segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

O CONTRATO 4ª PARTE



Bella estacionou no pátio e entrou em casa apressadamente rumo à biblioteca. Ao ver a manta vazia o coração deu um salto. Onde estaria?!

- Fénix... Fénix...

Sentindo-se uma idiota calou-se, se ele estava com fome bastava abrir a lata do paté que viria a correr. Abriu a lata e esperou, nada! Teria saído na noite anterior quando Marisa saiu?! Saiu em direcção à casa do jardim e depois de confirmar que estava vazia, procurou no jardim.
Desanimada regressou a casa, que diria ao dr. Garcia?! Aquilo seria o fim do seu contrato. Ao entrar em casa um barulho no andar de cima chamou a sua atenção e correu escadas acima.
Mas não era Fénix o causador do barulho. Se bem que estava sentado no chão como que hipnotizado olhando para o dr. Garcia que fazia a barba usando apenas uma pequena toalha em redor da cintura. Por momentos sentiu-se como Fénix, incapaz de se mexer, de desviar a vista das costas nuas onde umas gotas de água escorriam lentamente. Viu-o baixar-se para fazer uma carícia no animal, e a toalha mostrou parte das pernas fortes dele. Naquele momento tomou consciência que a porta da casa de banho estava aberta e que a qualquer momento ele podia notar a presença dela. Voltou costas e começou a descer as escadas o mais rápido que conseguiu rezando para não ser notada mas ao chegar ao hall de entrada bateu numa cadeira e esta caiu no chão fazendo um estrondo enorme. Por momentos ficou olhando a cadeira no chão pensando no que fazer.


- Fénix! Fénix! - Voltou a chamar sentindo as faces vermelhas - Fénix!
- Menina Matias! Que agradável surpresa.

Ainda que com algum receio Bella olhou para o cimo das escadas mas os seus receios eram infundados pois ele já tinha vestido umas calças pretas e uma camisa branca.

- Bom dia. Viu Fénix?!
- Aqui está ele.
- Passei para lhe dar o pequeno almoço. - Bella não conseguia desviar a vista enquanto ele descia as escadas.
- A esta hora?! Você não dorme?
- Tenho de organizar muito bem o meu dia, e muitas vezes isso quer dizer que tenho de sair da cama cedo.
- Felizmente não é casada.
- Felizmente porquê?! - Bella sentiu-se ofendida perante o sorriso dele.
- Se para si não é óbvio o suficiente, prometo que vou pensar num outro motivo durante o pequeno almoço. Acompanha-nos?
- Eu tenho de trabalhar.
- Eu também. Mas como vou precisar de si, podemos aproveitar o pequeno almoço para o pré-aviso.
- Pré-aviso?!
- Não é suposto respeitar as horas de antecedência? - Marc acenou na direcção da cozinha e esperou que ela passasse - Deixe-me dizer-lhe que fez um óptimo trabalho.
- Obrigada.
- Hoje não vou precisar de si, mas amanhã tenho um jantar e sugeriram que a convidasse. Café ou chá?
- Café. Desculpe, mas "sugeriram"?!
- Não foi bem uma sugestão. - Ele serviu-lhe o café e sentou-se à mesa na sua frente - Tenho de rever uma estatueta no museu e o gerente convidou-me para jantar.
- Museu?! Não é professor?!
- Estou a ver que acredita em tudo o que ouve. - Marc cortou uma fatia de bolo - Já fui, mas estávamos a falar do jantar.
- E para que precisa de mim?
- A esposa dele disse que a conhecia e sugeriu que a levasse. Que era bom recordar os velhos tempos.
Jacinta Vaz. Diz-lhe alguma coisa?
- Jacinta. - Bella fez um esforço para dizer aquele nome.
- Apanho-a às dezanove.
- Não sei se posso.
- Estou a avisá-la com mais de vinte e quatro horas de antecedência. Por isso espero sinceramente que esteja disponível. A menos que algo pessoal a impeça de ir.
- Não. - Bella tinha algo pessoal e muito, mas não o iria admitir perante ele - Estarei pronta.
- Muito bem. Que vai fazer agora?
- Nada. - Ao ver o sorriso dele arrependeu-se daquelas palavras - Às dez tenho de levar Rufus ao veterinário.
- O que nos dá duas horas. Muito bem, vou apanhar um casaco.
- Desculpe mas eu não disse que...
- Disse que não tinha nada para fazer. Como vou passear achei boa ideia convidá-la.
- Não me perguntou se queria ir. Como pode considerar isso um convite?!
- Tem razão. Como não tem nada para fazer considere-o um serviço extra. Pode incluir estas duas horas na minha conta.
- Dr. Garcia eu...

