agir como adultos que somos.
- E segundo tu, isso é...
- Não sei! - Mellisa olhou para a cadeira onde Diana dormia. - Mas seguramente não é andarmos aos beijos pelos cantos! E podias começar por tentar entender-te com a mãe da tua filha! As vossas discussões...


Joshua apertou o corpo dela contra o dele, por instantes pensou que a fosse beijar, mas olhou-a fixamente em silêncio e depois de se afastar olhou o mar.

- A mãe dela morreu quando era pequena.
- Sinto muito.
- Faz muito tempo. - Joshua encolheu os ombros - Ela não recorda a mãe.
- Pensei que Bianca fosse a mãe dela.
- Eu percebi. - Ele forçou um sorriso - Íamos casar!
- Se se amam...
- Amor foi algo que nunca existiu! Diana precisava de uma mãe - Joshua olhou para a filha - Pura e simplesmente.

Mellisa olhou incrédula para ele sentindo o coração bater apressadamente. Ele ia casar para dar uma mãe à filha!? Se, por um lado achava aquela atitude de louvar, por outro achava-a de extrema frieza.

- Nesse caso não é de admirar as discussões.
- Achas!?
- Claro! Quando não temos nada em comum com os demais é mais fácil discordarmos.
- Pouco me importava o que tínhamos em comum! Não era essa a finalidade do casamento.
- Um casamento não é questão de finalidade!
- Não?!
- Um casamento é a união de duas pessoas que se amam, que querem formar família juntos. Que se complementam, se auxiliam e que apesar das adversidades continuam a lutar pelo êxito da relação.
- Tens uma visão algo fantasiosa do casamento.
- Talvez. Mas é assim que eu o vejo!
- Nunca imaginei que fosses romântica.
- Não és o único que tens segredos.
- Que outros segredos escondes?! - Joshua abraçou-a pela cintura e puxou-a para perto.
- Não são assim tão interessantes. - Ela sentiu-se estremecer pelo contacto sem compreender como a conversa chegou a ela.
- Deixa-me julgar a mim. - Joshua passou os dedos pelos lábios dela - Fica connosco.
- Como?!
- Fica. Posso dar-te tudo o que quiseres - Joshua acariciou-lhe o rosto - Ou tens alguém à tua espera?

 Mellisa olhou-o nos olhos sentindo as pernas tremer. Não esperava que ele lhe pedisse algo assim e teve a sensação que se ele não a segurasse, ela cairia no chão.

- Tenho de regressar.
- Não respondeste.
- Nem tenho porque o fazer! - Mellisa afastou-se dele - Não podes pedir-me simplesmente que fique, como se antes de te conhecer não tivesse vida! Ou que esta não fosse importante!
- Que queres que te diga?

Que me amas como eu a ti! Mellisa olhou-o sentindo o coração bater na garganta. Não sabia de onde saíra aquele pensamento. Amava-o?! Não podia ser! Não podia amá-lo... E no entanto amava...

- Mellisa?! Estás bem?!
- Sim! - Ela fechou os olhos e levou uma mão à cabeça - Estou apenas um pouco tonta.
- Vem descansar um pouco. Vou pedir para regressarmos.
- Não! - Ela apenas queria ficar um pouco sozinha, não arruinar o passeio a Diana - Por favor. Não me sentiria bem saber que voltámos por uma tontura.
- Tens a certeza?
- Sim. Apenas preciso descansar um pouco.


Joshua acompanhou-a até uma das cadeiras ao lado de Diana e sentou-se numa cadeira próxima a ler um jornal. Mellisa colocou os óculos de sol e dedicou-se a observá-lo. Ele pedira-lhe que ficasse... E ela queria ficar... Amava-o! Como se tinha apaixonado por um homem como ele?! E em tão pouco tempo!? Nunca imaginou que tal lhe poderia acontecer...


Mellisa passou o resto do dia alheia e teve alguma dificuldade em participar nas brincadeiras de Diana. Em algumas ocasiões deu por Joshua a observá-la, mas desviava a vista e obrigava-se a pensar no seu regresso a casa.

A sua cabeça parecia rebentar pelo esforço que fazia em controlar os pensamentos. Durante o jantar manteve-se em silêncio a maior parte do tempo, assim como durante o jogo que jogava com Diana desde que terminaram de jantar e que esta vencera.


- Ainda estás cansada?

 Diana vestia o pijama enquanto ela preparava a cama.

- Não. Já passou.
- Hoje durmo sozinha.
- Tens a certeza?!
- Sim. Já não tenho medo.
- Muito bem, mas se precisares podes ir para a minha cama.
- Não. O pai diz que dormes sempre sozinha.
- Disse?
- Humhum! - Diana abraçou-a e deitou-se - Até amanhã Mell.
- Até amanhã linda.

Mellisa tomou um duche e vestiu a camisa de dormir. Restavam-lhe dois dias, dois curtos dias e depois regressava a casa. Para a sua casa vazia e para a sua vida igualmente vazia! Uma vida onde a única coisa que lhe dava animo, era a alegria que levava ás crianças que visitava no hospital pediátrico.
Levou a mão ao peito sentindo um desejo enorme de chorar. Nunca fizera parte de uma família, de uma verdadeira família. Quando estava com ele e Diana sentia que fazia parte de algo especial... Ele pedira-lhe para ficar... Ela queria e podia ficar! Bastava-lhe dizer que sim e avisar no hospital que não ia voltar para o trabalho.

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