Depois da noite atribulada Caterine esperava um dia mais calmo, mas não foi assim, bastava recordar Nathan para as lágrimas renascerem qual fénix. Olhando a chuva que batia no vidro da janela pensou que tinha de resignar-se, não podia culpar ninguém daquela situação.
- Como pudeste?! - Jess entrou furiosa no escritório.
- Do que falas?!
- Do que falo?! Como se não soubesses!
- Sinceramente não sei.
- Do aborto! Como pudeste dizer-lhe uma coisa dessas?! Sabes como ele está?!
Caterine sentiu o pânico apoderar-se dela ao olhar para Jess, esta estava vermelha de raiva.
- Jess! - Caterine suplicou - Tens de acreditar. Não foi intencional. Não pretendia dizer-lhe nada disso. Mas sentia-me magoada e não estava preparada para falar com ele. Não naquele momento.
- E achaste-te no direito de dizer aquela barbaridade.
- Eu sei que errei.
- Erraste!?
- Tenta compreender. Foi um choque descobrir que ele é teu irmão. Ainda não tinha assimilado isso quando, pouco depois, me dizem que estou grávida. Não sei o que me deu. As palavras foram saindo sem que me pudesse conter. Entendes?
- Não tinhas o direito. Independentemente do que pensavas ele é o pai! E desculpa dizer-to mas excedeste os limites!
- Tens razão. Excedi-me imenso, mas naquele momento só queria que sofresse como eu estava sofrer.
- Nesse caso informo-te que fizeste um bom trabalho!
- Não sabes como me martirizo por isso.
- Em vez de te martirizares porque não falaste com ele?
- Tentei! Não naquele dia, mas juro que tentei. Mas por essa altura ele não queria falar comigo.
- Como não?!
- Dias depois enviei-lhe uma mensagem, respondeu-me que não temos nada a falar. - Caterine limpou as lágrimas - Ele tem razão em estar aborrecido.
- Tem sim.
- Disseste-lhe?
- Fiquei em choque! Está de rastos.
- Já regressou?
- Harry?! - Jess olhou para ela com os olhos muito abertos - Não, eu é que telefonei.
- E já sabes quando regressa?
- Não.
- Quando souberes diz-me.
- Para...
- Vou deixar-te uma carta explicando tudo.
- E porque não lhe dizes pessoalmente?
- Porque não sei se vou conseguir.
- Tens de conseguir! Não é coisa que se diga num papel.
- Sei que não, mas é melhor assim.
- Como pode ser melhor se estão a sofrer?!
- Quando souber que não abortei vai passar-lhe, já eu não sei.
- Teimosos! Dois grandessíssimos teimosos!
Dias depois, embora não o mencionasse, Caterine ainda sentia que Jess estava magoada com ela o que originava um clima algo pesado entre elas. As conversas remetiam-se ao trabalho e pouco mais, por isso quando Mabell telefonou a convidá-la para jantar não hesitou.
- Como está agora?! - Caterine olhou para Rose que parecia alheia à sua presença.
- Mais calma, acho que é da nova medicação. - Mabell levantou-se - Tens visto Nathan?
- Não.
- Estou preocupada com ele. Não atende o telemóvel e nunca mais apareceu.
- Viajou.
- Mas está tudo bem?!
- Eu não... - Caterine fixou o chão.
- Que se passa?!
- Estou grávida.
- De Nathan?
- Sim.
- E ele não quer saber do filho?
Caterine olhou para Mabell e depois de respirar fundo contou o que tinha acontecido.
- ... E agora não me quer ver.
- Estão os dois muito emotivos. Tu porque o teu corpo está a ajustar-se a essa vida que trazes dentro de ti e Nathan porque está magoado. Mas todos dizemos coisas que não queremos quando estamos magoados. Ele vai entender. Quando estiverem mais calmos vão conseguir falar calmamente e aí vais conseguir explicar-lhe. Tudo vai voltar ao que era.
- Duvido muito, ele mentiu-me! E mesmo que assim não fosse, não me quer ver.
- A julgar o que me contaste não devias de fazer juízos precipitados. Dizes que a irmã não o trata pelo nome. - Caterine anuiu com a cabeça - Acho que se tens de duvidar de alguém é dela. Há pelo menos duas questões que devias tentar saber. Porque o trata por um nome diferente do dele?! Porque, apesar de ter os seus motivos, nunca procurou os pais durante a doença deles?! Acho que se existem perguntas sem resposta são essas.