Mas ele saíra da cozinha deixando-a a falar sozinha. Encolhendo os ombros colocou as chávenas na máquina e guardou o bolo na caixa. Ir com ele passear ou ir com qualquer dos seus clientes ao médico ou ao clube era igual.

- Deixe isso. Vamos?
- Pode ao menos dizer-me onde vamos?! Não estou vestida decentemente.

Bella sentiu o calor subir ao rosto perante a inspecção ocular dele pelo seu corpo. Achou que demorava tempo demais para ver um simples fato de treino e uns ténis.

- Está perfeita para visitar o castelo. Preciso de umas fotografias para fazer um pequeno documentário para uma aula.
- Não disse que não era professor?!
- Isso não invalida que faça pesquisa para ex-colegas.
- Era preferível contratar alguém para lhe servir de guia.
- Era. Se pretendesse um guia.


Bella ainda hesitou antes de entrar no carro, mas acabou por entrar  e ficou a observá-lo enquanto rodeava o carro.
Pouco depois ele conduzia o carro com mestria pelas estreitas estradas e ela não conseguia evitar que a imagem dele usando apenas a toalha ocupasse a sua mente. Cada movimento dele deixava em evidência as pernas, os braços recordando aquele momento. Fechou os olhos e tentando esquecer concentrou-se na paisagem, mas a imagem continuava ali bem fresca. Até lhe parecia sentir o afther-shave dele...


- Gosta de música?
- Sim.
- Anos setenta. Ou prefere algo mais actual?
- Não gosto muito de música moderna.
- Nem eu. - Marc calou-se uns instantes - O que a levou a limpar casas alheias?
- A vida.
- Hum... terreno proibido. Ou serão segredos ocultos?!
- Não tenho segredos. Simplesmente, depois da morte do meu pai, não sabia que rumo dar à vida. Apenas explorei o que achei ser um mercado quase inexistente. Durante as férias escolares ajudava as pessoas da aldeia e elas pareciam satisfeitas com o resultado por isso resolvi tentar. Sou boa no que faço e os meus clientes são a prova disso.
- Desculpe não queria ofender.
- As pessoas tendem a olhar para quem lhes limpa a casa ou lhes cuida dos filhos com ares de superioridade. - Bella recordou Jacinta Vaz e a raiva aumentou - Pois deixe-me dizer-lhe que nem todas as domésticas são analfabetas. Terminei o curso de economia e o curso empresarial com louvor. O facto de não querer ser técnica de contas ou gerente de uma empresa ou outra coisa semelhante não faz de mim inferior a ninguém!
- Dios mio!

Bella olhou directamente para ele ao ouvi-lo falar espanhol.

- É espanhol!
- Meio. Porquê?! Algo contra?
- Não.  - Bella olhou em redor e percebeu que tinham chegado a Chaves - Apenas fiquei admirada.
- O meu pai era espanhol, a minha mãe é francesa.
- E fugiu com um espanhol . - As palavras saíram involuntariamente ao recordar a conversa de dona Luísa - Desculpe, não pretendia...
- A minha mãe abdicou da vida confortável que tinha para casar com o meu pai. Um pobre espanhol que a única coisa que tinha de seu era um coração enorme e uma alma generosa.

Bella fixou um ponto a seus pés tentando assimilar aquilo. A mãe tinha fugido com o pai, que era espanhol e não deixado o pai para fugir com um espanhol.

- Esse foi um dos motivos que me levaram a ponderar seriamente a compra do solar. - Ele continuou.
- O amor da sua mãe?! - Bella aceitou a mão que ele estendia para a ajudar a sair do carro.
- A imaginação do povo! Detesto mexericos. Todos se acham no direito de opinar na vida alheia.
- Então porque comprou o solar?
- Porque era um desejo do meu pai. Recuperar a herança da minha mãe.  Ele trabalhou imenso para realizar esse sonho mas não viveu o suficiente.
- Sinto muito.

