domingo, 14 de janeiro de 2018

ENCONTROS AZARADOS 10ª PARTE



Depois da noite atribulada Caterine esperava um dia mais calmo, mas não foi assim, bastava recordar Nathan para as lágrimas renascerem qual fénix. Olhando a chuva que batia no vidro da janela pensou que tinha de resignar-se, não podia culpar ninguém daquela situação.

- Como pudeste?! - Jess entrou furiosa no escritório.
- Do que falas?!
- Do que falo?! Como se não soubesses!
- Sinceramente não sei.
- Do aborto! Como pudeste dizer-lhe uma coisa dessas?! Sabes como ele está?!

Caterine sentiu o pânico apoderar-se dela ao olhar para Jess, esta estava vermelha de raiva.

- Jess! - Caterine suplicou - Tens de acreditar. Não foi intencional. Não pretendia dizer-lhe nada disso. Mas sentia-me magoada e não estava preparada para falar com ele. Não naquele momento.
- E achaste-te no direito de dizer aquela barbaridade.
- Eu sei que errei.
- Erraste!?
- Tenta compreender. Foi um choque descobrir que ele é teu irmão. Ainda não tinha assimilado isso quando, pouco depois, me dizem que estou grávida. Não sei o que me deu. As palavras foram saindo sem que me pudesse conter. Entendes?
- Não tinhas o direito. Independentemente do que pensavas ele é o pai! E desculpa dizer-to mas excedeste os limites!
- Tens razão. Excedi-me imenso, mas naquele momento só queria que sofresse como eu estava sofrer.
- Nesse caso informo-te que fizeste um bom trabalho!
- Não sabes como me martirizo por isso.
- Em vez de te martirizares porque não falaste com ele?
- Tentei! Não naquele dia, mas juro que tentei. Mas por essa altura ele não queria falar comigo.
- Como não?!
- Dias depois enviei-lhe uma mensagem, respondeu-me que não temos nada a falar. - Caterine limpou as lágrimas - Ele tem razão em estar aborrecido.
- Tem sim.
- Disseste-lhe?
- Fiquei em choque! Está de rastos.
- Já regressou?
- Harry?! - Jess olhou para ela com os olhos muito abertos - Não, eu é que telefonei.
- E já sabes quando regressa?
- Não.
- Quando souberes diz-me.
- Para...
- Vou deixar-te uma carta explicando tudo.
- E porque não lhe dizes pessoalmente?
- Porque não sei se vou conseguir.
- Tens de conseguir! Não é coisa que se diga num papel.
- Sei que não, mas é melhor assim.
- Como pode ser melhor se estão a sofrer?!
- Quando souber que não abortei vai passar-lhe, já eu não sei.
- Teimosos! Dois grandessíssimos teimosos!


Dias depois, embora não o mencionasse, Caterine ainda sentia que Jess estava magoada com ela o que originava um clima algo pesado entre elas. As conversas remetiam-se ao trabalho e pouco mais, por isso quando Mabell telefonou a convidá-la para jantar não hesitou.

- Como está agora?! - Caterine olhou para Rose que parecia alheia à sua presença.
- Mais calma, acho que é da nova medicação. - Mabell levantou-se - Tens visto Nathan?
- Não.
- Estou preocupada com ele. Não atende o telemóvel e nunca mais apareceu.
- Viajou.
- Mas está tudo bem?!
- Eu não... - Caterine fixou o chão.
- Que se passa?!
- Estou grávida.
- De Nathan?
- Sim.
- E ele não quer saber do filho?

Caterine olhou para Mabell e depois de respirar fundo contou o que tinha acontecido.