- Jess nunca me mentiu.
- Ela apenas te contou o que achou melhor, como sabes que é a verdade? - Mabell serviu-lhe uma chávena de chá. - Vendo a situação por outro lado. Dizes que ele te mentiu. Nesse caso tu também. Porque nunca lhe disseste que a irmã dele era tua amiga?
- Eu nunca escondi que era amiga de Jess, ele é que nunca disse que tinha uma irmã! Aliás, nunca falou na família. Só falou dos pais, e muito vagamente.
- Ora aí está. Falou vagamente. Não me parece haver aí intenção de esconder algo, acho que estavam ocupados com outras coisas. - Mabell sorriu e olhou para a barriga dela. - E não achas que estás a exagerar uma situação só porque à algum tempo sofreste por algo semelhante?
- Talvez... não sei.
- Mas isto é a minha perspectiva. Perspectiva de quem já viveu muito, de quem está de fora. Como dizia a minha mãe. Coisas de cabeça velha.
Independentemente da idade de Mabell, esta tinha razão. Agora que estava mais calma, percebia que tinha exagerado em relação a Nathan, mas havia coisas que não conseguia explicar. Não entendia porque Jess nunca falava da sua família e muito menos porque tratava Nathan por Harry. Mais uma vez Mabell tinha razão, eram perguntas para as quais não tinha resposta. Mas sabia quem lhas podia dar.
A pastelaria estava cheia como era habitual àquela hora. Caterine lia uma revista enquanto bebia um chá. Desde que estava grávida que o cappuccino e o café lhe causava mau estar, até o cheiro a incomodava um pouco.
- Bom dia.
- Olá Lori.
- Espero que este convite não seja para anunciar a tua partida.
- Não. Mas não vou ficar muito mais tempo.
- Não vamos conseguir convencer-te a ficar?
- É o melhor a fazer.
- Compreendo. Harry fez-te recordar Barry e isso mexeu contigo. Se juntarmos a gravidez... Bum!
- A gravidez não tem nada que ver. Sabes o que aconteceu com Barry. - Caterine fixou Lori, era estranho como tinha comentado com ela o que se tinha passado e com Jess, que conhecia à mais tempo, apenas tinha comentado o assunto vagamente - Nathan usou as mesmas artimanhas. Senti-me uma idiota e não gosto que me levem como tal. Existem coisas que desconheço e por isso quero falar contigo.
- Ficarei feliz se puder ajudar.
- Jess nunca falou de Nathan nem da família contigo?
- Muito vagamente. - Lori levou a chávena do café aos lábios - Sei que Jess veio para Londres para estudar e acabou por ficar pois os pais não aceitavam a sua homossexualidade.
- Mas nunca lhe telefonaram?!
- Que percebesse não. Sei que ela e Harry são gémeos.
- Gémeos?!
- Por isso lhe custou tanto esta situação. Eram muito unidos, apenas se separaram quando ela veio estudar.
- Ela nunca falou da família.
- Não gosta de falar nisso. Às vezes tenho a sensação que nem a mim me conta tudo. Acho que aconteceram coisas que a marcaram e que tenta esconder. Harry sempre foi o apoio dela, pelo que me disse, não tinham segredos. Ela esperava poder contar com ele em todas as situações, mas não foi assim.
- Sabes porque lhe chama Harry?
- Não. Só soube quando ele apareceu.
- Parece que não conhecemos as pessoas tanto como imaginamos.
- Assim parece.
A conversa com Lori não esclareceu as dúvidas que tinha e quanto mais pensava no assunto, mais se convencia que Mabell tinha razão. Julgara Nathan precipitadamente, e independentemente de tudo o mais, não tinha o direito de lhe esconder aquela gravidez.
Nessa noite tentou telefonar a Nathan, não queria adiar aquela conversa por mais tempo, mas este tinha o telemóvel desligado. Talvez por isso teve dificuldade em adormecer e quando o fez, sonhou com Claire perguntando porque não tinha pai.
O céu continuava cinzento e o vento fustigava o rosto de Caterine quando entrou no prédio onde estavam os escritórios. Ao passar junto ao escritório de Jess percebeu que esta já estava a trabalhar, mas passou sem entrar. Estava decidida a descobrir algo sobre Nathan, algo que lhe indicasse onde estava ou quando poderia regressar. Tinha de falar com ele, onde fosse e como fosse. Se fosse necessário teria a conversa no aeroporto.