Por momentos olharam-se em silêncio e depois ele olhou para o horizonte.

- Qual o melhor caminho para o castelo?
- Por aqui.


Bella começou a caminhar e ele seguiu-a em silêncio. Durante algum tempo apenas se ouvia o vento que brincava com os cabelos dela. Procurou na mochila um lenço e atou o cabelo. Todos os anos, principalmente no inverno, prometia cortar o cabelo mas nunca o fazia. Adorava os seus cabelos compridos levemente cacheados.
Olhou as copas das árvores que começavam a balançar ao sabor do vento. Recordou o seu pai, ele dizia que quando o vento aumentava era sinal que chuva devia regressar brevemente. Os anos provaram muitas vezes que ele tinha razão. Fechou os olhos para controlar as lágrimas.

- Está bem?
- Sim.
- Está preocupada com a eventual hipótese de chegar atrasada?
- Um pouco. - Bella olhou para o castelo - Aqui o tem.


Ela sorriu tristemente ao ver o que restava do Castelo Medieval. Infelizmente apenas tinha sobrevivido parte da muralha e a Torre da Menagem.
Esta apresenta uma planta quadrangular, dividida internamente em rés-do-chão (cisterna), e mais três pavimentos com tecto em abóbada de berço.
As paredes presentes eram de granito e no alçado, a leste, as varandas eram de madeira.
Coroada por merlões e ameias, nos vértices, pequenos balcões semicirculares eram suportados por matacães.
É acesa pelo primeiro pavimento, através de uma escada de pedra em ângulo, com guardas, também em pedra e uma porta em arco de volta perfeita, com uma moldura torada, e acima por um brasão real com dezanove castelos.

O vento soprou mais forte e as pontas do lenço mexeu-se ao sabor do vento. Podia jurar que por entre as rajadas de vento gelado ouvia a sua professora de história a relatar a história do próprio castelo e sorriu ao recordar uma das suas professoras preferidas.

"O Castelo de Chaves está localizado na cidade de Chaves, tendo a cidade o mesmo nome que o Castelo. Pertencente à Freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Chaves, Distrito de Vila Real em Portugal.
O Castelo de Chaves está em posição dominante sobre uma elevação à beira do Rio Tâmega, que por sua vez defendia a fronteira com a Galiza.
A primitiva ocupação humana desta região remonta à pré-história, conforme os testemunhos arqueológicos abundantes na zona.
Certamente refazendo o cenário a um castro pré-romano, à época da ocupação Romana na Península Ibérica, a actual cidade de Chaves foi um importante centro urbano, conforme testemunharam os vários vestígios arqueológicos.
A partir de 78 d.C. tornou-se sede de Município fundado por Tito Flávio Vespasiano, que a denominou Aquae Flaviae, em homenagem à excelência das águas termais em que a região é abundante.
Para unir as duas margens do rio, cortado pela estrada Romana que unia Bracara Augusta (actual cidade de Braga), e Asturica Augusta (actual Astorga, pertencente a Espanha), foi erguida a ponte de Trajano, datada do século I.
Acredita-se ainda que foi ainda datada neste mesmo período a primeira muralha envolvendo a povoação, circunscrita ao centro histórico da actual cidade, onde foi erguida a histórica Igreja Matriz.
Desde o século III que a cidade foi um grande palco das invasões por parte dos Suevos, destacando-se as lutas entre o Remismundo e Frumário que, disputando o direito ao trono, acarretaram a quase total destruição da povoação, culminando com a vitória de Frumário e a prisão do Bispo Idácio de Chaves.
Em seguida sucederiam os Alanos e Visigodos até que, no início do século VIII, à chegada dos muçulmanos, venceram assim Rodrigo, o último Rei dos Visigodos.
Os novos conquistadores terão vindo reforçar a fortificação de Chaves, uma vez que havia o choque entre Mouros e Cristãos que perdurou até ao século XI."


- Acho que vai chover. - Marc aproximou-se dela.
- É possível.
- Já tenho o que preciso. - Marc colocou a gola do casaco para cima - Vamos apenas beber um café antes de irmos.