- ... E agora não me quer ver.
- Estão os dois muito emotivos. Tu porque o teu corpo está a ajustar-se a essa vida que trazes dentro de ti e Nathan porque está magoado. Mas todos dizemos coisas que não queremos quando estamos magoados. Ele vai entender. Quando estiverem mais calmos vão conseguir falar calmamente e aí vais conseguir explicar-lhe. Tudo vai voltar ao que era.
- Duvido muito, ele mentiu-me! E mesmo que assim não fosse, não me quer ver.
- A julgar o que me contaste não devias de fazer juízos precipitados. Dizes que a irmã não o trata pelo nome. - Caterine anuiu com a cabeça - Acho que se tens de duvidar de alguém é dela. Há pelo menos duas questões que devias tentar saber. Porque o trata por um nome diferente do dele?! Porque, apesar de ter os seus motivos, nunca procurou os pais durante a doença deles?!  Acho que se existem perguntas sem resposta são essas.
- Jess nunca me mentiu.
- Ela apenas te contou o que achou melhor, como sabes que é a verdade? - Mabell serviu-lhe uma chávena de chá. - Vendo a situação por outro lado. Dizes que ele te mentiu. Nesse caso tu também. Porque nunca lhe disseste que a irmã dele era tua amiga?
- Eu nunca escondi que era amiga de Jess, ele é que nunca disse que tinha uma irmã! Aliás, nunca falou na família. Só falou dos pais, e muito vagamente.
- Ora aí está. Falou vagamente. Não me parece haver aí intenção de esconder algo, acho que estavam ocupados com outras coisas. - Mabell sorriu e olhou para a barriga dela. - E não achas que estás a exagerar uma situação só porque à algum tempo sofreste por algo semelhante?
- Talvez... não sei.
- Mas isto é a minha perspectiva. Perspectiva de quem já viveu muito, de quem está de fora. Como dizia a minha mãe. Coisas de cabeça velha.

Independentemente da idade de Mabell, esta tinha razão. Agora que estava mais calma, percebia que tinha exagerado em relação a Nathan, mas havia coisas que não conseguia explicar. Não entendia porque Jess nunca falava da sua família e muito menos porque tratava Nathan por Harry. Mais uma vez Mabell tinha razão, eram perguntas para as quais não tinha resposta. Mas sabia quem lhas podia dar.

A pastelaria estava cheia como era habitual àquela hora. Caterine lia uma revista enquanto bebia um chá. Desde que estava grávida que o cappuccino e o café lhe causava mau estar, até o cheiro a incomodava um pouco.

- Bom dia.
- Olá Lori.
- Espero que este convite não seja para anunciar a tua partida.
- Não. Mas não vou ficar muito mais tempo.
- Não vamos conseguir convencer-te a ficar?
- É o melhor a fazer.
- Compreendo. Harry fez-te recordar Barry e isso mexeu contigo. Se juntarmos a gravidez... Bum!
- A gravidez não tem nada que ver. Sabes o que aconteceu com Barry. - Caterine fixou Lori, era estranho como tinha comentado com ela o que se tinha passado e com Jess, que conhecia à mais tempo, apenas tinha comentado o assunto vagamente -  Nathan usou as mesmas artimanhas. Senti-me uma idiota e não gosto que me levem como tal. Existem coisas que desconheço e por isso quero falar contigo.
- Ficarei feliz se puder ajudar.
- Jess nunca falou de Nathan nem da família contigo?
- Muito vagamente. - Lori levou a chávena do café aos lábios - Sei que Jess veio para Londres para estudar e acabou por ficar pois os pais não aceitavam a sua homossexualidade.
- Mas nunca lhe telefonaram?!
- Que percebesse não. Sei que ela e Harry são gémeos.
- Gémeos?!
- Por isso lhe custou tanto esta situação. Eram muito unidos, apenas se separaram quando ela veio estudar.
- Ela nunca falou da família.
- Não gosta de falar nisso. Às vezes tenho a sensação que nem a mim me conta tudo. Acho que aconteceram coisas que a marcaram e que tenta esconder. Harry sempre foi o apoio dela, pelo que me disse, não tinham segredos. Ela esperava poder contar com ele em todas as situações, mas não foi assim.
- Sabes porque lhe chama Harry?
- Não. Só soube quando ele apareceu.
- Parece que não conhecemos as pessoas tanto como imaginamos.
- Assim parece.


A conversa com Lori não esclareceu as dúvidas que tinha e quanto mais pensava no assunto, mais se convencia que Mabell tinha razão. Julgara Nathan precipitadamente, e independentemente de tudo o mais, não tinha o direito de lhe esconder aquela gravidez.

Nessa noite tentou telefonar a Nathan, não queria adiar aquela conversa por mais tempo, mas este tinha o telemóvel desligado. Talvez por isso teve dificuldade em adormecer e quando o fez, sonhou com Claire perguntando porque não tinha pai.

O céu continuava cinzento e o vento fustigava o rosto de Caterine quando entrou no prédio onde estavam os escritórios. Ao passar junto ao escritório de Jess percebeu que esta já estava a trabalhar, mas passou sem entrar. Estava decidida a descobrir algo sobre Nathan, algo que lhe indicasse onde estava ou quando poderia regressar. Tinha de falar com ele, onde fosse e como fosse. Se fosse necessário teria a conversa no aeroporto.