Se no dia anterior tivesse levado o computador para casa, poderia ter pesquisado durante a noite ou quando acordou de madrugada, mas como foi directamente para casa de Mabell acabou por deixá-lo no escritório.
Quando as páginas abriram procurou pelo nome de Nathan sem sucesso e depois por exportações em Londres. Ao ver a enormidade de empresas que exportavam apoderou-se dela um sentimento de derrota que a levou às lágrimas.
- Está tudo bem? - Jess espreitou pela porta.
- Não, mas vai ficar.
- Não é normal entrares sem dizer bom dia.
- Pois...
Caterine limpou as lágrimas e voltou a escrever no teclado: exportações/mudanças.
- Que procuras? - Jess olhou para o ecrã - Vejo que estás decidida.
- Que adianta adiar o inadiável?!
- Pensei que ias esperar mais um pouco.
- Já esperei demais. Aliás, era o que devia ter feito logo de início. Por isso não tentes demover-me!
- Com esse temperamento?! Nem me vou aproximar de ti!
- Obrigada.
- Não achas que essa agitação toda vai fazer mal ao bebé?
Caterine olhou para ela mas não respondeu. O bebé precisava do pai, e nem que ela removesse céu e terra, iria encontrá-lo para lhe dizer isso mesmo.
Uma hora depois, devido as lágrimas, as letras eram um enorme borrão preto parecidas com bonecos abstractos. Recostou a cabeça na cadeira e respirou fundo.
O melhor a fazer era parar por uns momentos, beber um chá, relaxar e depois, já mais calma regressava ao computador para retomar a sua busca.
Ao sair do escritório a porta do escritório de Jess estava aberta e ouviu-a ao telemóvel.
- Não pode entregar amanhã? Eu compreendo mas não tenho ninguém em casa. Sim, eu sei. Mas não me posso ausentar, tenho uma reunião em poucos minutos.
Por uns minutos fez-se silêncio e depois voltou a ouvir-se a voz de Jess.
- Terá de ser. Sim, mais tarde volto a contactar-vos, deixei-me só...
Caterine entrou no escritório fazendo sinal a Jess.
- Espere um instante. - Jess afastou o telemóvel - Diz.
- Se precisas de alguém para ir a tua casa, eu posso ir, afinal não estou a fazer nada.
- De certeza?!
- Sim, preciso sair um pouco.
- Obrigada. - Jess voltou a falar para o telemóvel - Quanto tempo leva a chegar? É mais que suficiente.
Caterine aceitou a chave que Jess lhe estendia.
- Tens a certeza que podes ir?
- Sim. Se fico aqui fechada mais tempo acho que a minha cabeça vai explodir.
- Obrigada. Não sabes como te agradeço.
Enquanto se dirigia ao seu carro pensava em Jess. Parecia que já não estava aborrecida com ela, talvez estivesse preocupada com o bebé.
Demorou a chegar ao apartamento de Jess pois a chuva tinha aumentado de intensidade impedindo-a de circular a uma velocidade constante.
- Bolas... - Caterine olhou para o céu - Tinha de chover mais neste preciso momento?! Não podia esperar um pouco?!
- Bom dia menina. - O segurança do prédio levantou-se ao vê-la entrar.
- Bom dia Less.
- Que tempo este.
- É mesmo! Mas convenhamos, nem seria Londres se assim não fosse.
- Também é verdade menina.
Caterine entrou no elevador e acenou a Less que ainda sorria quando se sentou novamente.
O apartamento estava estranhamente silencioso. Lori tinha sempre música clássica a tocar. Beethoven de preferência. Tirou o casaco e foi fazer um chá. O som de buzinas levou-a à janela, o trânsito, já de si caótico, parecia ter agravado pela intensidade da chuva. Só esperava que aquilo não impedisse a entrega de Jess. O seu olhar perdeu-se numa mulher que tentava tapar uma menina daquela chuva. Um olhar mais atento revelou os cabelos negros da criança que lhe recordaram o sonho e a sua própria filha. Uma lágrima nasceu no seu olhar e acariciou a barriga.
- Que fazes aqui?
Ao ouvir a voz de Nathan voltou-se com a vista turva pelas lágrimas. Ficou em silêncio a olhar para ele, sentiu as pernas dobrarem-se quando percebeu que o olhar de Nathan estava fixo na mão que repousava na barriga.
- Estás grávida!
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