Bella olhou pelo retrovisor, Rufus ainda dormia. O animal tinha quase vinte anos e ultimamente não comia quase nada. O que preocupava dona Amélia, mas após uma hora de consulta o veterinário não lhe encontrou nada além da idade. Entre festas e carícias sussurrou que Rufus já tinha vivido mais que o normal mas que dado os cuidados da dona não era de estranhar. Receitou umas vitaminas e recomendou que lhe desse muita água, que insistisse para ele fazer pequenos passeios e que dona Amélia se preparasse para o pior, possivelmente Rufus não sobreviveria ao inverno. Comprou as vitaminas e iria transmitir as recomendações, mas aquela parte ela não teria coragem de lhe dizer.

Quando entregou Rufus este ficou no portão a abanar a cauda suavemente, olhando para ela com olhos tristes. E ainda ali estava ao lado da dona quando ela fez a curva que dava para sua casa.
O som da porta a fechar-se foi o suficiente para soltar as lágrimas. Rufus era mais que um cão, ele fora o seu companheiro das imensas explorações pela aldeia quando tinha dez anos. Saber que ele tinha pouco tempo de vida partia-lhe o coração.


O sol mal se via por entre as nuvens cinzentas quando Bella abriu a persiana do escritório. Um carro pertencente ao museu passou na rua e ela recordou Jacinta. Mais precisamente Jacinta da Conceição De Oliveira Vaz. Filha do presidente da câmara e director do museu. A menina rica da região que a rebaixava por não ter mãe e por viver na casa que amorosamente dona Luísa colocara ao dispor durante as obras da casa que o pai tinha comprado. Para Jacinta essa parte não interessava, ela era filha do homem que nunca saía da casa e de uma mulher que ninguém conhecia e para cúmulo morava de favor numa casa pequena. Não interessava que o pai tivesse sido um excelente e respeitado professor catedrático até sofrer de depressão. Durante algum tempo quis ser como ela, linda e famosa! Mas isso passou ao perceber como Jacinta era maldosa. Por causa dela as raparigas da aldeia não lhe dirigiam palavra e os rapazes riam dela por ser muito alta e magrinha. A última vez que a tinha visto fora numa visita que fizera ao museu. Jacinta chorava agarrada a Pedro pedindo que não a deixasse. Saiu da sala pois, apesar de estarem numa das salas do museu, achou estar a invadir a privacidade deles. Meses depois soube que Jacinta casara com Afonso, que estava perdidamente apaixonado por ela desde a escola secundária, e não ficou surpreendida quando a filha deles nasceu de parto prematuro. Todos desconfiavam que a filha era de Pedro mas ninguém lho dizia e se por ventura alguém tinha coragem de o mencionar, Jacinta colocava ares de ofendida e dizia que tinha "apanhado" duas luas novas daí a filha nascer prematuramente.

- Problemas?!
- Não. - Bella voltou-se forçando um sorriso - Bom dia Marisa.
- Pelo menos não no trabalho, mas algo te incomoda.
- Nada que não controle. Graça falou algo sobre a câmara?
- Sim, mas não...
- Desculpem o atraso. - Graça entrou apressadamente - Bom dia.
- Bom dia. Ainda não estás atrasada.
- Dez minutos!  - Graça olhou para o relógio - O presidente da câmara disse que depois iam enviar uma carta em resposta à tua proposta.
- Obrigada. - Bella regressou ao computador - Vamos ver o que nos espera hoje...


A água escorria pelo corpo dela enquanto ela se perguntava porque tinha concordado com aquele jantar! Não gostava de Jacinta e não era mais a rapariga que fora na juventude. Pressentia que aquele convite era mais que um inocente convite. Era bom recordar os velhos tempos?! Para ela não! Os tempos de adolescente não foram os melhores e preferia esquecê-los.