Se no dia anterior tivesse levado o computador para casa, poderia ter pesquisado durante a noite ou quando acordou de madrugada, mas como foi directamente para casa de Mabell acabou por deixá-lo no escritório.
Quando as páginas abriram procurou pelo nome de Nathan sem sucesso e depois por exportações em Londres. Ao ver a enormidade de empresas que exportavam apoderou-se dela um sentimento de derrota que a levou às lágrimas.

- Está tudo bem? - Jess espreitou pela porta.
- Não, mas vai ficar.
- Não é normal entrares sem dizer bom dia.
- Pois...

Caterine limpou as lágrimas e voltou a escrever no teclado: exportações/mudanças.

- Que procuras? - Jess olhou para o ecrã - Vejo que estás decidida.
- Que adianta adiar o inadiável?!
- Pensei que ias esperar mais um pouco.
- Já esperei demais. Aliás, era o que devia ter feito logo de início. Por isso não tentes demover-me!
- Com esse temperamento?! Nem me vou aproximar de ti!
- Obrigada.
- Não achas que essa agitação toda vai fazer mal ao bebé?

Caterine olhou para ela mas não respondeu. O bebé precisava do pai, e nem que ela removesse céu e terra, iria encontrá-lo para lhe dizer isso mesmo.
Uma hora depois, devido as lágrimas, as letras eram um enorme borrão preto parecidas com bonecos abstractos. Recostou a cabeça na cadeira e respirou fundo.
O melhor a fazer era parar por uns momentos, beber um chá, relaxar e depois, já mais calma regressava ao computador para retomar a sua busca.

Ao sair do escritório a porta do escritório de Jess estava aberta e ouviu-a ao telemóvel.

- Não pode entregar amanhã? Eu compreendo mas não tenho ninguém em casa. Sim, eu sei. Mas não me posso ausentar, tenho uma reunião em poucos minutos.

Por uns minutos fez-se silêncio e depois voltou a ouvir-se a voz de Jess.

- Terá de ser. Sim, mais tarde volto a contactar-vos, deixei-me só...


Caterine entrou no escritório fazendo sinal a Jess.

- Espere um instante. - Jess afastou o telemóvel - Diz.
- Se precisas de alguém para ir a tua casa, eu posso ir, afinal não estou a fazer nada.
- De certeza?!
- Sim, preciso sair um pouco.
- Obrigada. - Jess voltou a falar para o telemóvel - Quanto tempo leva a chegar? É mais que suficiente.

Caterine aceitou a chave que Jess lhe estendia.

- Tens a certeza que podes ir?
- Sim. Se fico aqui fechada mais tempo acho que a minha cabeça vai explodir.
- Obrigada. Não sabes como te agradeço.

Enquanto se dirigia ao seu carro pensava em Jess. Parecia que já não estava aborrecida com ela, talvez estivesse preocupada com o bebé.
Demorou a chegar ao apartamento de Jess pois a chuva tinha aumentado de intensidade impedindo-a de circular a uma velocidade constante.

- Bolas... - Caterine olhou para o céu - Tinha de chover mais neste preciso momento?! Não podia esperar um pouco?!
- Bom dia menina. - O segurança do prédio levantou-se ao vê-la entrar.
- Bom dia Less.
- Que tempo este.
- É mesmo! Mas convenhamos, nem seria Londres se assim não fosse.
- Também é verdade menina.

Caterine entrou no elevador e acenou a Less que ainda sorria quando se sentou novamente.

O apartamento estava estranhamente silencioso. Lori tinha sempre música clássica a tocar. Beethoven de preferência. Tirou o casaco e foi fazer um chá. O som de buzinas levou-a à janela, o trânsito, já de si caótico, parecia ter agravado pela intensidade da chuva. Só esperava que aquilo não impedisse a entrega de Jess. O seu olhar perdeu-se numa mulher que tentava tapar uma menina daquela chuva. Um olhar mais atento revelou os cabelos negros da criança que lhe recordaram o sonho e a sua própria filha. Uma lágrima nasceu no seu olhar e acariciou a barriga.

- Que fazes aqui?

Ao ouvir a voz de Nathan voltou-se com a vista turva pelas lágrimas. Ficou em silêncio a olhar para ele, sentiu as pernas dobrarem-se quando percebeu que o olhar de Nathan estava fixo na mão que repousava na barriga.

- Estás grávida!

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