Olhou o seu reflexo no espelho. O vestido tinha sido uma oferta de dona Luísa para a passagem de ano e ficava-lhe lindamente mas não estava certa de ser aquela a melhor escolha. Um novo olhar foi o suficiente para despir o vestido vermelho. Com ombros descaídos e sem costas, era sensual demais!  Optou por um preto com decote quadrado e que chegava aos joelhos. Calçou uns sapatos de salto alto e apanhou um casaco branco com fios entrelaçados a preto.
Apanhou o cabelo ao alto e colocou um pouco de cor nos lábios e nos olhos. Sobressaltou-se quando soou a campainha. Olhou o relógio, eram dezanove horas. Colocou um pouco de perfume nos pulsos e desceu as escadas. O som dos saltos faziam eco nas escadas de madeira.
Quando abriu a porta ficou extasiada ao vê-lo de fato e gravata. Estava lindo, digno de aparecer numa revista de moda masculina. A camisa branca contrastava com o fato preto que parecia ter sido feito por medida.

- Está linda.
- Obrigada. - Bella sentiu o rubor voltar ás faces.
- Não precisava correr. É dever de todo o homem esperar por uma mulher. Principalmente se é bonita.
- Não gosto que esperem por mim. - Bella fechou a porta e caminhou ao lado dele.
- E não aceita um elogio... Algum motivo especial?!
- A maioria dos elogios são apenas mentiras para atingir fins.
- Ou seja. Não acredita que está bonita?!
- Tenho espelho em casa e vejo-me todos os dias.
- Nesse caso sugiro que limpe o seu espelho. Deve estar muito sujo.

Bella ia responder mas achou melhor não o fazer. Era melhor utilizar a táctica que usava com as crianças, fingir que não ouvira! 
Recordou o motivo que a levava a ir jantar com uma mulher que detestava. O seu contrato! Estava ali porque trabalhava para o dr Garcia e por ironia do destino, este tinha um jantar com Afonso, marido de Jacinta. O que transformava aquele jantar numa extensão do seu próprio trabalho! Era como se fosse fazer de ama de uma criança numa festa. Teria de sorrir para Jacinta e fazer conversa de circunstância.
Houve tempo em que admirava Jacinta, em que queria ser como ela. Jacinta tinha o cabelo louro e os olhos azuis mais lindos que ela tinha visto, não era muito alta mas, ao contrário dela, aos quinze anos já tinha um corpo curvilíneo, ela teve de esperar pelos dezoito anos para ter um corpo mais ou menos. Detestava o seu peito, que achava demasiado grande em comparação com o peito bem proporcionado de Jacinta. Talvez por isso esta estivesse sempre rodeada dos rapazes mais bonitos e das raparigas mais populares. Durante as férias Jacinta era simpática com ela por isso quando a viu na escola pensou que seriam amigas mas nada mais longe dos propósitos de Jacinta.

O carro passou por um buraco e ela despertou daquelas recordações .
Ao olhar o seu reflexo no vidro do carro percebeu que o dr Garcia tinha razão. Estava bonita! Os olhos cor de mel brilhavam e os seus lábios pareciam mais cheios devido ao gloss. Sim, gostava da mulher que se tinha tornado. Os anos tinham-na transformado. Talvez Jacinta também estivesse mudada, talvez o filho fizesse dela uma pessoa mais humana.

- Conhece Afonso à muito tempo?
- Não. Foi-me apresentado por um amigo. - Marc olhou-a momentaneamente - E Jacinta?! É sua amiga?
- Amiga?! Não... - Bella procurou uma palavra para descrever a relação com Jacinta - Uma simples conhecida. Nada mais que isso.
- Estranho... Bem, chegámos.
- Aqui?!
- Algum problema?
- Não.

 Bella saiu do carro sentindo algum receio em não se conter se Jacinta fosse imprópria e assim ofender o dr Garcia. Pensara que o jantar seria num restaurante onde estariam rodeados de outras pessoas, mas ali na própria casa tudo...

- Marc! Que elegante. - Jacinta abriu a porta - Isabela?! Como estás mudada.
- Boa noite Jacinta. Tu também estás mudada.

Bella aceitou o roçar de face que Jacinta considerava como um beijo.

- A maternidade faz maravilhas à pele. Não tenho razão Marc?!
- Talvez. O seu marido?
- Oh desculpe. Entrem. Afonso está no escritório a terminar uma chamada.


Bella mal conseguiu comer, sentia o olhar de Jacinta sobre ela e tinha a sensação que esta aproveitava todas as ocasiões para tocar no dr. Garcia. O que a irritou vagamente. Era uma mulher casada, não uma adolescente! Por instantes teve vontade de lhe gritar que se comportasse mas o dr Garcia parecia gostar da atenção dedicada.
Sentindo-se novamente a adolescente que Jacinta fazia questão de recordar, aceitou o terceiro copo de vinho que Afonso amavelmente lhe ofereceu. Depois do jantar Afonso convidou o dr Garcia para ver uma nova peça do museu e deixou-as a sós.

- Nunca pensei que as mulheres a dias tivessem bom gosto. - Jacinta olhava Belle com os olhos semicerrados.
- Somos uma caixa de surpresas.
- E tens tempo livre? Estava a pensar em fazer umas limpezas aqui.
- Não. Mas se quiseres conheço uma agência espectacular.
- Oh, gostava que fosses tu. Hoje em dia as mulheres a dias tomam muitas liberdades. Por isso prefiro aquelas que não sabem fazer outra coisa. Se bem que não sei como suportas fazer isso.
- O quê?! - Bella sentiu o sangue a ferver nas veias ao mesmo tempo que um trovão soou lá fora.
- Isso... É humilhante demais. Não achas?! Eu sentiria imensa vergonha se a minha mãe fosse como tu.
- Como?! Honesta?! Uma mulher que trabalha para ganhar a vida?! Não mudaste nada! Continuas mesquinha! Deus, como pude sentir inveja de ti... És vazia. Fútil! Eu sim, teria vergonha de ter uma mãe como tu! Uma mulher que casou só porque foi abandonada. - Bella viu o olhar dela ficar brilhante - Uma mulher que nunca fez nada na vida a não ser viver na sombra de um homem que não ama! Pois! Ouviste bem. Achas que ninguém sabe de Pedro?! Todos sabem!


Bella calou-se ao perceber que Jacinta olhava um ponto nas suas costas. Virou-se e viu o dr Garcia e Afonso, bastou um simples olhar para perceber que eles tinham presenciado boa parte da conversa. Levantou-se e olhou Afonso nos olhos, devia-lhe um pedido de desculpas, fora no mínimo mal educada.


- Sinto muito Afonso. Não há pedido de desculpas que apague o que disse. - Bella olhou para o dr. Garcia - Dr. Garcia... Sinto muito tudo isto e compreendo perfeitamente qualquer decisão que tome.

Bella saiu sem esperar resposta, ao chegar à rua sentiu as gotas de água no rosto. Olhou para o céu sentindo um certo alivio. Um relâmpago iluminou os céus ao mesmo tempo que uma mão segurou o seu braço.

- Mas que pensas estar a fazer?!
- Vou para casa.
- Entra no carro. - Marc segurava a porta aberta.
- Eu peço um táxi, não precisa...
- Entra no carro!

Bella entrou no carro e ele fechou a porta. Olhou para ele esperando ouvi-lo dizer que se tinha portado como uma criança, que aquilo não era atitude de uma mulher da idade dela, mas ele permaneceu em silêncio enquanto o carro circulava debaixo de chuva. Apesar do silêncio tinha a certeza que ele estava furioso, o facto de ter usado o nome dela era sinal disso. Uma gota de água escorreu pelo rosto dela e ela estremeceu. Naquele momento tomou consciência que tinha deixado o casaco em casa de Jacinta e que o vestido estava molhado o suficiente para sentir na pele o frio da água da chuva. Ele aumentou o ar condicionado e parou o carro na beira da estrada. Entre algumas palavras meio espanholas, meio francesas despiu o casaco.

- Veste.
- Obrigada mas não precisa.
- Precisa sim. Não quero ter uma funcionária doente.
- Não vai rasgar o contrato?
- Porque o faria?
- Sabe bem porque.
- Não despeço os meus funcionários por dizerem a verdade - Marc olhou-a e depois voltou a concentrar-se na estrada - Pobre homem!
- Afonso sabe perfeitamente como ela é. Sempre foi assim. Mesquinha, maldosa e muito... - Bella calou-se ao sentir o carro parar - Que aconteceu?
- Acho que temos um furo.
- Agora?! Mas estamos tão perto de casa!
- Realmente! Imagine-se furar sem aviso prévio!


Bella viu-o sair, abrir o porta-bagagem e tirar o pneu e algo mais. A chuva apenas deixava ver um vulto que se mexia à volta do carro. A luminosidade era muito fraca e ela não pensou duas vezes. Saiu do carro com o telemóvel na mão tapado com o casaco.

- Estás a molhar-te toda.
- Neste momento o telemóvel é mais importante. Além de que não vai conseguir mudar o pneu com a luz dos relâmpagos. Por isso, se quero ir para casa acho que não tenho escolha.
- Muito bem.


Bella tremia de frio mas manteve-se ali segurando o telemóvel enquanto olhava para ele. Para a camisa dele colada ás costas, o cabelo pingando... Cada movimento dele era captado pelo olhar dela e registado como a coisa mais sensual que vira. Do corpo dele desprendia-se um ligeiro aroma a algo que ela não conseguia identificar mas que aumentava os tremores do corpo dela.
Marc levantou-se repentinamente batendo nela e ela cambaleou. Na tentativa de se segurar agarrou-se a ele atirando com o telemóvel. Bella sentiu o braço dele na sua cintura e o calor dele percorreu-lhe o corpo como um bálsamo. Sem a soltar levou a outra mão ao rosto dela e colocou-a no pescoço nu e molhado, ela estremeceu ao toque mas não se mexeu. Ficou ali sentindo a respiração dele no seu rosto tentando vislumbrar o olhar dele na escuridão. Pouco depois os lábios tocaram-se e ela fechou os olhos permitindo-se sentir tudo o que aquele beijo lhe proporcionava.

A chuva gelada escorria pelos corpos que permaneciam colados enquanto as bocas se reconheciam. Um trovão ecoou fortemente e um relâmpago iluminou o céu quase instantaneamente e Marc afastou a boca da dela mas manteve o braço na cintura dela.

- Não queria que te molhasses e no fim estás encharcada. Precisas de um banho.
- Sim.

Bella entrou no carro e fixou o olhar nas luzes da vila que se aproximavam. Tinham-se beijado! Não o devia ter permitido. Como o encararia no dia seguinte?! Não conseguiria! Era uma idiota! Não se beijam os clientes! Repetia uma e outra vez.


- Chegámos.
- Sim?!

Bella olhou lá para fora e apesar da chuva conseguiu ver a sua casa. Numa outra circunstância convidava-o para entrar e beber café mas depois daquele beijo...

- Vai tomar banho antes que me faça de convidado.
- Não serias...

O beijo que se seguiu provava-lhe que sim, que ele era capaz disso e muito mais.

- Até amanhã Bella.



Bella olhava o computador sem conseguir concentrar-se talvez devido à dor de cabeça por sair da cama demasiado cedo.
Mas não conseguia dormir. Não depois dos acontecimentos da noite anterior.
Depois de chegar a casa tinha tomado banho e bebera um chá bem quente antes de se deitar mas os beijos dele perseguiram-na durante o sono. Não o devia ter beijado! Principalmente na segunda vez! O telemóvel tocou e ela atendeu mecanicamente.

- Faço por si, bom dia.
- Quem raios é a mulher que está lá em baixo?!

Ouvir a voz dele avivou os beijos e estremeceu.

- Desculpe mas não estou a entender. Lá em baixo onde?
- Não te faças de desentendida! Está uma mulher na minha casa. Precisamente no meu escritório!
- A mulher chama-se Marisa.
- E o que faz ela aqui?
- Dadas as circunstâncias achei que...
- Circunstâncias?! Quais circunstâncias?!
- O que sucedeu ontem não era suposto...
- Não acredito! Mandaste uma mulher por causa daquele beijo?!
- Correcção! Beijos!
- A quantidade é indiferente. Não passou de um beijo que se as circunstâncias fossem outras não teria acontecido!
- Concordo plenamente!


 Bella desligou o telemóvel furiosamente e ficou a olhar o monitor sentindo o coração bater na garganta. Porque lhe doíam aquelas palavras?! Não passara de um beijo! E não era o seu primeiro beijo! Beijara Bruno durante muitos meses! E depois de descobrir que Bruno era casado demorou muito tempo até conseguir seguir em frente. Houve dias em que pensou não conseguir sair da cama de saudades!
Então porque não recordava o calor dos beijos dele?!

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